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Era uma vez um puto, de uma família modesta, que revelou uma habilidade excepcional para jogar à bola. Fizeram dele uma estrela mundial.
Certo dia o puto resolveu mudar de carreira e tornar-se actor de publicidade.
Apesar de estar nos outdoors e nas televisões do mundo inteiro todos continuaram a funcionar como se ele ainda fosse jogador de futebol.
O próprio seleccionador nacional continuava a convocá-lo e até o nomearam capitão da selecção.
Este equívoco tornou-se cada vez mais penoso já que ninguém explicou ao puto que jogar futebol é uma coisa diferente de fazer habilidades com bola para a publicidade.
A sua presença em campo pela selecção nacional tornou-se cada vez mais patética. Um clamoroso erro de casting.
Não é que faltassem câmaras para ele se exibir, pois no Campeonato do Mundo as câmaras abundam. Ele tinha era dificuldade em perceber que produto estava a anunciar.
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Wednesday, June 30, 2010
Tuesday, June 29, 2010
A boa notícia futebolística do dia
A dentição mais fotografada em Portugal ao longo dos últimos três anos vai sair para o Real Madrid. Não me importa muito se é bem vendido ou não: nunca percebi a obsessão generalizada à volta desta dentição, bem como nunca percebi a incapacidade do rapaz em manter a boca fechada.
Quanto à outra notícia futebolística do dia, não é nada de inesperado. Qualquer sportinguista sabe a capacidade do Prof. Carlos Queirós em arruinar estratégias e "partir" equipas com substituições incompreensíveis (para a seguir inventar desculpas esfarrapadas). Desta vez não foram 6 por causa do Eduardo, que em conjunto com o Hugo Almeida era quem menos merecia ser eliminado.
Le vénérable professeur Kuing Yamang
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O declínio da Europa, a que todos nós estamos a assistir, explicado pelo venerável professor Kuing Yamang.
Trata-se de uma paródia, construída sobre uma legendagem que nada tem a ver com as verdadeiras declarações do entrevistado.
Um bom desafio às nossas mentes, quer se trate de concordar ou de rejeitar as teses expostas.
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O declínio da Europa, a que todos nós estamos a assistir, explicado pelo venerável professor Kuing Yamang.
Trata-se de uma paródia, construída sobre uma legendagem que nada tem a ver com as verdadeiras declarações do entrevistado.
Um bom desafio às nossas mentes, quer se trate de concordar ou de rejeitar as teses expostas.
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Saturday, June 26, 2010
Sinais de esperança
Mesmo com as crises alimentar e económica, que provocou sérios danos no emprego, o mundo está a avançar na concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Mas esse progresso é lento e para que as metas sejam alcançadas até 2015 os países devem acentuar os seus esforços, indica um relatório das Nações Unidas.
O documento, divulgado esta semana, em vésperas das cimeiras do G8 e do G20, que reúnem as principais economias do planeta este fim-de-semana em Toronto, no Canadá, indica que a pobreza extrema diminuiu, o combate a doenças como o HIV/sida e a malária tem dado frutos, o acesso a água potável aumentou e há avanços na escolarização básica, designadamente em África.
Só que noutras áreas críticas, como a saúde materna, a mortalidade infantil e o acesso a saneamento básico, é preciso percorrer um longo caminho para manter a esperança de alcançar os ODM - fixados há dez anos com a intenção de lutar contra a pobreza extrema e reduzir as suas consequências em domínios como a fome, a saúde e a educação.
"A pobreza extrema caiu de 46 por cento em 1990 para 27 por cento, e deve baixar para 15 por cento em 2015, em grande parte devido aos avanços na China, Ásia do Sul e Sudeste da Ásia", referem as Nações Unidas. Os 15 por cento desejados significariam, ainda assim, que 920 milhões de pessoas estariam nessa altura a viver abaixo do limiar de pobreza fixado em 1,25 dólares por dia (à volta de um euro). Apesar da evolução, o relatório reconhece que a fome e a má nutrição estão a crescer em regiões como a Ásia do Sul e que persiste o fosso entre ricos e pobres e comunidades urbanas e rurais que torna o mundo desigual.
Público, 26.06.2010
No meio de todas as dúvidas e perplexidades do momento presente, em especial na Europa, é bom saber que a nível global há uma evolução positiva da humanidade. Talvez não devamos estar tão centrados só em nós mesmos e nos nossos problemas.
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Friday, June 25, 2010
A falta de sentido de Estado de Cavaco
A ausência de Cavaco Silva do funeral de José Saramago só vem confirmar a sua gritante falta de sentido de Estado. Cavaco é o chefe de Estado e José Saramago era só o português mais conhecido no mundo. Basta comparar a ausência de Cavaco com a presença do governo espanhol (que enviou a vice-presidente) e com as reações do líder da direita espanhola, Mariano Rajoy, com quem Saramago teve grandes polémicas e divergências, para se confirmar mais uma vez que o presidente português é um homem mesquinho e rancoroso, que não prestigia o país.
É verdade que, se Cavaco tivesse ido ao funeral, poderia haver quem o acusasse de oportunismo eleitoral. A origem de todo este problema está na atitude do governo de Cavaco perante Saramago, de que Cavaco nunca se retratou (e oportunidades nunca lhe faltaram). A grandeza de um homem também se vê na capacidade de reconhecer os seus erros. Também aqui a grandeza de Cavaco nunca se viu.
A ler: José Vítor Malheiros, citado pela Shyznogud.
É verdade que, se Cavaco tivesse ido ao funeral, poderia haver quem o acusasse de oportunismo eleitoral. A origem de todo este problema está na atitude do governo de Cavaco perante Saramago, de que Cavaco nunca se retratou (e oportunidades nunca lhe faltaram). A grandeza de um homem também se vê na capacidade de reconhecer os seus erros. Também aqui a grandeza de Cavaco nunca se viu.
A ler: José Vítor Malheiros, citado pela Shyznogud.
Trem-bala chinês avança pelo mundo
PEQUIM - O Ministério de Assuntos Ferroviários da China anunciou no início do mês o investimento de 700 bilhões de yuans (US$ 103 bilhões) na construção de novas redes ferroviárias de alta velocidade. O objetivo é dispor de 4.613 km adicionais. Ao todo, a China dispõe de 110.000 km de vias férreas, sendo que 14.813 serão de alta velocidade até 2012. Graças a esses investimentos, em dois anos, 42 linhas de trens-bala vão transportar passageiros entre grandes cidade costeiras e cidades médias das províncias que até então não eram servidas por trens modernos. E a China mira o Ocidente. Está, inclusive, de olho no projeto do trem-bala entre Rio e São Paulo.
