Saturday, March 31, 2007
Águas de Março fechando o inverno
O clipe do YouTube que a seguir revelo tem outra particularidade, pois desvenda uma história bem conhecida pelos bons apreciadores da música brasileira: por que razão, na gravação mais conhecida da canção, no álbum Elis & Tom de 1974, a partir de uma dada altura Elis Regina se descontrola e desmancha-se a rir? A razão pode ser vista neste vídeo, gravado durante as gravações do álbum. Eu compreendo o ataque de riso da Elis (face à atitude inesperada e surpreendente do Tom); quando eu vi o vídeo pela primeira vez, tive exactamente a mesma reacção. Uma pequena pérola a encerrar o mês.
Friday, March 30, 2007
Lenine - o concerto
Vem muito bem descrito no Diário de Notícias.
Voltei a verificar algo que não via tão nitidamente desde Nova Iorque. Era o normal num concerto de música brasileira: nos lugares mais caros, americanos compenetrados tentam apreciar a música sem perceberem nada da letra. Nos lugares mais baratos, os brasileiros cantam e fazem a festa.
Na quarta feira, no Tivoli praticamente cheio, a plateia não dançou. Os mais animados eram os pernambucanos do segundo balcão.
Thursday, March 29, 2007
Não tem havido muita geada nocturna ultimamente
Vem aí muita civilização
"O Novo Capital", etc. e tal...
Instituições como a APDSI, a Ordem dos Economistas e até o Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais anunciaram e promoveram a obra.
O Expresso de 17 de Março inseria mesmo uma referência com o suculento título “Afinal Karl Marx tem razão” completada com o destaque “Jaime Quesado recupera ensinamentos do filósofo alemão e aplica-os, no seu último livro, à Sociedade do Conhecimento”.
Fiquei entusiasmado já que, sendo o autor “gestor do POSC” Programa Operacional Sociedade do Conhecimento, um livro com tão ambicioso título trataria certamente das teorias de Marx à luz dos desenvolvimentos tecnológicos e organizativos da produção actual, ou vice-versa.
Quando consegui obter um exemplar deparei, logo na página 3, com uma reprodução do frontespício do “Das Kapital” seguida, em letra grande, da frase “Afinal, Karl Marx tinha Razão”. Tomei isso como uma confirmação das minhas expectativas.
Saltei para o fim do livro à procura da bibliografia, para saber que obras usara Quesado na sua análise. Não havia. Repito: não havia qualquer lista de livros consultados ou recomendados.
Fiquei um pouco surpreendido mas não desisti. Varri o livro de uma ponta à outra, são apenas 135 páginas em letra de formato grande e muitas fotografias, em busca das referências a Marx. Encontrei finalmente, a páginas 132, e resumem-se a isto:
“Nunca como agora Karl Marx passou a ter razão. Na moderna Sociedade do Conhecimento, os meios de produção, sob a forma de computadores, estão na posse dos trabalhadores que deles fazem o instrumento central duma geração de valor baseada nos imperativos da criatividade e da diferença estratégica. Caberá a estes “trabalhadores do conhecimento” imortalizados por Peter Drucker a difícil tarefa de demonstrar que a necessidade colectiva das organizações da utilização dos talentos tem que ser equilibrada com uma vontade individual dos talentos de se relacionarem com as organizações.”
E pronto. De Karl Marx estamos conversados.
Custou-me a acreditar que tudo se resumisse a uma “treta” de café ainda por cima muito mal contada.
Não é verdade que os computadores estejam “na posse dos trabalhadores” pois são na generalidade dos casos propriedade das empresas empregadoras, tal como não estão na posse dos trabalhadores as redes, a maior parte das bases de dados, a maior parte dos programas, e muitos outros componentes da infra-estrutura tecnológica actual.
Também é grave confundir computadores com criatividade pois pode não ter nada a ver uma coisa com a outra; pode-se ser muito criativo sem usar computadores e o inverso também é verdadeiro.
A utilização por Quesado da figura de Marx como “objecto decorativo”, para aumentar a visibilidade do seu livro, constitui um atrevimento detestável. Não se trata de considerar que Marx seja intocável para o comum dos mortais mas sim de exigir que um trabalho que tem pretensões ensaísticas seja feito com um mínimo de rigor e de seriedade. Este caso também revela uma total inconsciência já que o autor não parece perceber o ridículo a que se expõe.
Agora de um ponto de vista mais geral o livro aparece como uma manta de retalhos que tenta organizar, sob um mesmo “chapéu”, material que provavelmente terá sido usado em comunicações e apresentações avulsas.
É no entanto esclarecedor que esse trabalho de montagem apresente notórias faltas de cuidado; por exemplo o quadro de 5 pontos da pag. 67 aparece repetido com ligeiras diferenças nas pgs. 71 e 105. Há também lapsos de revisão que truncam palavras ou repetem bocados de frases (ex. pag. 71) tornando-as insondáveis.
Apesar dessas falhas que revelam uma menor consideração pelos leitores, não é condenável o facto de alguém reaproveitar trabalho seu anteriormente feito.
O que é mais gravoso é o facto de, para além de uma colecção de todas as “buzzwords” que soam nos círculos em que o autor se move, e abundantes citações dos autores estrangeiros de maior nomeada (prémio absoluto para a pag. 87 onde são citados 3 num único parágrafo), pouca matéria de fundo se descortinar no livro que não pudesse ter sido o conteúdo de um qualquer discurso de campanha feito por um dos nossos políticos “oficiais”.
Fez-me lembrar um programa que tínhamos na IBM, onde eu programava em COBOL ao tempo em que Quesado frequentava a primária, que a partir de tabelas de expressões e da escolha de um tema produzia tantas páginas de discurso quantas pedíssemos...
Se o autor fosse um cidadão qualquer que opinasse num “blog”, ou numa coluna de jornal, tudo se resumiria ao exercício da liberdade de expressão.
Tratando-se de um autor com particulares responsabilidades na execução de políticas relevantes, que gasta dinheiro dos cidadãos, e de uma obra tão entusiasticamente anunciada, constatar que a “montanha pariu um rato” não ajudará em nada as “Pessoas Normais” (a que o autor se refere na pag. 62) a confiar na clarividência das “Elites Locais” para as guiar perante “os desafios da globalização”.
A sessão de lançamento e o próprio livro contaram com a participação e mesmo os elogios de vários “notáveis” com destaque para o meio académico. Como é possível que tanta gente responsável, e tantas instituições, pactuem com a falta de rigor e de criatividade patentes neste livro de Quesado (apesar de por ele tantas vezes invocados) ?
A chave poderá estar nesta modesta declaração de Quesado sobre a sua própria carreira:
“Devo a riqueza única desse percurso, em larga medida confundido com a história mais recente do nosso país, à inelutável amizade de muitos “companheiros de geração”, imbuídos desde sempre de um ideal de reformismo positivo para o qual tenho tentado também dar o meu contributo.”
Será que os altos cargos públicos e o poder neles implícito, para além de todas as mordomias já conhecidas garantem agora, também, a irresponsabilidade intelectual ?
Um debate à portuguesa, com certeza
Só que tal oportunidade foi utilizada, sobretudo, pelos suspeitos do costume, mais habituados e mais rápidos a pedirem a palavra. Foi assim que assistimos ainda a intervenções/comício de Vasco Lourenço, Garcia Pereira e Mário Tomé, entre outros. E foi assim que nos pudemos aperceber de que estes senhores não mudaram nada na forma de verem o mundo desde há trinta anos para cá.
Ainda consegui intervir, já perto do fim, para manifestar o meu pessimismo com a situação actual da União Europeia e o “erro colossal” que constituiu o chumbo da Constituição pela esquerda, na sequência da preocupação de Freitas do Amaral com a falta de espírito europeu dos países de leste, que estão mais interessados em se aliarem aos EUA e só contam com a Europa para receberem subsídios. Tivesse eu um pouco mais de tempo e talvez tivesse conseguido pôr os senhores da mesa todos uns contra os outros (ou pelo menos, por razões diferentes, todos contra mim). Ocasiões para isso não faltavam, desde o papel da Europa no mundo e a sua política de defesa à questão iraniana: até que ponto o Irão e o seu presidente constituem uma ameaça? Até onde eles poderão chegar? E até onde os poderemos deixar chegar? Estes temas mal foram abordados no debate, e por si só dariam um outro debate muito interessante e certamente sem consensos entre os membros da mesa.
