Banquetes reais, orgias anónimas, crises de bastidores, turismo pansexual, socialismo socialite, adultério, fetichismo, recriminação, propaganda, clisteres de vodka russo, poemas em latim e name-dropping numa escala industrial: está aqui uma leitura de férias para toda a família.
Os Diários podem ser interpretados - para me socorrer de uma hipotética bacchanalia Leonarda - como o produto de uma sessão de ópio entre Mae West, Dorothy Parker e Simone de Oliveira, na masmorra do Marquês de Sade, ao som da orquestra de Duke Ellington.
Kenneth Tynan foi o maior talento crítico da sua geração, marcando o compasso estilístico para alguns dos seus mais brilhantes sucessores. Os seus textos seminais para o Observer nas décadas de 50 e 60 (recentemente reeditados pela Nick Hern Books) prenunciam, por exemplo, a acidez escrupulosa de Pauline Kael, e o arlequinismo heterogéneo de Anthony Lane.
Em paralelo à sua privacidade mercadejável, Tynan desenvolveu também uma carreira de personalidade pública, cujas frequentes e ridículas contradições o tornaram um alvo predilecto de boateiros e moralistas. É estranhamente fascinante confirmar as semelhanças do auto-retrato aqui esboçado com a certeira caricatura que Paul Johnson dele traçou na sua clássica colecçãozinha de indignações, Intellectuals (esse tablóide sem imagens nem erros ortográficos). Por entre indignadas diatribes contra a acumulação de capital e a exploração do proletariado, Tynan percorre a 'swinging London' de Jaguar, fumando cigarros importados, partilhando jantares de faisão e ostras com a nova e a velha aristocracia (uma das fotografias que adorna o livro junta Gore Vidal, Jack Nicholson e a Princesa Margaret), e, num toque ferozmente romanesco, lançando suspeitas sobre uma (inocente) empregada de hotel para encobrir um delito que ele próprio cometera.
As mais de quatrocentas páginas são sempre compulsivamente legíveis, mas registam apenas a última década da sua vida, e narram mais rancores que triunfos; o engenho e o discernimento de outrora só a espaços fulguram - em lentos ricochetes - e chegam quase sempre revestidos com o incómodo verdete da auto-vitimização.
Os melhores momentos (se exceptuarmos algumas vendettas deliciosamente difamatórias) são aquelas estratégicas manifestações de honestidade, onde toda a parafernália retórica do género confessional é descaradamente exposta perante o leitor, convidando-o a tornar-se cúmplice no logro:
«I remember one day long ago driving down Park Avenue on the way to Penn Station with a sheaf of notes for a Harvard lecture in the right-hand pocket of my raincoat, and in the left, a celluloid packet containing twelve photographs, with acompanying text, of one girl model spanking another on her bare bottom with a hairbrush. Given a choice, I would far rather have jettisoned the contents of the right-hand pocket. With this dichotomy I have spent my life.
(Note the fearless candour of this amazing revelation. And note, too, the self-deprecating irony - 'fearless candour', 'amazing revelation' - with which I have phrased it, thereby showing what a self-critical person I am. And if you think that sounded self-congratulatory, let me answer you that I am well aware of my faults, which are numerous. And if that implies too much self-knowledge, may I add that, in fact, etc. etc. etc.)»
Isto foi escrito em 1976, mas poderia ser o director's comment a 90% dos blogues que leio.
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