O desenvolvimento do transporte ferroviário é um dos projetos domésticos mais ambiciosos do governo chinês. Em dezembro 2009, a agência Nova China noticiou a inauguração, com grande pompa, da linha ferroviária mais rápida do mundo, ligando a cidade de Wuhan a Cantão, distantes 1.062 km, em apenas três horas. Para orgulho dos chineses, a inauguração da linha colocou o país na frente dos maiores construtores de trens de alta velocidade - Alemanha, Japão e França. E também justificou a opção do poder público de apostar na rede ferroviária para resolver o problema complexo do transporte de passageiros e de carga num país superpovoado e de dimensões continentais.
Como de hábito, as autoridades chinesas apelaram para a tecnologia ocidental, propondo associações com os conglomerados europeus e americanos do setor. O trem-bala chinês - ou CRH (China Rail Highspeed), como é conhecido - resulta da cooperação do Ministério dos Assuntos Ferroviários com multinacionais como a alemã Siemens, a francesa Alstom, a canadense Bombardier e a japonesa Kawasaki.
Da transferência de tecnologia dos quatro países surgiu o CRH, cujos testes começaram em 2000 para terminar em 2008. Nas vésperas dos Jogos Olímpicos, o primeiro trem CRH 3 percorreu a 321 km/h o trajeto que liga a cidade costeira de Tianjin a Pequim. Na realidade, a locomotiva do CRH 3, da Siemens, é capaz de atingir a velocidade de 391 km/h mas por prudência - ou para não ferir os brios dos sócios ocidentais - os chineses decidiram limitar a velocidade máxima em 350 km/h.
A notícia que deixou as autoridades do setor mais eufóricas é a possibilidade de antecipar o lançamento da linha Pequim-Xangai, um sonho ferroviário tão antigo quanto o trem-bala ligando Rio e São Paulo. Segundo cálculo dos engenheiros chineses, a linha só ficaria pronta em 2012. Mas, em março, as declarações de Wang Zhiguo, vice-ministro de Assuntos Ferroviários, confirmaram que o trem-bala Pequim-Xangai pode estar operando no início de 2011. Assim, as duas maiores cidades da China, separadas por dez horas de trajeto em transporte ferroviário normal, ficarão a uma distância de quatro horas. E, pela primeira vez, desde o lançamento de trens rápidos, a velocidade autorizada será de 380 km/h.
O sucesso do empreendimento levou o ministério a modificar sua estratégia e a ter planos ainda mais ambiciosos. A palavra de ordem no ministério passou a ser: exportação. A China pretende se transformar, nos próximos 10 anos no maior exportador mundial da tecnologia do trem de alta velocidade. No ano passado, por exemplo, o ministério negociou com Brasil, Turquia, Venezuela, Arábia Saudita, Rússia, México, Polônia, Índia e Austrália. Alguns contratos já estão em fase de conclusão, outros ainda em negociação, entre os quais o fornecimento de 13 linhas para os Estados Unidos (Tampa-Orlando, Nova York-Buffalo, Los Angeles-São Francisco e Chicago-Detroit). Na Ásia, a China tem projetos para ligar a cidade de Kunming (no Sudoeste do país) com Cingapura ou fazer a travessia do Vietnã até a Birmânia.
Estes projetos na área doméstica e externa só são viáveis porque o setor é extremamente centralizado, dependendo diretamente de dois órgãos marcados por um nacionalismo radical: o Partido Comunista Chinês e o Exército de Libertação Nacional. Ambos conseguiram obter dos sócios europeus o volume suficiente de transferência de tecnologia para que a China se tornasse auto-suficiente e, em menos de dez anos, dona e exportadora de sua própria tecnologia.
O GLOBO, 19.06.2010
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Wednesday, June 23, 2010
O que vale um ex-diretor do Público
São várias as inconsistências e incorreções neste texto de José Manuel Fernandes. Do lado dos escritores que nunca ganharam o Nobel, para além de referir incorretamente um premiado (como recorda o Nuno Ramos de Almeida), inclui pelo menos dois escritores ainda vivos (Rushdie e Vargas Llosa), que nada garante que não o venham a ganhar.
Do lado dos que ganharam o Nobel da literatura sem grande mérito, esquece-se de mencionar o mais injustificado destes prémios: o atribuído a Winston Churchill. Deve ser por Churchill ser a sua grande inspiração ideológica.
Mas nem isso é o mais importante. O que conta, a meu ver, é esta realidade: JMF lamenta sempre a “falta de reconhecimento do mérito dos melhores” por parte da nossa sociedade – desde que sejam empresários, “empreendedores”. Na hora da morte do mais reconhecido escritor português, JMF prefere desvalorizar desta forma o prémio que o imortalizou, revelando assim a sua mesquinhez e pequenez.
É verdade que Saramago não teria todo o reconhecimento universal que teve se não tivesse ganho o Nobel da literatura (embora já fosse um escritor conhecidíssimo internacionalmente quando o ganhou). Mas também que reconhecimento teria José Manuel Fernandes se não tivesse sido diretor do Público?
Do lado dos que ganharam o Nobel da literatura sem grande mérito, esquece-se de mencionar o mais injustificado destes prémios: o atribuído a Winston Churchill. Deve ser por Churchill ser a sua grande inspiração ideológica.
Mas nem isso é o mais importante. O que conta, a meu ver, é esta realidade: JMF lamenta sempre a “falta de reconhecimento do mérito dos melhores” por parte da nossa sociedade – desde que sejam empresários, “empreendedores”. Na hora da morte do mais reconhecido escritor português, JMF prefere desvalorizar desta forma o prémio que o imortalizou, revelando assim a sua mesquinhez e pequenez.
É verdade que Saramago não teria todo o reconhecimento universal que teve se não tivesse ganho o Nobel da literatura (embora já fosse um escritor conhecidíssimo internacionalmente quando o ganhou). Mas também que reconhecimento teria José Manuel Fernandes se não tivesse sido diretor do Público?
Esquerda e Direita
Este quadro foi roubado do blog "Tempo Político" onde a Marina Costa Lobo publica um interessante artigo sobre a dicotomia esquerda/direita.
A julgar por este quadro as únicas coisas que parecem distinguir a esquerda da direita, hoje, são a "lei e a ordem" (tão cara ao CDS), a legalidade do aborto (bandeira muito forte do PCP e do BE) e a aversão às querelas partidárias (mais forte à direita do que à esquerda). Não parece grande coisa.
