Thursday, January 31, 2008

Geografias variáveis

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Há exactamente 50 anos eu reflectia no meu caderno de geografia as verdades desse tempo. A África mítica, selvagem, e parte integrante do nosso país, "o terceiro país colonial".

Há exactamente 40 anos fui mandado para a Guiné. Eu e muitos outros milhares de jovens portugueses acordámos então para a relatividade da geografia e da cultura. Aqueles que tinham partido das aldeias ou das pequena vilas observaram, com surpresa, que "os pretos" podiam ser muito mais evoluídos do que a imagem que tinham deles.

Dez anos foram suficientes para o nascimento de uma nova África na mente de uma geração inteira.






Em que altura é que se fodeu o "Cinco Dias"?

Aqui fica o meu texto de estreia como colaborador residente do Cinco Dias.

Wednesday, January 30, 2008

Sobre a remodelação governamental

Sobre a substituição do ministro da saúde, faço minhas as palavras do João Miguel Tavares:
O que é chato em política é mesmo a política. Quer dizer: a um governante não basta delinear uma estratégia e agir em conformidade. Não chegam estudos, mapas e relatórios. É preciso explicar as mudanças, resistir aos interesses instalados, ouvir toda a gente, voltar a explicar, nunca amuar, saber onde ceder, saber onde não ceder, fincar o pé. Numa frase: é preciso enfrentar pessoas. E é por isso, por a política ser coisa mais de gente do que de PowerPoint, que um ministro desastrado pode perfeitamente dar cabo de uma reforma razoável. Correia de Campos é disso um bom exemplo.

Entre aparecimentos na televisão e telefonemas irados para autarcas contestatários, Correia de Campos manifesta evidentes dificuldades em se relacionar com o género humano. E é uma pena. Porque no seu frenesim de justificações atabalhoadas, ele faz com que uma reflexão séria sobre o serviço nacional de saúde seja substituída pela contagem de partos em ambulâncias. E, no entanto, só quem desconhece a tragédia de muitos hospitais do interior é que pode negar a necessidade de uma maior concentração de unidades e de especialistas. A medicina é uma arte que necessita de companhia: sem vigilância, actualização e confronto com os seus pares, um médico corre o risco de se tornar mais um problema do que uma solução.

Mas ponham Correia de Campos a explicar isto na televisão e parece sempre que ele nos anda a enganar. E, assim, o ministro da Saúde torna-se o alvo fácil de todos os disparos, sejam eles demagógicos (caso do bebé de Anadia, cuja intervenção do INEM os próprios pais não contestam) ou justos (caso do homem de Alijó, que ainda assim é mais revelador do amadorismo dos bombeiros que temos do que das falhas do INEM). Correia de Campos é o típico técnico que adoraria mudar o mundo a partir do seu gabinete. Ele acredita, com sinceridade, ter grandes planos para as pessoas deste país. As pessoas deste país é que não param de o atrapalhar.

No caso do ministério da Cultura, sim, entendo ser bem necessária uma mudança de política, menos centrada na "fachada" e em "obras de regime".

Tuesday, January 29, 2008

Pela valorização das Artes e da Cultura

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Por detrás de um espectáculo de Dança, Teatro, Música, Circo, Cinema ou Audiovisual esconde-se uma realidade preocupante, a realidade com que os profissionais das Artes do Espectáculo se confrontam nas suas condições de vida e de trabalho.
Actores, músicos, bailarinos, coreógrafos, encenadores, realizadores, técnicos de audiovisual e tantos outros profissionais têm vindo, ao longo dos anos, a ser confrontados com condições de trabalho cada vez mais precárias, com graves consequências para a sua vida pessoal e profissional, situação esta que se irá agravar se a Proposta de Lei n.º 132/X, apresentada pelo Governo e aprovada pela maioria PS na Assembleia da República, for promulgada.

Pela valorização das Artes e da Cultura assina e divulga!

http://www.PetitionOnline.com/trabARTE/petition.html

Claxon, Cortázar, Cabinda

«(...) In Aspects of the Novel, EM Forster used the now-famous term "flat" to describe the kind of character who is awarded a single, essential attribute, which is repeated without change as the person appears and reappears in a novel. Often, such characters have a catchphrase or tagline or keyword, as Mrs Micawber, in David Copperfield, likes to repeat "I will never desert Mr Micawber". She says she will not, and she does not. Forster is genially snobbish about flat characters, and wants to demote them, reserving the highest category for rounder, or fuller, characters. Flat characters cannot be tragic, he asserts, they need to be comic. Round characters "surprise" us each time they reappear; they are not flimsily theatrical. Flat ones can't surprise us, and are generally monochromatically histrionic. Forster mentions a popular novel by a contemporary novelist whose main character, a flat one, is a farmer who is always saying "I'll plough up that bit of gorse". But, says Forster, we are so bored by the farmer's consistency that we do not care whether he does or doesn't.
But is this right? If by flatness we mean a character, often but not always a minor one, often but not always comic, who serves to illuminate an essential human truth or characteristic, then many of the most interesting characters are flat. I would be quite happy to abolish the very idea of "roundness" in characterisation, because it tyrannises us - readers, novelists, critics - with an impossible ideal. "Roundness" is impossible in fiction, because fictional characters, while very alive in their way, are not the same as real people. It is subtlety that matters - subtlety of analysis, of inquiry, of concern, of felt pressure - and for subtlety a very small point of entry will do. Forster's division grandly privileges novels over short stories, since characters in stories rarely have the space to become "round". But I learn more about the consciousness of the soldier in Chekhov's 10-page story "The Kiss" than I do about the consciousness of Waverley in Walter Scott's eponymous novel, because Chekhov's inquiry into how his soldier's mind works is more acute than Scott's episodic romanticism. (...)»


O artigo, que deve ser lido na íntegra antes que eu me irrite com vocês a sério, serve como aperitivo para o novo livro do senhor, que me vai ser entregue em mãos por um dos mais pontuais carteiros do Hemisfério Norte, no dia 11 de Fevereiro de 2008, às dez e vinte da manhã. Por falar em coisas que devem ser lidas na íntegra, este texto do Alexandre Andrade sobre Delmore Schwartz é a melhor e mais lúcida apreciação crítica não escrita por James Wood que li nos últimos tempos. O irritante biógrafo de Saul Bellow teimou em informar-me aqui há uns anos que Schwartz era o modelo para o poeta lunático de Humboldt's GiftHe was a wonderful talker, a hectic nonstop monologuist and improvisator, a champion detractor. To be loused up by Humboldt was really a kind of privilege. It was like being the subject of a two-nosed portrait by Picasso, or an eviscerated chicken by Soutine»). Agora que penso nisso, o programa de leituras integrais devia incluir também o Humboldt's Gift, mas eu não mando nas vossas vidas.
Nem na minha consigo mandar. Na semana passada, comprei um livro de Cortázar (Prosa do Observatório) naquele alfarrabista de esquina, perto da Biblioteca Nacional. Lá dentro - porque nunca comprei um livro de Cortázar em segunda mão que não viesse com brinde - achei um cartão de sócio do extinto Clube de Turismo do Atlântico, pertencente a um António Beato Teixeira e datado 29 de Janeiro de 1973. Nas costas do cartão, por motivos muito pouco claros, aparecem escritas a lápis as palavras "vai para cabinda". É este o estado de coisas: Deus dá-me instruções geográficas com 35 anos de atraso e através de livros baratos. E a minha sarça ardente, onde é que está?
Finalizando, queria dizer que isto, mesmo ajustado à inflacção, continua a parecer-me uma indiscutível pechincha:

Adeus assassino

Que a terra te seja pesada.
Não surpreende ninguém, entretanto, que para Suharto, tal como para Pinochet, a direita tenha sempre um "mas".

A inflação desde 1970.


