Friday, November 30, 2007

Um Europeu sem inglês

Quem já esteve na Suíça (eu estive uma vez, em Genebra, de visita ao CERN) reparou que tudo está escrito em quatro línguas diferentes: francês, alemão, italiano e romanche, as quatro línguas nacionais. Habituado ao francês, nem dei por que o inglês era inexistente. O inglês que, hoje em dia, quando não é a primeira língua é a segunda. Sempre presente. Deve ser caso único no mundo, este da Suíça, com todo o tipo de informações em quatro línguas e nenhuma é a inglesa. Ora, dado que o próximo Europeu de futebol é na Suíça e na Áustria e nenhuma selecção de língua inglesa vai nele participar, e se se retirasse todas as referências à língua inglesa do torneio?
Eu não tenho nada contra a língua inglesa, bem pelo contrário: uso-a todos os dias no meu trabalho, e vivi e estudei num país de língua inglesa. E é útil haver uma língua em que todos podemos comunicar. Esta ideia é talvez um bocado parva e inconveniente, pois é, mas não vos apetece variar do inglês de vez em quando?

Bota de ouro


«Rijkaard foi expulso em Lyon mas, na véspera do jogo da Champions, esteve simplesmente genial na conferência de imprensa, ao dar a entender que Edmilson, na entrevista ao canal TV3, fez o mesmo que Kevin Keegan no filme "Suspeitos do Costume": montar uma história conforme os objectos que o rodeava.»

O simplesmente genial Rui Miguel Tovar, no Record de hoje (juro, está na página 42). Ignoremos os autogolos gramaticais e concentremo-nos no essencial: aquele prodigioso golpe de casting revisionista.

Thursday, November 29, 2007

Ódio e auto-destruição

Revi "Sweeney Todd" há dias, no Teatro Aberto. Trata-se de uma história que pela sua complexidade ganha bastante em ser vista sem estar sujeito à ansiedade do suspense que atinge inevitavelmente a primeira vez. O belíssimo musical de Stephen Sondheim, na presente encenação de João Lourenço, vai manter-se em cena até ao fim de Dezembro.
A história, que sob várias formas se converteu em mito urbano desde meados do século XIX, supostamente ocorreu por volta de 1800.
Opõe Todd, barbeiro que trabalha por conta própria, a dois representantes da burocracia judicial. O poder do estado é usurpado e exercido por estes contra Todd para, remetendo-o a um degredo injusto, se apropriarem sexualmente da sua mulher e da sua filha.

É portanto a impunidade desta casta de servidores do estado que desencadeia a revolta brutal de Sweeney Todd. Um tema moderno em certo sentido.Passa assim ao lado da visão mais comum sobre a luta de classes. Não há propriamente exploradores e explorados no sentido directamente económico do termo.

Impotente nas suas tentativas para castigar os agressores e enlouquecido pelo ódio, Todd decide massacrar indiscriminadamente qualquer homem que ponha o pescoço ao alcance da sua navalha. Essa produção constante de carne fresca excita o faro comercial da senhora Lovett, senhoria de Todd. Assim nasce uma florescente parceria empresarial que usa a matéria-prima criada na barbearia do primeiro andar para encher as empadas da senhora Lovett no rés-do-chão. É o período mais feliz e divertido do espectáculo.

Os espectadores dão por si a simpatizar não só com um "serial killer", que Mário Redondo serve de forma emocionante ao colocar a voz num registo sombrio, mas também com uma actividade hoteleira que mereceria, sem qualquer dúvida, ser visitada pelos piquetes inspectivos da ASAE. Somos portanto obrigados a interrogar-nos sobre as razões dessa simpatia.

Nós sabemos que não se trata de verdadeiros crimes, apenas a sua representação, e portanto a simpatia por Todd demonstra que se obteve neste ponto um efeito de distanciação. As atrocidades cometidas contra "cidadãos inocentes", feitas desta forma distanciada, poderão também introduzir a ideia de que ninguém é inocente quando a violência da burocracia campeia. Tal violência devia ser por todos denunciada e contestada.

A simpatia pelo negócio da senhora Lovett, suscitada por "árias" engraçadíssimas e pela excelente representação de Ana Ester Neves, radica talvez no puro gozo de ver nascer, ao vivo, uma inovação comercial. Inovar, inovar sempre, é o grande mote dos tempos de hoje. A senhora Lovett mostra que tal receita pode ter muito que se lhe diga mesmo quando as vendas disparam, como é o caso.

A cenografia introduz um "mundo" que é tanto estrutura em ferro como labirinto. A movimentação mecânica remete adequadamente para a época retratada.
O nível geral dos cantores é excelente e inclui o consagrado Carlos Guilherme bem como Marco Alves dos Santos, Sílvia Filipe, Carla Simões, José Corvelo e Henrique Feist, sob a direcção do maetro João Paulo Santos que dispensa apresentações.
O meu único reparo a este espectáculo é o subaproveitamento dos belos coros por falta de amplificação das vozes.

Quanto ao mais recomendo vivamente.
No Teatro Aberto mostra-se, musicalmente, como o ódio indiscriminado às pessoas e à sociedade não passa afinal de um processo de auto-destruição.

João Guerreiro, Jovem do Ano 2007


E o João, meu aluno, foi eleito. Há que dizer que teve uma divulgação e apoio que nenhum outro candidato teve (que eu tenha visto). Mesmo assim fico satisfeito por os portugueses terem premiado um feito na área da ciência, para variar.
Na aula de hoje vou dar-lhe os parabéns. Não por ter ganho uma eleição na rede. Mas sim por ser um craque a Matemática e a Física e por ser um bom colega, conforme posso observar. (E por ter derrotado o João Pereira Coutinho...)

(Nota: o João é aluno da LMAC, mas eu teimosamente continuo a arquivar estes textos no arquivo da LEFT...)

Wednesday, November 28, 2007

Se isto não é a canção do ano, não sei qual será a canção do ano





Sonic Youth - «I'm Not There»

(p.s. 1: O Lifelogger é realmente muito prático e amistoso. Agradecimentos a todos os que o recomendaram, em especial ao Irmão Lúcia, a quem só faltou explicar-me todo o processo com bonifrates e lápis de cera.)

(p.s. 2: E vocês aí, não me metam em sarilhos, por favor. Já deixei queimar um arroz de pato por me ter distraído a pensar nessa brincadeira. A minha primeira reacção foi a óbvia: numa quinella irlandesa seria indiferente a ordem dos dois cavalos na aposta, que é uma each-way efectiva sem o mesmo investimento. Mas a maneira como a pergunta é formulada torna esta resposta um bocadinho ridícula. O que se pretende é um benefício objectivo de apostar num cavalo que se sabe não ter hipóteses - independentemente de a aposta ser win-win, de lugar ou each-way. E no sistema parimutuel, isto só faz sentido se envolver um esquema daqueles praticados por mafiosos das Midlands, cujo nome é quase sempre Robbie ou Dave, e cujas unhas são quase sempre da mesma cor dos sapatos. Por exemplo, apostando maquias avulsas a intervalos irregulares nas cabines da pista para inflacionar artificialmente o preço de um cavalo manco e vesgo - aproveitando depois as ofertas daltónicas das grandes agências off-track, que monitorizam o galope das cotações de pista de uma forma surpreendentemente superficial, e cuja preocupação com oscilações súbitas é subordinada à preocupação de poder continuar a prometer aos seus clientes percentagens idênticas sem o peso da breakage. Quer-me parecer que este hipotético esquema teria maiores probabilidades de sucesso antes do advento das betting exchanges online, mas neste ponto, como em tantos outros, é perfeitamente plausível que esteja a dizer um grande disparate, até porque a questão original pode partir de uma idiossincrasia do sistema de apostas americano que desconheça por completo. Parece-me igualmente pertinente salientar que eu agora me dedico mais à fruta.)


A sul do Tejo nem a natureza funciona

Pela minha saúde: são 3:13 da madrugada e está um galo a cantar aqui ao lado.

O que importa é morder o cão

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O Vítor Dias queixou-se recentemente, a propósito da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais, da pouca atenção dada pela comunicação social.
Na altura esbocei, sem ofensa, umas explicações:
- o homem do PCP não morde no cão da novidade.
- também já não come criancinhas, que é tema da moda.
- agora o catastrofismo alimenta-se do aquecimento do planeta e dos acidentes rodoviários e não já do "espectro do comunismo", a pairar.
Entretanto a cobertura mediática do caso Luísa Mesquita suscitou-me uma outra grande ideia para garantir a atenção dos meios: expulsar alguém todas as semanas. Parece excessivo mas, pelo que sei, candidatos habilitados não faltarão.
Esta proposta só é válida enquanto não for possível recrutar Santana Lopes e nomeá-lo líder do grupo parlamentar.

