Saturday, September 29, 2007

Tempestade sobre um Campo de Milho Transgénico – Parte II




1 – Ainda a “novidade” da acção dos Verde Eufémia
Foi com algum espanto que li no blog do Miguel Portas, Sem Muros, que “até hoje o debate sobre os transgénicos em Portugal não tinha passado do parlamento e de opiniões escritas nos jornais. A partir de hoje pode começar a ser diferente”. Num comentário que fiz no seu post, Eufémia desobediente, lembrei a acção, que já referi no artigo anterior (ver Parte I), levada a cabo no Porto de Lisboa pelo Greenpeace e que, há época (Fevereiro de 1997) teve razoável importância, lançando, na altura, em nome da Quercus, hoje falando em nome da Plataforma Transgénicos Fora, a incontornável Margarida Silva. Mas gostaria de lembrar que, para além dos comunicados, manifestos, discussões públicas em fora científicos ou de esclarecimento, este tema tem sido debatido em jornais e revistas, em programas de televisão e nas Assembleias Municipais, para declarar os seus municípios livres de transgénicos ou para impedir a realização de ensaios com OGM dentro dos limites dos seus concelhos. Já foi objecto de manifestações a que os organizadores chamaram caravanas dos espantalhos ou de acções directas como aquela que eu descrevi (ver Parte I) na ex-Faculdade de Ciências ou pela Brigada de Bio-Segurança e que é relatada aqui . O tema tem sido, portanto, razoavelmente divulgado e debatido. Constou até de um dos 10 pontos da plataforma eleitoral do Bloco de Esquerda para as eleições parlamentares de 2005, que depois foi substituído por outro, que o Bloco provavelmente considerou mais prioritário. Por tudo isto, espanta-me que esta acção dos Verde Eufémia fosse considerada como demiurga de um renovado interesse por este assunto. Foi de facto, mas, penso eu, para o matar de vez.

2 - Como se estivessem sempre a nascer de novo
Fico também surpreendido quando os ambientalistas anti-OGM de cada vez que empreendem uma acção ou publicam um comunicado o fazem como se fosse a primeira vez que falam do assunto e as pessoas desconhecessem o que já tinham dito anteriormente. Há dez anos que lutam contra os OGM, mas a última declaração constitui sempre a prova definitiva de que os OGM são perigosos. Ainda muito recentemente vi na televisão a Margarida Silva numa manifestação no Porto com a mesma “candura” com que há anos vem denunciando os perigos dos OGM.
Mas, se isto é uma impressão subjectiva de alguém que não concorda com os seus pontos de vista, apreciemos este comunicado da Plataforma Transgénicos Fora que teve ampla aceitação entre a informação de esquerda, foi publicado que eu visse em resistir.info e esquerda.net, e começa assim, foi “apresentada prova científica definitiva”, que depois ameniza para “prova científica irrefutável”. O mínimo que alguém que é cientista pode afirmar é que na ciência nada é definitivo e muito menos irrefutável. O comunicado referia-se a um novo tratamento estatístico dos dados referentes ao estudo da toxicidade do milho GM, MON 863, numa população de ratinhos apresentado pela multinacional Monsanto à Autoridade Europeia de Segurança Alimentar. Aquela autoridade reafirmou que o novo tratamento de dados apresentado não alterava as conclusões do estudo da Monsanto.
É evidente, e reconhecendo que estou a ridicularizar, para estes ambientalistas já tinham sido apresentadas provas definitivas sobre os efeitos nefastos dos OGM quando se publicaram os resultados de uma experiência em que se alimentaram ratinhos com batatas GM (Pusztai, The Lancet, Outubro de 1999) ou quando se relatou que, em laboratório, um milho GM provocava perturbações numa população de larvas da borboleta Monarca (Nature, Maio de 1999). Qualquer delas, no entanto, já caiu no esquecimento.
O que quero, portanto, afirmar é que o assunto não é novo, já tem pelo menos, no nosso país, dez anos de discussão e não se pode, como se fosse a primeira vez, propor a proibição ou a aprovação de novas moratórias sobre a cultura ou comercialização de OGM, como se não houvesse ao nível europeu e mundial já uma experiência longa com as mesmas. Hoje, as intervenções dos ambientalistas terão que ser diversificadas pois é manifestamente impossível impedir que a Europa comunitária autorize, dentro de condicionalismos apertados, a realização de culturas ou a comercialização dos OGM.
Neste caso, tem-se a sensação que os ambientalistas tal como o Governo funcionam perante factos consumados. Esteve-se anos a discutir a legislação, quando ela está pronta e depois dos OGM estarem aprovados em Bruxelas e as suas variedades GM inscritas no Catálogo Comunitário (inscrição indispensável à venda de sementes de qualquer variedade agrícola, quer seja transgénica ou não), aqui D’el-rei que é preciso proibir a sua cultura. Por tudo isto os ambientalistas têm que estar atentos, actuar no momento oportuno, forçar a criação em Portugal de Comités, Comissões, ou seja o que for, onde possam participar e dar a sua opinião. É evidente que isto dá trabalho, não é espectacular e não permite criar aquele espírito de pânico, que os leva a fazer comunicados que aterrorizam os consumidores. Mas o Governo também assim procede, só se preocupa com os OGM quando eles são referidos nos media. Mas as posições do Governo ficam para uma terceira parte.

3 - Os OGM e os seus medos
Permitam-me que neste ponto recorra ao artigo, a que introduzi algumas alterações, que foi por mim escrito para Ideias à Esquerda (nº 1, 2003):
“De que falamos quando falamos de OGM. Estamos a descrever, de facto, novos organismos que, devido à engenharia genética, têm o seu genoma alterado em relação à espécie original, alteração essa que permite a quem os produz ou os utiliza obter uma vantagem comercial ou industrial e até, no futuro, medicinal. Estamos pois perante uma nova tecnologia, que desde que avaliada caso a caso, tem aspectos sociais positivos e negativos, em função de quem a domina e ao serviço de quem está
As principais críticas que se levantam em relação aos OGM podem-se agrupar em três categorias, que por vezes surgem interligadas, que são o receio do desconhecido, um produto das multinacionais ou perigosos para a saúde ou para o ambiente.
1 - Receio do desconhecido: estaríamos perante a comida Frankenstein, abriríamos novas caixas de Pandora ou armar-nos-íamos em aprendizes de feiticeiro, isto na versão mais suave do irracionalismo acientífico, porque nas versões mais místicas estaríamos a alterar aquilo que é mais sagrado que é a vida, que a Deus pertence. “Este género de modificações genéticas conduz o Homem para um reino que só pertence a Deus e unicamente a Deus.” (Príncipe Carlos, The Daily Telegraph, 8 Junho de 1998). Penso que sobre estes argumentos estamos conversados. São as novas variantes irracionalistas contra o apogeu das “luzes” na cultura ocidental.
2 - Produto das multinacionais: como esta técnica foi desenvolvida inicialmente e depois comercializada pelas multinacionais da agro-química e teve uma grande desenvolvimento nos Estados Unidos da América (várias culturas) e em países onde existe uma agricultura intensiva, principalmente Canadá (colza, milho e soja), Argentina (soja, milho e algodão) e Austrália (algodão), foi associada ao poderio económico dos EUA e das suas multinacionais. Hoje em dia, tem sido desenvolvida igualmente na Índia (algodão), na China (algodão), nas Filipinas (milho), na África do Sul (milho, soja e algodão), no Brasil (soja e algodão), no Paraguai (soja), no Uruguai (soja e milho), no México (soja e algodão) e em alguns países da Europa Comunitária, como sejam a Espanha (milho), a Roménia (soja), Portugal (milho), a França (milho), a Alemanha (milho), a República Checa (milho) e a Eslováquia (milho). Apesar de estarmos perante uma técnica que serve as multinacionais, que já eram donas dos principais produtos fito-farmacêuticos e da distribuição de sementes à escala mundial, pode igualmente ser desenvolvida por centros de investigação nacionais ao serviço da produção e da independência económica. Cuba está neste momento investindo fortemente nas biotecnologias e a China está-se virando denodadamente para a cultura das plantas transgénicas
3 - Perigosos para a saúde e para o ambiente: este é sem dúvida alguma o problema que desperta mais medos na população e nesse sentido o lançamento no mercado de novos OGM deverá ser sempre acompanhado, pelo menos a legislação europeia já o exige, de avaliações de risco, como não são feitos para mais nenhum outro alimento, sobre o seu impacto no ambiente e na saúde humana. É evidente que levado ao extremo o princípio da precaução, hoje tão caro a qualquer legislação ambientalista, seria impossível cultivar qualquer planta transgénica, mas, igualmente, muitas outras plantas, cuja inocuidade para a saúde humana não é absoluta.
Os OGM são pois produtos obtidos a partir de uma tecnologia de ponta que, posta ao serviço dos interesses nacionais e da defesa da independência económica permite obter resultados extremamente favoráveis, principalmente se se tomar em conta as possibilidades imensas que as alterações genéticas de certas plantas abrem no campo da medicina (introdução de vacinas e de vitaminas, fritos com menor absorção das gorduras, etc.), na resistência à seca ou ao frio ou na obtenção de maior produtividade.”