Este quadro com as taxas de inflação nos últimos 37 anos, publicado no dia 25 no jornal SEXTA, é bastante interessante para quem se interessa por números.
Também permite, de alguma maneira, comparar os desempenhos dos governantes. Cavaco fica muito bem neste retrato.
O problema destas taxas é que, como qualquer outro valor obtido por média, não têm a mesma validade para todos os cidadãos.
O cabaz de produtos considerado na média, independentemente da sua adequação geral, não afecta da mesma forma os vários estratos e sectores da sociedade.
Como se tal não bastasse tem sido prática corrente os governos fazerem previsões de inflação que são sempre superadas pela realidade económica. O problema é que os rendimentos dos cidadãos trabalhadores e reformados são aumentados com base nas previsões...
(resolvi acrescentar, mais abaixo, a evolução do salário mínimo e dos preços de alguns bens essenciais)


Monday, January 28, 2008

Onde é que estiveste a minha vida inteira?



Sporting, 0 - Helton, -2

Podia ser este o sumário do jogo de ontem. Ou talvez Izmailov, 1 - Helton, -1. O que é facto é que o Porto só se pode queixar de si próprio: da inépcia dos seus avançados e das fífias do seu guarda-redes. O Porto atacou muito mais, sem dúvida, mas cada vez que o Sporting ia à sua baliza tudo parecia tremer.
Acresce que o Porto perdeu jogando contra dez. Sim, porque ontem, no estádio, é que eu me pude aperceber de que o Sporting jogava sempre com dez (até agora, espero eu - bem vindo, Rimmi!). O Ronny é confrangedor. É uma nulidade em campo. Não defende. Não ataca. Não faz um corte. Não faz nada. Izmailov (o melhor jogador de ontem) tinha que o dobrar.
A tradição ainda é o que era: cada vez que eu vou ao Alvalade XXI o Sporting ganha. Já lá vão quatro vezes e nunca falhou. A vitória foi justa, apesar de reconhecer que o Sporting teve a sorte do jogo. Marcou em dois minutos (um frango e um golo de fora de jogo, embora também a defesa estivesse a dormir) nas duas primeiras vezes que foi à baliza, e até lá nada tinha feito por isso. Como disse o senhor que ontem estava ao pé de mim, aqueles foram mesmo "dois minutos à Benfica".

Sunday, January 27, 2008

Artéria coronária direita

Artéria coronária direita é o nome de uma artéria que nasce no seio aórtico anterior (direito). Se as coisas lhe correm de feição, e os preparativos logísticos foram atempadamente concluídos, a artéria costuma fazer uns pequenos exercícios de aquecimento antes de tudo começar, dando uma corridinha para frente e para direita, pausando para alongamentos entre o tronco da pulmonar e aurícula direita. Pouco depois do apito inicial, a artéria prossegue o seu jogging taciturno, contornando a margem direita do coração, escrevendo cartas de suicídio imaginárias e implorando silenciosa clemência, enquanto se dedica a espoliar o frigorífico das suas diligentemente acumuladas garrafas de Sagres Boémia. O ambiente costuma ser pesado.
Aos treze minutos de jogo, contra as suas mais ridiculamente exacerbadas expectativas, a artéria observa a destreza cardiovascular de Helton, e volta-se para a esquerda, percorrendo aos gritos a parte posterior do ventrículo direito ao longo do sulco coronário até ao sulco interventricular posterior - tudo feito, atenção, sem entornar uma gota. Talvez seja útil, nesta altura, imaginar a artéria sentada à mesa da cozinha, com a Sagres Boémia tremulamente enrodilhada pelo rosário com o símbolo do SCP que a sua avó Maria da Conceição lhe trouxe um dia de Fátima, pensando que isto é bom demais para ser verdade.
A artéria coronária direita tem agora várias opções: pode emitir ramos atriais na direção do átrio, obviamente; ou pode relembrar tantas alturas igualmente promissoras no seu passado que resultaram em infâmia, cataclismo, ou passeios à chuva; a artéria decide regressar ao frigorífico e tentar controlar o optimismo. Mas eis que!, meros dois minutos depois - antes até de o seu primeiro ramo atrial ter tido tempo para nutrir o átrio direito, circundando o óstio da veia cava superior - Izmailov quase interrompe este singelo processo, tornando toda a situação coronariamente insustentável. A artéria está incrédula. A artéria está atónita. A artéria tem de ir até ao quintal apanhar ar fresco.
É certo e sabido que, na primeira metade do seu trajecto, a artéria coronária direita emite ramos que irão acudir ao cone arterial, mas entretanto há que trocar sms's frenéticos com outros vasos sanguíneos metafisicamente esclarecidos, que possam lançar alguma luz sobre este momento. Alguém esclarece esta pobre artéria? Esta irrigação desenfreada está mesmo a acontecer? As respostas são lúcidas e conclusivas: a ilusão cruel e passageira não é propriamente uma novidade neste percurso anatómico. A artéria é aconselhada a refrear os seus humores, a olhar para uma tabela classificativa, e a não escrever tantos palavrões nos seus sms's.
A segunda metade do trajecto é penosa, e durante grande parte do tempo a artéria mantém os olhos fechados, o que origina alguns derrames de Sagres Boémia, felizmente minimizados pela agilidade que a artéria sempre demonstra em alturas de sofrimento. Pontualmente, a artéria interroga-se sobre o que terá comido Pereirinha ao pequeno-almoço. Já na derradeira secção, a artéria emite mais um ramo, que percorre o sulco interventricular posterior. Isto pode parecer uma manobra desesperada, mas os peritos em anatomia garantem que faz todo o sentido. Perto do ápice, supostamente, esse ramo irá unir-se por anastomose com o ramo interventricular anterior da artéria coronária esquerda, permitindo suportar o interminável período de desconto sem ter de recorrer ao INEM. Nesta altura, claro, a artéria já ultrapassou todas e quaisquer intenções irrigativas; o que ela quer mesmo é flirtar com linfonodos, enviar ramos de flores a todos os gânglios, e praticar amor hippie com um cacho de vasos linfáticos, indiferente ao pormenor de este ter sido um pedaço de circulação que se deveu mais à sorte do que a uma dieta rigorosa ou a um estilo de vida saudável.
Pelo menos por agora, a artéria não quer saber. A artéria coronária direita fez o seu trabalho, encontra-se num sétimo céu de vascularização orgiástica, e vai permanecer assim até começar a drenagem. Ou até ver, na manhã seguinte, o estado em que deixou a cozinha.

As grandes transformações do mundo

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(DN Emprego, 24.01.2008)

A Ásia vive uma espécie de segunda volta do Capitalismo.

Saturday, January 26, 2008

A mulher do

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Cientista:





Engenheiro:





Matemático:





Rádio-amador:





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Friday, January 25, 2008

"Humanismo" irresponsável

Um grupo de associações de imigrantes anteciparam para hoje a manifestação inicialmente agendada para sábado, no Porto, para protestar contra a forma como o Governo está a tratar os 23 cidadãos marroquinos que em Dezembro desembarcaram em Olhão.
As associações Que Alternativas, Casa Viva, SOS Racismo, Olho Vivo, Solim, GAIA, Terra Viva e AACILUS emitiram hoje um comunicado no qual consideram que a expulsão destes cidadãos "condena-os à miséria e a arriscar a vida novamente".
Segundo José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda que denunciou a situação, os imigrantes ainda detidos em Portugal estão "muito revoltados com esta decisão, que classificam de cruel e de uma espécie de pena de morte".

Será que estas alminhas não conseguem ver mais longe ? não conseguem perceber as consequências da sua mania infantil de "salvar desgraçadinhos" ?
A única maneira de desencorajar novas travessias suicidas é convencer os candidatos de que não vale a pena tentar. É repatriar todos, mas todos, os que chegarem às nossas praias.

Aqueles que defendem a permanência em Portugal deste punhado de imigrantes, com o seu aparente humanismo, estão a criar condições que podem levar à morte, por naufrágio, de centenas de outros.