Eu, o moderador

Certa vez, há muitos anos, era eu caloiro, a Associação de Estudantes do Técnico organizou um debate sobre dirigismo associativo universitário, tendo convidado antigos dirigentes. Entre eles, um então professor meu, hoje em dia ministro (não vou dizer quem é). Para moderar o debate, convidou um então jornalista, de esquerda, irmão de um outro então jornalista, de direita. O então moderador hoje é eurodeputado, e o seu irmão líder de um partido. Também não vou dizer quem é.
Assisti a um diálogo semiprivado entre os dois. O meu professor perguntou ao jornalista: “Então o que estás aqui a fazer?” O hoje eurodeputado respondeu, algo hesitante: “Bem, eu sou o moderador...” O hoje ministro atirou: “Moderador? Mas tu alguma vez moderaste alguma coisa na tua vida? Tu precisas é que te moderem a ti!”
Vem isto a propósito do simpático convite que o MISTA me endereçou para moderar o debate de hoje à tarde, sobre as eleições para a Assembleia Estatutária da Universidade Técnica de Lisboa. Se alguém me perguntar se alguma vez moderei algo na minha vida, posso sempre referir este debate. Só espero é que ninguém me diga o que o ministro disse ao eurodeputado...

Tuesday, November 27, 2007

Boa ou má jornada?

Foi de facto uma jornada estranha, esta, em que o Sporting perdeu pontos para o FC Porto e Benfica e, ainda assim, subiu na classificação, graças às derrotas de V. Guimarães, Marítimo e V. Setúbal. "Os principais adversários do Sporting", dirão lampiões desavergonhados como este ou este. Na segunda volta vamos ver. Entretanto, hoje, divirtam-se mas vejam se jogam qualquer coisa.

Faz sentido falar de Socialismo ?

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El ministro del Interior y Justicia Jesse Chacón negó que durante el gobierno liderado por el Presidente Hugo Chávez se hayan cometido 90 mil decesos en todo el territorio nacional como consecuencia de la inseguridad, tal como lo señalan algunos sectores de la oposición.Según el titular del MIJ el número real de muertes es de 60 mil, de acuerdo a cifras suministradas por la Ong Centro por la Justicia y la Paz. “Es mentira que en este período es donde más ha aumentado el delito y eso ha quedado demostrado a través de las estadísticas”.Precisó que fue durante el segundo gobierno de Carlos Andrés Pérez cuando se incrementó el delito en casi un cien por ciento. “En ese momento se pasó de 13 a 21 homicidios por cada 100 mil habitantes; y entre los años 1997 y 2000 pasamos de 19 delitos a 33 por cada 100 mil habitantes”.Chacón explicó que entre el 2001 y 2005 el delito por cada 100 mil habitantes creció de 35 a 37. “Hubo un aumento en los años 2002 y 2003 que elevó a 44 homicidios por cada 100 mil habitantes, pero no por errores en la política de Estado, aquí está inmerso el golpe de Estado y el paro petrolero”.


Radio Nacional de Venezuela, 7 Noviembre 2006



La policía judicial venezolana registró 9,568 homicidios, la mayoría a tiros, en los primeros nueve meses del año, 852 más que en igual periodo de el 2006, según datos divulgados ayer por la prensa caraqueña.La cifra explica la razón por la que casi todas las encuestas hechas en el transcurso del año indican que la inseguridad es para los venezolanos el principal problema del país, por encima del desempleo, la corrupción o la falta de vivienda.

Venezuela Real, 25 de octubre de 2007

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Estou certo de que os assassinatos não começaram com Chavez nem seria justo exigir-lhe que resolvesse o problema no tempo em que esteve no poder.
Estes 30 assassinados por dia levantam outra questão.
Sendo as coisas como são na Venezuela, numa sociedade com tais níveis de insegurança e falta de respeito pela vida humana, faz algum sentido falar de "Socialismo do Século XXI" ou mesmo de Democracia ?

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Monday, November 26, 2007

Tenham a bondade de me auxiliar

Uma sucessão de más sortes, más escolhas e problemas técnicos (frase a repescar para a autobiografia) resultou numa situação em que me vejo sem qualquer armazém online para aconchegar os meus ficheiros musicais. Agradecia que alguém me indicasse um sítio decente.
O outrora excelente filexoom, tanto quanto pude aferir, implodiu depois da mudança de servidor; a sua relação comigo é agora análoga à do género feminino com o Tiago Galvão: apesar de flirtar descaradamente com outros utilizadores na minha presença, o filexoom não obedece aos meus pedidos, não responde aos meus e-mails, e atravessa a rua quando me vê chegar.
O Fileden, nos braços peludos do qual me lancei talvez precocemente, também parece ter triturado as minhas pastinhas, embora aqui o problema me pareça envolver não tanto dificuldades técnicas como represálias estéticas: desde que lá alojei um mp3 do Vítor Espadinha as coisas nunca mais foram as mesmas.
Estou à deriva, como notam, e o mundo ficou privado do meu excelso gosto: aproxima-se a altura de fazer as listas de discos do ano e tenho um programa de festas em stand-by.

Auxílio para o mail, sff.

Dos benefícios criativos da escritura de compra e venda


- Gore Vidal, "The Golden Bowl of Henry James"


(Larga lá a volumetria: pelos meus cálculos, tens uma janela de 3 meses para completar projectos estagnados.)

O programa Chess Titans do Windows Vista ainda não me conseguiu ganhar com a Ruy Lopez (mas com o Dragão Rápido da Siciliana foi um descalabro)



Miguel Sousa Tavares

Gosto do Miguel Sousa Tavares cronista e isso não é segredo para os leitores deste blogue. Tal não implica que eu goste do Miguel Sousa Tavares escritor. Não gosto e nem deixo de gostar - não tenho opinião formada. Sou selectivo com o que leio. Miguel Sousa Tavares é para mim o melhor cronista, mesmo quando eu não concordo nada com ele. Não creio porém que alguém pense que ele é o melhor escritor. Prefiro ler os melhores cronistas e os melhores escritores. Não perco uma crónica do Miguel Sousa Tavares, mas não vou ler um livro dele enquanto houverem Balzacs, Tolstois, Dostoiewskis e Saramagos para eu ler.

O Regresso do Malabarismo





O simples facto de Mário Soares ter sido figura proeminente do regime explica quase tudo sobre o sistema político português e o estado a que chegou.

Trata-se de alguém que maneja muito bem a cartilha dos direitos humanos, quando isso lhe dá jeito, mas a quem não me lembro de ter ouvido alguma vez uma ideia que fosse simultâneamente interessante e original.

A falta de rigor, a inconsistência, a volubilidade, a malbaratada capacidade para cavalgar os ares do tempo fizeram dele um monumento que os portugueses só em 2006 foram capazes de apear.

Só ele poderia dissertar sobre o "comunismo duro e puro" da China, tão puro que segundo ele se mistura com o já famoso "capitalismo selvagem", na mesma entrevista ao DN em que relata como agenciou negócios do petróleo, a partir de relações políticas, em favor de uma empresa que paga uma avença à sua Fundação.

Só ele "gostaria que o PS agora se voltasse um bocadinho mais para a esquerda" frase que é, só por si, um verdadeiro tratado de oportunismo e de falta de rigor. Se fosse proferida por Santana Lopes daria chacota durante um mês. Assim se compreende porque não o incomodam as relações "de simpatia e de amizade" com Chavez.

Como se isto não bastasse temos agora a "reacção" do PS, pela voz do inacreditável Vitalino Canas: "À medida que os problemas forem sendo ultrapassados, é claro que a dimensão à esquerda poderá ser mais visível, isso virá com o tempo".

Duma penada, aprofundando a tese de Soares, confirma que a resolução dos problemas do país só pode ser obtida com "políticas de direita" e que depois, quando já houver recursos, cabe às "políticas de esquerda" desbaratá-los.

Que é esta a teoria vigente, em surdina, já todos sabíamos. Infelizmente não é só no PS e na direita tradicional.
Agora dizê-lo com esta candura, com esta inconsciência... é obra.

É o regresso do Grande Malabarista. A verdade é que chegou a época dos circos de Natal...

Sunday, November 25, 2007

A melhor da semana passada - 15

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Um bocadinho mais para a esquerda ?