4 – Os OGM e a Esquerda
Os grupos ambientalistas foram os primeiros a alertarem e a lutarem contra os OGM. As suas críticas se, numa primeira ofensiva, incidiam muito sobre o aspecto irracionalista da questão, hoje são uma mistura hábil de argumentos em defesa da saúde, do ambiente e do consumidor, tudo isto debaixo da insinuação de que, por serem produzidos pelas multinacionais, os poderes públicos não nos protegem devidamente contra a sua nocividade. Propõe, em alternativa, a defesa da agricultura biológica.
A esquerda em Portugal, não vinculada ao PS, numa preocupação justa de envolver no seu discurso a defesa das preocupações ambientais, tem vindo, com as especificidades próprias de cada corrente, a manifestar-se contra os OGM, seguindo de certo modo a mesma argumentação dos ambientalistas.
Assim, para o PCP, e recorrendo a um artigo recente publicado no Avante , “até que existam provas cabais da inexistência de riscos para a saúde humana e animal e para o ambiente do uso de OGM, deve respeitar-se o princípio da precaução e recusar-se a patenteação e mercantilização da vida, não permitindo que um punhado de multinacionais, sobretudo americanas, possam controlar os agricultores e a agricultura, ou seja o controlo da alimentação.” Tal como afirmei em relação aos ambientalistas, para este Partido os problemas da saúde humana e ambientais justificam que se proíba ou suspenda a cultura dos OGM que, acrescenta o texto, são produzidos por um punhado de multinacionais americanas.
No entanto, para o comentarista do jornal Avante, a posição anteriormente defendida “não pode ser de forma alguma confundida com a rejeição da biotecnologia, o seu desenvolvimento e a sua aplicação ao serviço da humanidade através da investigação pública.” Não estaria mais de acordo com esta posição, pena é que ela não sirva para separar a luta justa contra as multinacionais no âmbito do agro-negócio dos perigos inventados que são atribuídos aos OGM já autorizados.
Quanto ao Bloco de Esquerda, uma leitura rápida do site esquerda.net permite-nos concluir por uma grande afinidade deste partido com os movimentos ambientalistas, dando a maioria das vezes voz à Plataforma Transgénicos Fora ou ao Greenpeace. No entanto, Louçã defende, em afirmações transcritas no esquerda.net, “uma agricultura livre de organismos geneticamente modificados, de acordo com a opinião da maioria da população e dos cientistas, em alternativa a uma agricultura ao serviço das grandes multinacionais do sector, que controlam a produção mundial de produtos transgénicos.” Realçando assim que, o que está em causa é a crítica a uma agricultura ao “serviço das multinacionais” e não expressamente os problemas ambientais e de saúde humana, apesar da referência um pouco deslocada da rejeição dos OGM pelos cientistas. No entanto, não encontrei naquele site, ao contrário do Avante, a defesa da biotecnologia posta ao serviço da humanidade através da investigação pública. Pode-se considerar que ele está mais próximo da visão estritamente ambientalista do Greenpeace, expressa em “12 perguntas e respostas sobre transgénicos”, do que das posições ainda dominantes no PCP de uma ciência ao serviço do povo e do progresso social.
Quanto ao PS segue a trajectória de Partido de Governo. Quando está na oposição é mais ou menos contra, quando está no Governo é mais ou menos a favor. É pois o bom exemplo das ambiguidades do Governo português sobre esta matéria. Quer dar a ideia nos media que é contra, mas no Governo nada faz para clarificar a situação. O mesmo se passa como PSD, cujo PSD/Algarve chega a declarar, a propósito dos acontecimentos de Silves, que o Ministro da Agricultura “actuou com a celeridade de um verdadeiro capataz das multinacionais dos transgénicos”. São Partidos pouco fiáveis sobre este assunto e têm sido responsáveis pela ausência na opinião pública portuguesa de uma posição séria e fundamentada sobre os OGM.

5 - Algumas ideias feitas sobre os OGM
Uma das críticas que mais tem sido realçada em relação aos OGM tem sido de que os agricultores que adquirirem sementes deste tipo ficam presos a elas para sempre, pois têm todos os anos que as comprar à multinacional que as produz. Isto é verdade, contudo a maioria do milho que hoje se produz nos campos do Sul do país (Ribatejo, Oeste e Alentejo) já está dependente das multinacionais do ramo, quer para a aquisição das próprias sementes, quer para os agro-químicos.
Hoje a maioria das sementes comercializadas são de milho híbrido, com as respectivas variedades inscritas no nosso Catálogo Nacional, ora, como o próprio nome indica, estas sementes resultam do cruzamento de diversas características, assim, de acordo com as leis da hereditariedade de Mendel, logo na segunda geração essas características separam-se, não permitindo pois que o agricultor conserve sementes de milho de um ano para o outro. É evidente que este tipo de culturas tem que ser compatível com aquilo que se passa em certas zonas do Norte do país, onde o milho é cultivado em pequenas parcelas de terreno e onde os agricultores foram seleccionando as melhores variedades e conservando as suas sementes de ano para ano. Esta imensa riqueza foi mantida em bancos de germoplasma. Não sei se presentemente, com a fúria economicista que atravessa o Ministério da Agricultura, ainda subsiste o Banco Português de Germoplasma Vegetal, com sede em Braga?
Outra das ideias feitas é aquela que considera que na Europa a maioria da população está contra os OGM, o que é verdade, não pelas razões evocadas pelos ambientalistas, mas porque as multinacionais, habitadas a tratar directamente com os agricultores, não perceberam a força do movimento dos consumidores na Europa, e introduziram inicialmente no mercado, produtos que só são vantajosos para a minoria que os cultiva e nunca para a maioria que os consome. Perguntam os ambientalistas, qual a vantagem que os consumidores retiram de um milho GM, resistente à broca do milho? Nenhum, respondem aqueles em uníssono. Penso que a segunda geração de OGM, mais virada para os interesses do consumidor, obterá de certeza maior apoio destes.
Mas voltando à resistência da Europa aos OGM. Uma das ideias feitas é que tem sido a força do movimento ambientalista e dos consumidores que tem impedido a sua libertação no espaço europeu e que os Governos, feitos com os americanos, arranjam sempre artimanhas para fazerem avaliações de risco pouco fiáveis, deixando assim entrar na fortaleza europeia o Cavalo de Tróia do imperialismo. Ora nada disto é verdade. Em Portugal, que eu tenha conhecimento, a primeira pressão que houve para que o nosso Governo não votasse favoravelmente um tomate GM, foi dos produtores de tomate portugueses, que queriam vender para o mercado inglês tomate com a garantia que não era GM. Mas mais recentemente, no Governo do PSD/CDC, houve posições diferentes em Bruxelas do Ministério da Agricultura e o do Ambiente, porque o primeiro, penso que por pressão de Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS), votava nos plenários em que estava representado contra a aprovação de OGM destinados à alimentação humana e animal, e o segundo, na base unicamente de pareceres científicos, votava favoravelmente nos comités do ambiente. Interessa também saber que se a CNA tem tomado sempre uma posição clara contra os OGM, já a CAP teve posições muito ambíguas, de esperar para ver. Dizia-me já há anos alguém do Ministério da Agricultura que no conjunto dos intervenientes na produção do milho em Portugal, os únicos que tinham interesse no milho GM era os produtores de rações para animais. E com razão, quanto mais caro compravam o produto mais caro vendiam a sua mercadoria e o milho não-GM é vendido mais caro do que o GM.
Por isso, também durante muitos anos, a França foi uma das principais opositoras a produção de milho GM, pois, como a sua produção era excedentária, estava interessada a colocá-lo no mercado mais caro, dado que o americano por ser GM não podia ser exportado para a Europa. Como em Espanha isso já não se verificava, este país virou-se para a produção de OGM, votando sempre em Bruxelas pela sua autorização.
Outros países, como a Áustria, que tinha investido fortemente na agricultura biológica, eram dos mais resistentes à sua aprovação na UE. O mesmo sucedia com o Governo de Berlusconni, em que o ministro neo-fascista da Agricultura foi sempre um dos principais opositores aos OGM, dado que, e com razão, achava que estes iriam destruir os produtos tradicionais da agricultura transalpina.
Havia também multinacionais do ramo alimentar, como a Nestlé, que garantiam que os seus produtos não continham OGM, porque os consumidores não queriam.
Todos estes exemplos tentam chamar a atenção para que a luta contra os OGM baseada unicamente nos perigos para o ambiente e a saúde humana, sendo justa, quando exige rigor na aprovação daqueles, pode muitas vezes conduzir, mesmo que isso não seja deliberado por parte dos seus promotores, a um grupo económico sair reforçado em detrimento de outro e não à verdadeira defesa de uma agricultura diferente, do ponto de vista social e económico.
Por outro lado, a difusão das culturas GM à escala mundial exige um outro rigor de apreciação, que obriga as forças progressistas a cada momento a saberem para cada país quais são as forças camponesas aliadas, quais os interesses das burguesias nacionais, que são as principais portas de entrada das multinacionais do ramo, e quais os Governos que estão ao serviço de um verdadeiro desenvolvimento das suas populações. Tudo isto exige muito mais rigor, ter uma perspectiva progressista da luta, e não nos deixarmos arrastar por meia dúzia de proclamações incendiárias, que não correspondem à verdade científica e que se podem voltar contra nós quando as forças progressistas puderem vir a ser Governo.
O post já vai longo e dado o muito que ainda queria escrever terei que partir para uma terceira parte.

Sociedade da Informação e da Flexisegurança

Friday, September 28, 2007

É da praxe? MAAAAATAAAA!!!