Ao contrário do que muitos pensam, e dizem, a fortíssima presença do Estado no ensino e na saúde não é apanágio, nem ideia identitária, da esquerda. Se perguntassem sobre o envolvimento e interferência do Estado na actividade económica talvez aí tivessem encontrado alguma clivagem.
Estes dados permitem uma leitura a meu ver mais interessante do que a comparação entre a esquerda e a direita. É a comparação das respostas "de esquerda" entre si.
Metade dos inquiridos "de esquerda" consideram que não é essencial esbater as diferenças entre ricos e pobres.
Como eu já suspeitava temos portanto uma esquerda pouco revolucionária, pouco dada à transformação profunda da sociedade. O cidadão que se julga de esquerda, em linha com o discurso dos principais partidos, satisfaz-se com uma vaga ideia social-democrata baseada em serviços públicos para todos e no assistencialismo de base estatal. Temperada com uns toques fracturantes.
Foi a isto que chegámos depois do longo abandono, pelos partidos de esquerda, de qualquer referência a uma sociedade de novo tipo.
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Tuesday, June 22, 2010
24 CITY
24 City fala-nos da fulgurante "terceirização" da China. Partindo do caso de uma fábrica que é demolida para construir uma urbanização.
Desenvolve-se sobre uma série de histórias pessoais e "depoimentos mudos" em que a câmara se demora sobre personagens que nada chegam a dizer.
Os restos ainda activos de um proletariado antigo, como já não existe na Europa, convivem com os executivos do marketing no espaço de uma geração.
Imagens belíssimas para uma obra contida que, parecendo fragmentada, tem uma enorme força narrativa.
Trata-se de uma grande obra, provavelmente menosprezada neste tempo de "encher o olho". Fundamental para se sentir o enorme sofrimento e entrega de um povo cujo desmesurado sacrificio tornou possível a China de hoje.
Devia ser visto por todos os que opinam irresponsávelmente sobre a China sem perceber nada do que esteve, e está, em causa.
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Monday, June 21, 2010
Discurso da Ministra da Cultura na Cerimónia de Homenagem a José Saramago
Um discurso notável, para recordar mais tarde.
Era uma vez um rei que fez promessas de levantar um convento em Mafra, um soldado maneta, uma mulher que tinha poderes, e um padre que queria voar numa Passarola e que morreu doido;
Era uma vez Jesus, que disse a Maria Magdalena - “quero estar onde a minha sombra estiver, se lá é que estiverem os teus olhos”;
Era uma vez um cão que lambeu as lágrimas a uma mulher desesperada num mundo de cegos, desejando também cegar para ser poupada aos horrores que a vista lhe trazia;
Era uma vez a morte, que tinha um plano e que o cumpriu – abraçou-se ao homem sem que ele compreendesse o que lhe estava a suceder, e ela, a morte, que nunca dormia, deixou descair suavemente as pálpebras enquanto adormecia; no dia seguinte, ninguém morreu;
Era uma vez um homem, que quando morreu, partiram 2 pessoas: saiu ele, de mão dada com a criança que foi – tal como o próprio José Saramago previu, nas suas próprias palavras.
Era uma vez e tantas outras vezes, o respeito à terra e aos homens, a luta contra as injustiças, a defesa dos direitos humanos, a denúncia contra a guerra do Iraque ou contra a ocupação palestiniana, as causas dos Sem Terra, do movimento anti-globalizante, da preservação do ambiente, ou do anti-clericalismo desassombrado.
Estas e tantas outras, foram as histórias com que o ateu místico, religioso laico, interrogador de Deus e dos homens, José Saramago, “comunista hormonal” nas suas palavras, questionou Portugal e o mundo incessantemente, directa ou metaforicamente.
A liberdade do pensamento define o criador: Saramago foi voz lúcida, inconformada, firme, insubmissa na luta contra a desigualdade entre os homens – esta sim “a verdadeira miséria”, dizia.
Parte da imensa receptividade que as suas obras têm merecido em todo o mundo, e que a atribuição do Nobel cimentou e glorificou, deve-se a esse carácter humanista, à esperança que a sua obra impõe ao Homem.
Recebeu o Prémio Nobel da Literatura «... pela sua capacidade de tornar compreensível uma realidade fugidia, com parábolas sustentadas pela imaginação, pela compaixão e pela ironia», segundo a Academia Sueca.
Fiel ao seu compromisso com a consciência, usou a escrita para uma reflexão sobre as grandes causas da humanidade, edificando uma obra coerente, ousada, sólida, moldada pela ética, visando, sempre, a dignificação do Homem.
E fê-lo por vezes subvertendo normas - quer de narrativa (o seu estilo é inconfundível, nas suas frases longas e de pontuação singular), quer enfrentando dogmas - não tinha fé em Deus (mas certamente Deus teve fé nele).
Para ele a escrita, enquanto forma de expressão do pensamento e de intervenção intelectual, foi instrumento, foi arma, foi agente provocador e plataforma de interrogação permanente do indivíduo e da sociedade.
Com a sua actividade cívica aliada à criação literária, cumpriu aquilo que é mais caro aos criadores e aos artistas – conseguiu com a sua obra fazer pensar os destinatários, perturbar os conformados, incomodar as consciências e aguçar a lucidez.
Deixa a Fundação José Saramago, à qual se dedicará a companheira e musa da sua vida, Pilar Del Rio, força inabalável que foi determinante na sua alma e na sua obra, a quem também prestamos aqui homenagem. Fundação José Saramago que assume, entre os seus objectivos principais, a defesa e a divulgação da literatura contemporânea, a defesa e a exigência de cumprimento da Carta dos Direitos Humanos e o cuidado do meio ambiente.
Enquanto escritor português, José Saramago deu um incontestável contributo para a afirmação e difusão da Língua Portuguesa, para a divulgação da Literatura Portuguesa e para a união do mundo lusófono. Embaixador da cultura portuguesa no mundo, a influência da sua obra estendeu-se a um amplo espectro de outras expressões artísticas - na ópera, no cinema, nas artes visuais, sublinhando a universalidade da sua linguagem.
A Literatura Portuguesa, as Literaturas em Português, com Saramago, adquiriram ressonância internacional e prestígio global, pela universalidade das questões que o Escritor agarra e reflecte com tenacidade e vigor, e pelo génio sísmico com que as dá a ler, a pensar, através da sua escrita.
Portugal homenageia hoje o homem, simples, sensível e corajoso;
Portugal celebra em Saramago, a sua humanidade, grandeza e universalidade;
Portugal orgulha-se do Escritor e engrandece-se com a sua obra, poliédrica, ímpar e seminal.
Portugal agradece, sentida e sinceramente, o encontro mágico de Saramago com a Literatura, e o lugar único e perene que José Saramago ocupará para sempre na Literatura e na Cultura do mundo.