“Sem talões nem complicações”

Nunca simpatizei com o conceito de “publicidade negativa”, de fazer publicidade dizendo mal da concorrência. E isto apesar de ter vivido nos EUA, onde esse procedimento é muitíssimo habitual, tanto na política como no comércio.
Por muito boas que sejam as razões do Pingo Doce, não aprecio a campanha publicitária intensa a que temos assistido (motivada pela saída do Carrefour, e pelo desequilíbrio que tal causou no mercado, com a procura de novos clientes). A repetição intensiva da “ausência de talões, cartões e outras complicações” é dedicada exclusivamente à concorrência e demonstra falta de ideias. Uma campanha assim centrada em denegrir o concorrente demonstra que quem a faz não tem argumentos ou qualidade para se impor por si próprio. O que até nem é o caso do Pingo Doce. Uma referência simples aos “preços sempre mais baixos, sem promoções, todos os dias da semana” (sem esta obsessão com a concorrência) era mais simpática. Não sei se seria mais eficaz.
A insistência nas lamentações da “dona de casa” que “está farta” dos “talões e complicações” das outras lojas demonstra duas coisas pouco simpáticas: que o Pingo Doce vê os seus clientes como burros (os talões e cartões do Minipreço não têm complicação nenhuma!) e fúteis. É que após ouvir aquele anúncio repetido tantas vezes no horário nobre da televisão só dá vontade de gritar à “dona de casa desesperada” que o faz que pare de nos chatear e procure outra loja. Queixam-se das chatices causadas pela concorrência, e nem se dão conta de como o anúncio é chato!
Felizmente registo com agrado que o Minipreço responde evidenciando somente as suas qualidades de cadeia de desconto, sem baixar nunca o nível. Exemplar.
Entretanto a campanha dos DVDs do Correio da Manhã, para ser comparada com os cartões necessários para os obter no Diário de Notícias (e a brincar obviamente com a campanha do Pingo Doce), já me parece bastante engraçada. Um achado.

Thursday, January 24, 2008

UNCYCLOPEDIA




Uncyclopedia, "the content-free encyclopedia" ou, como se diz na versão portuguesa, a Desciclopédia, livre de conteúdos (apesar de já ter 8.322 entradas).
Uma loucura saudável nos dias que vão correndo sob a obsessão da informação.
Algures em 2004 um senhor chamado Gideon Haigh tinha publicado um livro com o mesmo nome, sub-titulado "Tudo o que você nunca soube que gostava de saber".


Landau na rede (actualizado)

Um grande testemunho de alguém que também estudou pelos livros de Landau: Lubos Motl fala sobre o cientista e o formador. Carlos Fiolhais também escreveu um texto inspirado no De Rerum Natura.

Biografias de Landau aqui.

O seu obituário no Times de Londres.

The Golden Days of Mu

Na oitava página de Masters of Atlantis, Lamar Jimmerson faz um inventário da sua situação. Desterrado num hotel em Valletta (frequentado por «english poets, greek honeymooners and poor tippers»), ele está tecnicamente falido, tem nas mãos um livro indecifrável repleto de cones e triângulos, na cabeça o chapéu sagrado de uma misteriosa sociedade secreta, e nos lábios trinta costuras, resultado de um choque frontal com o remo de um barco. As coisas começam finalmente a fazer sentido.
Se há algo em que as personagem de Portis são boas é a extrair um sentido de missão do mais puro caos, e a interpretar todo e qualquer imponderável como mais uma alínea no seu perplexo contrato com a realidade: «The sense of the message was obscure but there could be no doubt that the signal was genuine». O livro indecifrável é o Codex Pappus, um suposto repositório da antiga sabedoria dos Atlantes, e o texto fundador da Sociedade Gnómica. A natureza dessa sabedoria nunca é claramente definida, embora se depreenda que esteja relacionada com Geometria, Silêncio e Correntes Telúricas. Com a colaboração de um inglês chamado Sidney Hen, um organigrama da Sociedade vai sendo deduzido, com resultados previsivelmente enviesados. É assim que Jimmerson, um cabo do Corpo Expedicionário Americano, à deriva na Europa depois do final da I Guerra Mundial, se transforma no Primeiro Mestre Moderno do Novo Ciclo do Gnomonismo. Injectado com sangue novo, e simbolicamente renovado – o Mestre tem agora direito a usar o Cone do Destino e a empunhar o Ceptro da Correcção – o Gnomonismo faz o que fazem todas as fés alternativas: atravessam o Atlântico e vão procurar a prosperidade no único Continente não-afundado onde tudo, ideologicamente falando, continua a ser possível.
O esforço de implantação do Gnomonismo na América não tem um início auspicioso – Sydney Hen acaba mesmo por fundar uma Ordem alternativa – mas acelera com a entrada em cena de Austin Popper, a melhor personagem do livro, e talvez o mais inspirado golpe criativo da carreira de Portis. Popper é uma raridade – um mitómano inveterado e um populista genuíno, cuja demagogia nasce da sua irrevogável ingenuidade. É ele quem providencia os melhores e mais absurdos esquemas para levar o Gnomonismo às massas (o melhor é talvez uma fracassada manobra publicitária para reunir Jimmerson com Roosevelt, que culmina num périplo surreal pelo jardim zoológico de Washington); e é ele quem arrasta Jimmerson para uma calamitosa campanha para Governador do estado do Indiana:

«Mr. Jimmerson became agitated. It was such an incredible business and yet he had to admit that he liked the idea of being governor. Why not? Governors had to come from somewhere and it was his impression that more of them were elected by default, grudgingly, as the best of a poor lot, than by any roar of general approval. Who was the current one? Biggs? Baggs? Boggs? Bugg? But were people ready for a scholar? He thought not. They certainly weren’t ready for Gnomonism. But then it was not as though you had to meet some absolute standard of fitness; you just had to get a few more votes than the fellows who happened to be running against you at the time, each one defective in his own way. The country had been off the gold standard for years. You wouldn’t be running against George Washington, but only Baggs or Bugg. The swearing-in – that would be a grand moment. One hand on the Bible, the other raised, Fanny at his side. A solemn moment. Altogether a serious undertaking. Would he be a wise and serious ruler?»

Este soberbo monólogo interior demonstra o percurso mental típico de quase todas as criaturas que povoam o livro: do cepticismo ao entusiasmo em meia-dúzia de linhas.
Pode ser tentador ver em tudo isto uma sátira ao processo político americano, mas Portis não é esse tipo de escritor. O impulso satírico é sempre didáctico, e a sua fórmula cómica essencialmente estática e situacional: olhem para aqui e vejam como isto é ridículo; agora olhem para ali e vejam como aquilo é ridículo. Portis não é um artista de visão correctiva, mas de observação detalhada, e as suas criações não são os “tipos” do escritor-pedagogo nem os “grotescos” dos sulistas americanos, mas sim os excêntricos, reféns de uma sociedade que recusa aceitar a sua grandeza. Masters of Atlantis é, ao nível mais básico, uma espectacular coleccção de miniaturas humanas, animada pelo talento ventríloquo de Portis e pela sua capacidade para a empatia.
E se a montagem artificial do cânone Gnomonista, bem como a interminável sucessão de cismas e alianças dentro da Sociedade, parecem representar uma alegoria fácil sobre a forma como o conhecimento religioso vai sendo consolidado e institucionalizado, convém que o leitor ceda à tentação de adoptar a paranóica destreza hermenêutica dos personagens. Portis cancela quaisquer paralelos possíveis, deixando bem claro que os Gnómicos vão existindo fora do mundo, navegando à ilharga do século americano na jangada da sua insanável credulidade. Num certo sentido, quase todos os protagonistas de Masters of Atlantis são niilistas falhados (os iniciados Gnómicos são aconselhados a evitar transacções com os quatro Pês: «politicians, the press, the police and the Pope»). Com as categorias de percepção deformadas pela sua aversão congénita à matriz oficial da História, aprendem a respeitar apenas um passado irrecuperável, a desconfiar do presente e a cambalear cegamente na direcção do futuro. A sede genuína de conhecimento é saciada no escuro, onde os voluntariamente excluídos vão tacteando em busca de sistematizações próprias e de uma forma muito peculiar de comunhão. Não querendo acreditar em nada, acabam por acreditar em tudo.
Portis é particularmente bom a condensar o potencial cómico do autodidacta: a informação semi-digerida, os ziguezagues epistemológicos, as especulações anárquicas_

«Golescu became louder and more assertive, revealing himself as an independent thinker. Charles Darwin, he said, had bungled his research and gotten everything wrong. Organisms were changing, it was true enough, but instead of becoming more complex and, as it were, ascending, they were steadily degenerating into lower and lower forms, ultimately back to mud. In support of this he cited the poetic testimony of Hesiod, and gave the example of savages with complex languages, a vestige of better days. He had dubbed the process ‘bio-entropy’ and said it could clearly be seen at work in everyday life. One’s father was invariably a better man than one’s self, and one’s grandfather better still. And what a falling off there had been since the Golden Days of Mu, when man was indeed a noble creature.»