Finalmente parece que acabou. Passei uma semana a aturar caloiros (e veteranos) em manada na (enorme) fila do refeitório. Os veteranos estavam de capa e batina, claro. Os caloiros eram de engenharia informática. Ostentavam, pelos vistos orgulhosamente, uma etiqueta enorme pendurada ao pescoço, onde se lia em letras grandes “bicho da LEIC”. Os “bichos da LEIC” traziam ainda t-shirts com a inscrição “Fui praxado e não guinchei!” Muito bem. Grandes bichos! Só é pena que tal não corresponda exactamente à verdade, pois de tarde guinchavam bem alto enquanto passeavam em manada à volta do Técnico, sempre conduzidos pelos veteranos de capa e batina, obrigando-me a fechar a janela do gabinete.
No meu curso, de Física, a praxe sempre foi algo mais leve, de acordo com a convicção que sempre tive que tal procedimento indicia que os alunos não sabem muito bem o que vieram fazer para a faculdade. Tive oportunidade de conversar com alguns caloiros de Física, e só um estava decepcionado com a fraca praxe que teve. Queria mais! Queria que o obrigassem a fazer “uma ronda das tascas”, "como se faz em Coimbra". (Claramente, o rapaz não era de Lisboa. Também não era de Coimbra.)
Daqui a uns dez anos, quando acabarem o curso, vão estar todos, orgulhosos, na Alameda da Universidade, para lhes “benzerem as fitas”.

(Ler, a este respeito, o blogue do Movimento IST Alternativo.)

Petição pela Birmânia

Pela intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Assinar aqui.

Afinal também fui Funcionário Público



Mexer no baú tem destas coisas. Fui descobrir um outro EU de que já me esquecera, num verdadeiro "Dr Jekyll and Mr Hyde".

Ao raiar dos meus 20 anos, entre 1965 e 1967, servi a coisa pública como professor de Cálculo, Direito Comercial e Economia Política. Não se pode dizer que eu não era flexível e versátil (se então houvesse sindicatos não teriam permitido tal violência contra o meu bestunto para não falar na integridade do sistema de ensino).
Nunca esquecerei o manual de Economia Política, que espero reencontrar um dia destes, pois incluía a seguinte definição:

"Capital é, por exemplo, a farda de um polícia pois sem ela não teria direito a receber o seu salário"

Sabe-se lá que influência pode ter tido no meu posicionamento teórico o contacto, em idade tão tenra, com esta definição.

Aqui fica uma confissão, em especial para os meus amigos que me acusam cada vez mais de descambar para o liberalismo: eu também já pertenci ao meritório colectivo dos funcionários públicos.

Uma dúvida final: ainda há diplomas assim ou já é tudo Simplex ?







Thursday, September 27, 2007

Parabéns, Santana Lopes!



Há muito que penso que a televisão portuguesa é o melhor retrato do nosso país, com os seus vícios, entre os quais está uma absoluta falta de respeito pelos espectadores e convidados. Nada funciona como deve ser. Nada do que é prometido é cumprido. Ninguém leva nada a sério, e ninguém parece importar-se minimamente com isso. Pelo contrário, quando o governo tentou, através da única forma que podia (uma lei) regular minimamente o sector, só se ouviram vozes a condenar este “autoritarismo” e esta interferência na “liberdade” (já cá faltava!) dos programadores de televisão, quando não se falava mesmo, vejam bem, num “regresso da censura”! Pois bem, esta política de “toda a liberdade” e nenhuma responsabilidade perante a sociedade (só perante os patrões) dos programadores de televisão deu nisto: um antigo primeiro-ministro estava a ser entrevistado e é interrompido para transmitir em directo a chegada de um treinador de futebol. Não importa se são o pior dos primeiros ministros e o melhor dos treinadores de futebol (que são – e nenhum deles tem culpa nenhuma do sucedido ontem); o que conta aqui é o respeito, a seriedade. Que nós já sabíamos não existirem nos canais generalistas; o que ficou ontem patente foi que tais hábitos infelizmente já se estenderam mesmo aos canais pagos. Por isso eu tenho que dar os meus parabéns a Pedro Santana Lopes pela sua atitude.
Mais tarde, numa declaração, responsáveis da SIC classificaram como “perfeitamente normal” a interrupção feita a Santana Lopes. Aqui tem toda a razão a SIC: num país a sério, tal interrupção nunca seria normal, mas em Portugal com certeza que é. O problema está aí.

Wednesday, September 26, 2007

As três meninas


Os deuses devem estar loucos.
O telejornal da RTP (e se calhar também os outros) abriu com três meninas.
A já inevitável Maddie, que afinal não estava na fotografia de Marrocos, mais a Esmeralda que vai ser devolvida ao "pai biológico" e ainda outra, cujo nome esqueci, que com dois anos de vida foi presumivelmente morta pela mãe ao pontapé.

Esta pedofilia mediática, este "lá vai água" hertziano, este refastelar nas baixezas humanas faz-me compreender aqueles que já desistiram de ver televisão, ler jornais, e outras coisas mais.

Depois disto a peixeirada do PSD não passa de mais uma brincadeira de crianças.

The Plot Against Vespuccia


«...The Americas may actually have been named after Richard Ameryk, a wealthy Welsh merchant who was the main investor in the second transantlantic voyage of Giovanni Caboto. New lands in the 15th-century were usually named after a person's last name, not the first. If it was Amerigo Vespucci who gave his moniker, America would instead be called "Vespuccia".»

("A Welsh discovery", da secção de cartas do Economist)

... Vespuccian Pastoral, The Great Vespuccian Novel, Vespuccian Psycho, Vespuccian Beauty, The Quiet Vespuccian, Trout Fishing in Vespuccia, Purple Vespuccia, Vespucciana... passei a manhã a pensar nisto e em como a literatura moderna se livrou de um pesadelo fonético. As melhores estantes da Fnac pareceriam ter sido paridas por Doris Lessing, na sua fase Ficção Científica.

(O Lourenço, pelos vistos, também lê o Economist atrasado. Mas olha que há uma piada bem melhor nesse artigo: aquela do "over-qualified" no segundo parágrafo.)

Finalmente acabaram-se os "lobos"!

E falando no João Miguel Tavares, sugiro a leitura da crónica dele de ontem no DN. Os jogadores de râguebi não ganharam um único jogo, e se têm tão boa imprensa é porque se chamam "Uva" e coisas do género.
Daí a transformá-los nos maiores heróis da Nação só porque andam num campeonato do mundo a perder os jogos todos (e por muitos) é capaz - digo eu - de ser um bocadinho exagerado.

Dir-me-ão: "Ah, e tal, são amadores, passaram muitos anos a lavar as suas próprias camisolas, e veja onde eles chegaram." Até pode ser. Embora, tendo em conta os estratos sociais de onde vem a maior parte daquela rapaziada, seja bem mais provável que tenha sido a dona Mariazinha ou a menina Svetlana a lavar-lhes a camisola. Mas passemos ao lado das questões de classe, ainda que elas expliquem muita coisa. O certo é que, mesmo tendo em conta os objectivos (modestos) anunciados, a selecção ainda não cumpriu nenhum.

Um pouco de Nova Iorque em Lisboa

...embora as más línguas digam que a Time Out é originária de Londres, o que eu não acredito. Lisboa tem a partir de hoje a sua Time Out. Da direcção faz parte o João Miguel Tavares, e eu desejo as maiores felicidades à nova publicação.

Já que estamos a falar da China...



O ex-presidente da China, Jiang Zemin, foi o primeiro solista a cantar na nova casa de ópera da capital da China, Pequim.

Jiang cantou trechos de uma ópera ocidental e de um ópera chinesa para os funcionários do Grande Teatro Nacional, de acordo com o jornal South China Morning Post, de Hong Kong.

Em 2001, Jiang cantou O Sole Mio com o tenor italiano recém-falecido Luciano Pavarotti, depois da apresentação em Pequim do grupo Os Três Tenores (Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo).

O teatro, cuja construção foi iniciada em Dezembro 2001, fica no centro de Pequim, perto da Praça Tiananmen. É cada vez mais referido com "casca de ovo" porque tem uma suave forma semielipsóide. Tem uma sala de ópera com 2416 lugares, uma de concerto com 2017 e ainda um teatro para 1040 espectadores.




Jiang Zemin deixou a Presidência em 2003, sendo substituído por Hu Jintao.

O líder chinês cantou Love Me Tender, popularizada por Elvis Presley, depois de um jantar com o presidente filipino Fidel Ramos, na reunião de cúpula do Fórum de Cooperação Económica Ásia-Pacífico na capital das Filipinas, Manila, em 1996.

Um espanto...

Tuesday, September 25, 2007

Para acabar de vez com as FARC

Caro Tiago,
desculpa a demora mas tenho andado mesmo muito ocupado. Para encerrar (espero que de vez) a questão das FARC, e na sequência da resposta ao Pedro Correia, respondo só agora a este teu texto.
Primeiro: eu não fui à Festa do Avante. Se quisesse ter ido, não deixaria de ir pela presença de apoiantes das FARC, embora partilhar um espaço com tais pessoas me deixasse profundamente incomodado. É pouco, talvez, mas é sincero. Fico satisfeito por toda e qualquer referência às FARC ter sido eliminada da Festa, e reconheço que tal muito se deveu à campanha blogosférica e mediática que teve em ti um dos principais protagonistas.
Agora a questão é outra, Tiago, e já não vem de agora. Já não é a primeira vez que temos esta discussão. Passaste uma semana sem escreveres sobre outra coisa, sendo que questões muito mais importantes não merecem metade da tua atenção. Outro exemplo, particularmente evidente, é este outro teu texto. O nome de Catarina Eufémia foi utilizado para designar o grupo “Verde Eufémia”. Pois tu dedicaste muito mais espaço a tentares (com factos muitíssimo discutíveis) destruir a versão oficial histórica do PCP do que a comentares o que estava na ordem do dia: o ataque da “Verde Eufémia” e os transgénicos. Ao mínimo pretexto, tu estás sempre pronto a escrever um tratado anti-PCP, mesmo que este partido não tenha rigorosamente nada (como não tem, evidentemente) a ver com o “Verde Eufémia”. A tua principal preocupação, enquanto blóguer político, é atacares o PCP, Tiago, e era isso que deverias admitir. Mas é claro que o blogue é teu e podes fazer o que quiseres. Não podes é parecer imparcial nestas questões.
E por aqui me fico, até à nossa próxima polémica, que deve ocorrer lá para 7 de Novembro. Até lá, um abraço.

