Parafraseando Marx procuramos compreender como certas formas de fazer política têm o mesmo efeito alienatório que era atribuído à religião.
Paradoxalmente, ao longo do século XX, assistiu-se a todo o tipo de abastardamentos da política que fizeram dela, apesar do aviso de Marx, um conjunto de comportamentos de tipo religioso; os pseudo-messias, a crença na redenção longínqua e em uma nova vida “pós-qualquer coisa”, a permanente busca e castigo dos “hereges”, e outros.
A política era uma forma de escapar aos tormentos de cada dia e projectar-se num futuro ideal.
Aqueles que não eram “tocados por essa luz” precisavam de ser catequizados. Um dos maiores equívocos consistia em não se pôr sequer a hipótese de alguém não querer ou de alguém não considerar viável o mundo radioso que se almejava.
Essas perversas semelhanças entre a política e a religião já foram objecto de muitos e variados estudos e anátemas.
Na sequência da queda do muro de Berlim a política começou a parecer-se cada vez menos com a religião e a parecer-se cada vez mais com o futebol; a transcendência deu lugar ao primarismo, os “horizontes que cantam” desapareceram dos discursos, em vez de Messias passámos a ter os habilidosos “bons de bola” e em vez de hereges temos apenas as “claques” da outra cor.
Temos também o “offside” do Santana quando foi nomeado PM, as mudanças de treinador com “chicotada psicológica” protagonizada recentemente por Paulo Portas, as “transferências milionárias” do tipo Freitas do Amaral e os laivos de “apito doirado” atribuídos à dissolução do Parlamento à qual se seguiu uma “goleada” da equipa do Sócrates.
Os comentadores políticos já são pelo menos tão famosos como os comentadores desportivos e alguns até transitam elegantemente de uma condição para a outra (vide Santana e Seara, por exemplo).
Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa são as “irmãs Lúcia” destes novos tempos.
Enquanto que na sua “fase religiosa” a política se movia por grandes objectivos gerais, nesta “fase futebolística” a política é o reino dos cadernos reivindicativos de efeitos imediatos.
Mesmo os partidos com tradições revolucionárias, como o PCP, já só propõem os aumentos das pensões, e do salário mínimo em vez do “mundo novo” e do “homem novo”.
A esquerda moderna, ou seja da moda, adiciona umas pitadas de ervas “fracturantes” para ganhar as vanguardas do Bairro Alto.
A melhor distinção direita-esquerda que conheço é: todos dizem desejar o bem público mas para a direita ele é alcançável sem acabar com o capitalismo e a esquerda pensa que para isso é imprescindível a transformação radical do sistema.
Mas já ninguém fala do sistema excepto aqueles que, sintomaticamente, dizem que “outro mundo é possível”.
Notem bem: “é possível” e não “é desejável”, “é urgente” ou “deverá ser assim”.
Ninguém parece querer alterar profundamente as regras do sistema (do campeonato), as vitórias e as derrotas emanam dos fait-divers (dos dribles) amplificados pela comunicação social (pelas claques).
O leque de escolhas políticas disponíveis é demasiado estreito.
Estamos condenados ao clubismo mais delirante e ao “síndrome do penalti” que é uma forma de cegueira que nunca permite admitir os castigos contra a nossa equipa.
As campanhas eleitorais que estamos a viver são como um jogo de futebol em que, após 90 minutos de invectivas à mãe do árbitro e dos adversários, a vitória se decidisse não pelas bolas entradas na rede mas por votação dos adeptos presentes no estádio.
Infelizmente a política não é um jogo “a feijões”.
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