Como escreveu ontem um amigo a Pilar, - Não há palavras. Saramago levou-as todas…
Obrigado José Saramago.
Pensões e hotéis (de reforma)
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Dados da Pordata, a base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, criada por António Barreto, indicam que em Portugal existem 3.423.946 pensionistas inscritos na Segurança Social e na Caixa Geral de Aposentações. Os números relativos à população mostram que do total dos cidadãos residentes (10.655.842), havia 1.693.493 com mais de 65 anos. Ora, fazendo a diferença entre pensionistas e pessoas com mais de 65 anos chegamos à conclusão que existem 1.730.453 cidadãos que, não tendo idade para estar reformados, são apoiados pelo sistema de segurança social. É claro que neste número haverá casos de incapacidade e outras razões. Demos de barato que 730.453 pessoas estão nessa situação. Mesmo assim resta um milhão de cidadãos em idade activa que estão reformados. É um luxo a que, nos tempos que correm, o país não se deveria permitir.
Expresso, 19.06.2010
Depois de, recentemente, o novo líder do PSD ter começado a falar da necessidade de limitar as reformas de valor elevado e impedir a acumulação de reformas, agora passou a estar na ordem do dia o elevado número de reformas antecipadas existente em Portugal.
De modo mais ou menos velado os reformados são apresentados como culpados de malefícios vários.
Quem assim argumenta esquece que durante os anos oitenta do século passado o Estado e as empresas, em activa colaboração, tudo fizeram para pôr pela porta fora os trabalhadores que ultrapassassem a provecta idade dos cinquenta anos. O Estado e as empresas repartiam entre si os encargos da operação que implicava custear o sustento daqueles que esperavam, em casa, a chegada da idade legal da reforma.
Esta operação maciça, que qualquer pessoa mais "antiga" presenciou no seu local de trabalho, é bem reveladora da inconsciência e incapacidade de previsão de quem a promoveu.
João Duque referia-se a esta questão no Expresso de 12 de Junho desta forma:
"Durante anos, assisti atónito a um ardente desejo nacional de "passar à pré-reforma", situação deliciosa em que, numa mistura de empresa e Estado, num conluio intrageracional, se decidiu que não se trabalhava, se ia para casa mantendo o rendimento por inteiro. As deliciosas justificações eram mais do que muitas: esta gente (na casa dos 50!) já não se consegue reciclar, esta gente dá mais despesa em luz, papel, água ou renda pelo espaço que ocupa (no emprego, leia-se), do que se forem para casa, etc., etc., etc...
Da pré passava-se à dita, até porque aquela não passava de um purgatório à beira do paraíso...
Depois veio a técnica de 'comprar a reforma.' No meio de confusões monumentais e por esquemas que qualquer actuário de terceira categoria reprovaria liminarmente, assisti à escandalosa compra de reformas magníficas por pessoas importantíssimas, à mistura com a arraia-miúda que também aproveitou da confusão, até porque os eruditos esquemáticos sempre tiveram de usar a lei dos grandes números para se safarem no meio das multidões...
E é este o estado de Portugal. Temos uma geração de reformados florescentes, muitos ainda 'jovens' e, valha-nos isso, a transpirar saúde, com reformas nunca mais igualáveis - garantidas por direitos adquiridos e que nunca mais ninguém poderá adquirir -, a fazerem as delirantes delícias de uma geração de netos que vêem nos avós tudo o que os seus pais não têm: tempo, saúde, dinheiro, alegria, rejuvenescimento... Ao contrário, os pais correm atrasados para todo o lado, queixam-se de falta de dinheiro para acudir às exigências, da instabilidade do emprego, perdem a alegria, gritam com os filhos, definham, envelhecem."
Toda esta agitação acerca das pensões altas (algumas não são pensões mas verdadeiros hotéis de cinco estrelas), acumulação de pensões (em certos casos realmente escandalosas) e reformas antecipadas parece querer esbater uma injustiça primordial. Omitir que é preciso distinguir as pensões, altas ou baixas, que foram obtidas depois de longas carreiras contributivas e pesados encargos para os seus beneficiários, das pensões obtidas com poucos ou escassos descontos por parte daqueles que as auferem.
Empresas públicas e outras instituições estatais foram criando ao longo dos anos, para os seus próprios dirigentes, esquemas de reforma arbitrários e artificiosos que permitem auferir pensões significativas pelo simples facto de lá ter trabalhado "meia dúzia" de anos. Como se sabe os deputados à Assembleia da República beneficiaram também de benesses desse tipo durante muito tempo.
Ao longo de muitos anos os trabalhadores da Administração Pública tiveram o direito de se reformar com pensões idênticas ao último vencimento ou até, se a reforma fosse antecedida de uma promoção oportuna, maior do que o último vencimento.
Enquanto isso os trabalhadores "do privado" recebiam quando muito 80% da média dos 10 melhores dos últimos 15 anos de descontos. Em muitos casos, dependendo da inflacção durante os últimos anos de carreira, a pensão "no privado" rondava apenas os 60% do último vencimento.
Querer agora tratar como iguais todas estas situações, excepções e golpadas é cometer, pela segunda vez, as injustiças e discriminações que estão na sua origem.
Só há portanto uma forma séria de tratar os pensionistas; avaliando a justeza do valor das suas pensões com base nas suas reais carreiras contributivas (excluindo deste processo quem receba pensões mínimas ou mesmo inferiores a um certo valor a arbitrar).
Aqueles que ajudaram, com o sacrifício das suas contribuições para a Segurança Social, a pagar as reformas das gerações de trabalhadores que os tinham antecedido têm que merecer, por parte do Estado, a garantia de uma protecção especial.
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Dados da Pordata, a base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, criada por António Barreto, indicam que em Portugal existem 3.423.946 pensionistas inscritos na Segurança Social e na Caixa Geral de Aposentações. Os números relativos à população mostram que do total dos cidadãos residentes (10.655.842), havia 1.693.493 com mais de 65 anos. Ora, fazendo a diferença entre pensionistas e pessoas com mais de 65 anos chegamos à conclusão que existem 1.730.453 cidadãos que, não tendo idade para estar reformados, são apoiados pelo sistema de segurança social. É claro que neste número haverá casos de incapacidade e outras razões. Demos de barato que 730.453 pessoas estão nessa situação. Mesmo assim resta um milhão de cidadãos em idade activa que estão reformados. É um luxo a que, nos tempos que correm, o país não se deveria permitir.