O "Mundo Global" em Beja



Vai realizar-se em Beja, entre 29 de Setembro e 7 de Outubro, promovido pela Câmara Municipal, um conjunto de iniciativas destinadas a promover o conhecimento de outras culturas e a fomentar a integração de comunidades de imigrantes na nossa sociedade. Este ano é dedicado à China.(ver o programa AQUI).

Com a colaboração da Embaixada da República Popular da China e do Centro Científico e Cultural de Macau terão lugar exposições de fotografia, de cartografia e de livros bem como eventos de caligrafia, de Tai Chi e acumpuntura.
É com enorme satisfação que eu participarei nesta excelente iniciativa expondo, pela primeira vez, o conjunto das 170 fotografias feitas na China em Abril de 2006.

Todos os anos a CASA DA CULTURA de Beja promete acolher os testemunhos e documentos de uma cultura/civilização com que os portugueses, os fautores da primeira globalização, se tenham relacionado.



Monday, September 24, 2007

"«Eles» não gostaram... e têm alguma razão"

Mário Bettencourt Resendes, provedor dos leitores do Diário de Notícias, respondeu no passado sábado à minha carta (e de outros leitores, que corroboravam). O tema era o lamentável título do artigo de Pedro Correia no passado dia 7; o conteúdo da carta não era muito diferente da última parte deste meu texto. Apesar da desconversa e da fuga para a frente do Pedro Correia, a opinião do provedor é taxativa:
Mesmo admitindo que se tratou de uma incursão, não conseguida, na "arte de titular com ironia", não colhe o argumento da "inspiração" no "ele" com que Casanova se referiu a Sócrates: a escrita jornalística de predominância noticiosa não deve colocar-se no mesmo plano em que se situa o texto de combate político. Ou seja, "eles" têm razão ao sentirem-se, assim, excluídos do universo de leitores do Diário de Notícias.
Esperemos que sirva de exemplo para o futuro, ao Pedro Correia e a outros jornalistas parciais, que escrevem sobre política com o objectivo de fazer política.
Resta a questão, que julgo interessante: quando pode um jornal referir-se a um grupo de pessoas como “eles”, excluindo-os assim do universo de potenciais leitores? A resposta não é única, mas tal só me parece aceitável se “eles” se dedicarem a actividades ilegais, sendo perseguidos por lei. É o caso da extrema direita, no que assim difere dos comunistas e da extrema esquerda. É também o caso de alguns movimentos de extrema esquerda, que não estão ligados a nenhum partido, como é o caso dos invasores da plantação de milho transgénico no Algarve. Em qualquer um desses casos, a opção dependerá sempre do critério do jornal. Mas nunca será aceitável que assim se designe numa sociedade democrática um partido legal e com representação parlamentar. Percebeu, Pedro Correia?

K.


Não percebo, juro que não percebo. Alguém me explica?
A ocasional contratação falhada não é nenhum animal mitológico, mas sim um imperativo estatístico: o adepto espera-a e desenvolve mecanismos para lidar com ela. Mas é essencial que o falhanço seja tangível; que seja, aliás, retumbante; que o adepto lhe possa pôr o dedo (preferencialmente o do meio). Um Missé-Missé a artilhar pontapés de bicicleta tecnicamente abismais ante a incrédula defesa do Espinho enriquece o anedotário clubístico e fortalece (enfim, enfim...) aquela secção do espírito que será sempre necessária para apoiar essa instituição demente que é o Sporting Clube de Portugal.
Mas um jogador como Farnerud bloqueia as respostas elementares, e lança-nos num dilema moral, onde surgem até questões de jurisprudência. É que com Farnerud há crime, mas nunca há cadáver. Queremos criticar um lance, mas o lance não acontece. Queremos insultá-lo, mas não o encontramos. Queremos rir, mas não tem graça. Queremos questionar a integridade moral da senhora sua mãe, mas um inédito rebate de consciência faz soar o alarme: a culpa não é dela. E a culpa não é dele.
Farnerud comporta-se em campo como um personagem de Kafka, que acordou de manhã para se ver subitamente catapultado para a máquina alienadora que é o desporto de alta competição. Ele não percebe o que lhe está a acontecer, e isso comove. Tragado por colossais e impenetráveis burocracias técnicas (há que assimilar conceitos como linhas de passe, diagonais, recepção em movimento) Farnerud adquire a importância de um símbolo, provocando uma empatia com o adepto comum que, tal como ele, gosta bastante do que costuma acontecer num relvado, mas não o sabe reproduzir.
E essa pode, na verdade, ser a sua única oportunidade de redenção: levar a sua gritante anonimidade a um tal nível de sublimação que force a posteridade a atribuir-lhe relevância, adicionando o seu nome ao léxico. Temos o kafkiano para as repartições de finanças. Talvez o futuro nos dê o adjectivo farnerudiano, ferramenta essencial para que o jornalista desportivo e o adepto resignado possam definir contratações inexplicáveis. Que seja esse o seu legado. Como alternativa, sugiro um linchamento público. Debatam, debatam.

Mr. Romero, I am ready for my close-up




O ritmo de actualização do blogue tem sido lamentável, mas peço encarecidamente aos milhares de leitores fiéis que não me julguem. Ainda não tenho internet em casa. A Margem Sul é uma realidade alternativa e exige uma longa adaptação. Há rotinas novas e ritmos diferentes a assimilar. Chamei um táxi por duas vezes nas últimas semanas, mas em vão. Da primeira vez, a firma não reconheceu a rua, ou sequer o código postal. Da segunda vez (seriam umas dez da noite), a voz do outro lado da linha repetiu cautelosamente o nome do bairro e perguntou: "isso não é a zona dos cães selvagens?". O senhor da PT que veio instalar o telefone disse-me com um ar ominoso que "esta zona não é boa". Estava presumivelmente a vernacularizar um termo técnico, mas eu cresci com filmes de terror. Se me dizem com um ar ominoso que "esta zona não é boa" fico logo com vontade de pendurar dentes de alho e crucifixos no portão. Soube também que há um mito urbano na zona de Sesimbra sobre "actividade nocturna" em cemitérios. E na rua de baixo mora um senhor chamado Américo que tem um abrigo nuclear no quintal das traseiras.
No meio de tudo isto, o que mais inquieta é a possibilidade de sobreviver ao apocalipse e, como o pobre Duane Jones, ser sumariamente executado por falta de credenciais locais (as conversas no café continuam a cessar assim que eu entro).
Não há quem tenha um T1 em Telheiras para a troca? Contactos para o mail, sff.

A melhor da semana passada - 6





Público, 22 de Setembro 2007, clique no texto do artigo para ampliar.

Sunday, September 23, 2007

É a concorrência (ao estilo europeu), estúpido !

(cartoon de Ben Heine)


Não é por considerá-los retardados que a União Europeia deixa de amar os seus cidadãos. Sendo louca por eles, pretende evitar que lhes aconteça algum mal. Tomando-os por estúpidos, sabe que a sua hipotética liberdade, prejudicada pelo escasso discernimento, os conduziria a trágicos desenlaces. Em consequência, a missão da UE consiste em resguardá-los da possibilidade de escolher (erradamente) e, em simultâneo, forçá-los a escolher (acertadamente). Estes tocantes cuidados reflectem-se nas instâncias políticas da UE, que em geral dispensam o voto popular, e na vida quotidiana.

Veja-se o caso Microsoft. Uma esmagadora maioria dos computadores europeus está equipada com software da empresa americana. O consumidor europeu, na sua ignorância, adquire produtos da Microsoft por achá-los incomparavelmente mais eficazes ou mais baratos que os similares. A Microsoft, para cúmulo da desvergonha, adiciona software gratuito ao Windows e ao Office, e o consumidor, na sua cegueira, recebe os brindes com satisfação.