Novidade (pelo menos para mim) foi ouvir alguém particularmente autorizado na matéria (Freitas do Amaral) denunciar a falta de espírito europeu e de cooperação por parte dos estados membros da Europa de Leste, nomeadamente a Polónia e a República Checa, que só parecem contar com a União Europeia para receber subsídios: em tudo o que tenha a ver com política externa, só contam com os Estados Unidos, e a estes nunca se oporão. É aqui que vale a pena parar para pensar e perguntar: não estaremos a andar depressa demais? Não teremos alargado a União de qualquer maneira, sem nos certificarmos de que os novos membros querem fazer parte de um projecto europeu?
Publicado também no Cinco Dias.
Wednesday, March 28, 2007
O dia em que faremos contato
"É só no palco que a gente pode mensurar realmente o trabalho que a gente faz. Eu jamais estou dentro da casa de um ouvinte quando ele está ouvindo um disco meu. Mas no palco eu vejo a reacção de cada um."
"Existe um poeta que já faleceu, Paulo Leminski, que dizia uma coisa muito interessante acerca do poder. Ele dizia que o poder é o sexo dos velhos."
"A minha formação socialista não me permite esquecer que eu tenho na música uma ferramenta realmente de transformação. Eu acho que a música - e a arte de uma maneira geral - é uma ferramenta de transformação dos povos."
"Compor para a Bethânia é uma coisa, compor para a Maria Rita é outra, compor para a Fernanda Abreu é outra e compor para a Elba Ramalho é outra."
"Imitar é o início de tudo. Qualquer um dos grandes criadores pode se sentir fragilizado em dizer isso mas eu desacredito de qualquer intérprete ou músico ou compositor que tenha começado a sua carreira sem se espelhar em alguém. Você imita alguém até ao momento em que isso começa a te incomodar e você quer esconder isso e nesse processo descobre um caminho que é seu."
(Osvaldo Lenine Pimentel Macedo, entrevista a Carlos Vaz Marques, DNa, 9 de Dezembro de 2005)
Já tenho bilhetes para o concerto de logo à noite no Tivoli.
Tuesday, March 27, 2007
Grandes curtas
- As Aranhas
Presumo que tenha sido uma alusão à sequência da bola de golfe ressonada, no The Idle Class. A televisão portuguesa está muito mais subtil do que no meu tempo.
Ouvido no supermercado, ao pé da prateleira das conservas
"Dunno. They probably just stole everything they needed."
NIGHT WALTZ
28 de Março de 2007
21h00 Pequeno Auditório
Concerto inserido no ciclo dedicado a Paul Bowles.
Inclui "Six Preludes" para piano solo e canções com letra de Tennessee Williams e Federico Garcia Lorca e música de Paul Bowles.
Parte do premiado filme "Night Walz", de Owsley Brown III, que incide justamente sobre a vida do compositor (e tem a sua música).
A interpretação é da pianista Irene Herrmann, acompanhada da voz de Mário Redondo.
Liberalismo e catolicismo
Diálogo à hora do almoço
- Ó faxavor! O frango de caril é para si?
- O frango é para mim, sim, mas o Faxavor é ele. Eu sou o Avesso do Avesso - respondi, enquanto apontava para o meu colega.
Não creio que ela nos lesse.
O Maior Português de Sempre
Não passou de um concurso tipo “Chuva de estrelas” onde os grupos de pressão têm campo livre face à muito generalizada preguiça/indiferença do publico.
Não sendo provável que existam fanáticos de Camões ou um lobby de D. Afonso Henriques, manifestaram-se os 3 grupos com capacidade para mobilizar activistas telefónicos: os neo nazis, os comunistas e os judeus. (Arrisco o palpite de que se entre os concorrentes estivesse algum assumidamente “gay”, teria sido o vencedor...)
Convém também não esquecer que a personagem de Santa Comba foi simultâneamente brindada com o troféu de “O pior português de sempre” (organização do Inimigo Publico e do Eixo do Mal).
Não me parece que se possa presumir de tudo isto que os portugueses têm saudades da ditadura ou que há uma investida da extrema direita contra a democracia.
E muito menos se deve fazer figuras tristes clamando com a inconstitucionalidade, numa histeria politica que ombreia com o folclore dos próprios factos.
O melhor que há a fazer é não falar mais no assunto para não lhe dar a publicidade que ele não merece.
Se receamos que a sociedade portuguesa esteja a ficar predisposta para ouvir os cantos de sereia ditatoriais, o que há a fazer é denunciar e combater as práticas que levam as pessoas a desiludirem-se com a politica e os políticos (a corrupção, a incompetência, a burocracia, o nepotismo, a prepotência, o laxismo, o peculato, etc).
O resto, é folclore.
Monday, March 26, 2007
Os Grandes Portugueses
O programa politizou-se e neste marasmo anestesiante que é a vida política portuguesa eis que lhe sai na rifa em 1º lugar o Salazar e em 2º, o Álvaro Cunhal. Os heróis do bloco central: Mário Soares e Sá Carneiro são preteridos e as figuras sempre disponíveis da nossa história: D. Afonso Henriques, Infante D. Henrique, D. João II, Vasco da Gama, etc., são relegadas para segundo plano. Os mais inconvenientes, os menos politicamente correctos, surgem em força. Resolve fazer uma sondagem à pressa para saber quem era o grande português e lá safa a honra do convento descobrindo que o escolhido era D. Afonso Henriques. A sondagem sempre valia mais do que os telefonemas a 1,00 € cada.
Todo este espectáculo foi de uma grande tristeza, exceptuando talvez alguns dos documentários que tinham dados informativos sobre os biografados.
Os Grandes Portugueses não passam de uma versão intelectual do Big Brother, com heróis e vilões, o vencedor e os despedidos da casa (veja-se um dos episódios do Gato Fedorento - Isto é uma Espécie de Magazine), tudo isto apresentado com grandes pretensões culturais e pedagógicas. De cultural tem muito pouco e é o mais anti-pedagógico possível. Mas a RTP, na senda das suas congéneres estrangeiras (não estamos na Europa?), resolveu mesmo assim apresentar este programa e acrescentou-lhe a apresentadora menos classificada para o fazer. Não quanto as suas capacidades profissionais, quem sou eu para discutir isso, mas quanto ao seu comportamento político. Quem já mudou tantas vezes de casaca: de assessora de imprensa de Maria de Lurdes Pintassilgo, a directora de programas de Proença de Carvalho, que tinha a missão, já publicamente assumida pelo próprio, de sanear a extrema-esquerda da televisão, de deputada por Castelo Branco pelo PSD a adida cultural em Londres, não era de certeza a pessoa mais indicada para dar um tom de seriedade ao programa, que, como se veio a verificar, acabou na desgraça que foi. Maria Elisa rodeou-se de pessoas mediáticas, mas pouco classificadas, com as raras excepções do Hélder Macedo e talvez, não sou pessoano, de Clara Ferreira Alves. A escolha de Odete Santos foi nitidamente para matar pela segunda vez o Álvaro Cunhal.
Além do mais, Maria Elisa levou o programa a sério, apesar de ir sempre dizendo que era um passatempo. Escolhe primeiro os que lhe dariam prestígio intelectual, como o Professor Eduardo Lourenço no debate de apresentação, mas combate e afasta depois todos os que o ridicularizavam. Reúne-se com aqueles que podiam atacar o Cunhal e, mais moderadamente, o Salazar. Ainda na noite de Domingo, a seguir a duas intervenções da tresloucada Odete Santos, achou por bem, o que não fez com nenhum outro interveniente, contrapor à opinião daquela deputada a de um historiador (António da Costa Pinto) e a de um jornalista (José Manuel Barroso), este último que sempre se notabilizou pelo seu anticomunismo militante e que achou, em artigo que escreveu recentemente para o Diário de Notícias, que Salazar ainda vá lá que fosse escolhido, agora Cunhal é que nunca.