Expresso, 19.06.2010
Depois de, recentemente, o novo líder do PSD ter começado a falar da necessidade de limitar as reformas de valor elevado e impedir a acumulação de reformas, agora passou a estar na ordem do dia o elevado número de reformas antecipadas existente em Portugal.
De modo mais ou menos velado os reformados são apresentados como culpados de malefícios vários.
Quem assim argumenta esquece que durante os anos oitenta do século passado o Estado e as empresas, em activa colaboração, tudo fizeram para pôr pela porta fora os trabalhadores que ultrapassassem a provecta idade dos cinquenta anos. O Estado e as empresas repartiam entre si os encargos da operação que implicava custear o sustento daqueles que esperavam, em casa, a chegada da idade legal da reforma.
Esta operação maciça, que qualquer pessoa mais "antiga" presenciou no seu local de trabalho, é bem reveladora da inconsciência e incapacidade de previsão de quem a promoveu.
João Duque referia-se a esta questão no Expresso de 12 de Junho desta forma:
"Durante anos, assisti atónito a um ardente desejo nacional de "passar à pré-reforma", situação deliciosa em que, numa mistura de empresa e Estado, num conluio intrageracional, se decidiu que não se trabalhava, se ia para casa mantendo o rendimento por inteiro. As deliciosas justificações eram mais do que muitas: esta gente (na casa dos 50!) já não se consegue reciclar, esta gente dá mais despesa em luz, papel, água ou renda pelo espaço que ocupa (no emprego, leia-se), do que se forem para casa, etc., etc., etc...
Da pré passava-se à dita, até porque aquela não passava de um purgatório à beira do paraíso...
Depois veio a técnica de 'comprar a reforma.' No meio de confusões monumentais e por esquemas que qualquer actuário de terceira categoria reprovaria liminarmente, assisti à escandalosa compra de reformas magníficas por pessoas importantíssimas, à mistura com a arraia-miúda que também aproveitou da confusão, até porque os eruditos esquemáticos sempre tiveram de usar a lei dos grandes números para se safarem no meio das multidões...
E é este o estado de Portugal. Temos uma geração de reformados florescentes, muitos ainda 'jovens' e, valha-nos isso, a transpirar saúde, com reformas nunca mais igualáveis - garantidas por direitos adquiridos e que nunca mais ninguém poderá adquirir -, a fazerem as delirantes delícias de uma geração de netos que vêem nos avós tudo o que os seus pais não têm: tempo, saúde, dinheiro, alegria, rejuvenescimento... Ao contrário, os pais correm atrasados para todo o lado, queixam-se de falta de dinheiro para acudir às exigências, da instabilidade do emprego, perdem a alegria, gritam com os filhos, definham, envelhecem."
Toda esta agitação acerca das pensões altas (algumas não são pensões mas verdadeiros hotéis de cinco estrelas), acumulação de pensões (em certos casos realmente escandalosas) e reformas antecipadas parece querer esbater uma injustiça primordial. Omitir que é preciso distinguir as pensões, altas ou baixas, que foram obtidas depois de longas carreiras contributivas e pesados encargos para os seus beneficiários, das pensões obtidas com poucos ou escassos descontos por parte daqueles que as auferem.
Empresas públicas e outras instituições estatais foram criando ao longo dos anos, para os seus próprios dirigentes, esquemas de reforma arbitrários e artificiosos que permitem auferir pensões significativas pelo simples facto de lá ter trabalhado "meia dúzia" de anos. Como se sabe os deputados à Assembleia da República beneficiaram também de benesses desse tipo durante muito tempo.
Ao longo de muitos anos os trabalhadores da Administração Pública tiveram o direito de se reformar com pensões idênticas ao último vencimento ou até, se a reforma fosse antecedida de uma promoção oportuna, maior do que o último vencimento.
Enquanto isso os trabalhadores "do privado" recebiam quando muito 80% da média dos 10 melhores dos últimos 15 anos de descontos. Em muitos casos, dependendo da inflacção durante os últimos anos de carreira, a pensão "no privado" rondava apenas os 60% do último vencimento.
Querer agora tratar como iguais todas estas situações, excepções e golpadas é cometer, pela segunda vez, as injustiças e discriminações que estão na sua origem.
Só há portanto uma forma séria de tratar os pensionistas; avaliando a justeza do valor das suas pensões com base nas suas reais carreiras contributivas (excluindo deste processo quem receba pensões mínimas ou mesmo inferiores a um certo valor a arbitrar).
Aqueles que ajudaram, com o sacrifício das suas contribuições para a Segurança Social, a pagar as reformas das gerações de trabalhadores que os tinham antecedido têm que merecer, por parte do Estado, a garantia de uma protecção especial.
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Sunday, June 20, 2010
Até sempre, Saramago
Fui apanhado (fomos todos) completamente de surpresa. Ainda me custa a acreditar. Faço minhas as palavras de Hélia Correia:
"Palavras e palavras vão cair com um grande barulho neste dia e todas elas ficarão aquém da grandeza deste homem".
Saturday, June 19, 2010
Ensaio sobre a memória (para Saramago)
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Os dias eram feitos de interrogações sobre o porquê de se estar ali e todos partilhavam as deduções, pois só em comum tinham a possibilidade de inventar um significado para as suas vidas.
Durante algumas semanas ainda havia os que tentavam resistir ao sono para preservar, por mais algum tempo, as descobertas de cada dia. Acabavam sempre por adormecer e esquecer.
Até que todos se convenceram de que não restava aos homens senão redescobrir-se e redescobrir os outros, renascidos sem rótulos, todos os dias da sua vida.
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De repente as pessoas começaram a perder a memória. Levantavam-se de manhã e não sabiam quem eram. A memória do eu desvanecia-se em poucos instantes, como aqueles sonhos que sonhamos e se esvaiem por entre os dedos mal nos levantamos.
O jogador de polo aquático de "Palombella rossa" perdera a memória depois de um acidente. Mas as pessoas que agora descobriam uma existência sem identidade não marchavam, imaculadas e atónitas, por entre os clubismos dos outros. Os clubismos tornam-se impossíveis quando ninguém sabe quem verdadeiramente é.
Ninguém sabia qual o seu clube, nem o seu partido, nem a sua condição social, nem a sua família. De um momento para o outro também tinham desaparecido antigas embirrações, melindres e ódios.
Ninguém ousava a violência por não saber se quem a sofreria não era afinal o seu amigo ou o seu irmão.
Ninguém acusava ou incensava os outros por não saber que pecados próprios, ou heroísmos, carregava consigo sem saber.
Não havia remorsos nem vaidades.