O consumidor é uma besta. Por sorte, uma besta defendida pela vigilância da UE, que em 2004 condenou o tenebroso Bill Gates por "abuso de posição dominante" e vê agora um tribunal seu e isento confirmar a multa de 497 milhões. Trata-se de um enorme passo para libertar o europeu médio das suas decisões individuais e orientá-lo no sentido do Bem, leia-se da quinquilharia informática cara e disfuncional que ele até aqui recusava. Os competidores da Microsoft, protegidos da obrigação de agradar à clientela, agradecem. A Microsoft, que mudou o mundo, resigna-se ao rancor de ociosos sem préstimo. Os ociosos acrescentaram 497 milhões aos genéricos subsídios da prostração. E o consumidor, salvo de si mesmo, é capaz de não perceber devidamente este extraordinário triunfo em prol de uma extraordinária concepção de concorrência. O consumidor, não sei se já referi, é idiota.

in Diário de Notícias, 23 de Setembro 2007
Alberto Gonçalves, sociólogo, albertog@netcabo.pt

Friday, September 21, 2007

“Mais do mesmo” ou tripeirismo recauchutado

E querem mesmo saber qual é a razão dos grandes males do PSD? Os candidatos à liderança são... “um benfiquista e um sportinguista!” Segundo a mesma lógica, certamente os males do país vêm de o primeiro ministro não ser (tal como nenhum dos últimos 25 anos, pelo menos) do FêCêPê! De onde poderia vir tal explicação? Do blogue dos liberais/tripeiros (no es lo mismo pero es igual). Bem podem o CAA e o João Miranda dar um ar renovado à coisa, mas assim se demonstra mais uma vez que a “destatização” e a “regionalização” em Portugal não são mais do que outros nomes para o tripeirismo recauchutado, defendido por uma elite portuense mesquinha, complexada, provinciana ao extremo, invejosa de Lisboa e sedenta de poder. Por muito bons argumentos que haja a favor da regionalização, não me sai da cabeça que apoiá-la é entregar um poder que influencia o resto do país a esta gente (que, como é evidente do texto em questão, só se preocupam com eles mesmos). Não contem comigo para os apoiar. Só não percebo o que pensa o sulista, sportinguista e liberal JCD deste assunto.

Pimba! Mais um anti-semita

"Para ter repercussão fala-se com o lóbi judeu, que é muito forte na imprensa de referência norte-americana." (António Carneiro Jacinto, ex-adido de imprensa da embaixada portuguesa em Washington, em entrevista ao Diário de Notícias)

Thursday, September 20, 2007

Vícios privados, publicas virtudes?

No PUBLICO de ontem, a propósito da disputa “Mendes&Menezes” (que aliás não me interessa para nada), dizia Rui Tavares:
“Uma parte grande da população ressente-se mais do excesso do poder das empresas do que da acção do Estado. A ideia de que as empresas são por definição mais eficientes também tem levado uma grande sova da realidade. A empresarialização das funções municipais cheira a corrupção, e por aí adiante”.

Não há duvida de que os exemplos estão mesmo a matar...
Mas é pena que haja aqui uma “pequena” imprecisão; de facto, as empresas, por definição, têm condições para serem mais eficientes, mas isso não quer dizer que sempre e todas o sejam.
No entanto a expressão “por definição” não é apenas enfática! Significa que para serem consideradas como tais as empresas têm de ter as características e funcionarem segundo as regras do empreendedorismo.

Ora não há nada mais longe desse modelo e dessas regras do que as empresas municipais que não enfrentam concorrência, e onde os gestores estão sempre seguros e os “riscos” são sempre cobertos pela “vaca leiteira” do orçamento. As chamadas empresas municipais são apenas uma extensão do universo autárquico, criada quase sempre com o objectivo de escapar ao control do Estado, que continua no entanto a sustentá-las. Chamar-lhes “empresa” é apenas uma forma de expressão...

E quanto àquilo de que a população se ressente: nas estatísticas das organizações de defesa dos consumidores o 1º lugar das queixas é ocupado pela PT, exactamente um caso exemplar de uma empresa teóricamente privada mas que vive de exclusivos, protecções e facilidades várias que o Estado lhe proporciona.
Neste caso temos o pior dos dois mundos, trata-se de uma empresa com fins lucrativos, o que segundo a lógica do articulista seria pior para os consumidores, mas que fica “isenta” de se aperfeiçoar por pressão do mercado, o que sempre seria uma compensação para esses mesmos consumidores.
(cartoon de Ben Heine)

Até nisto somos um clube diferente


O adversário marca... e os sportinguistas aplaudem. No fundo ninguém ficou muito triste. Era um dos nossos.

Resumo do Sporting-Manchester United (2)

Resumo do Sporting-Manchester United (1)

Wednesday, September 19, 2007

Talvez na próxima reencarnação...

A visita a Portugal do Dalai Lama surpreendeu-me.
O pouco que sei do budismo tem dois pontos muito positivos: não ter a pretensão de conquistar aderentes e respeitar todas as formas de vida. Nesses aspectos particulares considero-me um budista por geração espontânea.

Dito isto não me pareceu muito católica, ou seja budista, a evidente idolatria dos nossos crentes perante um velhote simpático que gosta obviamente de dizer graças e trocadilhos, como quase todos os velhotes. Talvez os membros desta inefável intelligentzia queiram ser considerados "reencarnações" de um lama do séc. XVII como aconteceu, segundo consta, com o "actor" Steven Seagal (que doou não sei quantos milhões).

O que eu esperava era que se juntassem todos no Pavilhão Atlântico à volta de uma formiga, respeitosos, em vez de exigir às autoridades que "recebessem" o Dalai Lama.

Para o expoente máximo do budismo Cavaco não devia ser nem mais nem menos do que uma carraça, Sócrates equiparado a uma melga e a mosca tzé-tzé tão respeitada quanto Jaime Gama .

Talvez na próxima reencarnação...

Bem vindo a casa, Ronaldo!

...mas espero que o resultado de logo seja o mesmo daquele jogo, entre as mesmas equipas, de inauguração do Estádio Alvalade XXI. O teu último jogo pelo Sporting.

"Com um estádio atrás de mim até eu lhe enfiava um tabefe"

João Miguel Tavares no Diário de Notícias:
O seleccionador devia ter vergonha não só pelo que fez mas pelas desculpas que arranjou. Porque, na verdade, não foi Scolari quem protegeu Quaresma, como até hoje ele continua a insistir. Foi Quaresma e a restante selecção que protegeram as costas de Scolari, enquanto ele perdia a cabeça em Alvalade.
Francamente o que mais me irrita na atitude de Scolari nem é o tabefe no sérvio em si. Espetar um tabefe num adversário, sendo uma atitude antidesportiva e condenável, revela um problema de temperamento. Não o saber assumir e refugiar-se em desculpas revela um problema de carácter.

A farsa volta à cena no Parque Mayer ?


O jornal Público de ontem, pela pena de Luís Filipe Sebastião, noticiava:

"Os eleitos do PS e do Bloco de Esquerda na Câmara Municipal de Lisboa querem saber o valor que o terreno do Parque Mayer tinha na altura em que foi permutado com parte dos terrenos da antiga Feira Popular, em Entrecampos. Na proposta que amanhã vão apresentar ao executivo camarário prevê-se a criação de uma comissão para avaliar o terreno e determina-se que os serviços camarários informem sobre todos os processos com firmas do grupo Bragaparques.
Segundo um comunicado do gabinete do vereador José Sá Fernandes, na reunião camarária será apresentada uma proposta do BE e do PS para a constituição de uma comissão com a finalidade de avaliar o terreno do Parque Mayer em 5 de Julho de 2005, data da escritura pública da sua permuta com uma parte dos terrenos onde estava instalada a Feira Popular, em Entrecampos.
A avaliação deve levar em conta "os índices de construção máximos permitidos pelos instrumentos de ordenamento territorial e regras urbanísticas aplicáveis, nomeadamente as resultantes do Plano Director Municipal em vigor".
O texto propõe que a comissão seja constituída por Alfredo José de Sousa, ex-presidente do Tribunal de Contas, Issef Ahmad, antigo director-geral do Património, e António Jorge Matos Fernandes, que foi administrador da sociedade Teixeira Duarte. A comissão deverá elaborar o relatório final "no prazo máximo de três meses".

Sendo sabido que: (1) Os partidos em causa estavam na câmara à data em que a permuta aconteceu, (2) Que a actual vereação resultou de eleições em que se esgrimiram acusações de corrupção contra a vereação anterior, (3) Que há muito se noticia a acção da PJ na investigação do negócio citado, (4) Que o valor de uma propriedade imobiliária não resulta de uma tabela mas sim de julgamentos feitos, na circunstância, pelos intervenientes no mercado, pergunta-se:

a) O que impediu o PS e o BE de obter a avaliação do Parque Mayer em tempo útil como lhes competia ?

b) Se o valor do Parque Mayer é desconhecido com que fundamento acusaram a vereação anterior ?

c) Porque não serve a avaliação que a PJ certamente vai efectuar no quadro da sua investigação ?

d) Os três meses dados à comissão de avaliação proposta destinam-se a simular um rigor que o atraso com que o seu trabalho se inicia não deverá permitir ?

e) É apenas mais uma farsa que sobe à cena no Parque Mayer ?

Tuesday, September 18, 2007

Os coelhos não são esferas - os coelhos são toros!

Reparem nos seguintes esclarecimentos de Dennis Overbye no The New York Times que, mais uma vez, até por isto é o melhor jornal do mundo:

August 18, 2006
Ask Science: Poincaré’s Conjecture
By DENNIS OVERBYE
Dennis Overbye answered select reader questions regarding his article about the Poincaré conjecture from this week's Science Times.

Q. The Poincaré Conjecture article has a side note stating "To a topologist, a rabbit is the same as a sphere." Every rabbit I've seen, however, has a hole (or tunnel if you prefer) running from its mouth to just under its tail. It seems to me a rabbit is really the same as a donut. – F. P. Katz

A. So you see, topology isn’t so hard after all. More readers than I care to count — by far a vast majority of those of you who wrote and phoned through all the different channels of communication available— took issue with my oversimplification of rabbit anatomy. Some were more scatalogical than the others. Yes, real live rabbits are like doughnuts, as are people, worms and sharks. As more than one reader pointed out, the development of a digestive system is no small feat for an organism.