O primeiro-ministro Sócrates é uma pessoa que me surpreendeu muito positivamente. Quando entrou no Partido Socialista, jovem, era eu líder do partido. Pensei que ele fosse uma criatura do Guterres... Era a minha ideia, mas era uma ideia falsa. Estava errado. Ele não é uma criatura do Guterres. Ainda agora em Madrid disse isso ao Guterres.
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É assim: eu acho que passados estes dois anos - ele [José Sócrates] tem mais quatro até às próximas eleições em 99 [Mário Soares engana-se pois quereria dizer mais dois anos, até 2009] -, deve ter grandes preocupações, a partir de agora, com o mundo do trabalho. Deve dialogar com o mundo do trabalho.
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Bem, os grupos económicos são necessários. Mas eu acho que houve uma vaga neoliberal vinda da América. E essa vaga neoliberal é uma ideologia. Quando disseram que acabaram as ideologias... realmente acabou o comunismo por implosão, acabou o nazi-fascismo porque foi derrotado, mas veio o neoliberalismo, que é uma outra ideologia perniciosa para a América, em especial, e para o mundo, também para a Europa. Houve uma vaga que entrou...
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Não fui, não fui eu, porque eu nunca aceitei que tenha metido o socialismo na gaveta. Quem inventou isso, claro, foi o Partido Comunista, que disse que eu estava a meter o socialismo na gaveta. Porque, realmente, há tempos para tudo.
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E eu respondi-lhe: "Olhe, ó meu caro amigo, o senhor governador faça favor, para a próxima vez, não me acorde às duas da manhã, porque se é a bancarrota eu tenho de estar lúcido amanhã de manhã e, portanto, preciso de dormir agora. Deixe- -me lá dormir." Bem, não houve bancarrota. Mas estivemos muito próximo, realmente.
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A China preocupa-me mais do que a Rússia, curiosamente. Porque a China, infelizmente, é a combinação de dois regimes, os piores. Tirou o pior do comunismo, que é um comunismo duro e puro, dominado pelo Politburo. E tirou do capitalismo o pior que tem, que é o capitalismo selvagem que não se interessa pelas pessoas. Só se interessa em que a taxa de crescimento suba.
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E depois há outra coisa: é que os chineses apostaram e puseram a sua economia a comprar os títulos de dívida pública dos EUA. E isso parece muito inteligente à primeira vista. Mas a verdade é que eles agora estão cheios de títulos do Tesouro dos EUA, mas os EUA entrando numa situação difícil, de crise financeira, de crise de inflação, de aumento do desemprego, e, com o dólar a descer todos os dias, é evidente que isso cria um problema à China imenso.
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Acho que o aparecimento de novos partidos é possível. Apareceu o Bloco de Esquerda, pode aparecer outro bloco de direita. Podem estar em gestação muitas coisas, não sei se estão. Relativamente ao PS, eu gostaria que o PS agora se voltasse um bocadinho mais para a esquerda.
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Considero que tem sido uma figura discreta (refere-se a Cavaco) e que tem tido bastante bom senso na sua actuação. Aliás, era de esperar que assim acontecesse. Tem feito o seu papel com discrição. E bem. Até aqui.
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Ficámos (MS e Chavez) com relações bastante cordiais.Até posso dizer, talvez, de simpatia e de amizade. E eu falei uma vez nisso com o presidente da GALP, o engenheiro Ferreira de Oliveira. Ele é que foi verdadeiramente o cérebro e o herói desta coisa. Fez realmente a negociação e muito bem. É um grande técnico de petróleos e eu não percebo nada de petróleos,como é evidente.
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A Fundação Mário Soares tem as suas contas em dia mas não recebe dinheiro público. Ou, por outra, já tem recebido algum de empresas públicas mas não recebe propriamente dinheiro...A Fundação precisa de subsídios.
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Nós temos várias empresas, bancos e não bancos, que ou nos dão coisas pontuais ou se comprometem e dão um tanto por mês para a Fundação. A GALP está nesta categoria.

Extractos da entrevista de Mário Soares ao DN de 25 de Novembro 2007

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Se, como dizem, o Mário Soares é o pai da democracia portuguesa então confirma-se o velho ditado: "Tal pai, tais filhos..."

25 Sim, 25 Não

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Saturday, November 24, 2007

Socialismo Pimba

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ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO


Miguel Sousa Tavares diz, no Expresso desta semana, "Eu prefiro o Chavez":

"É verdade que um demagogo é sempre perigoso, mas um demagogo no poder num país como a Venezuela, mesmo com o petróleo, não pode fazer grande mal ao mundo. Um mentiroso, no poder num país como os Estados Unidos, pode fazer e faz".

MST está equivocado, a questão não é essa.
É precisamente para quem não gosta de Bush e do que ele representa que Chavez constitui um problema. Quase faz o Bush parecer um ser civilizado, uma pessoa de bem.

O Chavez e o seu socialismo pimba, movido a petróleo, é o pior compagnon de route que a esquerda podia desejar; é a demonstração mais cruel do impasse em que a esquerda se encontra.
É o equivalente do Alberto João para o PSD. Uma coisa que preferíamos que não existisse.

Basta ver uma conferência de imprensa de Chavez, em que só falta dar biberon ao neto, para perceber tudo. Faz esmola ao povo com as riquezas naturais do país como se se tratasse de uma magnanimidade pessoal que lhe desse o direito a presidir para sempre.



Wonders - Festival Europeu de Ciência

Hoje voltei a fazer um holograma, muitos anos depois de ter feito o último. Não recorri a lasers nem a mesas ópticas, nem nada: só um acetato especial, um alfinete e um transferidor! É incrível mas é verdade! Os responsáveis vinham do Laboratório de Holografia da Universidade de Aveiro, mas estão (em conjunto com cientistas de toda a Europa) a fazer divulgação da ciência este fim de semana no Festival Europeu de Ciência, no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa. Eu fui hoje, gostei e recomendo.

Friday, November 23, 2007

"Semana da Física" - balanço pessoal


Termina hoje a semana da Física no IST. Mais um sucesso, com as sessões de divulgação e a exposição do "Circo da Física" sempre cheias de curiosos, de dentro e de fora do IST, e sobretudo de alunos das escolas secundárias ("futuros caloiros", como alguém muito bem lembrava). Da minha parte, obrigado pela oportunidade de rever velhas experiências (e novas, que nunca tinha visto). Obrigado pelos simpáticos convites, pela oportunidade de falar do meu trabalho e de participar num debate sempre animado, de conhecer e ouvir alunos motivados (o melhor que a LEFT sempre teve) ...e obrigado pelo vinho! (O vinho tinto é o néctar oficial da LEFT.) Foi um bela recordação de uma bela semana. E viva a LEFT, sempre.

Os novos f.ONG.cionários públicos



Correio da Manhã, 21 de Novembro:

A Polícia Judiciária está a investigar a venda de bilhetes para jogos do Benfica numa banca do El Corte Inglés a um preço substancialmente inferior ao praticado no Estádio da Luz, noticiou ontem a SIC. Enquanto no estabelecimento comercial os ingressos eram negociados a cinco euros, nas bilheteiras do estádio eram vendidos a 20 euros. Ou seja, quatro vezes mais.
Neste ‘esquema’, o Benfica disponibilizava graciosamente mil bilhetes cuja receita revertia para a ADDHU, uma Organização Não Governamental cuja presidente, Laura Vasconcellos, é amiga do administrador do Benfica, Domingos Soares Oliveira.


Diário Digital, 20 de Novembro

Depois de ter denunciado uma possível intenção do Governo de levar ao encerramento dos ATL nas instituições de solidariedade social, o Padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS), anunciou, esta terça-feira, o fim do bloqueio do Governo, que terá «manifestado vontade» de resolver a situação.
Protagonista de acusações de «concorrência desleal» por parte das autarquias, o Padre Lino Maia reuniu entretanto com o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, ficando com a certeza, conforme afirmou à TSF, de que «vamos encontrar soluções bastante favoráveis que permitiram a permanência do ATL, não exactamente nos moldes em que se encontra, mas com serviços importantes para a família»
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Diário Digital, 22 Novembro

A Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados pondera avançar com um queixa-crime contra o secretário de Estado da Protecção Civil por «ofensa ao bom-nome», caso este não retire declarações que fez sobre apoios do Governo à associação.
Em causa estão declarações do secretário de Estado da Protecção Civil, Ascenso Simões, proferidas há 10 dias, quando disse à agência Lusa que o «Governo apoiou [a associação] com 108.900 euros, no âmbito do Concurso de Segurança Rodoviária, que não foram gastos na íntegra».
Ascenso Simões disse ainda tratar-se da única instituição que não deu conhecimento do Ministério da Administração Interna das iniciativas a realizar.


De repente tomamos consciência da miríade de "organizações não governamentais" que nos rodeiam e dos problemas de dinheiros que lhes andam associados.

Todas estas ONG's parecem responder à paranóia catastrofista de uma civilização, a nossa, que funciona como se estivesse a extinguir-se, tema que já tratámos neste blog.
Instalou-se uma total incapacidade para lidar com assimetrias e riscos, como se uns e outros fossem passíveis de erradicação absoluta.
Por outro lado parece que qualquer tipo de "vítima" serve para lançar "iniciativas" neste tempo de falta de empregos e de caça ao subsídio.

Ou muito me engano ou aquilo que seriam, em teoria, manifestações saudáveis da sociedade civil acabam por ser, em muitos casos, formas encapotadas de agenciar interesses particulares dos mais variados tipos. Com financiamento pelo erário público.

Considero a este propósito paradigmático o testemunho "Na pele de um sem-abrigo" publicado no dia 17 de Novembro. Um repórter do «Expresso» introduziu-se num grupo de sem-abrigo na Estação de Santa Apolónia, em Lisboa. Durante 48 horas dormiu na rua e comeu na sopa dos pobres.
Numa só noite os sem-abrigo foram abastecidos de comida e agasalhos por três organizações diferentes: a "Comunidade Vida e Paz", a "Unidos pela Paz" e a "Legião da Paz e da Boa Vontade". Há qualquer coisa neste afã que não me cheira bem; no mínimo grassam a desorganização e a redundância.

Para quem quiser aprofundar deixo aqui uma pequeníssima lista, para dar um vislumbre da extraordinária variedade de organizações existente :

Associação A Nossa Âncora
Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento
Associação Nacional de Segurança e Socorro Rodoviário
Associação para a Promoção da Segurança Infantil
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Associação Portuguesa de Famílias Numerosas
Associação de Utilizadores do IP4
GARE Associação para a Promoção de uma Cultura de Segurança Rodoviária
Rodar - Associação Portuguesa de Lesionados Medulares
APBA - Associação Portuguesa de Business Angels
APA - Associação Portuguesa dos Adeptos
APAI - Associação Portuguesa de Avaliação de Impactes
API - Associação Portuguesa de Iridologia
APPA - Associação Portuguesa de Pesca do Achigã e Defesa da Natureza
APS - Associação Portuguesa de Satanismo
APVGN - Associação Portuguesa do Veículo a Gás Natural
Associação Gaita-de-Foles
AMA - Associação Mulheres em Acção
APG - Associação Portuguesa de Greenkeepers
APPCPC - Associação Portuguesa de Psicoterapia Centrada na Pessoa e de Counselling
ASSOCIAÇÃO TAMPA AMIGA
CEPO - Associação dos Cépticos de Portugal

Estou a pensar inscrever-me nesta última...