Cada um tinha que conviver com a sua natureza mais profunda finalmente liberta das camadas que a etiqueta social lhe sobrepusera, numa espécie de nudismo do espírito.Os dias eram feitos de interrogações sobre o porquê de se estar ali e todos partilhavam as deduções, pois só em comum tinham a possibilidade de inventar um significado para as suas vidas.
Durante algumas semanas ainda havia os que tentavam resistir ao sono para preservar, por mais algum tempo, as descobertas de cada dia. Acabavam sempre por adormecer e esquecer.
Até que todos se convenceram de que não restava aos homens senão redescobrir-se e redescobrir os outros, renascidos sem rótulos, todos os dias da sua vida.
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Friday, June 18, 2010
O fator Deus
Texto de José Saramago, Público, El Pais e Folha de São Paulo, 19/09/2001
Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes.
Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um
negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo.
Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.
As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.
E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.
Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.
Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes.
Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um
negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo.
Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.
As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.
E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.
Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.
Obrigado, José Saramago
Obituário do The New York Times
José Saramago, Nobel Prize-Winning Writer, Dies
By FERNANDA EBERSTADT
José Saramago, the Portuguese writer who won the Nobel Prize in Literature in 1998 with novels that combine surrealist experimentation and a kind of sardonic peasant pragmatism, died Friday at his home in Lanzarote in the Canary Islands. He was 87. The cause was multiple organ failure after a long illness, the José Saramago Foundation said in an announcement on its Web site.
Mr. Saramago, a tall, commandingly austere man with a dry, schoolmasterly manner, gained international acclaim for novels like “Baltasar and Blimunda” and “Blindness.” (A film adaptation of “Blindness” by the Brazilian director Fernando Meirelles was released in 2008.)
Mr. Saramago was the first Portuguese-language writer to win the Nobel Prize, and more than two million copies of his books have been sold, his friend and editor, Zeferino Coelho, said.
Mr. Saramago was known almost as much for his unfaltering Communism as for his fiction. In later years he used his status as a Nobel laureate to deliver lectures at international congresses around the world, accompanied by his wife, the Spanish journalist Pilar del Río. He described globalization as the new totalitarianism and lamented contemporary democracy’s failure to stem the increasing powers of multinational corporations.
To many Americans, Mr. Saramago’s name is associated with a statement he made while touring the West Bank in 2002, when he compared Israel’s treatment of Palestinians to the Holocaust.
As a professional novelist, Mr. Saramago was a late bloomer. A first novel, published when he was 23, was followed by 30 years of silence. He became a full-time writer only in his late 50s, after working variously as a garage mechanic, a welfare agency bureaucrat, a printing production manager, a proofreader, a translator and a newspaper columnist.
In 1975, a countercoup overthrew Portugal’s Communist-led revolution of the previous year, and Mr. Saramago was fired as deputy editor of the Lisbon newspaper Diário de Noticias. Overnight, along with other prominent leftists, he became virtually unemployable. “It was the best luck of my life,” he said in a 2007 interview. “It drove me to become a writer.”
His first major success was the rollicking love story “Baltasar and Blimunda.” Set in 18th-century Portugal, it portrays the misadventures of three eccentrics threatened by the Inquisition: a heretic priest who constructs a flying machine and the two lovers who help him — a one-handed ex-soldier and a sorceress’s daughter who has X-ray vision.
The novel, published in an English translation in 1987, won Mr. Saramago a passionate international following. The critic Irving Howe, praising its union of “harsh realism” and “lyric fantasy,” described Mr. Saramago as “a voice of European skepticism, a connoisseur of ironies.”
“I think I hear in his prose echoes of Enlightenment sensibility, caustic and shrewd,” Mr. Howe wrote.
Asked in 2008 to assess Mr. Saramago’s achievement, the critic James Wood wrote: “José Saramago was both an avant-gardist and a traditionalist. His long blocks of unbroken prose, lacking conventional markers like paragraph breaks and quotation marks, could look forbidding and modernist; but his frequent habit of handing over the narration in his novels to a kind of ‘village chorus’ and what seem like peasant simplicities allowed Saramago great flexibility.”
On the one hand, Mr. Wood wrote, it allowed the writer to “revel in sheer storytelling,” and on the other to “undermine, ironically, the very ‘truths’ and simplicities his apparently unsophisticated narrators traded in.”
Paradox was Mr. Saramago’s stock in trade. A militant atheist who maintained that human history would have been a lot more peaceful if it weren’t for religion, his novels are nonetheless preoccupied with the question of God.
His novel “The Gospel According to Jesus Christ,” in which Jesus on the cross apologizes to mankind for God’s sins, was deemed blasphemous by some believers and deeply religious by others. When the Portuguese government, under pressure from the Catholic Church, blocked its entry for a European Literary Prize in 1992, Mr. Saramago chose to go into exile in the Canary Islands, a Spanish possession.
Mr. Saramago’s hard-scrabble origins did not seem to predestine him for a life of letters. Born in 1922 in the village of Azinhaga, 60 miles northeast of Lisbon, Mr. Saramago was largely raised by his maternal grandparents, while his parents sought work in the big city.
In his Nobel acceptance speech, Mr. Saramago spoke admiringly of these grandparents, illiterate peasants who, in the winter, slept in the same bed as their piglets, yet who imparted to him a taste for fantasy and folklore, combined with a respect for nature.
One of Mr. Saramago’s last books — and one of his most touching — was a childhood memoir titled “Small Memories.” In it, he recounts the trauma of being transplanted from his grandparents’ rural shack to Lisbon, where his father had joined the police force. Several months later, Francisco, his older brother and only sibling, died of pneumonia.
Mr. Saramago loved to tell a story of how he came by his surname. His real family name was de Sousa. But when, as a 7-year-old boy, he showed up for his first day of school and presented his birth certificate, it was discovered that the clerk in his home village had registered him as José Saramago. “Saramago,” which means “wild radish,” a green that country people were obliged to eat in hard times, was the insulting nickname by which the novelist’s father was known.
“My father wasn’t very happy, but if that was his son’s official name, well, then he too had to take it,” he recounted in the 2007 interview. The family remained so poor, Mr. Saramago recalled in his memoir, that every spring his mother pawned their blankets, hoping that she might be able to redeem them by the following winter.
Despite being a good student, Mr. Saramago was obliged by his family’s financial straits to drop out of grammar school at 12 and switch to a vocational school, where he was trained as a car mechanic.
The most oppressive influence on him, however, was one he rarely wrote about: the fascist regime that ruled Portugal from 1926 to 1974.
“The Year of the Death of Ricardo Reis,” regarded as his masterpiece, is his only novel to deal directly with the dictatorship of António de Oliveira Salazar.