My only excuse, and I admit it is a feeble one, is that the bunny in the graphic that accompanied this story was clearly a cleaned up version with no orifices, more like a chocolate bunny or a Disney animal than a real one. I also have to say that I never owned a rabbit, or any animal that lived in a cage that had to be cleaned up — an experience that might have reminded me of the inconvenient side of bunnies.

A mathematician friend tells me that the fact that so many readers caught me on this is very encouraging. “You should be ecstatic over this,” he wrote in an e-mail. “It means that a lot of non-mathematicians actually understood what you wrote!”

Sobre este assunto, e a relação entre a prova da conjectura de Poincaré e a teoria de supercordas, ler os comentários do Lubos Motl.

Midwest em vez de Middle East



Os "do costume" não perderam mais uma oportunidade para trazer de volta o famigerado exame de "Inglês Técnico" do nosso primeiro-ministro só porque ele, na conferência de imprensa conjunta com Bush, falou de "Midwest" em vez de "Middle East".

Puro engano. Estamos em condições de garantir que se tratou, isso sim, de uma manobra diplomática genial que lançou uma onda (visível na imagem) de admiração.

Ainda atordoado pela Exposição "Ecompassing the Globe", o que quer que isso signifique, Sócrates quis mostrar que não devemos deixar-nos obcecar pelas questões de resolução praticamente impossível quando podemos dedicar-nos a outras bem mais pacíficas.

As posições da UE e dos EUA são totalmente coincidentes no que toca ao "Midwest" (Illinois, Indiana, Iowa, Kansas, Michigan, Minnesota, Missouri, Ohio, Nebraska, North Dakota, South Dakota e Wisconsin). Já o mesmo não poderá dizer-se do "Middle East".

Para além do mais no "Midwest" há muito menos radicais islâmicos.

Os computadores como eu os via há 20 anos

Computadores – Questão Técnica ou Questão Social ?


Tal como muitos outros produtos "tecnológicos" os computadores parecem seguir, quanto ás preocupações dominantes que suscitam, um padrão de evolução típico. Começando por ser questões científicas, na medida em que partem de uma ou mais descobertas da investigação, evoluem posteriormente para o plano tecnológico durante o processo de viabilização da produção de quantidades socialmente significativas. As questões económicas tornam-se dominantes através dos investimentos e da luta pela conquista dos mercados em consequência dos quais a massificação da utilização dos produtos tecnológicos traz para primeiro plano as preocupações de carácter social.

Esta ideia pode ser testada com produtos tecnológicos mais antigos do que os computadores como por exemplo os automóveis e os televisores.
No que diz respeito aos computadores estamos agora a chegar ao fim da "fase económica" e despontam já os sinais da "fase social".
Isto não significa que os aspectos económicos, ou mesmo tecnológicos e científicos deixem de ter importância; apenas deixarão de ser dominantes.
É claro que esta passagem leva o seu tempo e acabará por ter de ser forçada pela massificação real, quando ela se verificar, condicionada pela maior ou menor capacidade das organizações e dos indivíduos para aperceber, equacionar e perspectivar as consequências sociais dessa massificação.

O processo de massificação do uso dos computadores sofreu uma aceleração decisiva com a introdução dos microcomputadores mas o desenvolvimento completo dessa tendência está longe do esgotamento quer nos escritórios e nos serviços publicos quer na actividade produtiva.

Como a "história" dos computadores é excepcionalmente curta ela possibilita a numerosos indivíduos e grupos atravessarem mais do que uma fase e mesmo, nalguns casos, todas as fases (científica, tecnológica, económica e social).
Tal facto explicará por que é tão comum uma atitude de embevecimento técnico socialmente acrítico, bem como o atraso na abordagem das questões económicas subjacentes à produção, aquisição e utilização dos computadores.

Duas ordens de questões ilustram amplamente o que acaba de ser enunciado; as que respeitam às formas de utilização dos computadores e as que se prendem com a eventual produção nacional dos mesmos.
O lugar comum de que utilizar computadores é bestial e a "Lapalissada" de que devíamos produzir, nós próprios, os nossos computadores (e porque não os carros e aviões, etc) compuseram o caldo de cultura para o florescimento da "modernização".
Os políticos em voga acotovelaram-se no afã de "modernizar" a sociedade, a economia, a indústria, as fábricas e mesmo os pobres dos trabalhadores (muitas vezes vítimas de cursos sem sentido).
Evitam o trabalho de explicar o significado do termo “modernização” fazendo de conta que a coisa é evidente, que o problema nem sequer se põe. Entusiasmados, dezenas de analistas e outros escreventes igualmente ignorantes, pegam-lhes na palavra e ao fim de pouco tempo os pacatos telespectadores e os circunspectos leitores já são furiosos defensores dos robots, antenas parabólicas, supercondutores e outras maravilhas da era tecnológica.

Isto até nem faria mal nenhum se não resultasse num entupimento da capacidade crítica que deveria sempre aferir, pela bitola das necessidades humanas, os "prodígios" que para alguns são apenas um negócio.
Não se nega, e seria absurdo negar, as virtualidades imensas contidas nas tecnologias da informação (e nas outras). Nem é isso que está em causa.
O que é aberrante é a ausência de diferenciação no que respeita às potenciais utilizações dessas tecnologias.
Será indiferente informatizar balcões de bancos ou guichets de hospitais ?
É igual automatizar uma fábrica para produzir o dobro com as mesmas pessoas ou automatizar para produzir o mesmo com metade das pessoas ?
É igual pôr um computador a contabilizar as propinas escolares ou a apoiar pedagogicamente o ensino ?
É igual usar os computadores para animação de gráficos publicitários ou de diagnóstico médico ?
(Note-se que perguntámos "é igual ?" e não "é melhor ?").
Todos sabemos que não. Só não sabemos por que nunca se discute isto.

Pelo que se sabe os japoneses foram exigentes compradores e eficientes utilizadores antes de se tornarem os maiores produtores de robots. Deveríamos meditar nisto antes de embarcarmos em ilusões "industriais" no domínio da informática.
Mas voltemos de novo à "modernização". Alguns, mais estruturados ou mais sinceros, explicitam minimamente o seu entendimento do termo.
É mais ou menos isto: Modernização = Iniciativa privada + produtividade + inovação

A esses diremos que chamam "modernização" a uma receita antiga.
Os acréscimos de produtividade, sem dúvida desejáveis, são para distribuir pelo maior numero de intervenientes já que a revolução científica e técnica é, ela própria, produto da sociedade como um todo.
A inovação, o trabalho criativo, são processos que ocorrem no cérebro humano o que implica, irremediavelmente, que os trabalhadores serão os exclusivos proprietários de tais meios de produção.

Publicado em "o diário" a 7 de Novembro de 1987

Monday, September 17, 2007

22:15

Uff... Custou mas foi. Após muitas perifécias e imprevistos de última hora, a candidatura foi lacrada. Já não posso ver mais planos de trabalhos à frente. Uma vez mais alea jacta est.

It's not writing, it's typing

Um texto cujo segundo parágrafo começa com a frase «My attitude to gray flannel has changed over the years» tem um longo caminho a percorrer, mas esta peça de Anthony Daniels na última New Criterion merece que o leitor resista ao impulso óbvio. É um excelente trabalho de demolição crítica, por vezes no limite da mesquinhez carrancuda, mas - perversamente - mais justo para com Kerouac do que muitas das elegias sonâmbulas que assinalaram o cinquentenário de On the Road. Façam o favor de ignorar o saloio arremedo de "Howl" que encerra o artigo e ponham os olhos no parágrafo anterior. «Prophet of immaturity» é uma proeza de condensação: forja um epíteto simultaneamente apto, venenoso e ternurento; e faz com que o «King of the Beats», que jornalistas culturais preguiçosos teimam em continuar a usar, soe ainda mais frouxo.

John Updike, na sua doida juventude, escreveu uma paródia brilhante da verborreia Keroualha. Desafio qualquer adepto confesso da escrita Beat (que nem sequer sei se existe) a submeter-se ao teste.
A vulnerabilidade a uma boa paródia não é necessariamente indicativa da dimensão de um escritor. Beerbohm "apanhou" Henry James sem lhe negar um milímetro de justa posteridade. Mas foi preciso Beerbohm - um génio - para o fazer. O problema com Kerouac (e com o desgraçado do Ginsberg já agora) é este: não é preciso um talento fenomenal para os parodiar; Updike fê-lo e fê-lo bem, mas poderia ter passado a comissão a um sobrinho competente ou a um dos fact-checkers da New Yorker. O único risco é o da redundância; é que o original já fez o trabalho quase todo:

«... This is where Dunkel and I spent a whole morning drinking beer, trying to make a real gone little waitress from Watsonville—no, Tracy, yes, Tracy—and her name was Esmeralda—oh, man, something like that.»

(Ando há quatro ou cinco anos a ler regularmente as colunas de Anthony Daniels e Theodore Dalrymple e só há duas semanas descobri que ambos são a mesma pessoa. Isto é daquelas ocorrências que desarmoniza por completo o pacato mundo de um leitor de revistas. A minha paranóia latente não precisa de estímulos, obrigado. We're through the looking-glass here, people. Não me surpreenderia que o senhor também escrevesse meia dúzia de blogues por aí.)

Lonely tylenol



Dylan e palíndromos. Não é preciso muito para me fazer feliz.