A RTP teve pois o que merecia e os portugueses o que na sua maioria não desejavam, mas que, dada a sua tolerância para com o fascismo, agora apodado de Estado Novo, tiveram que engolir.
O maior responsável pela entrada de Portugal na Europa
A Europa e o movimento europeu foram a grande utopia da segunda metade do século XX. Evidentemente que o socialismo é uma utopia e continuará a ser. Mas a utopia que mais foi concretizada durante estes anos foi a utopia europeia. Eu costumo dizer que não há ninguém de esquerda que não seja também europeu. Se a esquerda não é europeia não é nada. (...)
Quer se queira quer não, as coisas vão avançar. Há dois anos toda a gente pensava que não se ia ter Constituição nenhuma e agora está de novo em cima da mesa. (...)
Hoje estou a ler livros dos antigos presidentes do Banco Mundial, dos homens do FMI, dos conselheiros de Clinton e tantos outros, que eram o mais establishment possível, e que hoje estão a dizer: temos de olhar para as pessoas, temos de defender o sistema social, se não o capitalismo afunda-se, se continua nesta balbúrdia em que está, com a corrupção e os negócios escuros, sem valores nem princípios nem nada e só o dinheiro é que vale. (...)
A Inglaterra tem uma grande influência na Europa, não tenho dúvida. Mas é indispensável que se diga o seguinte: quem quer avança, quem não quer não avança. Como no euro e como em Schengen. Temos de construir uma Europa da defesa e uma Europa política, com uma política externa. A questão é: quem quer fazer parte? A Inglaterra não quer, mas não pode prejudicar os outros. Podemos fazer uma cooperação reforçada para avançar. (...) Já se sabe que eles (britânicos) têm a bomba atómica e os franceses também. O que era interessante é que, se houver uma proliferação nuclear perigosa como se está a ver, será necessário europeizar as bombas deles. Sempre pensei assim.
(Mário Soares, entrevista ao Público, 25-03-07)
Sunday, March 25, 2007
Europa: valores comuns
Um grupo de cidadãos propõe a Declaração de Bruxelas, que qualquer cidadão pode ler e assinar na rede, e que eu quero aqui divulgar. Não deixem de passar por lá.
Quanto à União Europeia, que faz 50 anos, precisa de querer deixar de agradar a todos os seus membros, ou não irá a lado nenhum. Quem está, está; quem não está, fica para trás, e mais tarde de certeza que vai querer estar outra vez. Uma Constituição precisa-se, urgentemente.
Apesar de tudo isto, creio que a Europa está de parabéns.
Bruxelas
Everyman
Poucas semanas depois da morte de Saul Bellow em 2005, o editor literário da New Republic, Leon Wieseltier, escreveu um curto artigo sobre o funeral, realizado num cemitério judeu em Brattleboro. Os amigos e familiares de Bellow manusearam as pás e cobriram o caixão com terra. No final do serviço, Wieseltier afastou-se e olhou para trás, «... and suddenly I needed him. Three shovels stood rudely in the remains of the dirt pile. Like stubbed cigarettes, I thought—but that was no good. I needed Saul for his mighty power of metaphor, so that he could tell me what his own grave looked like, what unexpected word, what unimagined element of the universe, could unlock its meaning. Who will describe things now?»
Everyman, como Roth admitiu em várias entrevistas, foi uma resposta à perda sucessiva de vários amigos íntimos, Bellow incluído; o primeiro capítulo foi escrito no dia seguinte ao funeral. Na página 57, encontramos a mesma imagem do artigo de Wieseltier - três pás cravadas numa pirâmide de terra - e uma apta ilustração das diferenças estéticas entre dois grandes escritores, e daquilo que o leitor tem direito a esperar das respectivas prosas. Roth não tem qualquer interesse em fetichizar os objectos, tentando extrair deles significado metafísico. As pás são adereços, e estão em cena para fazer aquilo que as pás fazem:
His father was going to lie not only in the coffin but under the weight of that dirt, and all at once he saw his father's mouth as if there were no coffin, as if the dirt they were throwing into the grave was being deposited straight down on him, filling up his mouth, blinding his eyes, clogging his nostrils, and closing off his ears. He wanted to tell them to stop, to command them to go no further - he did not want them to cover his father's face (...) I've been looking at that face since I was born - stop burying my father's face!
O projecto literário que Roth tem vindo a desenvolver aproximadamente desde Patrimony (1991) é uma espécie de teologia da memória; uma tentativa de fixar secularmente na página um tempo e um local específicos (os bairros judeus de Newark nos anos do pós-guerra), evitando os sarilhos da vida eterna. Os seus personagens, que até então estavam no seu melhor quando davam largas à fúria histérica ou à luxúria frustrada, passaram a ter acesso a insuspeitos reservatórios de calma - e a recordar. Até Mickey Sabbath, o misantrópico protagonista do mais furioso livro de Roth, teve direito a inesperados interlúdios sobre o idílio antes da Queda. Everyman continua essa tendência, com o reaparecimento de alguns elementos já familiares: a infância idealizada, o heroísmo banal da figura paterna, o atleticismo protector de um irmão mais velho, etc. (E num insólito retro-flash da sua fase 'anos 80', como se a lembrar o leitor de que está a ler um livro de Philip Roth, uma jovem modelo escandinava é devidamente sodomizada). Mas o tom geral é sombrio, e as águas vitais estão inegavelmente mais turvas.
Era quase inevitável que o livro fosse descrito como uma "meditação sobre a morte", mas parece-me mais rigoroso falar de uma meditação sobre o sistema imunitário, ou de um catálogo não-exaustivo de intervenções cirúrgicas. Everyman é acima de tudo um livro sobre "não morrer", sobre o vandalismo perpetrado sobre o corpo pelo pior delinquente de todos: o Tempo.
(O próprio fluxo temporal é violentamente distorcido, moldado às preocupações dominantes do livro, que são preocupações clínicas. Uma hérnia e um apêndice perfurado têm direito a dezasseis páginas, enquanto 22 anos ("twenty-two years of excellent health") são despachados em cinco linhas).
O idiosincrático método narrativo de Roth consiste em arrastar um dilema através da dialéctica interna de uma ou mais personagens; é um processo predominantemente vocal. Ao contrário de outros canónicos companheiros de geração - Bellow e Updike, os exemplos mais óbvios - Roth não possui o que se possa chamar um estilo próprio. Quando se recorre preguiçosamente ao jargão crítico e se define uma determinada passagem como 'rothiana' está-se a tactear numa direcção nebulosa onde 'estilo' se confunde com 'voz'. E é a inconfundível 'voz' rothiana - grávida de ecos, mas sempre frugal na distribuição de alusões - que filtra e modula o problema narrativo, ao longo de falsos começos e becos sem saída aparente, como numa linha de montagem invertida. De um lado entra o produto acabado, que costuma ser uma dúvida metafísica ("Como escapar à identidade que se herda?" em The Human Stain; "Como continuar a viver num mundo que se odeia?" em Sabbath's Theater; "Como dar uma queca sem a sombra materna por perto?" em Portnoy's Complaint); do outro lado da fábrica saem farrapos luminosos de matéria-prima, destituídos de congruência, e um corpo cicatrizado por todo o processo de inquérito - apenas um corpo, já que os personagens de Roth, ao contrário dos de Bellow, não têm alma: todas as feridas são sentidas na carne. Qualquer investida na direcção do espiritual vem acompanhada de garridos cartazes: "Perigo: Banha da Cobra". (A opinião de Philip 'figura pública' Roth sobre religião organizada faz Richard Dawkins parecer o arcebispo de Braga).
Em Everyman, contudo, esse ventriloquismo é sereno, discreto, quase cansado. A intenção pode muito bem ter sido a de universalizar tranquilamente um problema - intenção de resto sinalizada pela escolha de um protagonista sem nome - e prescrever uma atitude de estóica e racional resignação, sem recurso a consolos espirituais fraudulentos, mas o produto final assemelha-se mais a uma versão diluída do particularismo envenenado de Sabbath: a incapacidade de ver qualquer lógica na ideia de fim. «Envelhecer», diz-nos o narrador, «não é uma guerra. É um massacre».
