Sunday, March 13, 2011

Carta aberta à geração “à rasca”

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Nasci há 65 anos num país onde não se podia criticar o governo. Os melhores filmes só se podiam ver no estrangeiro. Os melhores livros só por baixo da mesa e a olhar por cima do ombro.
Juntei-me humildemente aos que lutavam para acabar com tal estado de coisas e vivi durante anos no pavor de ser descoberto.
A meio do meu curso universitário, aos 22 anos, mandaram-me para a guerra “defender as províncias ultramarinas”. Lá estive dois anos a arriscar a vida, sem jornais, sem televisão e sem sequer imaginar o que viria a ser um telemóvel.
O Maio de 68 chegou atrasado e requentado ao país dos mosquitos em que passava a minha melhor juventude.
Quando voltei, com 25 anos, estava a leste da realidade do meu país e a maior parte dos meus amigos tinham-se dispersado pelas periferias e nunca mais voltámos a conviver regularmente.
Arranjei realmente um bom emprego mas aos 29 anos encarceraram-me a mim e à minha mulher. Por pouco levavam também o meu puto de 3 anos.
O 25 de Abril tirou-me da cadeia e impediu que eu perdesse tudo quanto tinha construído até então. O resto da história já vocês, melhor ou pior, conhecem.

Durante todo esse tempo nunca me passou pela cabeça declarar-me parvo ou vir para a rua dizer que estava à rasca. O estado do país preocupava-me demasiado para me procupar com a minha própria pessoa.

Conto-vos isto para vos convencer de que não há razões para desesperar.
Acho bem que se manifestem mas acho que isso não chega. E não levem para lá os vossos pais pois eles já têm problemas da coluna, e outros. Vendo bem eles são o vosso principal seguro de vida e não convém que se vão abaixo enquanto podem receber a pensão de reforma.
Não há ninguém que possa resolver o vosso problema. Nem o governo, mesmo que quisesse (o que é duvidoso). Nem as empresas que, como é da sua natureza, só vos contratarão se entenderem que podem ganhar dinheiro com isso.
O governo não tem dinheiro para mandar cantar um cego e não estou a ver o Belmiro a contratar uns milhares de sociólogos e de especialistas em relações internacionais.

Não queiram ser como os vossos pais. Não se resignem a uma vidinha de empregados por tuta e meia que sonham comprar um carrito e um T3 para os lados da Buraca.
Vocês é que têm que criar um mundo diferente, uma sociedade de novo tipo.
Ponham bombas, recusem os empregos marados e tornem-se hippies, boicotem produtos e empresas, criem cooperativas e mostrem-lhes o que valem.
Em suma façam qualquer coisa.
Mas por amor de Deus não fiquem à espera de que alguém resolva os vossos problemas.

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