Set in 1936 in a Europe darkened by the ascendancy of Hitler, Mussolini, Franco and Salazar, the book tells the story of a doctor and poet living in Brazil who returns to fascist Lisbon when he hears of the death of his friend Fernando Pessoa, Portugal’s great modernist poet.
What gives the book its dreamlike blend of historical reality and illusion is the fact that the title character’s name was actually one of the aliases Fernando Pessoa used to publish much of his verse. The novel, consisting of increasingly macabre encounters between the ghost of Pessoa and his fictional alter ego Reis, is a delicate meditation on identity and nothingness, poetry and power.
In his later years, Mr. Saramago’s fiction became more starkly allegorical. In novels like “Blindness,” in which an entire city is struck by a plague of sightlessness that reduces most of its citizens to barbarism, readers have found a powerful parable about the fragility of human civilization.
Mr. Saramago’s first marriage, to Ilda Reis, whom he wed in 1944, ended in divorce in 1970. Besides his wife, Ms. del Río, whom he married in 1988, he is survived by a daughter from his first marriage, Violante Saramago Matos; and two grandchildren.
“Saramago for the last 25 years stood his own with any novelist of the Western world,” the critic Harold Bloom said in 2008. “He was the equal of Philip Roth, Günther Grass, Thomas Pynchon and Don DeLillo. His genius was remarkably versatile — he was at once a great comic and a writer of shocking earnestness and grim poignancy. It is hard to believe he will not survive.”
Saramago
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Detesto obituários e elogios fúnebres. Nunca os faço.
Conheci Saramago, em 1980, através de "Levantado do chão". Inesquecível experiência, reveladora de um escritor que percebi genial apesar de estar ainda longe de ser famoso.
Acompanhei a sua produção até àquela que penso ser a sua obra prima, "O Evangelho segundo Jesus Cristo". O livro que, mais do que qualquer outro, ainda impressionará leitores daqui a vários séculos.
Também tenho grande afeição por "História do cerco de Lisboa" e por "O ano da morte de Ricardo Reis", para além do incontornável "Memorial do Convento", claro.
A partir de " Ensaio sobre a cegueira" comecei a não me emocionar da mesma maneira apesar de admirar o engenho. Tal como acontecera antes com "Jangada de Pedra". Não adiro facilmente a construções parabólicas com intuitos apologéticos.
Deixou uma grande obra que nenhuma gaffe do autor poderia amesquinhar.
Quando passei por Lanzarote compreendi porque escolheu viver lá, naquela beleza selvagem que não aceita compromissos.
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Lanzarote, Abril 2007
Detesto obituários e elogios fúnebres. Nunca os faço.
Conheci Saramago, em 1980, através de "Levantado do chão". Inesquecível experiência, reveladora de um escritor que percebi genial apesar de estar ainda longe de ser famoso.
Acompanhei a sua produção até àquela que penso ser a sua obra prima, "O Evangelho segundo Jesus Cristo". O livro que, mais do que qualquer outro, ainda impressionará leitores daqui a vários séculos.
Também tenho grande afeição por "História do cerco de Lisboa" e por "O ano da morte de Ricardo Reis", para além do incontornável "Memorial do Convento", claro.
A partir de " Ensaio sobre a cegueira" comecei a não me emocionar da mesma maneira apesar de admirar o engenho. Tal como acontecera antes com "Jangada de Pedra". Não adiro facilmente a construções parabólicas com intuitos apologéticos.
Deixou uma grande obra que nenhuma gaffe do autor poderia amesquinhar.
Quando passei por Lanzarote compreendi porque escolheu viver lá, naquela beleza selvagem que não aceita compromissos.
Lanzarote, Abril 2007
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Thursday, June 17, 2010
Uma Hollywood chinesa ?
O filme tem guerreiros gregos, piratas, reinos subaquáticos, um vilão chamado Demon Mage e sereias que matam os homens durante o sexo. Também há uma sensual Bond girl no papel da rainha sereia. A maioria dos atores nasceu nos Estados Unidos e as câmeras utilizam tecnologia 3D.
Mas o filme, "Empires of the Deep", não é uma fantasia inventada por Hollywood. Ele está sendo concebido e filmado no maior estúdio do mundo, em Huairou, na China, ao norte de Pequim.
Este enredo que mistura "Avatar", "Gladiador" e "Piratas do Caribe" é a visão do magnata imobiliário obcecado por cinema Jon Jiang, que diz que sua missão de vida agora é fazer filmes, videogames e parques temáticos. Também é o mais ousado esforço feito por empresários locais para estabelecer a China como uma potência cinematográfica mundial, que pode criar espetáculos de grande orçamento em inglês para concorrer com os filmes de Hollywood.
A China tem sido capaz de dominar uma indústria após a outra, mas até agora não fez avanços significativos no negócio mais glamoroso do mundo. Se Jiang, 40, conseguir o que quer, isso irá mudar em breve. "Empires of the Deep" pode vir a ser uma demonstração poderosa da crescente influência cultural da China e atrair cineastas internacionais para fazer filmes que parecem projetos de Hollywood, mas que são feitos com os menores custos de trabalho e materiais da China.
Último Segundo, 16.06.2010
A indústria do entretenimento tem sido das poucas em que os Estados Unidos continuaram sempre a dar cartas mesmo nas piores fases da sua economia.
É surpreendente esta entrada nos chineses em mais este campo concorrencial e origina uma enorme curiosidade acerca das suas hipóteses de sucesso.
Se a Alemanha chegar à final, estarei em condições de vos levar a todos a almoçar
Com a linha de crédito que simpaticamente disponibilizei às agências de apostas inglesas prestes a ser cancelada até directrizes em contrário (encontro-me, tal como a economia grega, refém da boa vontade alemã), foi reconfortante saber que, pelo menos, estive certo sobre uma coisa: a fantástica exibição de Fábio Coentrão, um jogador em quem sempre confiei e cuja titularidade nunca deixei de defender. A sua única falha durante o jogo inteiro foi o já habitual cruzamento em que é apanhado nas costas do adversário e o deixa cabecear à vontade, movimento que aprendeu com o seu colega Maxi Pereira, mas que irá provavelmente corrigir antes deste. Uma exibição que só vem calar os cépticos, entre os quais se conta o incompetente Jorge Jesus, que ao não utilizar Fábio Coentrão em Anfield com receio dos duelos individuais com o Kuyt demonstrou inequivocamente que não percebe nada de futebol, ao contrário de mim, que só perdi 135 euros em seis dias por manifesta infelicidade.