O certo é que se nota ao longo de todo o livro um sentido de urgência - uma urgência diferente, não tanto em grau como em género, daquela a que Philip Roth nos habituou. O meu exemplar, adquirido na semana de lançamento, trazia uma tira de papel entre o frontspício e a epígrafe: uma errata, corrigindo um plural incorrecto em Latim ("anni horribili") e esclarecendo uma confusão com a residência de um personagem. O tipo de pormenores cuja responsabilidade deve ser atribuída ao revisor, mas ainda assim um sinal de edição apressada - e de uma novela que não podia correr o risco de ser póstuma. Para alguém que nega com tão lúcida veemência a possibilidade de uma vida depois do corpo, todos os debates - sobre a vida, sobre a morte, sobre a obra - são para ter agora.
Foi outro Philip, o crítico Philip Rahv, o primeiro a identificar dois arquétipos dominantes entre escritores americanos: os 'palefaces' e os 'redskins'. Os primeiros seriam os estetas formais e europeizados (Henry James, Poe, Fitzgerald); os segundos, os nativos energéticos e instintivos (Mark Twain, Whitman, Hemingway). Roth, caracteristicamente, preferiu subverter a classificação e auto-definir-se como 'redface'. Em Everyman, contudo, ele é temporariamente um 'paleskin'; o livro tem uma energia vacilante, que abafa os seus dons mais óbvios, e nos força a reparar no que se perdeu. A ausência mais notória é a do humor, o humor desesperado - a roçar a histeria - de Sabbath, de Portnoy. Um humor com raízes inconfundivelmente judaicas, mas temperado pela tradição literária europeia que mais influenciou Roth (a que vai de Rabelais a Céline), e redfaced pelas suas torres gémeas: a ira e a vergonha.
A velha irreverência traumatizada palpita apenas uma vez em Everyman, quando um jovem de 11 anos espera nervosamente por uma operação de rotina. É uma cena que não poderia ter sido escrita por mais ninguém, e que arranca a única gargalhada de um livro claustrofobicamente funéreo:
Dr. Smith was wearing a surgical gown and a white mask that changed everything about him - he might not even have been Dr. Smith. He could have been someone else entirely, someone who had not grown up the son of poor immigrants named Smulowitz, someone his father knew nothing about, someone nobody knew, someone who had just wandered into the operating room and picked up the knife. In that moment of terror, when they lowered the ehter mask over his face as though to smother him, he could have sworn that the surgeon, whoever he was, had whispered, "Now I'm going to turn you into a girl."
Post sem links, blogosfera sem lei
Fernando Pessoa: nasty bitch
«(...) Continuando weberianos, há uma décalage histórica insanável entre a legitimação carismática do Afonso Henriques, que teria que sovar directamente muita gente para legitimar a coroa, e a legitimação administrativa do Salazar, com a virilidade enxovalhada no corpo afirmada sublimadamente na cavalice troglodita e assanhada dos esbirros de Estado. E se, à imagem do Highlander, até pode haver elementos modernos a concurso, como arremesso de câmaras de televisão ou, se tivermos sorte, da Maria Elisa, a dinâmica de jogo parece-me permanecer resolutamente medieval, a menos que chamem a PIDE outra vez, o que também não seria justo. De qualquer forma, para quem se queixe que assim o jogo está falho de equidade nas hipóteses regulamentares de cada concorrente, ou que será triste medir pelo espadeirar de Afonso Henriques os pusilânimes que fizeram a nossa triste história, vê-se logo que não sabem o que faz um bom show pedagógico de televisão de serviço público.»
Saturday, March 24, 2007
Revolução nas artes do desenho
Por mero acaso obtive exemplares de uma revista, "O Panorama", publicados nos anos 30 do século XIX, onde fui encontrar as que são, talvez, as primeiras referências a Daguerre e à invenção da fotografia publicadas em Portugal.
Têm um encanto irresistível (pelo menos para mim) pelo que decidi partilhá-las.
O INVENTO, ou descubrimento de que vamos fallar, merece um e outro título; a natureza e o engenho do homem, podem ahi apostar primasias. A natureza apparece retratando-se a si mesma, copiando as suas obras assim como as da arte, não em painéis presenciaes, inconstantes e fugitivos, como eram e são os rios, os lagos, as pedras e metaes polidos, mas em matéria que retem o simulacro do objecto visivel e o fica repetindo com a mais cabal semelhança ainda depois de ausente: isto pelo que toca á natureza. Agora pelo que respeita ao engenho do homem, foi elle quem a forçou a este milagre novo e inesperado. Duas coisas nos dão pena querendo escrever esta noticia; a primeira é que não possamos explica-la e circumstancia-la como cumprira, por fallecerem ainda as precisas e miúdas informações; a segunda que desse mesmo pouco com que um jornal de Paris, o Século, nos vem acenando, não nos consente a indole e extensão da nossa folha apresentar senão o pouquíssimo.
A camara luminosa ou óptica, segundo vulgarmente se diz, é formosa recreação de nossa infância, e nos permite viajar sentados n’uma cadeira, no canto da nossa casa, por todos os Portos, cidades e ruínas, bosques e desertos do mundo; mas se taes pregrinações nos não custam nem fadigas nem perigos, nem dinheiro e largos annos, tambem a idéia que nos trazem das coisas apartadas é pelo demais incompleta ou falsa; e todos esses quadros de mão humana são imperfeitos como tudo o que d’ella sae.
A camara luminosa levava grandes vantagens á câmara obscura em um sentido, se em outro lhas cedia; porque, se ahi o artista cercado de trevas via descer sobre o seu papel alvo e nú, as formas perfeitas, córadas e vivas das coisas externas, e dessas, todas as que lá por fóra senão levavam e fugiam, as prendia com o lápis e pincel, e compunha, ou antes copiava natural e verdadeiro o seu quadro; por outra parte o alcance desta sua magica era sempre mui limitado: e de mais, dado que as formas e cores que primitivamente ao seu papel fossem, nem podessem deixar de ser completas e exactas, como o prendê-las era trabalho de mão e instrumentos humanos; ahi vinham tambem forçosamente as differenças, os erros e quando menos os desprimores.
Da camara obscura saíam lindas recordações abreviadas do mundo circumstante; mas esses paineis eram mais formulas representativas do que emanações reaes dos corpos; mais retratos levemente desfigurados do que reflexos proprios, inteiros e absolutos, esses paineis, requeriam tempo, paciencia, arte e uso de uma palheta carregada de todas as cores do íris.
D’ora ávante porém, sem palheta, nem lapis, sem preceitos artisticos nem dispendio de horas e dias, que digo, sem mover a mão, sem abrir os olhos e até dormitando, poderá o viajante enriquecer a sua pasta com todos os monumentos, edificios e paizagens, das longes terras, e o amante mais hospede das bellas artes, obter por si proprio o retrato dos seus amores; tão ao natural como o traz debuchado no coração, e mais natural ainda porque não lhe faltarão as miudesas mínimas que a vista não alcança e que só a lente lhe poderia revelar. Os nossos leitores nos estão já aqui pedindo impacientes a solução de tão incrivel problêma; o que podemos é apontar-lha, isso vamos fazer.
Eis-aqui o que o senhor Arago relatou á academia franceza de cuja é secretario: o senhor Daguerre, famigerado pintor do diorama, andava, largos annos havia, todo embebido em procurar alguma substancia onde a luz se podesse imprimir, e deixar de si vestigios distinctos, que ainda depois d’ella ausente a denunciassem com todas suas modificações e circumstancias; para este fim andou batendo á porta das várias matérias e interrogando todos os corpos e invocando toda a natureza. Em tudo é a diligencia mãe da boa ventura. Encontrou ao cabo uma substancia como a elle sonhára, tão sensivel á acção immediata da luz, que esta lhe deixa os vestigios evidentes do seu contacto, d’esse contacto tão subtil e inapreciavel. Estes vestígios ficam representados por côres que teem em cada ponto uma relação perfeita com os diversos gráus de intensidade da mesma luz.