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Thursday, November 22, 2007

Efficiency, efficiency they say



(Isto é tão, mas tão bom, que uma pessoa até lhe perdoa ter começado a trocar alguns dos soberbos "la-las" do refrão original por uns desleixados "na-nas". Será da idade? Possivelmente. E se o pior que a velhice nos reserva é começarmos a trocar "la-las" por "na-nas" podemos dar-nos todos por satisfeitos. John Cale é deste planeta e nós também: é preciso ter sorte.)

Barzã

Das muitas, muitas coisas que aprendi a ler Jacques Barzun, duas das mais úteis foram as pronúncias correctas de "Montaigne" e "Walter Bagehot" ("Montánhe" e "Badjet", respectivamente). Só é pena que, de caminho, não tenha aprendido a pronúncia correcta de "Barzun": foi-me hoje explicado que ando há anos a fazer figura de urso sempre que menciono o senhor.

(Já agora, o centenário é este mês.)

E a Inglaterra está fora do Euro 2008

Quem é que Portugal vai eliminar nos penaltis agora? E contra quem é que o Ricardo vai brilhar? Os ingleses (e os holandeses) são fregueses, como dizem os brasileiros. Recordemos o Euro 2004 e o Mundial 2006, mas também o Sporting na Taça UEFA 2005 (depois dos grupos só eliminou equipas holandesas e inglesas). E perdeu. Será desta que Portugal ganha alguma coisa?

Wednesday, November 21, 2007

Le feu au bobottin


Na semana da LEFT, uma "pequena produção cinematográfica bordalesa". Participa um amigo meu, antigo aluno da LEFT.

As ambições da Europa


A crónica de António Barreto no Público do dia 18 continha esta excelente síntese sobre as "ambições da Europa" (clicar para ler).
Contra as minhas expectativas o autor abandona a questão para passar, no resto do texto, a dissertar sobre o tratado e a bondade de o fazer votar pelo povo.
Bem mais interessante, quanto a mim, teria sido desenvolver a crítica implícita na forma como as ditas ambições são listadas no texto.
Serão elas desejáveis ? viáveis ? coerentes ? contraditórias ? Alguém terá feito o exercício de explicar como tantos e tais objectivos se podem vir a materializar ?
Ou esta lista é apenas um repositório de todos os anseios ou modas que pairam nos céus da Europa ?
Ninguém parece estar preocupado com isto e portanto eu também não me vou estar a ralar. Quanto ao tratado, já agora, posso desde já anunciar que dispenso que me consultem.
A consulta por referendo neste caso, além de ser um incómodo, poderia criar a ilusão perigosa de que o povo tinha compreendido, escolhido e decidido.
O povo inocente até podia correr o risco de vir a ser responsabilizado.

Tuesday, November 20, 2007

Há sempre um maçarico que se atravessa no nosso caminho


O DN noticia "o maçarico-de-bico-direito , uma ave que voa em grandes bandos, pode inviabilizar a construção do novo aeroporto em Alcochete...o LNEC considera que a opção de Alcochete tem vantagens, mas adverte que as aves podem colidir com os aviões. Apesar de a ave não estar em Portugal nesta altura, o laboratório recomenda a continuação da avaliação dos riscos".
Entretanto como se estes maçaricos não bastassem o chamado Grupo de Coimbra diz à TSF que o estudo a que procedeu «... tem novos dados, nomeadamente o problema do fluxo humano que dará acesso ao aeroporto. Porque uma das grandes falácias do estudo da CIP é que não tem em conta que a grande maioria dos portugueses e dos estrangeiros que aterram em Portugal, vão para o norte do país». O Grupo de Coimbra acrescenta ainda «Além disso, há o estudo do território, porque se o aeroporto fosse na margem sul, seria obrigatório, com custos enormes, construir as coisas (comércio, localidades) que não existem no outro lado do Tejo», retomando a saudosa tese de Mário Lino sobre o deserto da margem sul.
Nesta conformidade várias ideias me assaltam. Desde logo uma sugestão para o protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros: montem a tenda do Kadafi em Alcochete que o homem vai rejubilar.
Estou intrigado com o paradeiro do maçarico mas pelo que diz o Grupo de Coimbra deve ter rumado ao Norte. Como voa em grandes bandos podemos ter aí uma boa explicação para a vaga de assaltos a bancos e caixas automáticas.
O grande problema deste país é haver sempre um maçarico que se atravessa no nosso caminho...
Dadas as vantagens de Alcochete talvez fosse de aceitarmos a criação, por mutação, de uma nova espécie: o "maçarico-de-bico-levemente-amolgado".

A medida de todas as coisas

Indispensável artigo do Rui Tavares.

James Wood, James Wood, James Wood

Tolstoy is the great novelist of physical involuntariness. The body helplessly confesses itself, and the novelist seems merely to run and catch its spilled emotion.(...) Tolstoy can seem almost childlike in his simplicity, because he is not embarrassed to do the kind of thing beloved of children’s and fairy-tale writers when they read the emotions on the face of a cat or a donkey. When Prince Andrei’s wife dies in childbirth, her dead face appears to say to the living, “Ah, what have you done to me?” The old prince’s valet can “read” his master’s body; he knows that if the prince is “stepping full on his heels” something is up. At a ball in St. Petersburg, the sixteen-year-old Natasha Rostov has just finished a dance and, intoxicated with happiness, would like to rest. But someone asks her to dance again, and she agrees, flashing a smile at the man she will eventually become engaged to, Prince Andrei, who has been watching her. Tolstoy explains the smile:

That smile said: “I’d be glad to rest and sit with you; I’m tired; but you see, I’ve been asked to dance, and I’m glad of it, and I’m happy, and I love everybody, and you and I understand all that,” and much, much more

Readers always feel that Tolstoy is both an intrusive narrator—breaking in to explain things, telling us what to think, writing essays and sermons—and a miraculously absent one, who simply lets his world narrate itself. As Isaac Babel put it, “If the world could write by itself, it would write like Tolstoy.” There is a sense in which Tolstoy is saying to us—to dare a Tolstoyan reading of Tolstoy, for a minute—“I will gladly help you read Natasha’s or Pierre’s or the little princess’s face, but, really, anyone could do it. You don’t need me. For these are the largest, most universal, most natural emotions, not the precious little sweets of the stylish novelist.”


(Não sei como é que isto escapou às malhas do Dennis Dutton, mas toma lá)

Se todos os artigos económicos fossem escritos assim, eu conseguiria perceber muito melhor o que se passa à minha volta

We export because that’s the only way to get imports. If people would just give us stuff, then we wouldn’t have to export.

Beirute



Ou o autor deste comentário anónimo se identifica (pode ser por mail) nas próximas 24 horas, ou faço mal ao coelhinho. Estou a falar a sério. Os comentários anónimos só têm graça quando não têm graça.

Monday, November 19, 2007

Vamos supor

«Mas agora a sério - talvez seja preciso esquecer Ian Curtis, os Joy Division, toda a questão referencial, remetida (e deixem-me dizer assim) para uma "carícia distante". Julgo que se o filme se baseasse numa abstracção (vamos supor: a vida de Jack Shitload, vocalista dos Crap Division) teria essencial e substancialmente a mesma força.»

Este homem é um Pynchoniano de armário.

(Não isto tenha alguma coisa a ver com nada, mas em Vineland, há uma banda chamada Billy Barf and the Vomitones, que é convidada por acidente para tocar num casamento de mafiosos, performance para a qual se preparam lendo o "Italian Wedding Fake Book", de Deleuze & Guattari. Uma das canções do set, com a participação especial da vocalista e ninjette semi-reformada DL Chastain, goes a little something like this:

Just a floozy with an Uzi. . .
Just a girlie with-a-gun. . .
When I could have been a mo-del,
And I should have been a nun. . .

Oh, just what was it about that
Little Israeli machine?. . .
Play all day in the sand,
Nothin' gets, jammed, under-
stand. . . what I mean?

So Mis-ter, you can keep your len-ses,
And Sis-ter, you can keep your beads. . .
I'm ridin' in Mercedes Ben-zes,
I'm taking care of all my needs. . .

I'll lose my blues, in some Jacuz-zi,
Life's just a lotta clean fun,
For a floo-zy with an U-U-zi,
For a girlie, with-a-gun. . .
)

Semana da Física 11

Esta é a semana da LEFT por excelência. Eu vou andar por lá (IST, Pavilhão Central). Apareçam. É entrar, senhoras e senhores, meninas e meninos, é entrar!