(Com agradecimentos ao Salústio e aos cafés Delta)

Já vem a caminho


A melhor da semana passada - 5




O cão pisteiro português

Meu caro Ministro da Justiça

Como sabe, a PJ contratou um cão pisteiro para detectar mais facilmente o odor a cadáver. E, na primeira semana, a contratação foi totalmente bem sucedida. O Bóbi conseguiu não só encontrar 27 cheiros a cadáver em criminosos diversos, como 31 cheiros a cadáver político na beca doutoral do prof. Marcelo, 457 indícios na estátua do Marquês de Pombal e, pelo menos, um falecido de tédio, que terá passado à condição de cadáver adiado depois de ter contactado o ministro Nunes Correia e um cadáver exquisito, cuja complexidade cultural é demasiada para lhe explicar o que é.
Na segunda semana, o cão pisteiro afirmou que estava farto de viver na sede da PJ, na Gomes Freire, como se fosse um detido nos calabouços e exigiu um pequeno apartamento com ar condicionado, televisão de plasma e uma aparelhagem mp3. Apesar de tudo ainda farejou vagamente um ou dois cadáveres bancários na farpela do eng.º Jardim Gonçalves, 100 mortos de indignação num discurso do dr. Alberto João Jardim e resolveu seis crimes considerados insolúveis, além de passear com insistência olfactiva entre as redacções do «24 Horas», do «Correio da Manhã» e do «Diário de Notícias», onde o cheiro de cadáver tem sido intenso esta época.
Na terceira semana, o Bóbi confessou que não tinha condições e aderiu a uma jornada de protesto da CGTP. Não obteve mais do que um ou dois cheirinhos e num deles nem soube dizer se era cadáver ou bagaço do mau.
Na quarta semana, o cão pisteiro português ameaçou fazer greve, disse que o Governo era incompetente e responsabilizou o ministro da Administração Interna pelo fracasso da política de segurança (além de ter contado uma anedota cifrada sobre o senhor primeiro-ministro, a qual foi devidamente anotada e está neste momento a ser descodificada).
Na quinta semana, o Bóbi passou a entrar, não às nove, como era seu hábito, mas por volta das 10h30 e passava a manhã toda a ler a imprensa, nomeadamente a gratuita, que aproveitava depois para as suas necessidades fisiológicas. Na hora do almoço demorava uma eternidade e quando voltava queixava-se de não ter uma viatura com ar condicionado à disposição. Não farejou um único cadáver de jeito, ainda que tenha descoberto as ossadas de Luís de Camões num local de que já nem o professor José Hermano Saraiva se lembrava.
Na sexta semana, o cão meteu baixa de três dias e decidiu faltar outros dois por assistência à família, embora ninguém saiba (e ele faça disso mistério) se tem família. Farejou um cadáver, mas quando o seguiram, os agentes verificaram que estavam no Cemitério dos Prazeres.
Na sétima semana, o director da PJ decidiu colocá-lo no quadro de supranumerários, facto a que ele resistiu dizendo que com 60 por cento do salário não pode comer o salmão indispensável ao seu apurado faro.
Parece que agora é comentador de uma televisão.
Aqui fica o relatório que me pediu.
Receba um abraço do seu

Comendador Marques de Correia
Expresso, 15 Setembro 2007

Sunday, September 16, 2007

He is in that void

«It seems it won't go, but suddenly it does. The medicinal odor of displaced Vaseline reaches his nostrils. The grip is tight at the base but beyond, where a cunt is all velvety suction and caress, there is no sensation: a void, a pure black box, a casket of perfect nothingness. He is in that void, past her tight ring of muscle».

(John Updike, Rabbit is Rich)

Esta passagem, que regista, com veemente rigor, a primeira experiência sexual alternativa do protagonista, tem o mérito adicional de descrever a experiência estética acelerada que é ler as novecentas páginas da tetralogia Rabbit em quatro dias. A prosa de Updike é o grande esfíncter contraído da literatura contemporânea, frase que, de resto, aconselho vivamente o leitor a usar sempre que possível em ocasiões sociais futuras ("Já leu o último Mário Cláudio?" "Olhe, não. Tenho andado entretido com o Updike, cuja prosa é o grande esfíncter contraído da literatura contemporânea".) É raro o parágrafo Updikeano que não titila um nervo, mas a pressão é sempre localizada e efémera; o leitor pressente o vazio para lá da sensação imediata e anseia pelas posições de missionário e intenções reprodutivas dos seus conterrâneos menos talentosos. O fetichismo da prosa desgasta; brutaliza por acumulação de percepções. Em novecentas páginas, nada acontece (e nada acontece) que não mereça uma extraordinária passagem descritiva - invariavelmente subtil e raramente profunda. Há impulsos estéticos mais honestos nos tipos que escrevem as quadras para os manjericos. Mas admito que tenho andado um bocado resmungão.

Os novos Códigos e o Absurdo


A discussão sobre os códigos Penal e do Processo Penal ameaça tomar foros de paixão.
De facto, aspectos como o das novas regras da prisão preventiva e as confissões de impotência das policias e agentes de combate à criminalidade mexem com os nossos medos colectivos e com as nossas necessidades mais básicas de segurança de vida e bens.
Receio por isso que se vá gritar muito e compreender pouco.

Não me interessa entrar na discussão de códigos e processos, e tentarei não me deixar levar para os aspectos emotivos. Mas como cidadã que considera que a lei e a justiça são assuntos que dizem respeito a todos, chamo a atenção para isto: o que essencialmente está em causa é mais uma vez o péssimo funcionamento da justiça em Portugal e o desfasamento entre a letra das leis e a vida real.
A limitação dos casos de aplicação da prisão preventiva e da sua duração não teria como consequência a libertação de criminosos provados (e até já condenados, mas ao abrigo de recurso), se houvesse prazos realistas para as várias diligências judiciais (antes e durante a fase de tribunal), e se os agentes envolvidos, incluindo os juízes, fossem responsabilizados pelo seu cumprimento.

Esta questão dos prazos e da irresponsabilidade é das maiores mazelas da justiça portuguesa e está na base da desconfiança que nela têm os cidadãos comuns e do aproveitamento que dela fazem os transgressores da lei.

Abraçando o Mundo




Encerra hoje, em Washington, a Exposição "Encompassing the Globe:
Portugal and the World in the 16th and 17th Centuries" já em tempos referida aqui no DOTeCOMe Blog.

A exposição fora inaugurada Cavaco Silva no dia 20 de Junho 2007.

Na hora da despedida, com uma pontinha de orgulho nacionalista, aqui ficam dois links interessantes sobre este tema:

ARTCYCLOPEDIA

Arthur M. Sackler Gallery,Smithsonian Institution


Recôncava


Claudionor Viana Teles Veloso, a Dona Canô, mãe de seis filhos, entre eles Caetano Veloso e Maria Bethânia, avó e bisavó, referência de Santo Amaro da Purificação na Bahia, faz hoje cem anos. Parabéns.

Saturday, September 15, 2007

"António Costa não acredita em Chinatown" *


* manchete lida na madrugada de sexta-feira, na página 103 do teletexto da TVI

Achei esta tripla justaposição - um autarca português, uma declaração negativa de fé e uma obra-prima da estética neo-noir - verdadeiramente inspirada, e deixo aqui sugestões para possíveis variantes:

Rui Rio não acredita em The Lost Seduction
Augusto Pólvora não acredita em Miller's Crossing
Fernando Seara não acredita em The Usual Suspects
José Portada não acredita em The Big Easy
Maria da Luz Rosinha não acredita em Palmetto

Friday, September 14, 2007

Os fantasmas de Goya

No último filme de Milos Forman, já tratado neste blog, há uma linha que me parece muito interessante.

Começa a esboçar-se logo no principio, quando os padres da inquisição se interrogam perante as gravuras de Goya: “É então assim que somos vistos em todo o mundo?” , e quando Lorenzo Casamares, para proteger o pintor ou melhor, o seu retrato que ele estava a produzir, desencadeia o processo que está na origem da trama emocional do filme.

Goya não é ali simplesmente Francisco de Goya y Lucientes, pintor.
É aquele que detém o temível poder de revelar a natureza profunda do mundo e da alma dos homens. Melhor dizendo, de propôr uma "interpretação" dessa natureza.
Veja-se o temor quase reverencial com que o inquisidor e a rainha se aproximam pela primeira vez dos seus retratos; eles vão descobrir como é que são na realidade, ou seja, para os outros. E agradados ou não, não se atrevem a contestar a sua imagem.

Talvez por isto, Milos Forman não chamou a este seu filme “Goya”, como chamou “Amadeus” ao outro, que alguns críticos insistem em colocar em comparação para se declararem desiludidos com a falta de peso e consistência do personagem...

Para mim este filme não é obviamente sobre Goya. O pintor é um instrumento, um símbolo do poder da imagem, que consiste em nos apresentar a realidade em conjunto com uma proposta de interpretação. Ou seja, a realidade como objecto questionável.

How do we solve a problem like Scolari?