Não se cuide, comtudo, haver nesta estampa as proprias côres do objecto que ellas representam; não, as diversas côres dos originaes só são denotadas e significadas na copia, com uma extrema exactidão, pela maior ou menor força da luz, isto é, pelo maior ou menor effeito da impressão da luz: vae do original á copia uma differença a este respeito bem comparavel com a que faz uma gravura optima d’um painel a oleo cujo ella for perfeitíssimo traslado. O vermelho, o azul, o amarello, o verde etc, são significados por combinações de luz e sombra, por meias tintas mais ou menos claras ou escuras, segundo a somma de potencia clarificante que encerra por sua natureza cada uma destas côres. Mas o que é certo, apesar de todo esse desconto, é, que estas copias são tão extremadas, tem um tal relevo e tamanha verdade como se não pode imaginar sem as ter visto.
A delicadesa de traços, a puresa das fórmas, a exactidão e harmonia dos tons, a perspectiva aeria, o primor das miudesas, isso tudo se representa com a suprema perfeição. A lente, malsim terrível das maiores obras de desenho, que em todas encontra senões e desares inevitaveis para a arte, gire quanto quizer sobre estas figuras, fite n’ellas, quanto tempo lhe agradar, o seu olho inexorável, desesperar-se-ha de não descubrir senão perfeições, depois perfeições, e sempre em tudo perfeições.
Não ha porque nos espantemos: a luz, a propria luz, foi a pintora. Do pae da luz creáram divindade ás artes os fabuladores da Grecia; da fabula fez historia o engenho mais creador da nossa edade. Estas gravuras abertas pelo buril dos raios luminosos, estas estampas baixadas, porque assim o digamos, do ceu, mostrou-as o senhor Daguerre aos senhores Arago, Biot, Humboldt e outros, que todos ficaram suspensos e enfeitiçados.
O auctor limitado n’um pequenino espaço da ponte, chamada das Artes, trasladou toda a carreira de grandiosidades monumentaes que ufanam e affamam a margem direita do Sena comprehendendo aquella parte do Louvre que alardea a opulenta galleria das pinturas; e não ha linha, não ha ponto que não saísse perfeitíssimo. Da mesma arte apanhou aquella immensa e gigantesca fabrica de Nossa Senhora de Paris, com toda a sua profusissima cuberta de esculpturas gothicas. Mais fez, que repetiu o prospecto do mesmo edifício, ás oito da manhaã, ao meio dia e ás quatro da tarde, e isto em dois dias diversos, um de chuva, outro de sol; e todas estas vistas, sem exceptuar aquellas mesmas em que a extensão relativa das sombras é identica para quem as observa, teem physionomias tão próprias e tão suas, que n’um relanciar de olhos se adivinha a hora do dia e circumstancias atmosphericas em que se fez cada retrato.
E devendo parecer já isto a maxima maravilha, ainda ha outra e é a quasi magica ligeiresa com que se opera; oito ou dez minutos bastam no clima e ceu ordinariamente aspero de Paris para começo e remate de taes quadros; mas com ar mais puro e luz mais estreme, como no Egypto, um minuto bastaria. Todavia, diz o noticiador do Seculo, estas admiraveis representações das exterioridades da natureza, certamente por passarem por ellas mãos humanas, carecem do que quer que seja como objectos d’arte. Coisa admirável! Aquella mesma potencia que as creou parece ausentar-se logo d’ellas: estas obras da luz carecem de luz. Nos proprios pontos mais directamente clareados ha uma fallencia da vivesa e de lustre; e na verdade são umas vistas, que a despeito de todas as harmonias de sua impecavel perfeição, como que apparecem sob um ceu denso e boreal que se está esmorecendo e esfriando: parece que ao coarem-se pelo aparelho óptico do auctor, todas á uma se revestem do aspecto melancholico do horizonte quando quer anoitecer.
Segundo contra. Apesar da summa rapidez da luz, como o seu effeito na substancia do Sr. Daguerre não é instantaneo, qualquer objecto que se mova com velocidade ou lhe não deixa vestigios seus, ou só muito confusos. As folhas das arvores por exemplo, como aquellas que sempre se andam balançando no vento, ficam pelo demais mui perturbadas: mas onde só se pertenderem imagens da natureza sem vida, edifícios, monumentos, estatuas, ou cousas de semelhante género, ahi sim, ahi triunfa de todos os outros este novo methodo. Rosto de homem vivo ainda até hoje o não pôde retratar que satisfizesse. Mas o auctor ainda não perdeu a esperança de lá chegar.
É inegavel á vista do que levamos apontado, que este invento, um dos mais admiráveis de nossos tempos, terá largas consequências em todas as artes do desenho, e contribuirá não só para o progresso do luxo util e aformoseador da sociedade, mas também para o maior aproveitamento das viagens, quer sejam scientificas, ou artisticas, ou moraes, quer de simples divertimento e recreação. O auctor, porém, ainda não declarou o seu segredo; e esta immensa revolução, para arrebentar e espalhar-se por todo o mundo, só aguarda uma palavra d’elle, o seu fiat lux.
Revista “O Panorama”, 16 de Fevereiro de 1839, Vol. 3, página 54.
From Frank Leslie's Illustrated Newspaper. Vol. 7, No. 289 (28 May 1859) pg. 414.
Friday, March 23, 2007
Antes da Ota, há que falar na Portela
E8 e o marxista heterótico
O físico e blóguer Lubos Motl pouco diz sobre o assunto, remetendo para outras páginas. Mas em contrapartida não é todos os dias que ele fala de um professor do Técnico.
Thursday, March 22, 2007
Somebody else
(Philip Larkin, Observer interview 1979, Required Writings)
A minha anglofilia também está tingida
Lion or Zion? - um artigo interessante de Seth Freedman sobre as lealdades divididas dos judeus ingleses sobre o jogo de Sábado.
Jamie Levy acerta em cheio na cabeça do prego: «If England score, I'll be cheering - but it'll be tinged with guilt», uma frase onde, apesar de tudo, a sua 'jewishness' dá uma goleada semântica à sua 'englishness'.
Revolutionary Titanic Beauty
O debate de anteontem
Mário Soares trata (a brincar) Joana Amaral Dias por "dra. Joana". Trata (a sério) Freitas do Amaral por "sr. Professor", e dá-lhe passagem para se sentarem à mesa do debate.
Garcia Pereira é um portento a falar às massas. Nota-se bem a escola do MRPP. É impossível não lhe prestar atenção quando fala. Nem Mário Soares consegue dormir.
Falando-se de Garcia Pereira: fala-se muito de Joana Amaral Dias, mas alguém já reparou na loura por quem ele se faz acompanhar? Só ela era capaz de disputar a nossa atenção enquanto o companheiro discursava.
Venho do debate completamente "freitista". Freitas do Amaral foi quem eu mais gostei de ouvir.
Vasco Lourenço e Mário Tomé é que continuam exactamente na mesma como há mais de 30 anos atrás.
Um resumo televisivo pode ser visto no Telejornal de ontem (primeira parte), aos 15 min. Voz amiga identificou-me na televisão, no meio da assistência, e avisou-me. Lá se vê a minha cabeça e a minha camisola verde. Sou fácil de identificar: na frente da assistência, sou o único que ainda não tem cabelos brancos.
Jograis U...Tópico
Aqui fica a referência a uma interessante iniciativa dos Jograis U... Tópico tal como eles a descrevem:
Quarta-feira, 28 de Março de 2007 - Café Império (Av. Almirante Reis - Lisboa)
No Café Império, de gratas recordações, hoje remodelado graças aos novos proprietários - Paulo Relva e sua mulher Paula Moura - que mantiveram a antiga traça, mas que lhe conferiram um tom de conforto muito agradável, vai ocorrer um "Jantar-Poético" com a presença do Grupo de Jograis.
Às 20h inicia-se o jantar, tipo buffet (sopa, dois pratos, sobremesa, vinhos e café - à descrição pelo preço de 15€ (quinze euros). Para quem não puder estar presente a esta hora, ou não queira simplesmente jantar, será posto à disposição um bar aberto com café, cerveja e outras bebidas.