A ascensão e declínio da Sociedade Gnómica é contada em menos de 250 páginas. Na derradeira – e fabulosa – secção do livro, uma reunião é orquestrada entre as facções dissidentes (num “trailer park” texano, naturalmente). O Grande Templo de granito e mármore, palco dos escassos dias de glória do Gnomonismo, desabou num apocalipse financeiro de proporções Atlantes, e o novo Templo é agora o Cape Codder, uma caravana topo-de-gama com «cathedral roof and shingles of incorruptible polystyrene».
Actores falhados, imigrantes ilegais, e os dois Mestres, Jimmerson e Sydney Hen (finalmente reconciliados, e passando os dias em silenciosa ponderação à beira do golfo do México) participam num festivo jantar de Natal, onde se trocam votos optimistas e hipóteses de regeneração. As Correntes Telúricas são fortes. Um dos personagens propõe um brinde, afirmando muito correctamente: «This is the best party I’ve ever been to!».
Comprem isto, pela vossa saúde.

(Foi só à procura do link na Amazon que descobri mais um membro do restrito círculo de fãs de Charles Portis: Stephen Malkmus, o gajo dos Pavement. Precisam de mais recomendações?)

Sobre a "teoria de tudo"

Convém esclarecer, como fiz nos comentários no Destreza das dúvidas: o autor do artigo que referi aqui (Garrett Lisi) tem um doutoramento e não é parvo nenhum. Nunca disse o contrário. O que me leva a referir o currículo (pouco ortodoxo) dele é para justificar o frenesim mediático que à volta dele se gerou. Só isso justifica o tal frenesim e não a sua “teoria”. O seu currículo, de facto, não conta para nada para avaliar a sua teoria. Mas para isso demos tempo ao tempo.
Para verem uma amostra do sentido de humor dos físicos de cordas, transcrevo o resumo do artigo-paródia "Theory of More Than Everything", cujos autores são acrónimos de quatro conhecidos físicos, um deles o meu orientador (o verdadeiro autor é este):
We derive a theory which, after spontaneous, dynamical, and ad hoc symmetry breaking, and after elimination of all fields except a set of zero measure, produces 10-dimensional superstring theory. Since the latter is a theory of only everything, our theory describes much more than everything, and includes also anything, something, and nothing.

Wednesday, January 23, 2008

Capital



Entre 1965 e 1967 fui professor do ensino secundário, numa "Escola Comercial", e tive como manual de Economia Política o livro oficial retratado mais acima. Continha um exemplo bastante original, para não dizer pior, do conceito "capital". Nunca mais o esqueci. Há dias fui dar com ele durante umas arrumações.




Como tinha aderido ao marxismo há pouco tempo fiquei estarrecido. Eu na altura estava até mais inclinado a pensar no polícia como uma força repressiva do Capital.

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A única coisa que me caiu do céu na vida

Os volumes 4, 6, 7 e 10 desta colecção, como expliquei no texto abaixo.









Tuesday, January 22, 2008

Lev Davidovitch Landau (1908-1968)


Nasceu há cem anos o maior cientista da extinta União Soviética e um dos maiores físicos do século XX. As suas contribuições são valiosíssimas, nomeadamente a teoria do hélio líquido e a superfluidez (que lhe valeram o prémio Nobel de Física em 1962), as transições de fase, mas também em praticamente todos os outros domínios da física teórica.
Para além do Landau cientista, merece reconhecimento o Landau formador. Em conjunto com o seu discípulo Evgueni Lifshitz escreveu o famoso Curso de Física Teórica, que ajudou e ajuda na formação de gerações de físicos (as actualizações após a sua morte foram sendo feitas por outros discípulos: V. Bérestetski e, principalmente, L. Pitayevski). Há outros “cursos sobre tudo”, como o de Arnold Sommerfeld (também muito bom, mas com mais de um século) e as famosas The Feynman Lectures on Physics, muito mais elementares e com um espírito completamente diferente. O Curso de Física Teórica de Landau e Lifshitz representava o mínimo que teria que saber alguém que aspirasse a trabalhar no grupo de Landau. Ainda hoje muitos dos tópicos lá explicados só se estudam ao nível de doutoramento! Exceptuando talvez o volume 4, de Electrodinâmica Quântica (que mal foi escrito por Landau), que hoje, sem estar errado (de todo), não representa a abordagem mais moderna ao assunto (podendo-se considerar ultrapassado por textos mais modernos de Teoria Quântica de Campo), o tempo não passa pelos outros volumes, que ainda hoje são referência utilíssima para qualquer físico teórico. Os volumes 1 (Mecânica Clássica) e 3 (Mecânica Quântica) são absolutamente indispensáveis, se não mesmo os melhores livros para um estudante de física aprender estes assuntos.
Quando entrei para o Instituto Superior Técnico ainda se encontravam nas livrarias os três primeiros volumes do curso, traduzidos para português e editados pela Editora Mir, de Moscovo. A União Soviética acabara há um ano, e pouco depois acabaria a Mir. Com os cérebros a escaparem todos, não houve tempo para acabar a tradução do curso para português. Havia ainda assim alguns dos volumes seguintes (o 5, o primeiro de Física Estatística, e o 8, Electrodinâmica dos Meios Contínuos) nas livrarias, nomeadamente na loja da antiga Central Distribuidora Livreira (que distribuía também as Edições Avante!), em Lisboa, na Avenida Santos Dumont. Comprei-os, e desde então o meu principal objectivo na vida passou a ser comprar todos os outros volumes, em francês, na edição da Mir. Tinha a esperança de que pudessem existir, à minha espera, esquecidos nalguma livraria. Cada vez que eu ia a uma cidade diferente, ia às principais livrarias à procura do Landau. A única vez que entrei na bela Lello na vida foi... à procura do Landau. E assim corri outras livrarias mais académicas de Portugal.
A salvação poderia vir do estrangeiro. Um grupo de amigos foi à Rússia, a São Petersburgo. Pedi-lhes para me arranjarem o que pudessem do Landau. A única coisa que me conseguiram foi um exemplar, que eu conservo com carinho, da Electrodinâmica dos Meios Contínuos... em russo! Dá para entender as fórmulas – a linguagem matemática é universal!
Dado que os livros eram em francês (as minhas grandes motivações para saber francês eram poder ouvir o Jacques Brel e ler os livros do Landau), experimentei a hoje extinta livraria do Instituto Franco-Português em Lisboa. Sem sucesso. Mas ao menos consegui a morada de uma livraria distribuidora em Paris (o equivalente à CDL portuguesa) que os poderia ter. Não sabia nada de Paris, e ignorava completamente o que fosse um arrondissement, mas guardei essa morada. Assim que soube que um outro colega ia a Paris, pedi-lhe que fosse à tal livraria procurar os “Landaus”. Sem sucesso mais uma vez.
Depois de uma procura tão demorada (cerca de dois anos), sempre sem encontrar a mínima pista dos livros que eu tanto desejava, eles “caíram-me ao colo”, vindos do céu (ou não sei de onde). Um dia muito tranquilo, vinha eu a passar à frente do Pavilhão Central do Técnico, e estava lá um vendedor ambulante com uma carrinha cheia de caixotes de livros da Mir, que expunha numa bancada improvisada. Entre os livros expostos estavam os “meus Landaus”; escusado será dizer que comprei os que me faltavam imediatamente. O vendedor era um ex-estudante da ex-União Soviética que andava a dar a volta às faculdades de ciências e engenharia do sul da Europa, a vender o stock que restava dos livros da Mir em francês, espanhol e português. Ainda hoje estou para perceber como é que aquilo sucedeu. Foi um autêntico milagre. Por ter conseguido o objectivo que tanto queria, esse dia de Janeiro de 1996 em que o mascate (não faço ideia de qual era a sua nacionalidade) apareceu no Técnico foi sem dúvida um dos mais felizes da minha vida.
Os livros da Mir eram excelentes e baratíssimos; para além disso, tinham sido fabricados na extinta União Soviética. O papel onde eram impressos era soviético; o pó que largavam, acumulado nos caixotes onde estiveram arrumados e esquecidos sabe-se lá por quantos anos, era soviético; a encadernação, excelente, era soviética; a contracapa, com um resumo do livro e das biografias dos autores, era soviética. No caso do curso de Física Teórica de Landau e Lifshitz, não faltava uma referência ao Prémio Lenine, atribuído àquele mesmo curso em 1962.
Quando comecei o meu doutoramento, nos EUA, tive de levar comigo alguns volumes do curso, que nunca tinha estudado durante a licenciatura, e escolhi cadeiras (nomeadamente de física estatística e física da matéria condensada) que me permitiam estudar o seu conteúdo. Tinha – e tenho – a opinião que um físico teórico deve, se não dominar perfeitamente, pelo menos ter tomado um contacto sério, ao nível de investigação, com todos os volumes do curso. Levei assim alguns dos meus “Landaus”, em francês e português, para espalhar e difundir por Nova Iorque o cheiro do seu pó soviético (não deveriam faltar certos candidatos a Dr. Estranhoamor que levariam a sério isto que eu estou a dizer como uma ameaça de conspiração qualquer). Qual não foi a minha surpresa ao verificar que em muitas das cadeiras de doutoramento os volumes correspondentes do Curso de Física Teórica de Landau e Lifshitz, o melhor que se tinha feito em física na extinta União Soviética, eram os livros de texto recomendados. A vantagem das universidades americanas, e no fundo a vantagem dos EUA enquanto país, resulta daqui: saber sempre reconhecer o que é bom. Os dez volumes do “Curso de Física Teórica”, aliás, “Course of Theoretical Physics”, existiam em várias cópias em várias bibliotecas de diferentes departamentos da Universidade, e podiam comprar-se em qualquer livraria como a Amazon ou Barnes and Noble. Publicados em inglês por uma editora capitalista. Quatro ou cinco vezes mais caros. E sem nenhuma referência ao Prémio Lenine.

