Friday, March 25, 2005

Lendo "PORTUGAL, HOJE - O medo de existir"

Acabei de ler o livro do José Gil.
Confesso que era um dos livros da lista que eu tencionava não ler (junto com O Código Da Vinci e Equador) por se terem tornado best sellers de citação obrigatória, apoiados numa forte máquina de marketing e/ou na mediatização prévia dos seus autores.
Mas ofereceram-mo e li; e dei o tempo por bem usado porque pensei bastante, a propósito e despropósito do que ia lendo, acontecendo esta ultima situação quando, por falta de preparação ou de apetência para elucubrações filosóficas mais abstractas, deixava a vista ir percorrendo alguns parágrafos enquanto me questionava sobre onde é que tudo aquilo me levaria.

Interessou-me bastante a questão do “espaço publico” ou melhor, da sua ausência, e do preenchimento pelos media do vazio ruidoso que ele deixa. É um “fraseamento” excelente de algumas ideias que me surgiam empìricamente.
A propósito, encontrei no EXPRESSO do dia 19 este “boneco” que ilustra bem esta ideia (e do qual me aproprio, como deve acontecer em espaço público, dando-lhe um novo uso, com a devida vénia para o autor).





Tenho sentido “na pele” as manifestações da sombra branca ao tentar lançar para discussão pública algumas ideias novas ou pelo menos fora dos contextos estabelecidos. Mesmo quando se consegue ultrapassar algumas barreiras materiais para chegar às outras pessoas, depara-se no geral com o silêncio; não se é criticado, nem sequer achincalhado, é-se pura e simplesmente ignorado; como se nada tivesse acontecido. E tal coisa não tem nada a ver com a qualidade da mensagem; tem que ver com o incómodo por ela causado.
José Gil reconhece isso e honestamente engloba neste sistema o que se passou com ele: o êxito mediático das suas teses deve-se não à sua qualidade mas à notoriedade que lhe foi dada pela tal revista francesa....

Embora o salazarismo e a sua envolvente melíflua de medo possam aparecer como os “ladrões que nos roubaram o espaço público”, penso que a coisa tem raízes mais fundas; aliás 50 anos são muito pouco tempo para cimentar no inconsciente cultural de um povo moldes tão infra-estruturantes como a “não inscrição”.
O espaço público foi-nos roubado quando se instalou a Inquisição. Neste caso não me refiro às fogueiras, à privação da liberdade física, à tortura ou à morte; tudo isso era comum nas “justiças” da época. Refiro-me ao risco de pensar pela própria cabeça, ao receio do novo e do diferente, à desconfiança pelo que vem de fora, à dissimulação, ao fingir que não se vê o que não se pode suportar, ao anseio pela segurança que será garantida se se seguir em tudo a “cartilha oficial” e se respeitar as hierarquias e a ordem estabelecidas.
E não esqueçamos que por sua vez, a Inquisição (não como “instituição” mas como “sistema cultural”) se instaurou numa sociedade de características senhoriais muito resistentes. Os descobrimentos e o comércio ultramarinos eram monopólio da coroa que os usava e distribuía como “feudos”. Dos senhores, com o rei no seu vértice, vinha a justiça e a tirania, a riqueza e a espoliação, a orientação e a proibição, a recompensa e o castigo, a salvação e a morte. Tudo muito longe de sociedades onde os mercadores eram plebeus auto-organizados e os cristãos eram incentivados a interpretar a bíblia...

Se olharmos para a História de Portugal desde então até aos nossos dias perceberemos que as “vigas mestras” do edifício social continuaram praticamente as mesmas: mudou a decoração... O sebastianismo, a acção do Marquês de Pombal, o papel de Pina Manique, as lutas liberais, o período da monarquia constitucional, a 1ª republica, o salazarismo e finalmente a democracia em que vivemos, tudo ganha novos contornos quando examinado a esta luz. Era uma tarefa que merecia a pena empreender!

Tudo isto a propósito de José Gil considerar (penso eu!) que o período salazarista é a causa das realidades sócio-psicológicas que ele tão bem caracteriza .
Eu considero que o “sistema” salazarista mais do que causa foi uma encarnação dessas realidades subjacentes; o que aliás explica o grande sucesso que teve na implementação do seu projecto e a aceitação de que gozou junto de largas camadas da população, principalmente nos primeiros tempos. Por mais que isto nos desagrade, é uma realidade que não devemos escamotear.


Até ao fim fiquei na expectativa de José Gil ir dar uma pista de saída do “nevoeiro branco”.
Não a encontrei; ou então talvez não tenha percebido o que quer ele exactamente dizer com “a nossa capacidade de fluir entre dois estratos, entre duas forças que nos prendem” e com “o nosso sentido lúcido do real, do pensamento claro” (pag. 139).
É verdade que não fizemos o luto do salazarismo. Como não fizemos ainda o luto do feudalismo, nem o luto da inquisição.
Por vezes penso que vamos ter de fazê-los todos de uma vez juntamente com o luto do regime democrático....
E com esta afirmação de “bradar aos céus” penso que é altura de terminar por agora este texto politicamente incorrecto que já está a ficar muito longo!

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