Pelas 21,30h começará o recital de poesia pelos Jograis "U...Tópico" que se repartirá por dois períodos. No primeiro o grupo dirá 6 (seis) poetas africanos de expressão portuguesa e 4 (quatro) brasileiros. Seguir-se-á um pequeno momento musical (cantora brasileira acompanhada ao piano) após o que voltará a actuar o grupo de jograis para dizer mais 10 (dez) poetas portugueses. Todos os autores que diremos são de reconhecido prestígio.
Wednesday, March 21, 2007
Hoje é dia da poesia portanto vim aqui postar um poema
Adam
Had 'em.
(Strickland Gillilan)
Religiosidade "gourmet"...
As recentes directivas do papa Bento XVI, de regresso a preceitos mais rígidos e tradicionais, têm provocado diversas reacções interpretativas.
Para mim, que sendo ateia só me interesso pelo facto do ponto de vista sociológico, isto aparece relacionado com a tendência cultural de uma certa “elite” para a procura da distinção num mundo cada vez mais massificado.
Ou seja, em oposição ao turismo de massas e hotéis iguais em todo o mundo, viagens de aventura e estadias em castelos renascentistas. Em vez da lagosta e da perdiz congelados em todos os hipermercados, enchidos feitos segundo receitas milenares e curados ao fumeiro em cozinhas familiares de granito.
E contra a missa com pandeiros e sotaques sul-americanos ?
Latim e cantochão...
.
Desde o tempo dos dinossauros que os carros andam a gasolina
Faz hoje vinte anos que eu plantei uma árvore, um cedro, na Escola Delfim Santos, em Lisboa. Ainda hoje está de pé. Olho sempre para ele quando por acaso lá passo. Há vinte anos, as únicas árvores que aquela escola tinha eram duas oliveiras.
Para observar a data, escolhi uma canção adequada, mais ou menos da mesma idade: Nothing But Flowers dos Talking Heads. Aqueles que só a conhecem de uma versão ensossa do Caetano Veloso (num álbum já de si desnecessário), vejam o excelente clipe de vídeo original. Não se limitem a escutar a letra irónica: leiam bem todos os factos que lá aparecem escritos. Muitos deles não perderam actualidade. Years ago, I was an angry young man...
A direita trauliteira
Tuesday, March 20, 2007
Esquerdistas e activistas
Never Work
ne travaillez jamais, call a general strike in May
I invented a century today
I rest my case, I demand the right to
Never work in May
Or in the summertime, we'll call a general strike
For the right to never work
I rest today, I'll leave the century today
(...)
Just say no
Just say no
Just say no
Just say no
And don't you ever work.
(Luke Haines, «Never Work», The Oliver Twist Manifesto)
Monday, March 19, 2007
Entre as Brumas da Memória II
Assim, recordaria que um exemplar da Igreja Presente me foi dado na Faculdade por um católico progressista da época, que hoje deve ser afim do PSD e atarefado funcionário da SONAE.
Por outro lado, a visita de Paulo VI a Portugal foi acompanhada por mim na televisão para perceber até que ponto ela era aproveitada pelo regime. E guardo dessa visita a sessão de autógrafos, que foi dada por esses dias, pelo poeta soviético Ievtuchenko, de quem tinha sido lançado a Autobiografia Prematura pela Dom Quixote.
Ainda hoje conservo a assinatura do poeta na foice e martelo que fazia parte de uma das suas fotografias que compunham o livro. Para quem não se recorde, Ievtuchenko foi autorizado a entrar em Portugal, conjuntamente com milhares de peregrinos que vinham de Espanha, para participar nas cerimónias de Fátima presididas por Paulo VI.
Mas o mais inesquecível é, para mim, a cena descrita pela autora das célebres conferências subordinadas ao tema "Lusitania, Quo vadis?", a que assisti, principalmente a última que decorreu na tal fábrica de papel situada na Avenida do Brasil, em que devido ao meu aspecto “certinho e bem comportado” pude aceder, dado que foi estabelecida uma verdadeira barreira, pois não cabiamos todos na sala. Quem na altura desempenhava o papel de porteiro, se bem me recordo, seriam o Jorge Sampaio e o Vítor Wengorovius.
Há da parte de Joana Lopes uma recordação muito comedida sobre o papel desempenhado por "dirigentes estudantis da extrema-esquerda muito aguerridos", que ficaram no exterior da fábrica. Na verdade, cá fora Arnaldo Matos e os seus companheiros do MRRP não faziam mais do que insultar os que estavam lá dentro, parafraseando a canção do Luís Cília,”É sempre a mesma melodia, Mário Soares e a social-democracia”, em que substituíram o Salazar da letra da canção pelo Mário Soares. Este comportamento, que era verdadeiramente provocador e que nessa conjuntura visava atrair os polícias para reprimir a sessão, verificou-se repetidas vezes a quando das eleições de Outubro de 1969, principalmente em relação aos comícios da CEUD e em que Mário Soares participava. Para o MRRP, nesse momento, Soares era o inimigo principal, como depois, ou mesmo concomitantemente, veio a ser o PCP.
Para terminar, não deixaria de notar esta espantosa moção aprovada por 68 padres em que se propõe “denunciar os sistemas de exploração capitalista que provocam o esmagamento económico e cultural de grandes camadas da população”. Que boas ideias manifestavam esses padres em 1969. Hoje, arrancar uma condenação tão explícita do capitalismo, já nem provavelmente do PCP.
Passados todos estes anos e conhecendo da vida pública alguns dos intervenientes desta história, penso como tanta gente se acomodou e como é possível a Igreja ainda estar pior hoje do que estava há 40 anos e que os leigos, pela amostra dos que apareceram a combater o aborto, não sintam um friozinho na alma pelos disparates que produzem.
יוֹם הֻלֶּדֶת שָֹמֵחַ
Convenceu-me (2)
Do pouco que eu vi da corrida, intuo que não deve ter havido nenhum "grande momento de condução", pois o ice-man Kimi ganhou a prova nas calmas. Mas foi o primeiro piloto da história da Ferrari a conseguir pole-position, melhor volta e vitória da corrida no Grande Prémio de estreia na equipa. Nada mau. O lugar é dele.
Destaque ainda para Lewis Hamilton, o primeiro negro da Fórmula 1, que chegou ao pódio na sua estreia na modalidade. Globalmente, este foi ainda o pódio mais jovem de sempre de toda a Fórmula 1. Uma corrida histórica, portanto.
Conteúdos digitais sem espaço em 2010 ?
A manter-se o actual ritmo de produção de dispositivos para guardar conteúdos digitais, a informação produzida em 2010 será superior à capacidade de armazenamento no mundo.
De acordo com um estudo da multinacional IDC (que será apresentado em Lisboa na terça-feira), em 2005 foram produzidos 161 mil milhões de gigabytes (ou 161 exabytes) de dados digitais. Isto inclui, por exemplo, páginas de Internet, ficheiros nos computadores ou chamadas telefónicas - basicamente, tudo o que possa ser convertido em zeros e uns.
Os 161 exabytes de informação permitem comparações assombrosas: equivalem a três milhões de vezes o conteúdo de todos os livros já escritos na história da humanidade. Uma das razões para tão grande quantidade de informação é que muitos conteúdos - vídeos, e-mails, música - são replicados várias vezes.
Para 2010, os analistas estimam que o mundo gere 988 exabytes de informação digital, ao passo que a capacidade de armazenamento se ficará por uns meros 601 exabytes.
Não há, contudo, razões para alarme, garante o responsável pelo estudo. John Grantz, entrevistado pela Time Online, explica que nem todos os dados produzidos ao longo de um ano são guardados. É o caso dos telefonemas ou de parte dos e-mails. Por outro lado, os dispositivos de armazenamento estão a ficar cada vez mais baratos.
O investigador Daniel Gomes, da Universidade de Lisboa, explica que os preços variam consoante a tecnologia necessária. Para as empresas, que precisam de discos rígidos de rápido acesso, o preço por gigabyte é muito superior ao que paga o utilizador comum.
O espaço físico para alojar a informação também não deverá ser problema. Daniel Gomes é um dos responsáveis pelo Tomba, um arquivo da Web portuguesa com 1500 gigabytes de dados, mas que parou de indexar páginas por falta de espaço. Toda a informação já recolhida está contida num computador cujo tamanho não excede o de um armário médio.
