Numa notável música intitulada
O Estrangeiro, em 1989, Caetano Veloso remata anunciando:
Some may like a soft brazilian singer but I’ve given up all attempts at perfection.
Não defendo que esqueçamos a perfeição. A perfeição deve permanecer como o objectivo, os objectivos devem ser claros e devemos lutar por eles. Mas devemos ter a noção de que a perfeição nunca é atingível por métodos democráticos, e os métodos antidemocráticos (para além de serem isso mesmo – antidemocráticos) conduziram a resultados que ninguém, nem mesmo o mais fanático, considera perfeitos. Ou seja: devemos tentar aperfeiçoar-nos, conscientes das nossas imperfeições. A perfeição é algo que se tenta atingir, e não algo que se estabelece. Finalmente, há limites à perfeição que queremos atingir (à esquerda: a Igualdade e a Liberdade), provenientes da nossa condição humana de animais sociais, que podemos aprender com a História, mas também com a Segunda Lei da Termodinâmica. São totalmente irrealistas as propostas baseadas na “imaginação”, no “sonho”, no “ideal” e na “utopia”, que tantas vezes se ouve falar à esquerda, e que devemos rejeitar em nome da verdade. (Belo slogan, o do PSD: Política de Verdade. Pena que não tenha nada a ver com o partido que o usa.) Mais valem avanços concretos que tacticismos suicidas que preferem levar a direita ao poder em nome da “pureza ideológica”, na esperança que a revolução fique mais próxima e mais fácil. É em nome destes avanços concretos, é por causa destes avanços concretos, que voto no PS nestas eleições legislativas. Porque sou de esquerda e, relativamente aos outros partidos, o Bloco de Esquerda não consegue (ou não conseguiu, até hoje) assumir nenhum tipo de responsabilidades, e o PCP, se não tiver uma posição hegemónica (que o povo português nunca entendeu dar-lhe), prefere conservar a sua pureza como partido puramente de protesto. Esta minha rejeição poderia motivar-me a procurar uma outra alternativa, ou a votar no PS simplesmente porque era o mal menor. Não é esse o caso: voto no PS nestas eleições com convicção: estou firmemente convencido de que é o melhor para Portugal. O que motiva este meu ponto de vista são alguns dos tais “avanços concretos” dos últimos quatro anos, rumo a uma sociedade mais justa. Sem querer ser exaustivo, vou enumerar alguns:
a reforma da Segurança Social, com o aumento da idade da reforma, com vista à sua sustentabilidade; a reforma do Serviço Nacional de Saúde, com o encerramento de urgências aparentemente “de proximidade” mas mal equipadas, e a sua concentração em unidades com tamanho suficiente para terem equipamentos e pessoal de forma a melhor servirem os utentes. O lançamento (após décadas de espera) de infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento do país, como o novo aeroporto de Lisboa e (menos) o TGV. No trabalho, o desincentivo da precarização dos contratados. Na administração pública, o programa Simplex que a desburocratizou e simplificou, permitindo resolver online o que dantes demorava horas. Um exemplo concreto é o programa Casa Pronta de aquisição de casas, que permite fazer a escritura e o registo de uma casa própria ao mesmo tempo, numa conservatória, sem recurso a mediadores (os notários), simplificando, acelerando o processo e reduzindo muito os honorários. À custa dos notários, pois claro – e foi preciso coragem para afrontar esta (e outras) corporações. Algo que este governo nunca temeu: afrontar corporações. Na educação, a aposta na requalificação do parque escolar, a retirada de símbolos religiosos das salas de aula das escolas públicas, o investimento no ensino técnico-profissional e para adultos. O princípio da introdução da avaliação dos professores (bem como de todos os funcionários públicos) é salutar e só por si constitui uma grande reforma, que nunca foi aceite em termos sérios pelos sindicatos, por muito que eles digam o contrário. Finalmente, na ciência e ensino superior, área que me é particularmente sensível, assistimos ao reforço do investimento público com a contratação de novos doutorados, a continuação da aposta na formação de doutores e, finalmente, um novo ECDU (estatuto da carreira docente universitário), substituindo uns estatutos totalmente obsoletos e, nomeadamente, acabando com a figura do “assistente”. Uma reforma que se impunha há mais de uma década atrás. Finalmente, foi nesta legislatura que se conseguiu a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Claro que o modelo concreto proposto de avaliação de professores deixa muito a desejar e transforma-os em burocratas, precisando evidentemente de ser revisto (mas não retirado). Claro que continua a assistir-se a uma tremenda promiscuidade entre Estado e empresários privados, algo que só beneficia estes e nos prejudica a todos. Claro que há muito a fazer para uma efectiva redistribuição de riqueza (aquilo que, no fundo, define a esquerda). Mas, no global, fazendo o balanço desta legislatura, estamos muito melhores hoje do que estávamos há quatro anos e meio. Claro que José Sócrates não é, nem em termos de currículo/carreira nem em termos ideológicos, um líder entusiasmante ou carismático. Mas não deixa de ser o melhor primeiro ministro que Portugal teve desde Vasco Gonçalves.