Everybody loves Marion

Quero deixar bem claro que não tenho rigorosamente nada contra o facto de um Oscar™ ter sido atribuído a John Wayne, tal como não teria rigorosamente nada contra se um Wayne™ tivesse um dia sido atribuído a Óscar de Lemos. A importância que eu dou aos Oscares™ (e até ao Óscar de Lemos) é consideravelmente menor do que a importância que dou a John Wayne, e a importância que dou a ambos é consideravelmente menor do que a importância que dou ao aumento dos preços de certos bens essenciais, como a maionese. Ainda assim, bastar-lhe-ia ter feito o The Searchers ou ter recusado o Dirty Harry para garantir a minha eterna, se bem que tranquila, admiração. E mesmo se não fosse isso, um homem que interpretou aproximadamente cento e cinquenta vezes o difícil papel de John Wayne™ mereceria sempre todo o meu respeito. (Desconfio que não se nota, mas estou a falar a sério).
Quando muito, quando muito, quando muito, poder-se-à ter notado alguma irritação mal-direccionada pelo facto de o True Grit, que, no original, era a história de Mattie, ter sido transformada na história de John Wayne. Mas acho que nem isso se notou, sinceramente, dada a minha inexcedível capacidade para a ofuscação. Por exemplo, vejam este gatinho:

Era uma vez uma fábrica (2)

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Onde está agora este buraco existia, em tempos, uma fábrica com uma história.
Em abril de 2007 referi-me a este assunto AQUI.

Agora já não resta nada. Se quer ver uma reportagem que fiz em 12 de Fevereiro 2007, que documenta o que então existia, clique AQUI.

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Monday, January 21, 2008

String theory is alive and kicking

Caro Luís, vais ter que esperar pelo próximo volume da Gazeta de Física... Entretanto, fica com alguns comentários já disponíveis na blogosfera: Sean Carroll, Lubos Motl e o melhor, Jacques Distler. Mas desde já te adianto que fazer capas como a da última Science et Vie (“Enfim uma teoria de tudo”) é totalmente irresponsável. A pressão mediática sobre a teoria das supercordas tornou-se enorme desde que ela foi anunciada (também irresponsavelmente) como a "teoria final", e os jornalistas adoram tudo o que a possa pôr em causa, mesmo que não tenha o menor fundamento. E principalmente se o autor for um surfista fora do meio académico (e com dois artigos publicados na vida). É notícia, compreendo. Vamos ver se fica na história. Por agora a atenção é muito mais por parte dos media do que dos cientistas.

Entrevistas de Luís Pacheco

A última entrevista de Luís Pacheco, dada ao Sol, a que cheguei via Glória Fácil. A não perder. Numa altura em que aparecem supostos biógrafos "oficiais" do desaparecido escritor e editor, vale a pena ler a opinião de Pacheco sobre os seus supostos "biógrafos".
Algumas passagens da referida entrevista a Anabela Mota Ribeiro, no DNa, transcritas pelo (quem mais?) José Mário Silva.

Este livro está disponível na Fnac do Chiado (alguém deve ter cometido um erro) e vocês estão aí sentados a ler blogues


Charles Portis, para circunscrevermos as coisas, é o melhor escritor americano de que muitos de vocês nunca ouviram falar, situação que está prestes a ser corrigida. Aqueles para quem o nome é familiar devem provavelmente conhecer o segundo romance do senhor: um western atípico chamado True Grit, cuja publicação despoletou uma reacção em cadeia que viria a culminar na entrega de um Oscar™ a John Wayne, mas acho que não devemos culpar Portis por isso. Mais tarde (ele é da escola um-livro-de-nove-em-nove-anos) viriam The Dog of the South e Masters of Atlantis, duas das coisas mais cómicas que li nesta minha vida longa e repleta de excitação. Quase toda a bibliografia de Portis esteve inexplicavelmente esgotada durante a década de 90, até que uma pequena editora americana chamada Overlook reequilibrou o Cosmos, começando a lançar novas edições em 2000. A decisão foi, em parte, uma resposta ao apelo público de um dos mais vocais adeptos de Portis, o jornalista Ron Rosenbaum, que escreveu um texto sobre ele para a Esquire, através do qual eu próprio cheguei a Portis, e que, curiosamente, é a mesma pessoa que escreveu o texto linkado em simultâneo na Causa e no Dias Felizes, porque isto anda tudo ligado. Admitam lá: ficaram todos arrepiados, agora.

O Denis Dutton anda a encolher o mundo

Um momento blogosférico que poucos terão adivinhado: o Dias Felizes e o maradona fizeram um post praticamente igual.

A César o que é de César

Li algures que Akbar, Imperador Moghul do século XVI, disse qualquer coisa como: "As religiões estão todas erradas mas devem ser respeitadas" (cito de memória).
Concordo absolutamente. Akbar tinha nesta questão motivações que eu não tenho pois entre os seus súbditos contavam-se hindus e muçulmanos que lhe competia governar em harmonia.
Em desespero de causa tentou criar uma nova igreja, Ibadat Khana, respigando peças de cada uma das outras, mas os crentes nunca foram numerosos pois eram apenas os seus cortesãos mais próximos.
Convenhamos que a fé, qualquer que ela seja, ao introduzir entidades ou verdades indiscutíveis, acima e para além das regras da convivência civil, assume o carácter de ameaça à sociedade humana. Esse tipo de lógica só funciona quando há unanimidade o que, na sociedade humana, é anti-natural.
Todos sabemos que, por vezes, os crentes podem passar por longos períodos de tolerância para com os "gentios" mas, lá bem no fundo, a predisposição para a exclusão continua a existir e pode sempre reacender-se.
Nos últimos tempos tem havido uma certa agitação mediática acerca de quem persegue quem, se são os cristãos se são os ateus. Também se discute muito a tolerância da Europa para com as crenças intolerantes.
Entendo que se pode perfeitamente respeitar as crenças dos nossos concidadãos sem nunca omitir que as religiões são fontes de equívocos e de violências. Fingir que se considera o fenómeno religioso uma coisa positiva e desejável seria ceder ao oportunismo para evitar ser acusado, injustamente, de intolerância religiosa.
Do que ficou dito tem que resultar a subordinação das religiões, enquanto viverem no seio da sociedade, às regras de convivência que a sociedade tiver por estabelecidas.