A melhor da semana passada - 14



Dilemas do pão
Público 16.11.2007


Passam a vida a assustar-nos e muitas das vezes com razão. Então não é que agora se descobriu que o pão, o nosso pão, a vulgar carcaça que há muito nos povoa as mesas e as mais variadas dietas, pode ser uma ameaça à nossa saúde? É verdade. Não tanto pelo pão, mas pelo excesso de sal com que o carregam. O dobro do que é habitual nos países europeus, esses nossos imaculados vizinhos de continente, todos eles plenos de regras, normas, medidas, padrões sadios e recomendações cumpridas a preceito. Portugal não, habituámo-nos a excessos e adoramo-los. Não nos basta andar tensos, também temos que ser hipertensos e como isso nem sempre nos está na massa do sangue, como é hábito dizer-se, foi parar à massa do pão. Pãezinhos sem sal, nunca. Por aqui, só com muito sal. Um estudo apresentado ontem, e a que o PÚBLICO já se referiu no início da semana, conclui que a maior parte do pão vendido em Portugal tem cerca de dez gramas de sal por quilo, o que significará que qualquer criatura que coma duas carcaças atinge facilmente a dose máxima de sal recomendada pelos médicos: 5,5 gramas. Como junto às carcaças vai sempre mais qualquer coisa (fiambre, presunto, queijo, manteiga) e como nas refeições mais substanciais do dia há quem chocalhe o saleiro com o vigor de um sino a toque de rebate, escusado será dizer que é como se bebêssemos directamente dos oceanos. Sal, na verdade, não nos falta. Fosse ele dinheiro e seríamos riquíssimos. Falando em dinheiro: parece que é por causa dele que o pão tem mais sal. Assim, retém mais líquido na fabricação, exige menos farinha e pode exibir o requerido peso sem grandes gastos. Por outro lado, também dá jeito a quem vende cerveja ou afins. Um dia ainda o põem em cubinhos ao lado dos tremoços. Quanto ao dinheiro poupado nestes artifícios, pode sempre ser gasto em cardiologistas. Se ainda se for a tempo, claro. "Ó pão salgado, quanto do teu sal são doenças de Portugal?" O jeito que nos dá a poesia...Jeito não é coisa que possa ser invocada para o problema que se segue, também ele relacionado com o pão. Por causa dos nossos imaculados vizinhos de continente, os tais das regras, medidas & etc., vai ser um problema continuar a fazer açorda. Uma norma qualquer, decerto higiénica e ponderada, proíbe que se deixe pão a secar de um dia para o outro e que se faça comida com ele. Por causa disso, e de outras normas igualmente severas, a Misericórdia de Faro teve de deixar a dieta mediterrânica e aderir à cozinha "plástica", onde tudo tem carimbo e certificado de garantia, pode não saber a nada, mas ao menos tem inscrita a validade. Os idosos, que remédio, lá tiveram que habituar-se. O problema é que havia o hábito semanal de fazer açorda. Mas como, se o pão seco vai contra as normas? Ou fazem açorda com pão mole ou deixam de comê-la.O sal é um problema, já se sabe. Mas banir a açorda ou as migas é uma calamidade cultural sem nexo. Um conselho: tirem sal ao pão mas deixem-no secar.E não digam a Bruxelas.

Nuno Pacheco

Sunday, November 18, 2007

Getting pressure from the Mayor

(O autor do blogue O Vermelho e o Negro diz querer saber se eu tenho tempo, neste afã de sementeira e colheita, para ver filmes e gostar deles. Tenho sérias duvidas sobre este desejo; parece-me que o autor do blogue O Vermelho e o Negro está meramente a usar-me como válvula de escape para alguma agressividade-passiva decorrente da crise de citrinos que assola os nossos supermercados, mas vou alinhar na charada e dizer umas coisas sobre cinco filmes que vi nesta minha vida, para benefício do autor do blogue O Vermelho e o Negro)

The Night of the Hunter (1955) – Um jardim imaginário, com batráquios reais. O plano lateral de Mitchum a subir os degraus da cave com os braços estendidos continua a ser a minha anfetamina mais fiável, mas gradualmente comecei a encontrar na personagem de Lilian Gish melhores motivos para dormir com a luz acesa; ouvir Mitchum cantar é como pisar uma aranha, mas ouvir Gish cantar é como pisar uma aranha com o pé descalço. Davis Grubb, que escreveu a história, é o possuidor do melhor currículo genuíno que alguma vez li na contracapa de um livro: antes de se dedicar à escrita a tempo inteiro, catalogava beija-flores guatemaltecos embalsamados, no laboratório de ornitologia do Carnegie Institute of Technology.

Fitzcarraldo (1982) – Tal como Apocalipse Now, com o qual tem algumas semelhanças oblíquas, é um filme que duplica o seu próprio making of, mas garanto que não vou aqui dizer mais nada de interessante sobre o assunto. Se o Rex Ingram se libertasse sozinho da sua lamparina troposférica, atravessasse três camadas atmosféricas, três áreas de descontinuidade, a ponte 25 de Abril e a louca corrida à fermentação a decorrer no meu quintal entre as laranjas mais timoratas e os exemplares mais inúteis do jornal Dica da Semana, se o Rex Ingram, dizia eu, se materializasse na minha cozinha, e me concedesse três desejos sem letrinhas minúsculas no contrato, é altamente provável que, antes sequer de ponderar uma propriedade com estábulos em Worcestershire ou a paz universal, eu lhe pedisse que Klaus Kinski fosse ressuscitado de propósito para gravar a mensagem de atendimento no meu telemóvel. Queria ver se o departamento de promoções da TMN não aprendia logo a respeitar-me.

They Live! (1988) – Depois da proto-abdicação de McCain, uma vitória de Giuliani nas primárias do Iowa é agora uma possibilidade, o que pode descarrilar a campanha de Romney muito mais cedo do que o esperado para um candidato com roupa interior à Bridget Jones. Fred Thompson incomoda-me profundamente; o homem faz James Spader parecer normal. Barack Obama continua a sua maratona ontológica, tendo bebido uma garrafinha de água mineral à beira do quiosque dos Rockefeller Republicans. John Edwards vai aperfeiçoando a sua imitação anti-sistémica de Dias da Cunha. Bill Richardson é o único Democrata que me faz rir pelos motivos certos. A mulher de Dennis Kucinich é extraordinariamente atraente, mas pelos motivos errados. (Eu votaria em branco, ou em McCain, o que é quase o mesmo).

The Big Lebowski (1998) – Talvez o melhor filme sobre advogados da história do cinema. Apesar da duração (cerca de sete horas) o espectador nunca se aborrece. A célebre sequência no tribunal, em que o promotor-público de Dallas interroga ferozmente o hirsuto anarquista porto-riquenho sobre a sua costela Habermasiana é um dos grandes momentos da carreira de Mário Viegas.
(Já vi o filme umas oito vezes, mas possivelmente nunca nas condições fisiológicas ideais).

Sunset Boulevard (1950) – Porque não conseguiria fazer melhor, passo a palavra ao maior vulto intellectual contemporâneo, George Steiner: « . . . [Sunset Boulevard] is a nineteen-fifty-something movie starring quite a few actors, produced by someone with money, and directed by someone else whose name is not worth bothering your pretty little head about. The main plot revolves around a group of people who interact with each other by way of talking and gesticulating. All this talking and gesticulating produces a few actions, which produce, in turn, some reactions. The movie starts at the end but gets a grip on itself and comes back, proceeding then in an orderly fashion from start to finish; along the way it passes through several points which could, when taken together, be described as “the middle”. Stuff happens throughout, and consequences to the happening of stuff are also shown. Sometimes, confusingly, different kinds of stuff happen almost at once: two or more people may be talking, or even talking and eating simultaneously, and all of a sudden there is a cut and in the next shot we see someone entirely different driving a car, or shaving, or burying a monkey. It gets pretty frantic up there on the screen, but after a couple of hours of all this stuff happening, stuff suddenly stops happening, meaning that the movie has ended, so, you know, whatever.» (George Steiner, Tiresias’ Curse, or Having Fun at the Movies, p. 328)

Passo esta corrente aos portugueses. Eles que decidam, em consciência.

As metamorfoses da propriedade



"O leitor recorda-se da IBM? Há poucos anos, as autoridades norte-americanas antimonopólio convenceram-se de que a IBM "fechara" a indústria de computadores às próximas gerações. Desde então, empresas como a Microsoft e a Intel lideraram revoluções tanto no software como no hardware, ocupando um espaço que a IBM e outras não souberam explorar e que, por essa razão, votaram a IBM ao esquecimento. E quando as autoridades reguladoras dos dois lados do Atlântico decidiram debruçar-se sobre o monopólio do Windows, já a Microsoft estava a braços com a concorrência de equipamentos portáteis e modelos computacionais disponibilizados online pela Google, e a Intel enfrentava ameaças semelhantes de fabricantes rivais de chips e hardware. "

Este excerto do artigo de Wayne Crews e Alberto Mingardi "A política dos preços predadores" parece-me importante para se perceber o ritmo e profundidade das transformações a que estamos a assistir.
Ainda há dias Eduarda Dionísio, a propósito do que é ser comunista, voltava à velha ideia da abolição da propriedade como se este novo mundo não existisse, como se a propriedade no sentido antigo fizesse algum sentido no mundo actual. Hoje tornou-se claro que destruir a propriedade é inventar outra.

Bem pode o Sócrates andar a distribuir computadores ao domicílio.
O Governo e a UE parecem ainda não ter compreendido que a sociedade digital está muito para lá da questão tecnológica.

Friday, November 16, 2007

Um muro nas cabeças ?



