Muito se tem comemorado a retumbante “vitória da esquerda”.
Sem querer ser desmancha-prazeres sempre vos digo que seria prudente moderar os ímpetos e passo a explicar por quê.
A melhor distinção direita-esquerda que conheço é: todos dizem desejar o bem público mas para a direita ele é alcançável sem acabar com o capitalismo e para a esquerda é imprescindível a transformação radical do sistema. É portanto à luz desta definição que eu avalio os resultados de 20 de Fevereiro.
A pergunta que deve ser formulada é: havia no dia 20 de Fevereiro mais portugueses convencidos da necessidade da superação do capitalismo, dispostos a propiciar a emergência de uma nova forma de produzir em sociedade, do que no dia 20 de Janeiro ?
Aposto que não.
Até penso que grande parte dos votantes dos partidos de esquerda nem sequer associam o PSD e o CDS ao governo Santana/Portas que tão claramente mostraram rejeitar. Grande parte dos dirigentes do PSD saem até prestigiados pela mão da esquerda desta curta experiência “santanista” (lembramos Pacheco Pereira, Marcelo, Cavaco, Manuela Ferreira Leite, António Borges e muitos outros) e constituem-se como perigosos inimigos futuros.
A culpa disto tem que ser atribuída àqueles que, por sofreguidão do poder, concentraram todos os trunfos eleitorais na exploração, até à náusea, das “peripécias santanistas”, tirando partido de uma fama longamente construída do “play-boy” e explorando a tendência portuguesa para a inveja (como explica José Gil).
A exploração fácil do “santanismo” foi, pelo sim pelo não, complementada pelo elenco habitual de “medidas sociais” em que cada partido tenta sempre superar os concorrentes esmerando-se no “caderno reivindicativo” (Sócrates considerou Bagão populista por baixar as taxas de IRS mas considera responsável prometer “tirar 300.000 idosos da miséria” e a “criação de 150.000 postos de trabalho”).
Alguns dirão que sem este oportunismo a esquerda não teria vencido as eleições mas cabe perguntar se esta vitória serve para alguma coisa. Cabe perguntar se vencer sem um claro programa de transformações progressistas não redundará, como no passado, numa nova machadada na esperança que os portugueses deveriam depositar na esquerda (a desilusão que percorre a sociedade brasileira na sequência da eleição de Lula da Silva é ilustrativa deste perigo).
Quando falo de transformações progressistas estou a pensar na definição de esquerda apresentada mais acima, numa mudança de paradigma sócio-económico, e não do “Estado Social” que é hoje, por falta de imaginação, a bandeira de todos os partidos à esquerda do PSD. Temos em Portugal um partido que se chama “social-democrata”, o PSD, mas aqueles que realmente defendem a social-democracia, entendida como “capitalismo+estado social”, são o PS, o PCP e o BE.
Por muito que invoquem o “marxismo-leninismo” ou as “propostas fracturantes” quer o PCP quer o BE (do PS nem vale a pena falar) têm vindo a capitular perante o modelo da social-democracia. Desapareceram as referências à superação do capitalismo que é cada vez mais contestado com base nas injustiças da redistribuição e não por constituir um empecilho para o desenvolvimento da espécie humana.
Trata-se mais de “cuidar dos pobrezinhos” do que de abrir caminho para um novo patamar da humanidade em que os “pobrezinhos” sejam um anacronismo.
Para aqueles que duvidem do que eu digo deixo um desafio: imaginem que a maioria absoluta tinha sido dada não ao Sócrates mas ao Louçã, ou ao Jerónimo e pensem, no vosso íntimo, se eles realmente estão preparados, se têm vindo a criar as condições políticas para transformar profundamente a nossa sociedade.
Em suma: venceu a “esquerda” que temos e perdeu a esquerda que devíamos ter.
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