Saturday, January 19, 2008

O rei das cenouras interiores




(Neutral Milk Hotel, «The King of Carrot Flowers, Pts. 2 & 3)

Foram dias difíceis, mas, graças a mirabolantes doses de sangue-frio e a um intrincado sistema de superstições (que envolveu peúgas desirmanadas, um babete que me acompanha desde o Colégio São Miguel Arcanjo, e um ícone de Nossa Senhora de Fátima que já não me lembro onde roubei), lá consegui reunir as condições necessárias para voltar a usar este espaço. Espero que os mais cínicos entre vós não venham com argumentos aborrecidamente literais para questionar o inquestionável: o meu mérito pessoal em tudo isto. Parece-me evidente que o Sporting não tem, nesta altura, o plantel necessário para golear um clube que joga apenas três escalões abaixo do seu sem a minha colaboração activa.
Registei também a preocupação (ou "preocupação") do Bruno e a homenagem (no fundo a "homenagem") do Francisco José Viegas, dois adeptos de futebol emocionalmente equilibrados, e cuja ideia de um mau momento desportivo é ganhar títulos com apenas 10 pontos de avanço. Deve ser fácil mostrar jocosidade e munificência quando se anda há tantos anos a fazer safaris nas crises espirituais de terceiros. Mas não guardo rancores; e aprendi valiosas lições esta semana, algo que, de resto, vou demonstrar já no parágrafo seguinte.
Se o Sporting não ganhar ao Porto comprometo-me a ler na íntegra aquele livro do José Rodrigues dos Santos sobre filatelia, e a postar aqui um exaustivo relatório no prazo máximo de sete dias úteis após o apito final. Eu sou assim, miúdas, vivo no limite.

Friday, January 18, 2008

As palavras dúbias de um comentador de direita


Publicou Pacheco Pereira (PP), no Sábado passado, mais uma das suas crónicas (Os velhos do Restelo contra a West Coast of Europe) que escreve regularmente para o Público. Depois da sua leitura, percebe-se que ele se dirige genericamente aos apoiantes de Sócrates e de Luís Filipe de Menezes, ao centrão, que criticam os Velhos do Restelo, que seria formado por ele próprio, Vasco Pulido Valente (VPV) e António Barreto (AB). Este grupo caracterizar-se-ia por não se conformar com o Portugal expresso pelos cartazes com que o Governo entendeu fazer propaganda ao nosso país, localizando-o na Costa Oeste da Europa, fugindo, provavelmente com medo dos camelos e dos atentados, a situá-lo ao Sul. Deste modo, PP e consortes consideram-se os Velhos do Restelo em luta contra os situacionistas do regime.

Partindo desta ideia simples, que no seu conjunto é um disparate, mas que se coaduna com aquilo que PP gostava que pensassem de si, começa a disparar em todas as direcções, atribuindo-se, e provavelmente aos outros, a participação em batalhas em que a maioria dos novos comentadores não participaram.

Assim, fala de um tempo em que a luta contra os comunistas era conduzida por poucos e em que “o arranque da historiografia e da sociologia para fora das baias do antifascismo e do jacobinismo se lhes deva em parte (VPV e AB, digo eu), quando a academia permanecia gloriosamente dominada pelo PCP e pelos esquerdistas”. PP aparece assim como um herói avant-la-lettre, coisa em que o comum yuppie (a expressão é dele) dos nossos dias não tem pergaminhos.

Para um sexagenário como eu, da mesma geração que a dos Velhos do Restelo, esta referência aos novatos, à gente sem espessura, nem história, nem formação é sempre agradável de ouvir. Pode-se dizer que li um pouco embevecido algumas das críticas que lhes eram dirigidas.

Mas eis que um jovem de outra geração, Rui Tavares, numa crónica que escreveu igualmente para o jornal Público, se sente atingido pelas afirmações de PP e acutilantemente lhe responde, garantindo que este, “como opinador independente e corajoso que é,... não consegue citar um nome, responder a uma opinião, refutar um argumento. O seu confronto faz-se fantasmagoricamente, contra categorias vagas de gente — os “modernizadores”, os “pensadores-engraçadistas”, os “inocentes úteis” — em estilo críptico de treinador de futebol”.

Tal como afirmei no princípio, se a crónica tem destinatários gerais, não consegue particularizar nenhum dos seus adversários, ficando de forma enviesada pela generalidade dos comentadores.


Mas o que diz Pacheco Pereira: “Não adianta sequer dizer à ignorância impante que, com excepção de meia dúzia de conservadores, poucos, aliás, a "luta final" que terminou em 1989 com a queda do Muro de Berlim, como escreveu Silone, foi mais entre comunistas e ex-comunistas. Os grandes textos simbólicos contra o comunismo, O Retorno da URSS, O Zero e o Infinito, o 1984 e O Triunfo dos Porcos, vieram de homens como Gide, Koestler e Orwell. Nos momentos mais duros da guerra fria, os ex-comunistas e os liberais mais radicais com quem se aliaram foram os únicos a travar o combate intelectual contra a hegemonia intelectual comunista. Revistas como o Encounter ficaram como exemplo dessa aliança em tempos bem mais difíceis do que os de hoje. E que, nos momentos decisivos do fim do império soviético, quando o expansionismo soviético conheceu o seu espasmo agressivo entre o Afeganistão e Angola, só ex-comunistas, como Mário Soares, e ex-maoistas lutaram contra a URSS, a favor de dissidentes soviéticos como Sakharov, em Portugal, em França com os "novos filósofos", mesmo nos EUA, onde muitos neocons vinham da esquerda radical americana.”

Transcrevi longamente esta pérola de PP para mostrar como este historiador se auto-valoriza e incensa todos aqueles que, como ele, vieram do maoismo e do marxismo-leninismo (M-L).

Começa PP por atacar os tais “ignorantes impantes” que não sabemos quem são. Pode até coincidir com a minha apreciação, que sempre tive a pior das opiniões de alguns dos intelectuais orgânicos do actual situacionismo, mas ao qual não são alheios PP, VPV e AB.

Depois, socorre-se de Silone para afirmar que a “luta final” seria entre comunistas e ex-comunistas, porque os conservadores seriam muito poucos. Desconheço estas afirmações de Silone, mas elas nunca se poderiam referir ao fim da União Soviética, porque este escritor morreu antes de ter a “felicidade” de assistir a tal fim.

A seguir altera francamente a história do século XX e da luta contra o comunismo. Porque ao citar Gide, começa por localizar o seu início entre as duas Guerras, o que é justo. Ora é preciso ter desplante para esquecer a ofensiva fascista, e não só, contra os comunistas. A “luta final” para alguns, e não foram poucos, foi de facto a sua encarceração na prisão e em campos de concentração e a política levada a efeito por um conjunto de intelectuais, muitos hoje esquecidos, que contribuíram de forma decisiva para a prevalência daquela ideologia e do combate anticomunista. Hoje é prática corrente dos anticomunistas hodiernos tentar provar que se havia uma ditadura fascista havia igualmente uma ditadura ideológica comunista, como o seu confrade Rui Ramos vem regularmente afirmando (ver aqui).

Quanto ao pós-guerra resume a luta anticomunista a uma aliança entre os intelectuais ex-comunistas e uns poucos ultraliberais. Ou seja, tenta generalizar a situação de França a todo o campo “ocidental”. Naquele país, que não é mencionado, a maioria dos intelectuais conservadores bandearam-se com o colaboracionista Pétain e mesmo com o nazismo, e por isso havia uma prevalência das ideologias de esquerda. O que não sucedeu por exemplo nos EUA, onde a sinistra Comissão das Actividades Anti-Americanas, com a sua caça às bruxas, levou à prisão ou forçou à emigração alguns dos mais importantes cineastas e argumentistas de Hollywood, com a acusação de serem comunistas. Depois, para sua desgraça cita a revista Encounter, que hoje se sabe que foi financiada pela CIA, tal como o Congresso para a Liberdade da Cultura, que de facto apostou em alguns ex-comunistas, e não só, como força de choque para a luta contra os comunistas (ver a obra – “Qui Mène la Danse? La CIA et la Guerre Froid Culturelle”, de Frances Stonor Saunders, da Denoel, 2003).