A minha passagem por Berlim Leste, nos anos 80, deixou-me duas memórias principais: o museu Pergamon e os relógios da Porta de Brandeburgo.
O museu é inesquecível pela grandiosidade e aura dos seus conteúdos; os muros de Babilónia e o o grande altar de Pergamon (onde estive mais tarde, quando visitei a Turquia, e pude observar o local original de onde foi roubado).
Os relógios vendidos em bancas na rua, por tuta-e-meia, eram peças interessantíssimas quer pelas decorações iconográficas quer pela concepção relojoeira. Ainda guardo um, cujo mostrador marca as 24 horas do dia em vez das habituais 12.
Vem isto a propósito da iniciativa do Der Spiegel por altura do 18º aniversário da "queda" do emblemático muro. Resolveu questionar os alemães dos dois lados da barreira acerca da reunificação.
Para o efeito criou quatro grupos: jovens do oeste, jovens do leste, e pessoas de meia-idade do oeste e do leste. Veja AQUI o resultado que deu pois tem piada.
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Continuamos a ignorar as causas dos acidentes

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Na sexta-feira 2 de Novembro ocorreu o trágico atropelamento junto ao Terreiro do Paço. Na segunda-feira seguinte, 5 de Novembro, mais dois terríveis acidentes em Tires e na A23 fizeram disparar, anormalmente, em poucos dias, o número de mortos para 45.Faz hoje duas semanas e continuamos sem saber o que realmente aconteceu.

A extraordinária cobertura mediática explica-se pela violência dos acidentes com desmembramento dos corpos, pelo envolvimento de idosos e crianças e pela existência de relações de parentesco entre as vítimas. Mas não têm surgido descrições objectivas e explicações racionais para o que realmente aconteceu. "As causas do acidente estão a ser estudadas" e receamos que nunca venham a ser claramente enunciadas para o grande público.

Esse enorme vazio propicia as teorias fantasiosas e os exageros de quem pretende aterrorizar a população apesar de saber que esta "semana negra" não tem qualquer significado estatístico. Tem-se feito uma exploração despudorada dos sentimentos dos portugueses, usando as vítimas como bandeiras de propaganda, apesar de tal ser moralmente inadmissível.Em vez de se estudar as causas dos acidentes e procurar os remédios em conformidade tem-se feito da culpabilização abstracta dos cidadãos comuns a chave que tudo justifica.
Cada vez que morre um português na estrada há fornecedores de radares e de lombas e "especialistas" consultores que aumentam as suas previsões de vendas.

A verdade é que os acidentes de viação em Portugal estão em linha com o nosso nível de desenvolvimento económico e social. Têm mesmo vindo a reduzir o seu número de forma continuada e acentuada nos últimos anos. De acordo com estudos universitários recentes morrem três vezes mais pessoas por ingestão exagerada de sal do que em acidentes de viação.

O que importa é compreender para prevenir, desdramatizar em vez de culpabilizar.Na prevenção dos acidentes rodoviários o mais importante é o "como" e o "porquê" e não o "quem". As causas e não as culpas. Não é possível prevenir o que se desconhece ou aquilo que não se compreende.

Os abaixo-assinados vêm por esta forma exigir que a Autoridade Nacional de Prevenção Rodoviária ponha cobro à presente indefinição e avance com relatórios para cada um dos acidentes, em que fiquem claramente estabelecidos os aspectos factuais, apurados e confirmados, os factores propiciadores ou causadores e o grau da sua influência.
Estes relatórios devem tornar-se obrigatórios sempre que há vítimas graves e ter publicação na internet. Todos os cidadãos poderão dessa forma esclarecer-se sobre os acidentes ocorridos e aprender a evitar os factores de risco.


Se concorda assine a petição on-line AQUI


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O Terreiro do Paço agora é na Avenida dos Aliados



Os portuenses que se queixam de que só Lisboa fica com tudo deveriam pensar nisto: a horrenda “árvore de Natal” que nos últimos dois anos ocupava por esta altura do ano o Terreiro do Paço vai estar instalada este ano na Avenida dos Aliados, sendo inaugurada amanhã.
Quando era presidente da Câmara de Lisboa, Jorge Sampaio disse uma vez aos regionalistas para “levarem o Terreiro do Paço” da cidade para fora. Sampaio referia-se à burocracia e não à belíssima praça em si. Recordo agora esta frase ao ver onde está a “árvore”, um mamarracho que é uma demonstração de novo-riquismo e que de árvore não tem mesmo nada. O Porto cobiça tanta coisa de Lisboa, e vejam bem logo com o que ficou. Se era este “Terreiro do Paço” que tanto queriam levar, pois por mim agradeço que fiquem com ele. Se me permitem uma recomendação, só não lhe chamem “a maior árvore de Natal da Europa”. Aquela coisa pode ser a maior da Europa, mas não é uma árvore de Natal.
Este episódio confirma que o Porto só aspira a ter o que Lisboa tem, incluindo o poder. O Porto é tão centralista como Lisboa; a “regionalização”, para o resto do norte, seria decidir entre o Porto e Lisboa. Não há grande diferença, como se confirma pela “árvore de Natal”. Era bom que o bracarense Pedro Morgado se convencesse disso e substituísse a fotografia que eu retirei do blogue dele por uma na Avenida dos Aliados. Quanto tempo demorará até vermos a “maior árvore de Natal da Europa” em Braga?

Thursday, November 15, 2007

National Book Awards

L'Europe de la Connaissance et la Stratégie de Lisbonne

Ocorre aqui, na minha segunda casinha, onde nunca vivi. O programa é interessante e os convidados também.

"Por que no te callas?"

A questão que tanto pano para mangas tem dado nos últimos dias, para mim, resume-se a boa educação e respeito pelo próximo. Zapatero estava a falar e Chávez permanentemente a interrompê-lo, quando não era a sua vez de falar. Talvez quem devesse ter intervindo era a presidência da mesa. Não interveio, e o rei, que queria ouvir o orador, protestou, como qualquer cidadão normal. Não deve ter mais nem menos direitos.
Todas as discussões que tenho lido sobre o assunto são entre monárquicos e antimonárquicos, envolvendo ainda o colonialismo. A meu ver tal está errado: como disse, é tudo uma questão de ordem na mesa. Eu sou completamente antimonárquico, mas aqui no essencial tenho que apoiar o rei. A minha opinião seria a mesma se tivesse sido Chávez a sugerir a Juan Carlos que se calasse, se este estivesse a interromper outro interveniente. Será que os monárquicos e os que agora defendem Chávez diriam o mesmo?

Para quando o spaghetti à portuguesa ?

O Senado italiano adiou para hoje à noite ou amanhã de manhã a votação final do Orçamento do Estado, de que depende a sobrevivência do Governo de Romano Prodi. A coligação de centro-esquerda tem uma maioria tangencial e está dependente da incerta coesão dos seus senadores. Se a Lei Financeira passar, será uma derrota para Silvio Berlusconi. Se for chumbada, a demissão de Prodi é inevitável. Deverá suceder-lhe um governo "técnico" e um período dominado pelo debate da reforma da lei eleitoral. A fragilidade da maioria governamental foi ilustrada na terça-feira, quando os três liberais-democratas, do antigo primeiro-ministro Lamberto Dini, fizeram aprovar uma emenda da oposição sobre o financiamento da investigação universitária. Dini ameaça agora chumbar outra disposição, a limitação do salários dos gestores das empresas públicas, por a considerar antiliberal. Mantém em segredo o voto final sobre o orçamento.Também entre os aliados comunista há ameaças veladas. Todos têm presente a queda do anterior executivo de Prodi, numa votação sobre a política externa, em Fevereiro passado, graças à "deserção" de três senadores da maioria.

"Uma lei não escrita da política italiana diz que os governos nunca caem no dia do juízo. (...) A emboscada, para ser eficaz, deve ser inesperada e fulminante: se foi anunciada, perde subitamente grande parte da sua força". Por isso, os bookmakers apostam na vitória de Prodi sobre Berlusconi

A campanha de Berlusconi para fazer cair Prodi nesta votação pode transformar-se num bumerangue contra ele. O seu partido, Força Itália, convocou manifestações em várias cidades para obter cinco milhões de assinaturas a exigir eleições antecipadas. Mas os seus aliados, Gianfranco Fini, da Aliança Nacional, e Pierferdinando Casini, da União dos Democratas Cristãos e do Centro, não estão interessados em eleições antes da aprovação de uma nova lei eleitoral, que reduza a dispersão do leque partidário e o poder de chantagem dos micropartidos sobre o primeiro--ministro, de direita ou de esquerda. Mas permanecem em desacordo sobre o sistema a adoptar.A revisão da lei eleitoral interessa também ao novo Partido Democrático (centro-esquerda), que tem estado refém do impasse, pois o seu líder, Walter Veltroni, só se poderá afirmar depois do desfecho da questão orçamental.

O debate decorre num certo tom de farsa, pois o que está em causa não é propriamente o orçamento, ou as reformas, mas subtis jogadas para ganhar vantagens políticas.
"Uma maioria deficiente, uma oposição estéril. O Parlamento é o reflexo de uma política inerte".A opinião pública está obcecada por outros temas. Um é a questão dos imigrantes ilegais romenos, acusados de fazerem subir a criminalidade. Outro é a violência e a crescente politização das claques desportivas: foi ontem o funeral do jovem Gabriele Sandri, morto pela polícia durante um confronto entre adeptos da Lazio e da Juventus.