No futuro, prevê o investigador, será possível armazenar cada vez mais informação em espaços reduzidos: "Os cartões de memória das máquinas fotográficas têm o tamanho de uma unha e atingem quatro gigabytes. Há uns anos pensávamos que estávamos prestes a atingir o limite, mas surgem sempre novas tecnologias."
João Pedro Pereira in jppereira@publico.pt
Sunday, March 18, 2007
I am first going to talk to you about rabbits
O momento em que me endireitei no sofá e passei ao grupo dos convertidos lynchianos é fácil de situar; ocorre no segundo episódio da série que reconciliou uma geração inteira com o televisor: o Agente Cooper, antes do que prometia ser uma mera palestra sobre técnicas de detecção modernas, perante sua pequena equipa provinciana, saca de um ponteiro extensível, e diz: «Mas primeiro vou falar-vos um pouco sobre um país chamado Tibete». Foi como se Edward Lear, de repente, se tivesse materializado no tubo catódico.
A mesma técnica parece ter sido apropriada por David Lynch, que tem passado grande parte da sua carreira a apontar uma muito pouco professorial vareta em várias direcções da sua topografia interna, mas explicando sempre muito pouco, e normalmente sobre outra coisa qualquer.
(É, aliás, duvidoso que os criadores desta estirpe específica sejam os melhores exegetas da sua própria obra, e convém ressuscitar a Falácia Intencional para os impedir de causar danos retroactivos. Posso estar a cometer uma tremenda injustiça, mas a ideia que retenho de Lynch, baseada numa mão-cheia de entrevistas, é a de um homem profundamente desinteressante - certamente muito menos interessante do que os seus filmes - com um entusiasmo quase adolescente por charlatanismos místicos, sendo frequente ouvi-lo falar de "reencarnação", "energias negativas" e "oceanos de consciência pura"; o tipo de conversa que me leva imediatamente a consultar o horóscopo mais próximo, à procura de explicações para tamanha má sorte).
INLAND EMPIRE (em maiúsculas, aparentemente), rodado ao longo de cinco anos, e sem guião, é a culminação natural de um método que sempre teve muito de instintivo - lembre-se o operador de som de Twin Peaks, transformado em demónio depois de uma aparição acidental diante da câmara - e arrisca-se a estilhaçar o precário mas justíssimo consenso crítico que acolheu Mulholland Drive. A maneira de interpretar um filme de Lynch tem dividido opiniões desde Eraserhead; questões de "significado" são ciclicamente remexidas, com os duvidosos Tomáses a deplorarem a sua falta, e os pacientes zelotas a explicarem que isso é o que menos importa. (Os carentes de "significado", já agora, poderão achar algum consolo na presença de Ian Abercrombie - o saudoso Mr. Pitt, de Seinfeld - que aqui interpreta um mordomo algo suspeito. A culpa, em teoria, pode muito bem ser dele). O próprio filme providencia um manual de instruções condensado para o seu visionamento: colocar um relógio de pulso, perfurar um pedaço de seda com um cigarro aceso, e espreitar através do orifício. Confiem em mim: tudo isto é útil. Menos a parte do relógio, que só atrapalha.
Nominalmente, o filme é sobre filmes, sobre actores, e sobre buracos. O filme dentro do filme é On High in Blue Tomorrows, um melodrama gótico sulista sub-Tennessee Williams, que é já o remake de um anterior filme polaco, nunca finalizado devido a complicações "dentro da história", que podem ou não estar relacionadas com uma maldição. «Actions have consequences», advertem duas personagens na primeira meia-hora, axioma que o resto do filme parece indeciso em negar ou confirmar. O fluxo temporal é minuciosamente vandalizado, e relações de causa-efeito subvertidas a um ritmo preocupante. Um tique recorrente em Lynch é a análise obsessiva de reacções emocionais desajustadas das situações que as despoletam: personagens riem ou choram por motivos que raramente são aparentes; uma sitcom que consiste em três coelhos gigantes num apartamento (don't ask...) arranca gargalhadas de conserva nos momentos mais inesperados.
Entremeado com a "narrativa" (resolutamente entre aspas, esta da "narrativa"), há um comentário recorrente sobre os próprios processos técnicos do filme. A sensação de desorientação, tão familiar em Lynch, é sempre amplificada pelo seu uso de efeitos sonoros, e INLAND EMPIRE encontra-o em boa forma nessa vertente. As sequências em polaco (retalhos fantasmagóricos da versão original de On High in Blue Tomorrows) são acompanhadas por um pano de fundo de chuva contínua, aludindo aos sons do vinil, como se aquilo que ouvimos pertencesse a um plano temporal diferente das imagens. Noutras cenas, em que se nota mais a textura granulada da câmara digital, que como toda a gente já saberá nesta altura, foi uma estreia para Lynch, o potencial de inquietação é exponenciado pelo insólito feel de vídeo caseiro.
Entretanto, no que passa por enredo, temas e motivos são chocalhados e repetidos, desenhando padrões fugazes: há um filho morto, raramente mencionado, mas cuja presença parece assombrar o próprio coração do filme; há múltiplas referências a orifícios de várias espécies; numa das sequências com os coelhos humanóides, o anel incandescente no canto superior direito da tela (que assinala a mudança de bobine) prolonga-se por vários segundos, até o espectador se aperceber que é um efeito visual do próprio filme: uma conflagração minúscula no cenário, como se houvesse uma segunda audiência do outro lado do ecrã, munida com os seus próprios relógios e cigarros, espreitando através da seda perfurada.
INLAND EMPIRE é também um repositório de clichés genéricos. Personagens mudam de identidades e cenários, perseguidas pelos mesmos elementos formulaicos de telenovela: o diálogo familiar entre marido e mulher em que uma gravidez é dramaticamente revelada; a confissão brutal de uma criminosa num gabinete policial; a 'girl's night in', em que amigas de roupa interior trocam confissões amorosas. Todas estas cenas fazem parte da memória colectiva do cinéfilo (ou, em nome da inclusividade, do espectador); constituem, por assim dizer, a nossa gramática universal. Divorciadas, contudo, de uma linha narrativa, esvaziadas de personagens sólidas, e à deriva na instabilidade cronológica que molda o filme, adquirem aqui um estranho e inefável poder, que quase nos força a subscrever o que parece ser a tese central de INLAND EMPIRE: fazer e ver filmes são as actividades mais estranhas do Mundo.
O nervosismo confuso dos personagens acaba por se alastrar a toda a sala. A três quartos da duração do filme, fiquei muito satisfeito comigo próprio quando julguei descortinar um nexo entre os personagens que tinham relógio de pulso e os que não tinham, apenas para ver a teoria estilhaçada no plano seguinte. Foi mais ou menos nesta altura que um espectador na fila da frente - o terceiro da noite - se levantou e saiu da sala com um resmungo sonoro, à procura de "significado" noutras paragens. (Nas ruas de Birmingham? Boa sorte.)
Mais algumas coisas acontecem. Alguém vomita sangue no Passeio das Estrelas; um grupo de desalojados debate a melhor maneira de chegar a Pomona de autocarro (again, don't ask); e fala-se de uma rapariga com as entranhas destroçadas, que apenas quer viver os meses que lhe restam em paz com o seu macaco (presumivelmente numa mansão delapidada, e com von Stroheim como mordomo). Tal como a cena de maior impacto emocional em Mulholland Drive é cortada abruptamente, expondo de forma cruel a falsidade da mesma (o playback no Club Silencio), também o aparente clímax de INLAND EMPIRE é brutalmente interrompido pelo revelar de uma câmara, e pela voz do realizador do filme dentro do filme gritando: "Corta!".
À saída da sala, com uma pequena mas familiar multidão de devotos lynchianos trocando acenos de cabeça, e tentando decidir qual o melhor sítio da cidade para se verter uma chávena de mau café sobre um imaculado guardanapo branco, ouvi alguém dizer o seguinte atrás de mim, num tom de voz com o seu quê de gratidão exausta: «Man, that was a really long short-circuit».