E para provar as suas afirmações mistura três intelectuais de diferentes níveis e formações. André Gide, um grande escritor, que no auge da ascensão do fascismo colaborou momentaneamente com os comunistas, mas que depois de uma visita à URSS (“Retour de l’URSS” - 1936), num ano tão terrível como o dos primeiros processos de Moscovo, se desiludiu com a mesma. No entanto, nunca passeou pelos corredores do poder a sua profissão de fé anti-comunista.

Arthur Koestler que de militante comunista passou, com a sua mais famosa obra “O Zero e O Infinito” (1941) (há uma primeira tradução portuguesa de Domingos Mascarenhas, um jornalista ligado ao cinema e à direita, de 1947, da Livraria Tavares Martins – Porto) a activista anticomunista e a um dos principais suportes do já referido Congresso para a Liberdade da Cultura. A parte final da sua obra é dedicada à ciência e à parapsicologia, deixando em testamento dinheiro para se fundar uma cátedra desta última “ciência”.

Quanto a George Orwell, bem conhecido e incensado, é involuntariamente, porque morreu em 1950, um dos principais expoentes da ofensiva anticomunista do pós-25 de Abril em Portugal – Júlio Isidro dedicou-lhe na televisão pública uma tarde de Sábado no ano referente ao seu mais célebre livro, 1984. Sabe-se hoje que escreveu listas com os nomes de intelectuais com possíveis afinidades comunistas e as entregou ao Governo Britânico.

Continuando na senda do seu auto-elogio, fala em que só um ex-comunista como Mário Soares – há quantos anos ele tinha pertencido ao PCP? - e ex-maoistas empreenderam a defesa de Sakarov e lutaram contra a URSS. Aqui esquece como os maoistas há muito já tinham classificado a URSS e os partidos que a apoiavam como social-fascistas e como o seu camarada de partido Durão Barroso se passou gloriosamente da luta contra os sociais-fascistas para a luta contra os comunistas. Ou então, quando ele e Mário Soares apoiavam, em nome provavelmente da solidariedade atlantista, um bando de assassinos chefiados por Jonas Savimbi, e esqueciam, como foi provado recentemente, o massacre perpetrado em Angola contra comunistas (Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunen e mais 30 mil companheiros).

É preciso ter uma grande ousadia para transformar em heróis um conjunto de personalidades de diferentes origens e percursos (ex-maoistas, como ele, “novos filósofos” franceses ou neoconservadores americanos) que se prestaram a defender a ideologia dominante e a usufruírem gloriosamente das cadeiras da fama e do poder.

Por tudo isto, sendo sempre agradável ouvir dizer mal dos yuppies dos nossos dias, considero que Rui Tavares tem toda a razão para criticar PP, esse “glorioso” lutador do anti-comunismo.


Texto publicado incialmente no blog Trix-Nitrix

Luís Pacheco - alguns textos


Encontrei no Diário de Notícias de 7 de Janeiro alguns extractos da referida entrevista a Anabela Mota Ribeiro, que a seguir transcrevo Mais textos podem ser vistos aqui e no auto-falante.
[Sobre por que se filiou no PCP] Agora que estou no fim, quero é que me arranjem onde cair morto... Sabe, eu gosto muito daquela bandeira e os gajos prometeram que me levam o caixão com a bandeira! Tenho uma militância contemplativa! Fui para ali como para um porto de abrigo.

Nunca fui um tipo muito sexuado. Desde o dia 31 de Dezembro de 1974 que não dou uma...

Ninguém vai chorar por mim, para que é que haviam de chorar? Um homem chora não é? Com toda a franqueza eu ainda fico chocado, magoado, mas chorar não me é muito fácil. As pessoas têm pena quando alguém morre? Por que é que se deve ter pena de uma pessoa que está aqui, que não fala, que não sae onde está, que se borra e mija e que já não dá por isso? Isso é que me faz impressão. Eu, por enquanto, ainda não cheiro a mijo. Mas arriscar-me a sair daqui?

Young Global Leaders



Jovens de menos de 40 anos, seleccionados em todo o mundo pelas provas dadas na liderança de actividades importantes para as suas sociedades,fizeram um exercício de prospectiva, "The 2030 Initiative".
A experiência, desenvolvida sob a égide do Forum Económico Mundial, vale o que vale mas eu nestes casos não resisto à curiosidade.
Pelo menos permite perceber o que vai naquelas cabecinhas ou o que pensam que devem fingir que vai.Veja os resultados a que chegaram clicando na imagem acima.

Thursday, January 17, 2008

Afinal era enxofre










Mais um episódio grotesco.
A empregada da limpeza encontra um frasco rachado no frigorífico da Faculdade de Farmácia. Não está com meias medidas, como cheira mal toca a lançá-lo para a rua no primeiro sítio que lhe apareceu.
A gestão dos reagentes e outros produtos químicos da Faculdade parece portanto, a julgar por este exemplo, estar a saque.
Depois, perante o mau cheiro que se espalhou, à porta da Faculdade de Farmácia circularam as mais fantasiosas hipóteses, chamou-se os bombeiros, acorreu a judiciária.
Ninguém se lembrou de pedir aos catedráticos da Faculdade de Farmácia que procedessem à identificação do produto ? Ninguém pensou que poderiam estar, aquelas instituições todas, a fazer uma figura triste ?

Luís Pacheco (1925-2008)

Andei este tempo todo à procura da entrevista de Pacheco a Anabela Mota Ribeiro, no DNa de há uns anos. Não a encontrei e, se não está aqui, é porque não está na web. Recomendo vivamente as outras entrevistas e depoimentos lá disponíveis. Luís Pacheco, o grande provocador, era o tal que aderiu ao PCP para, um dia quando morresse, ter uma bandeira do partido a cobrir o seu caixão no funeral. Foi feita a sua vontade.

Wednesday, January 16, 2008

É o que dá ver Braga por um canudo

Era de esperar – e é compreensível, ainda mais tratando-se de futebol – um certo sentimento de desforra por parte dos adeptos do Gil Vicente, tendo em conta a forma como a equipa de Barcelos desceu de divisão em 2006, depois de no campeonato tertido mais pontos que o Belenenses. Também não surpreende que a principal aglutinação de minhotos em toda a blogosfera tome posição contra o Belenenses neste caso. O autor, Pedro Morgado, só vê o Minho à frente, e fará tudo o que puder pelo Minho e só pelo Minho. O que eu não esperava – e sinceramente me surpreende pela negativa – é que o autor desse largas ao seu populismo e transformasse este caso em mais uma (suposta, na cabeça dele) guerra da “província” contra “Lisboa”, que como sempre tem as costas muito largas. A agressão demonstra o suposto “provincianismo” dos adeptos do Belenenses (vejam bem o que ele vai buscar!).
Demos de barato que Belém é quase um “enclave” do concelho de Lisboa em Oeiras; de certas zonas da cidade é mais rápido e fácil chegar a Sintra que a Belém, e os moradores de Belém, quando vêm ao centro da cidade, dizem que vão a “Lisboa”. Mas é claro que Belém é Lisboa, e a questão não é essa.
A ver se a gente se entende: há uns meses atrás eu afirmei que quem pratica a praxe académica é provinciano, e que todas as pessoas que eu conhecia e que praticavam a praxe eram de fora de Lisboa (por muito que isso custe ao Pedro). Nada do que eu escrevi permite concluir que todas as pessoas de fora de Lisboa apoiam a praxe, e muito menos que são provincianas! Não é isso que eu penso e tal seria um grande disparate. Mas pelos vistos, para o Pedro, o comportamento vândalo de alguns adeptos do Belenenses demonstra o “provincianismo (!)” de Lisboa! Como se o guarda Abel fosse representativo de todos os adeptos do FC Porto... A questão é que o populismo regionalista do Pedro Morgado fá-lo tomar sempre a parte (pequena) pelo todo. Já tínhamos percebido. O que era escusado era mais esta demonstração cabal de rancor antilisboeta.