Esta trapalhada respigada da imprensa dá-me vontade de parafrasear o dixote que os ingleses aplicam aos franceses: "ao menos não somos italianos".
Abre-se no entanto outro campo de dúvidas, estudos e previsões: quanto tempo demoraremos em Portugal a atingir um caos semelhante ?

Wednesday, November 14, 2007

Abaixo o governo central! Abaixo a democracia! Viva a "liberdade"! Viva a blasfémia!

Notável frase, num comentário do Insurgente: "O sistema político americano (...) é um sistema não democrático que visa limitar o poder do governo federal" (destaque meu). Quando se discutir a "regionalização" em Portugal, lembremo-nos dela.
A sério: não tenho dúvidas de que os EUA são uma democracia. Cheia de imperfeições e com dificuldades estruturais muito maiores do que outras democracias, mas uma democracia. Os políticos americanos ou ignoravam essas imperfeições do sistema político americano (tipicamente os republicanos), ou reconheciam-nas e prometiam tentar melhorá-las (tipicamente os democratas). Mas é a primeira vez que eu vejo alguém (um conhecido adversário dos governos centrais) a defender as imperfeições da democracia norte-americana e a virtudes do seu carácter "não democrático"! Parabéns ao autor do comentário, João Miranda, pela honestidade. E que isto demonstre a natureza dos projectos políticos libertários, que já representam uma corrente importante nos EUA e começam a dar os primeiros passos em Portugal.

Tuesday, November 13, 2007

Árbitros no Prós e Contras

Não o tinha escrito aqui no blogue, mas já o tinha afirmado aqui: Pedro Henriques é o melhor árbitro português. Desorientou-se no lance da suposta mão do Katsouranis (que não era penalti), no último Benfica-Sporting, e parou o jogo. Mas ajuizou bem. Mais ainda me convenci desta minha opinião ao ouvi-lo ontem no Prós e Contras sobre a introdução de novas tecnologias no futebol (repete hoje na RTP N, e está disponível na rede).

Sopranos "do berde e da vola"






O filme CORRUPÇÃO sofre de um problema grave: a realidade é maior do que a ficção.
Dito de outra maneira: aquilo que é possível imaginar, e já se imaginou, sobre a realidade retratada no filme ultrapassa as possibilidades ficcionais quando espartilhadas por referências a pessoas concretas.
Ao pretender explorar o sucesso, e os lucros, do livro de Catarina Salgado o filme impôs a si próprio muitos limites para evitar ser alvo de perseguição judicial.

Estes Sopranos "do berde e da vola" são sem dúvida um tema portentoso para uma superprodução entre a farsa e a tragédia. O "engenheiro" do Herman e o presidente de Vila Nova da Rabona de Ricardo Araújo Pereira já o demonstraram.

Salvam-se as excelentes interpretações dos protagonistas que são Margarida Vila-Nova, no papel de Sofia, e Nicolau Breyner que incarna (e carne não lhe falta) a personagem do Sr. Presidente.

Um ser humano indistinto, um ser humano indistinto e outro ser humano indistinto entram os três num bar e pagam uma rodada de iogurtes

«Daqui a 50 anos, quando dois gays se puderem beijar no emprego sem provocar mais que indiferença, poderemos todos ridicularizar os exóticos gostos dos gays por homens, como hoje em dia gozamos um colega de trabalho pela derrota do Benfica no fim-de-semana. Até lá, parece-me de muito mau gosto esse tipo de humor baseado na ridicularização das diferenças, demasiado reforçador de preconceitos idiotas.
Se não resistimos a fazer piadas sobre minorias, seria mais interessante (digo eu) rirmo-nos de minorias dominantes (as que detêm o poder político, económico, cultural), em vez de nos rirmos de quem precisa de se esconder para ser aceite como igual.Ou então rirmo-nos de nós próprios, que ainda é o mais saudável e divertido, como o maradona saberá se já experimentou.
Em todo o caso, não achei piada nenhuma ao seu texto (eu que acho piada a quase tudo). É que, ao contrário de si, tenho a sorte de ter amigos gays, e imaginação suficiente para adivinhar a incomodidade e o sofrimento que esse facto, tão anódino e normal, pode ainda provocar nas suas vidas.
»

(Mais uma adição ao Clube dos Amigos da Comédia como Instrumento de Justiça Social. Não conheço outro tipo de humor que não o baseado - em maior ou menor grau - na "ridicularização das diferenças", mas admito que o quintal me ocupa muito tempo. De qualquer maneira, vale a pena ler aquela página inteira, desde o "marialvismo literário destes queques terríveis" à "cumplicidade com autos-de-fé". O estagiário que a Danone destaca para ler o meu blogue já deve estar a escrever memorandos frenéticos. E esta, meus amigos, é para epígrafe de qualquer coisa:
«Ninguém nos protege de quem nos quer, à força, proteger.» - maradona, 13/11/07)

Monday, November 12, 2007

Janelinhas saltitonas da alma

«Years ago Leonard Michaels, upon seeing the phrase "Her eyes dropped" in one of my stories, wrote in the margin, "Did they bounce?" Well, you could be sure I never did that again. But now, teaching writing myself, I see it all the time: characters' eyes all over the place. They travel around the room, climb up the walls, but rarely do they stay in their sockets. And that's just the beginning of the problem with eyes. Portals of the soul, round like marbles, pools of water: I've never seen a body part that so welcomes cliché.»

-
The Elegant Variation


(A melhor inoculação que conheço contra este vício específico - choques em cadeia entre globos oculares vagabundos - é um conto chamado "'Tis the Season to be Jelly", de Richard Matheson. Está incluído no livro Shock III, que podem adquirir em segunda mão na Amazon, ou em alternativa, pedi-lo emprestado à minha pessoa, com os vossos olhos aparafusados ao solo em súplica dextrivolúvel.)

Há muito tempo que não me sucedia isto

Estar a acompanhar um jogo do Sporting, com o Sporting a perder e eu só a querer que o jogo acabasse. Desde o tempo do Peseiro que tal não me sucedia. Sucedeu-me ontem.

Mais um teste político

Desta vez foi encontrado no Kontrastes. Façam-no vocês também! Seguem-se os meus resultados.
Your Political Profile:

Overall: 20% Conservative, 80% Liberal

Social Issues: 25% Conservative, 75% Liberal

Personal Responsibility: 25% Conservative, 75% Liberal

Fiscal Issues: 25% Conservative, 75% Liberal

Ethics: 0% Conservative, 100% Liberal

Defense and Crime: 25% Conservative, 75% Liberal

A melhor da semana passada - 13

Público 10.11.2007

A polícia encontrou na posse do chefe da máfia Salvatore Lo Piccolo, detido na segunda-feira, uma série de pequenos recadinhos que no conjunto constituirão como que o "Decálogo" da Cosa Nostra, de acordo com a imprensa italiana. Os papéis por pouco não acabaram deitados numa sanita. O diário La Repubblica chamam-lhe mesmo os "Dez Mandamentos" da organização siciliana, e vão da unidade dos membros ao ódio à polícia, passando pelo respeito e o amor à mulher. Um dos papelitos - chamados "pizzini", todos escritos à máquina - diz que "é preciso estar a todo o momento disponível para a Cosa Nostra, mesmo que a tua mulher esteja quase a deitar-se". Outro insta os membros a não "cobiçarem" as mulheres dos amigos. Os destinatários das mensagens são ainda convidados a não frequentarem "bares e casas de jogo" ou a simpatizarem com a polícia, sendo terminantemente proibido que façam parte das forças de segurança. As autoridades italianas apreenderam ainda a descrição do que pensam ser a hierarquia da organização criminosa e as suas regras de funcionamento. Os investigadores admitem que o conjunto dos pizzini constitua uma espécie de "manual de iniciação" para os novos mafiosos. Segundo o Corriere della Sera, Lo Piccolo estaria a recrutar candidatos no momento da detenção.Uma leitura mais atenta das pequenas mensagens, que o chefe mafioso esteve a ponto de deitar numa sanita, revela ainda, de acordo com a agência Ansa, nomes de empresas e de comerciantes que pagam o pizzo, o imposto exigido pela organização. Os agentes apreenderam além dos pizzini nove pistolas, várias imagens piedosas e crucifixos. As autoridades italianas pensam ter decapitado a máfia siciliana com a detenção de Salvatore Lo Piccolo. O mafioso era o último do triunvirato que a dirigia na ilha, formado ainda por Bernardo Provenzano e Antonino Rotolo, detidos há um ano. A acreditar no ministro do Interior, Giuliano Amato, no prefeito de Palermo, Giuseppe Caruso, e no procurador antimáfia Piero Grasso, reunidos em Roma, numa conferência de imprensa, o "polvo" já não é senão uma sombra dele mesmo. Enfraquecida pelas prisões, "desestruturada" dentro de si mesma e rejeitada por um número cada vez maior de sicilianos dispostos a não pagar o pizzo, a Cosa Nostra irá entrar provavelmente num período de "ajustes de contas", prognosticou Caruso. Salvatore Piccolo, 63 anos, frequentemente apresentado como o sucessor de Provenzano, detido em Abril de 2006, figurava num "pizzino" apreendido a este, onde constavam ainda outros nomes. Provenzano escreveu então num papelito que "já não restavam senão ele, Rotolo e Lo Piccolo", declarou Piero Grasso.


