Saturday, July 14, 2007

Museu no Terreiro do Paço

Hoje é dia de eleições em Lisboa. Como eu gostaria que esta proposta, que eu tantas vezes imaginei e que ontem Manuel de Matos Fernandes publicou no Expresso, tivesse sido feita por um dos candidatos à presidência da Câmara.



O leitor recordar-se-á das notáveis exposições produzidas ao longo de uma década pela Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses. Francamente, parece-me absurdo que as novas gerações tenham de esperar por nova data redonda para ver tratado e celebrado com aquela qualidade o momento maior da nossa História. Até porque tais datas e festejos afins raramente são a ocasião mais propícia para pensar o passado de forma lúcida e mobilizadora.

Lamento, enfim, que o esforço então desenvolvido não tenha levado a um projecto museológico sobre Os Descobrimentos Portugueses e a Expansão Europeia, tratando com equilíbrio e rigor as contribuições dos diversos países nela envolvidos, bem como as civilizações encontradas pelos europeus.

Num projecto com esta orientação há os temas incontornáveis, que conjugados com a mostra de objectos de grande simbolismo - astrolábios, portulanos, Tratado de Tordesilhas, carta de Pêro Vaz de Caminha, primeiras edições da ‘Peregrinação’ e de ‘Os Lusíadas’, os Painéis do Infante e a Adoração dos Magos com o índio do Brasil - com os achados da arqueologia subaquática e com o recurso às técnicas de realidade virtual (como a simulação de uma tempestade no Cabo da Boa Esperança) tornariam a visita atractiva para o grande público.

Além do que fica acima referido, outros aspectos há menos óbvios mas nem por isso menos importantes.

Nenhum outro povo europeu da Expansão exerceu e recebeu influências no campo da Arte em grau comparável aos portugueses. A inclusão de peças como marfins afro-portugueses, marfins, jóias e móveis hindo-cingalo-portugueses, sedas e porcelanas sino-portuguesas, biombos japoneses com figuras portuguesas, azulejos portugueses de inspiração oriental, conferiria ao projecto características de Museu de Arte. Que seriam reforçadas com a abordagem ao património construído, fortificações, monumentos religiosos e civis, cidades fundadas e desenhadas pelos portugueses.

Deveria ser contemplada a língua portuguesa, bem como as comunidades fora da lusofonia que se sentem ligadas a Portugal, como Goa, Malaca, Flores, Nagasáqui.

A construção do Brasil deveria ter tratamento destacado, tendo em conta a importância que terá no mundo futuro e o número de brasileiros que nos visitam.

O Museu teria programas preparados para visitas dos diversos graus de ensino. Para lá do público nacional, seria particularmente atractivo para os cidadãos dos países que participaram na expansão europeia, dos países do Novo Mundo ou daqueles que connosco mais intensamente contactaram, como a Índia, o Japão e a China. Mas com a abrangência atrás esboçada seria rapidamente considerado imperdível para estudiosos ou simples apreciadores em domínios como as artes decorativas, a arquitectura, a oceanografia, a cartografia, a arqueologia subaquática. Trata-se pois de um imenso público potencial!

Um Museu como este não existe em lado nenhum. Se há país em que ele se justifica é o nosso. Edificado em Lisboa, no Terreiro do Paço, seria a âncora que a Baixa necessita para a sua reanimação. Aí instalado, o Museu deveria contemplar a história do sítio: o Paço da Ribeira, a Casa da Índia, o Terramoto, a Reconstrução Pombalina, o Regicídio, a madrugada de 25 de Abril. Perto, deveria estar fundeada a fragata ‘D. Fernando II e Glória’ (sem destino depois da reabilitação para a Expo-98).

É sabido até que ponto certos projectos museológicos podem tornar-se poderoso trunfo na competitividade entre cidades (e entre países). Este projecto, conduzido com inteligência e ambição, pode ser O Museu de impacto planetário que nos falta.

O que ele poderia contribuir para a imagem que os portugueses têm de si próprios e para aquela que os milhões que anualmente nos visitam vão guardar é inestimável. E a influência que essa outra imagem pode ter no nosso futuro ainda mais.

Manuel de Matos Fernandes
Professor catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
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