O (auto-denominado) "muito competente"

Deste senhor recordo uma entrevista, quando era director de futebol do Sporting, no final da década de 90, na desorientação que antecedeu a entrada de Augusto Inácio e Luís Duque, em que se auto-denominava “muito competente”. Assim, à Mourinho. Numa altura em que este ainda era adjunto no Barcelona. Só que Mourinho teria muitos títulos a atestarem a sua competência. Este senhor não tem nem um para a amostra.
Refiro-me a Carlos Janela, entretanto director de futebol do Belenenses afastado ontem. Não sei de todo se o Belenenses tem razão no seu despedimento; sei que a sua “competência” já era discutível e que, se o Belenenses tiver razão, fica extremamente difícil de demonstrar.

Precariedades

Em tempos, quando ainda me conseguia escandalizar com os desperdícios do consumismo, pensei num estratagema para castigar os consumidores irreflectidos.

Os aparelhos, quando não fossem usados suficientemente, deixariam de funcionar; a máquina fotográfica imponente que só dispara no Natal, o bólide que só anda duas vezes por ano e a estereofonia que a televisão nunca deixa ouvir parariam simplesmente de funcionar.
Para os reactivar o proprietário teria que pagar uma taxa que revertia para um fundo qualquer com fins altruistas. A coisa não pegou.

A ópera/musical "Evil Machines", em cena no S. Luis, com libreto de Terry Jones e música de Luís Tinoco volta de certa forma ao mesmo tema mas mostra-nos o problema tal como ele é visto do lado das máquinas. Usadas e descartadas à mais pequena avaria. Vítimas da obsolescência programada.


Não é isso que acontece também com os homens ? De que se queixam então as máquinas ?
As máquinas revoltam-se e, na sua ingenuidade, chegam a planear a eliminação de toda a raça humana para se livrarem da opressão. Depois acabam por concluir que, sem as pessoas, as máquinas deixariam de fazer sentido. E acaba tudo em boa harmonia. Não sei se, no caso dos humanos, o problema será resolvido com a mesma facilidade.
Esta questão tem ressonâncias contraditórias para alguém que, como eu, teve as principais escolas no PCP e na IBM.


Tuesday, January 15, 2008

A lei do tabaco e o "liberalismo de pacotilha"

Não tenho escrito sobre a nova Lei do Tabaco. Sobre este assunto já aqui afirmei que me incomodam os fundamentalismos de ambos os lados. Mas desde que a lei entrou em vigor tem-se assistido a uma sucessão de dislates por parte dos seus oponentes. Em alguns os dislates são novidade e demonstram uma dependência aguda da nicotina (Miguel Sousa Tavares). Outros já andam a escrever rabugices há anos – há muitos anos que estão totalmente ultrapassados, não compreendendo os dias de hoje -, mas estranhamente parece que muita gente só agora reparou – é o caso de António Barreto.
O melhor artigo que li sobre esta questão foi publicado há uma semana no Público e é da autoria de Pedro Magalhães: Liberalismo de pacotilha. Há partes inteiramente dedicadas a Barreto e a Vasco Pulido Valente (que trabalham no mesmo instituto do autor, é preciso ver). Atentem nesta passagem:
Resta um terceiro argumento, o dos fatalistas. Estes até desejariam que os portugueses fossem mais ou menos civilizados e capazes de imaginar que as regras não são apenas para os outros. Contudo, julgam ser tal objectivo impossível, e muito menos por decreto. O que seria bom, afinal, era que fôssemos como os "anglo-saxónicos", que se regem por normas implícitas de comportamento e convivência e que partilham uma cultura cívica, em vez de estarem sujeitos a violentas e potencialmente ineficazes sanções legais. Mas suponho que estes fatalistas nunca terão tentado entrar com um carro no centro de Londres, estacioná-lo em segunda fila em Frankfurt ou deixá-lo parado em frente a um terminal em JFK "só um bocadinho que estou à espera de uma pessoa". Se o tivessem feito, teriam talvez ficado com dúvidas sobre aquilo que realmente causa o comportamento "civilizado": a cultura cívica, ou, pelo contrário, instituições, regras e um aparelho coercivo disposto a aplicá-las sem contemplações. Quem tenha vivido algum tempo nestas sociedades terá certamente verificado como pessoas de todas as culturas, "cívicas" ou não "cívicas", se civilizam com uma rapidez surpreendente.
É isso mesmo, caro Pedro Magalhães. Esta passagem é muito mais geral...

Monday, January 14, 2008

Sabedoria

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Querido filho, estás a cometer no Iraque o mesmo erro
que eu cometi com a tua mãe: não retirei a tempo...

(autor desconhecido)

Sunday, January 13, 2008

Uma bela folha para colher ainda verde ?









O partido nacionalista Kuomintang (KMT) venceu as eleições parlamentares em Taiwan por uma ampla margem de acordo com os resultados divulgados no sábado.
O partido, que é favorável ao estreitamento das relações com a China, conseguiu 81 (72%) dos lugares no Parlamento.
O partido do governo, Democrático Progressista (DPP), obteve apenas 27 lugares (24%).
Eu tinha tido, já em Abril de 2006, um pressentimento acerca desta evolução.

Não confundir os locais

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Não confundir a) com b)...
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Saturday, January 12, 2008

Ficções Estatísticas



Ao ler, recentemente, um texto de Eugénio Rosa sobre as pensões de reforma deparei com estes quadros que me provocaram uma sensação de incredulidade.

Como é possível que as pensões com valor inferior ao salário mínimo constituissem 85% dos casos ocorridos até 2005 ? Como podem 74% dos reformados no ano de 2005 ter pensões inferiores ao salário mínimo ? Só os muito pobres é que se reformam ? Tudo isto contraria o senso comum e a mera observação da sociedade em que vivemos.

Para obter uma pensão inferior aos 374,7 euros, que era o valor do salário mínimo em 2005, é preciso ter descontado sobre salários muito baixos, cuja ocorrência não afecta uma parte tão grande da população, ou então ter uma carreira contributiva muito curta.

Dei comigo a pensar em situações concretas que ajudassem a explicar este paradoxo:

- Empresários do comércio ou da indústria que, sendo embora proprietários das empresas de onde auferiam lucros, se declararam assalariados das mesmas (gerentes, directores, etc) com salários muito baixos. Em muitos casos aplicaram a mesma lógica ao conjuge que, na prática, era aquilo que se costuma designar por "doméstica".

- Tabalhadores por conta própria (artesãos, profissões liberais, prestadores de serviços, etc) que descontaram toda a vida como se ganhassem o salário mínimo independentemente do seu rendimento real.

- Imigrantes que descontaram apenas alguns anos em Portugal, tendo passado a maior parte das suas vidas a trabalhar no estrangeiro de onde recebem as suas verdadeiras pensões de reforma.

A lista não se pretende exaustiva mas, apesar disso, indicia algumas centenas de milhares de pensionistas que não são necessáriamente pobres e que, em muitos casos, passaram as suas vidas a "enganar" o sistema.

Deste tipo de estatísticas resulta uma percepção social do problema das pensões de reforma que corre o risco de estar distorcida. Eugénio Rosa afirma com base nos referidos quadros: "Portanto, pode-se com verdade afirmar que a esmagadora maioria dos pensionistas recebia pensões que os atiravam para uma situação de miséria".

Antes de fazer afirmações deste tipo conviria perceber quantos destes pensionistas que auferem menos do que um salário mínimo têm apenas esse rendimento e quantos vivem, realmente, dos rendimentos de bens (por exemplo imóveis) que acumularam ao longo da vida na medida em que se auto-dispensaram do sistema público.

Isto é especialmente importante quando se trata de desenhar políticas sociais pois o peso daqueles que não necessitam pode estar a inviabilizar medidas que muito beneficiariam os mais carenciados. Um bom exemplo deste inconveniente são precisamente as percentagens anuais de aumento das pensões de reforma.

Ao tratar todos estes pensionistas "por igual" está-se na prática a prejudicar aqueles que cumpriram as suas obrigações cívicas e são realmente pobres.

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