Admito, assumo, errei: quando li este texto da Fernanda Câncio, o pensamento que me veio à cabeça foi "as mulheres não percebem nada de futebol". Tal como o Scolari, eu não sou infalível (mas não preciso de me refugiar no Quaresma). Seria sempre errado chegar a esta generalização baseado num texto: no máximo, poderia chegar a alguma conclusão sobre... a Fernanda Câncio. Porque saberia que a Fernanda se irritaria, na altura decidi escrever nos comentários o eufemismo mais simpático de que me lembrei: a Fernanda "não estava nada preocupada" (eu queria era dizer "interessada") com o futebol. Mas se confirmação fosse precisa de que tal não é uma característica exclusiva das mulheres (e nem tem que ser de todas), ela foi-me dada por este texto ainda mais alucinado do Tiago Mendes. Obrigado, Tiago, por demonstrares que um homem também pode escrever despropósitos e exageros sobre futebol.
Tiago e Fernanda, eu gosto muito de vocês (a sério), apesar de provavelmente serem clientes do "El Corte Inglés" (espero que o Tiago ao menos não mande lá a criada). São duas pessoas a quem eu compraria um carro usado, como se diz nos EUA (se bem que não me parece que nenhum de vocês use carros utilitários). Mas convençam-se: o futebol é o território onde libertamos toda a nossa irracionalidade (se não fosse assim, como é que gajos de esquerda como eu estariam preocupados com gajos que ganham fortunas?). É claro que um individualista liberal como o Tiago julga que deveria partir de cada um (neste caso, de Scolari) a iniciativa de se autopunir, demitindo-se. Tal não é verdade, e nem a Federação deve tomar tal atitude, simplesmente porque tal seria desastroso, neste momento (friso o neste momento) para a selecção. Significa isto que o acto de Scolari deve passar impune? É claro que não, mas cabe a um moderador, um regulador (o equivalente ao Estado) a decidir a punição (este papel é da UEFA). A Federação deve deixar Scolari ficar até ao fim do Campeonato Europeu. Esta discussão é interessante (ler também o Daniel Oliveira); eu estou de acordo com o marialva (aqui e aqui).

Tempestade sobre um campo de milho transgénico: parte I

Apesar de atrasado, aqui vai este artigo sobre os acontecimentos de Silves:

Sobre a recente polémica relativa à destruição (17/8/07) de cerca de um hectare de milho transgénico, em Silves, por um grupo de ambientalistas de uma organização até aí desconhecida denominada Verde Eufémia, publicou recentemente o historiador de direita Rui Ramos um artigo de opinião no Público, de 12/9/07. Diz ele, em resumo, que os ambientalistas, a que ele chama activistas, estão a abrir portas já abertas dado que o mundo se converteu à “onda verde”. Assim, diz o autor: “a causa “verde” ganhou o debate público. Isto quer dizer que pode, crescentemente, contar com a lei e a força da lei. Ora, para uma causa nesta situação, não convém dar cobertura à “acção directa”, isto é declarar a lei irrelevante.” É evidente que todo o artigo visa diminuir este tipo de acções, ridicularizando-as até ao limite. No entanto, não deixa de ter alguma razão quando considera que, do ponto de vista da ideologia dominante (esta afirmação é minha), o ambientalismo pode ser defendido, dentro de certos limites – digo eu –, “por poderosos interesses comerciais, como sejam os da indústria das energias alternativas”. Não é Carlos Pimenta, do PSD, um dos rostos mais visíveis da energia eólica?
Nesta perspectiva, a luta contra os OGM é igualmente assumida por diversas correntes políticas e ideológicas, quer em Portugal, onde este fenómeno é muito menos visível, quer na União Europeia, podendo a mesma, variando consoante a prática política dos diversos agrupamentos, ir da extrema-direita, dos neofascista italianos, até à extrema-esquerda. Por esse motivo, é normal haver referências favoráveis nos media dominantes a acções, posições e manifestações públicas dos diferentes grupos ambientalistas contra os OGM.
Acções semelhantes a esta já se tinham verificado em Portugal, estou a lembrar-me daquela que foi desencadeada pelo Greenpeace contra o desembarque de milho transgénico no Porto de Lisboa (1997), que contou com o apoio activo da Quercus, e são normais em Inglaterra e em França, onde se destacou Joseph Bové, que foi recentemente candidato presidencial naquele país. A que foi realizada no estuário do Tejo teve até imprensa favorável, não concitando, como esta, a condenação política e opinativa.
Nesta perspectiva, poder-se-ia pensar que os Verde Eufémia, grupo pelo vistos criado unicamente para esta iniciativa, acompanhando o normal evoluir da opinião pública e dos media se deixaram arrastar para esta iniciativa, sem terem previsto a tempestade que iriam provocar. Pensando eu que os próprios, ou pelo menos os que em espírito os apoiariam, não previram todas consequências políticas do seu acto, ou seja, que ele teria muito mais consequências negativas do que positivas: doravante quando se falar em Portugal em lutar contra os OGM todos se lembrarão dos encapuçado de Silves. A verdade, é que este grupo sabia ao que vinha e já não era a primeira vez que actuava assim.
Provavelmente Rui Ramos tem razão quando no seu artigo afirma que os “activistas podem argumentar que os legalistas do movimento se renderam ao “sistema”, ou que é preciso abandonar pragmatismos e cautelas e ir mais longe”. Esse passo já tinha sido dado. Ainda recentemente, num colóquio organizado na antiga Faculdade de Ciências, à rua da Escola Politécnica, um grupo, penso eu, ligado ao GAIA – que parece ter estado ligado a esta acção de Silves –, irrompeu de abrupto na sessão, primeiro filmando tudo, como para intimidar os presentes, depois desfraldando cartazes e por último, perante a enorme paciência do presidente da mesa, interrompendo quando bem entendia qualquer intervenção da assistência. Disseram-me na altura que uma acção deste tipo já tinha sido realizada num debate efectuado no Alto Alentejo. Ou seja, estamos perante um caso em que estes ambientalistas abandonam o respeito pela legalidade, eu diria, pelas regras do “sistema”, e enveredam deliberadamente pela provocação ou “acção directa”.
Estamos pois confrontados com acções anarquizantes, cujos mentores visam desmascarar o poder reinante ou provocar a repressão, que já deram origem a algumas arruaças e manifestação “espontâneas”, cujo último exemplo foi a marcação de uma manifestação para o dia 25 de Abril, na Praça da Figueira, paralela às comemorações populares do mesmo e a outra, organizada pelo Movimento Não Apaguem a Memória, que decorreu em frente da antiga sede PIDE, e que não obedecia a qualquer convocatória legal, que provocou, neste caso, grande repressão policial e profundas divisões na esquerda, que não soube, como é seu costume, lidar com este caso. Manifestações deste tipo são o pão-nosso de cada dia no estrangeiro, permitindo sempre que as manifestações anti-globalização se transformem em fonte de destruição e de vandalismo, quer pela acção da polícia, quer pelos manifestantes. Têm sido estas imagens que têm permitido a cabos de esquadra como o Sr. Pacheco Pereira lançar os seus anátemas sobre os “filhos de família” que se manifestam contra a globalização e que mais uma vez serviram para a direita e os comentadores do costume exercerem a sua vocação policial.
Pensando eu que esta acção ultrapassou largamente os objectivos dos seus organizadores e, acima de tudo, de todos aqueles que neste país têm empreendido a luta contra os OGM, como seja a Plataforma Transgénicos Fora, que se demarcou parcialmnte da iniciativa, a verdade é que a sua repercussão pública foi extremamente negativa e, nem os media, que foram chamados ao local para assistir ao evento, conseguiram posteriormente transmitir a ideia de uma saudável manifestação de irrequietismo juvenil contra as “sementes do diabo”.
É evidente que estou contra as conclusões do articulista citado inicialmente que considera que, como esta causa já é dominante na opinião pública, este tipo de acções não tem qualquer apoio mediático e político. Penso, pelo contrário, que foi a posição inicial do Miguel Portas, do Bloco de Esquerda, corrigida posteriormente por ele, e a actuação benevolente da GNR, que permitiu imediatamente à direita desencadear todas as baterias pesadas sobre o acontecimento, inclusive o sempre parco Cavaco Silva. CDS e PSD, na sua luta contra o Governo, manifestaram-se contra a “passividade” e “complacência” da GNR e a actuação do Ministério da Administração Interna, associando esta acção aos assaltos e à falta de segurança nas ruas. O Ministro da Agricultura atacando o Bloco de Esquerda, em resposta às críticas que este tem feito ao Governo e tornando claro que o PS de Sócrates, não alinha pelo de António Costa, não fazendo acordos com tal gente. Toda a direita e os seus comentadores contra PS e Bloco de Esquerda, quer pela raiva que o recente acordo de Lisboa provocou nas suas hostes, quer para poderem zurzir nos manifestantes encapuçados, os tais “betinhos” e “filhos de família”, sem ter o odioso de apoiar a repressão policial, como recentemente sucedeu na já referida manifestação da Baixa lisboeta. O PCP é o único que permaneceu calado, nem tugindo nem mugindo.
Os que são contra o “sistema” foram vítimas da mais descarada demagogia do “sistema”. Sobre os OGM, propriamente ditos, é que pouco se falou, mas isso fica para artigo posterior.

Thursday, September 13, 2007

Não “empatámos” com a Sérvia, mas demos um murro num adversário

Este, sim, é um caso em que se pode usar o plural (embora a responsabilidade do acto seja exclusiva de Luís Filipe Scolari). Empatar, ganhar, perder, passar eliminatórias em futebol, râguebi ou básquete, sucede a todos os povos de todos os países, ou quase. Agredir adversários, árbitros, treinadores, rodear o árbitro a protestar, ser indisciplinado e ter conduta violenta, isso sim, marca a nossa imagem enquanto povo. Por muito que isso nos custe. (Ainda a propósito da polémica com o Nelson e do texto anterior.)

Blog Archive