Não, não sou o único
Saturday, March 17, 2007
Inconvenientes da vitória
Os inconvenientes desta saborosa vitória são dois e são óbvios: fica mais provável a renovação do Tello (é capaz de nem ser assim tão mau) e fica mais próximo do primeiro lugar o Benfica. Não consigo estar completamente contente.
Friday, March 16, 2007
O pesadelo do ateu
O GodTube foi-me recomendado por um simpático leitor brasileiro, e ainda não passei lá tempo suficiente para confirmar que não se trata de sátira maldosa; este vídeo é inconclusivo.
(Já sobre este não tenho dúvidas: é stand-up camuflada. O segmento revelador é o fabuloso "argumento Moulinex", minuto 2:10. Um clarão de génio para envergonhar Stephen Colbert.)
Blogues novos (e respeitinho pelos esquimós)
- o Assim Mesmo (uma pérola recomendada pelo CJ, um gajo porreiro que me estraga com mimos);
- o De Rerum Natura, de um colectivo lucreciano em cruzada pelo bom senso (indicado pelo Vasco Barreto, que, depois de uma embaraçosamente vagabunda crise de meia-idade, regressou a casa com o rabinho entre as pernas);
- o Language Log. Não é novo, mas creio nunca o ter referido aqui. Há oito ou nove blogues que tento visitar todos os dias - mesmo quando há corridas, ou emprego - e o Language Log é frequentemente o primeiro da lista. O colectivo de linguistas americanos que o mantém partilha com o meu vizinho Neil um ódio visceral pela hipótese Sapir-Whorf, e partilha comigo uma incurável irritação com a popularidade do velho mito da profusão sinonímica da palavra 'neve' entre as línguas esquimo-aleutianas (já vai em quantas? quinhentas? mil?). Enfim, leiam se quiserem, que eu já aborreci demasiadas pessoas a falar disto.
Arsenalski
Pedido de visita
(Diana, quando abrires o teu restaurante, nada de comida japonesa, OK?)
Thursday, March 15, 2007
A Fórmula 1 sem Schumacher
No que diz respeito à minha equipa, vamos ver o que faz Raikkonen. Simpatizei com este piloto na época de 2005 – creio que teria sido um justo campeão do mundo, não fosse o azar que o perseguiu, em várias corridas, ao longo de toda a época. Mas a forma categórica e inquestionável como foi batido por Schumacher na última temporada, e sobretudo aquela ultrapassagem da última corrida, quando Schumacher partira de trás para a última das suas recuperações, sem nada a ganhar ou a perder, e “arrumou” assim, limpinho, o seu substituto na equipa, tornam impossível, pelo menso por agora, torcer por Raikkonen sem aumentar as saudades do Schumacher. Primeiro é preciso ver-se um grande momento de condução deste piloto ao volante do Ferrari. É preciso que ele mostre que merece o lugar que ocupa. A pressão vai ser grande. Veremos se ele está à altura.
Por quem é que eu vou torcer, então? Na infância sempre sonhei que um dia um piloto que falasse português, se chamasse Filipe, o seu apelido tivesse cinco letras, a primeira das quais “m” e a última “a”, viesse a ser campeão do mundo de Fórmula 1. Ao volante de um Ferrari, como é evidente. Veremos se este ano se cumpre este meu sonho de infância.
Wednesday, March 14, 2007
Lista feita por pessoas que leram os mesmos livros que eu
(A verdade é que se aprende a nº1 em Underworld, de Don DeLillo, a nº4 em V., de Thomas Pynchon, a nº16 em Giles Goat-Boy, de John Barth, a nº21 em Humboldt's Gift, de Saul Bellow, a nº23 em Infinite Jest, de David Foster Wallace, a nº24 em Despair de Nabokov e a nº27 em The Mezzanine, de Nicholson Baker. Acrescentaria a palavra 'marabu', que não vinha no dicionário da Porto Editora em 1996, e que confundiu toda uma turma de leitores d' A Sibila. Curiosamente, o nome inglês para o bicho - que não passa de uma cegonha inflaccionada - serviu de título a um livro de Irvine Welsh, cujas subtis parábolas espirituais tanto evocam Agustina.
Wikipédia e originalidade
Devo começar por esclarecer que colaborei recentemente com a secção de Ciência do PÚBLICO, tendo sido um dos seleccionados para o programa "Cientistas na Redacção". Nunca tive nenhum tipo de relação com a jornalista em questão que não fosse de trabalho e, desde que terminou a minha colaboração com o jornal, no passado mês de Outubro, não voltei a falar com ela.
Não me vou pronunciar sobre a utilização por parte da jornalista de artigos publicados em outras revistas, científicas ou não, embora segundo julgo ter percebido todas as revistas consultadas tenham sido referidas (o que torna mais difícil, relativamente às mesmas, qualquer acusação de "plágio"). Quero concentrar-me somente sobre a utilização por parte de um jornalista de fontes que são do domínio público, que estão na Internet, mais concretamente na Wikipédia.
É possível que haja excepções, uma vez que a informação disponível na Internet é muito vasta e variada, mas pode dizer-se que, em grande parte, os conteúdos da Wikipédia não são nada originais. São baseados em informações que podem ser colhidas noutros sítios da rede, mas também em livros, jornais e revistas, especializados ou não. Em grande parte das vezes, quando se trata de informação factual, nem sequer é fornecida a fonte dessa mesma informação.
Tratando-se de dados factuais do domínio público (e que, portanto, não constituem por si valor noticioso), a utilização da Wikipédia como fonte de informação sobre estes factos parece-me tão válida como outra qualquer. Eu mesmo, enquanto jornalista científico, utilizei várias vezes informações provenientes da Wikipédia. Eram sempre informações factuais, que poderia encontrar num livro especializado - que eu provavelmente poderia encontrar numa biblioteca ou na minha colecção particular -, mas que não seria a fonte mais prática de consultar, estando na redacção do jornal e sem acesso a eles.
Refiro-me, é claro, a conceitos que são conhecidos por especialistas mas não pelo leitor comum, tendo por isso de ser explicados de uma forma básica pelo jornalista ao dar a notícia. Sobretudo - e isto é que é importante: são informações complementares, sem nenhum tipo de valor jornalístico, nunca constituindo o motivo ou o conteúdo principal do texto. Não me parece por isso correcto acusar alguém de "plágio" só por utilizar este tipo de informações num artigo. Foi este tipo de informações que eu usei (e creio poder dizer-se o mesmo das utilizadas pela jornalista do PÚBLICO).
É claro que são de evitar transcrições textuais de textos de qualquer fonte, incluindo a Wikipédia, mas convém esclarecer que, com definições técnicas, é inevitável a repetição de ideias, palavras e conceitos. Desafio quem pensar de outra forma a enunciar o teorema de Pitágoras de outra forma que não seja "o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos". Será esta última frase plágio? É assim que vem na Wikipédia.
Finalmente, convém esclarecer a prática relativa aos direitos de autor em textos de índole científica, mesmo se de divulgação. É uma prática provavelmente diferente em alguns aspectos da do jornalismo clássico, mas que se aplicará melhor ao jornalismo científico, que tem especificidades próprias. Num texto deste tipo há sempre uma distinção clara entre o que é um conceito ou facto original e o que é uma revisão. A única fonte que há a obrigação de citar é o autor do original, e não os das revisões que foram feitas desde então. Desde que não se cometam transcrições integrais, nenhum autor de uma revisão - por revisão também pode entender-se uma página da Internet como a Wikipédia - pode considerar "plágio" outro trabalho de revisão, ou pedir para ser por este citado. O que é mal visto na comunidade científica é falar-se de temas e citar-se trabalhos que não se conhece bem. É esperado que um autor de um texto entenda o que escreveu, de forma a poder ser considerado realmente o autor desse texto, mesmo se se tratar de uma revisão. Creio que o mesmo critério pode e deve ser aplicado ao jornalismo científico. É isso que distingue um bom de um mau jornalista científico. É muito fácil para um especialista, ao ler uma notícia, distinguir se quem a escreveu a entendeu ou não.
Entramos assim num domínio - a avaliação da competência de alguém - que não é e nem pode ser democrático.
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