1 - Ninguém se pode apresentar por si mesmo a outro dos nossos amigos. Terá de ser uma terceira pessoa a fazê-lo.
2 - Não cobiçar as mulheres dos amigos.
3 - Nunca ser visto com polícias.
4 - Não frequentar bares
5 - Estar sempre disponível para a Cosa Nostra.
6 - As nomeações devem ser absolutamente respeitadas.
7 - As mulheres devem ser tratadas com respeito.
8 - Quando interrogados, responder sempre com verdade.
9 - O dinheiro não pode ser apropriado se pertencer a outros ou a outras famílias.
10 - Não é possível ter relações com a polícia.
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É à bala mas não é à balda...
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Sunday, November 11, 2007

Mal de montaña


Isto é daquelas coisas, como um corte de cabelo feito por impulso, ou um trambolhão no "Isto Só Vídeo", que parece muito pior do que é na realidade. Nem sequer é nada de novo: acontece-nos duas ou três vezes por época, uma pessoa anda há vinte anos a fazer planos de contingência, os anticorpos já sabem a rotina de trás para a frente.
O pior que pode resultar daqui é um ânimozinho revolucionário aos que desejam uma vaga de fundo para devolver Paulo Bento às Astúrias. Não seria a maior asneira da história do Sporting, nem a menor: seria apenas mais uma, e sinceramente, já me começam a faltar esferas no ábaco.
O erro de Paulo Bento esta noite é tão incontornável como irrelevante. É certo que retirar o lateral-esquerdo ao intervalo é o equivalente futebolístico a invadir a Rússia em Setembro (manobra estreada, pelo menos neste clube, a 14 de Maio de 1994). Mas o jogo estava perdido desde os primeiros minutos, quando a equipa do Braga descobriu que estava a jogar não contra outra equipa, mas contra uma daquelas expedições ao Evereste que corre mal.
A maior responsabilidade que pode ser imputada a Paulo Bento é a de ter feito um trabalho demasiado bom no ano passado: levou um plantel com apenas oito jogadores de campo (e incluo o Abel nesta estimativa apenas porque a sua hirsutez me intimida) a sítios onde plantéis com apenas oito jogadores de campo nunca devem ir sem tendas, cordas, e botijas de oxigénio.

Para além do espectáculo

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É certo que os jornalistas hipervalorizaram o reencontro frente-a-frente entre Sócrates e Santana. É verdade que muitas vezes a comunicação social se fica pela espuma dos dias, aborda a rama dos assuntos e não vai fundo na substância dos mesmos. Mas é também uma realidade indesmentível que, neste caso concreto, no primeiro dia de debate parlamentar do Orçamento do Estado para 2008, quer o primeiro-ministro, quer o líder parlamentar da oposição fugiram às suas responsabilidades políticas de debate e de aprofundamento das respectivas propostas orçamentais e resvalaram para um mediatismo básico e oco.
A responsabilidade primeira nesta fuga ao debate político de substância é do primeiro-ministro, que logo ao abrir a sessão parlamentar, para além de apresentar algumas medidas concretas de governação, como lhe competia, optou por puxar à colação a governação do seu antecessor. O recurso usado por José Sócrates é básico e tem como finalidade desviar a discussão daquilo que poderia dificultar-lhe o dia no Parlamento, ou seja, a discussão das suas medidas e das suas opções orçamentais.
O que é certo é que Santana Lopes, bem como a comunicação social em geral, dançaram a música que José Sócrates quis.Mas o facto de José Sócrates ter conseguido condicionar o debate, e ter por isso ganho no plano mediático, não quer dizer que o tenha ganho do ponto de vista político. No plano da discussão política, o primeiro-ministro perdeu a sessão de abertura do debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado para 2008. E perdeu porque na substância não respondeu às questões que lhe foram colocadas.
Exemplifiquemos. José Sócrates preferiu atacar Santana Lopes e achar que o colocava mal, amesquinhando-o por ter sido por si derrotado nas legislativas de 20 de Fevereiro de 2005. E ficou-se em jogos florais e acusações inconsequentes sobre o passado, sem responder às duas questões que Santana Lopes lhe colocara. Uma sobre o facto de existirem, segundo dados do Estado espanhol, 80 mil portugueses a descontar para a Segurança Social espanhola. A outra sobre o facto de, no passado, José Sócrates ter dito que não se podiam mexer nos direitos adquiridos, mas tê-lo feito ao aprovar a reforma da Segurança Social.Mas o problema das respostas de José Sócrates neste debate não se ficou apenas pelo embate com Santana Lopes. O primeiro-ministro respondeu demasiadas vezes ao lado. Quando Paulo Portas o interrogou sobre fiscalidade, José Sócrates falou do Estatuto do Aluno. Perante as perguntas de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã, José Sócrates insistiu na tese de que estes dois líderes partidários não estavam satisfeitos e achavam pouco as medidas de carácter social do Governo. É pena que tenha sido perdida uma oportunidade de debater a sério não só as propostas do Governo, como também as propostas alternativas da oposição. E que a discussão sobre o Orçamento tenha começado apenas no segundo dia de debate.
São José Almeida, Público 10.11.2007
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Subscrevo isto

Posso nunca ter ouvido falar de Kruger e Stiffmeister, mas se o Pregal da Cunha fosse uma religião eu convertia-me

Saturday, November 10, 2007

Os desvarios ideológicos de um militante do PCP


Publicou o Fernando Penim Redondo um texto controverso sobre Os 90 anos da Revolução de Outubro e entre os comentários ao artigo apareceu um de António Vilarigues (AV), que eu penso que é assumidamente militante do PCP, que indicava um conjunto de endereços electrónicos. Descobri que todos eles remetiam para o seu blog pessoal, onde tinha vindo a publicar um conjunto de post sobre a Revolução de Outubro, que eram quase todos retirados do Militante e do Jornal da ORL do PCP, mas havia um que me despertou particular atenção, a posição do PC Grego sobre a Revolução Socialista de Outubro e que era recomendado por AV.
Fiquei estarrecido, depois da leitura daquele texto, que tinha sido inicialmente publicado em ODiario.info, traduzido pelo próprio Vilarigues, quase que se poderia enviar uma mensagem ao Francisco Martins Rodrigues, um dissidente do PCP no início do conflito sino-soviético (anos 60), e um crítico pela esquerda da orientação do PCP, para que voltasse, porque estava perdoado.
Naquele texto dizem-se coisas tão espantosas, do ponto de vista da ideologia ainda oficial do PCP, como esta: “No Ocidente capitalista, os partidos comunistas não puderam elaborar uma estratégia de transformação da guerra imperialista ou da luta de libertação numa luta pela conquista do poder operário. Eles remeteram o objectivo do socialismo para mais tarde e definiram tarefas que se limitavam a luta na frente contra o fascismo. O ponto de vista que prevalecia na altura, sustentava que era possível a existência de uma forma intermédia de poder, entre o poder burguês e o poder da classe operária revolucionária, com a possibilidade de vir a evoluir para um poder operário.” Ou então, esta outra: “A política seguida por um bom número de partidos comunistas que consistia em colaborar com a social-democracia, fez parte da estratégia da «governação anti monopolista», uma espécie de estado intermédio entre o capitalismo e o socialismo, que se expressava igualmente através de governos que tentaram administrar o sistema capitalista.”
Ou seja, quer queira o AV ou não, isto é a negação das posições desde sempre assumidas pelo PCP na luta anti-fascista, que mereceram sempre uma vigorosa crítica dos, à época, chamados esquerdistas.
Eu acredito que se possa mudar de orientação política, fazer a crítica do passado, não se pode é, quando nada se disse sobre o assunto, assumir que estas posições sempre foram as defendidas pelo PCP. Duma penada deita-se pela borda fora o Rumo à Vitória do Álvaro Cunhal, que explicitamente se referia a As Tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional ou então, o próprio Programa PCP para Uma Democracia Avançada no limiar do Século XXI, que defende aquilo que é criticado pelo PC Grego.
Mas o mais espantoso de tudo isto é que o site onde esta tradução aparece pela primeira vez é dirigido pelo Miguel Urbano Rodrigues e conta com a colaboração de dirigentes do Sector Intelectual da ORL do PCP, como o Filipe Diniz. Portanto gente que ao divulgar um texto destes deve saber o que está publicar.
Poder-se-ia pensar que afinal há liberdade no PCP para exprimir externamente aquilo que se quer. Penso que isto não é o reflexo da pluralidade de opiniões que existiriam naquele Partido, mas sim, que o PCP já não é capaz de distinguir o que eram as suas posições unitárias e anti-fascistas do passado, da sua posição actual de partido sectário e pouco amigo da unidade. Eu diria que o desvario ideológico tomou conta do Partido.

PS: concordo que este tipo de discussões, que se assemelham àquelas que católicos e protestantes travam a propósito da interpretação de alguns textos da Bíblia, não diga nada a quem sobre esta matéria é completamente leigo ou demasiado jovem para perceber os conflitos ideológicos que se travaram nos anos 60. Alguns eram mesmo guerras de alecrim e manjerona, sem qualquer significado para os dias de hoje. No entanto, há necessidade de certa precisão ideológica para que no debate das ideias não valha tudo e não se venda gato por lebre.

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