Entretanto, a equipa da primeira jornada:
Tim Howard; Maicon, Alcaraz, Grichting e Morel; Alexis Sanchez, Annan, Inler e Ozil; Messi e Forlán.
Tuesday, June 15, 2010
Vender os anéis para tentar preservar os dedos
A crise que se vive actualmente na Grécia está a chamar a atenção dos investidores chineses. Uma delegação oficial de Pequim vai estar pela segunda vez, em quatro semanas, em terras gregas à procura de projectos na área marítima, logística e aérea. Na bagagem levam milhões e milhões de euros para investir.
Durante o dia de hoje, uma delegação liderada por Zhang Dejiang, vice primeiro-ministro chinês, vai fechar diversos acordos com empresas locais, revelou fonte oficial do governo grego, citada pelo "Financial Times".
"Estes acordos estão relacionados com a área marítima, telecomunicações e um projecto de renovação do farol do porto de Piraeus em Atenas", revelou a mesma fonte. De acordo com o "Financial Times", os dois países vão assinar acordos no valor de 500 milhões de euros no sector marítimo.
Nos últimos meses, a Grécia tem tentado atrair países com elevados fundos soberanos para ajudar a reanimar a economia do país, afectada por uma grave crise das finanças públicas.
A empresa marítima estatal chinesa Cosco já controla o terminal de contentores de Piraeus segundo um contrato de concessão de longo prazo no valor de 3,4 mil milhões de euros. O objectivo da empresa chinesa é construir, em parceria com empresa estatal de portos grega, um centro logístico perto de Atenas para distribuir bens da China para os Balcãs. Este centro está avaliado entre 150 milhões e 200 milhões de euros e o acordo deverá ser fechado no final deste ano.
Jornal de Negócios, 15.06.2010
Há tempos alguém disse, provocando enorme escândalo, que a Grécia podia endireitar as contas vendendo uma parte das numerosas ilhas que possui.
Ainda lá não chegámos. Por enquanto são os portos e as linhas de navegação.
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"Padre João Resina: o engenheiro de Deus"
Por António Marujo, Público, 11.06.2010
Havia quem não gostasse das homilias do padre João Resina, que morreu no dia 3, em Lisboa. Quando passou pela paróquia de Santa Isabel, em Lisboa, era escutado por agentes da PIDE, polícia política do Estado Novo, que tentava apanhá-lo nas críticas ao regime.
Os agentes colocavam-se junto das colunas de som, com gravadores. O padre João decidiu fazer o mesmo, para que a PIDE não inventasse acusações: escondia um gravador sob o altar. Antes do fim da missa, tirava discretamente a cassete e guardava-a.
"Nunca em Santa Isabel houve tanta PIDE", recorda ao P2 José Maria Fontes, de 79 anos, sacristão durante 39 anos, até Janeiro de 2000. "Ficavam perto das colunas." Ainda assim, João Resina não foi molestado pela polícia política.
Vários amigos passaram a gravar as homilias. Já em democracia, alguém lhe pediu que escrevesse uma síntese. No final das missas, o padre passou então a dar, a quem pedia, a folha com o resumo. O hábito deu origem aos dois volumes de A Palavra no Tempo (ed. Multinova e Entrelinhas, respectivamente), que recolhem muitos desses textos.
João Manuel Resina Rodrigues nasceu a 5 de Outubro de 1930, em Carnaxide (Oeiras). Em 1953, licenciou-se em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico. Só depois decidiu ser padre: foi ordenado em 1959. O gosto pela ciência fê-lo regressar ao Técnico, onde deu aulas durante 30 anos e integrou o Centro de Física da Matéria Condensada. Publicou várias obras sobre Física e História e Filosofia das Ciências.
Augusto Moutinho, de 71 anos, professor da Universidade Nova, foi seu colega no Técnico entre 1974 e 1979. "Apaziguava muitas coisas que, nas universidades, são sempre difíceis de resolver", recorda. Mas era, sobretudo, um homem de ciência. E ultimamente, conta, andava "muito entusiasmado" a traduzir os Princípios, de Isaac Newton.
Em entrevista à Pública, a 8 de Abril de 2007, João Resina dizia: "Uma coisa é tentar compreender o universo. Para isso há a Física e a Biologia. Se quero saber se houve ou não big bang, se a vida evoluiu, não pergunto à Igreja, que não tem competências nessa matéria. (...) A terceira pergunta é o que me é lícito esperar, qual o sentido de fundo disto tudo. Aí, encontro a questão de Deus."
Em 1969, na Bélgica, doutorou-se também em Filosofia. Enquanto padre, a sua acção desenvolveu-se na área de Lisboa: Moscavide, Belém, Santa Isabel, capelas do Rato e das Amoreiras, Cruz Quebrada e Campo Grande. Nesta última paróquia, coordenou a catequese infantil. "Tinha a intuição rara de que é uma fase muito importante e que não devia ser entregue apenas a senhoras bondosas", recorda Helena Presas, de 52 anos, responsável da catequese.
"Achava que devíamos falar às crianças de questões como a sexualidade e a ciência, antes de elas aparecerem" na escola. Não aceitou os catecismos nacionais, por "não corresponderem às problemáticas dos miúdos". Por isso, foi fazendo adaptações, com a equipa, hoje com 60 pessoas.
Respeito pelas crianças
Helena Presas foi uma das pessoas chamadas por ele, tinha então 32 anos. Por causa disso, fez o curso de Teologia e deixou a profissão de fisioterapeuta. "Estimulava a estudar, formatou uma equipa", sem nunca recusar a ajuda de quem aparecesse.
Não queria crianças infantilizadas. Pedia que não cantassem coisas como "guiados pela mão de Jesus". "Dizia para mudar a letra, porque Deus quer pessoas livres, não guiadas pela mão. Fazia-o por respeito às crianças." Não sendo emotivo, gostava de levar as pessoas à fé pela beleza, pelo ritmo, pelo cuidado dos textos, recorda ainda a catequista. E discutia tudo à exaustão, incluindo modos de integrar os pais e de levar as crianças a realidades sociais diferentes: idosos isolados, pobres, crianças de bairros degradados...
Nas missas dos mais novos, queria que houvesse alegria e que os gestos os envolvessem. "Adaptava os textos para que a linguagem se percebesse." Palavras como alegria e amor eram repetidas nos curtos sete minutos que as suas homilias, enxutas, duravam (várias delas estão disponíveis em http: /www.igrejacampogrande.pt/liturgia_palavra.html). Não se inibia de reprovar opções da própria Igreja - numa das últimas homilias criticou a diplomacia do Vaticano. E condenava a economia baseada no lucro, que deixa tantos de fora.
Uma queda, a 17 de Dezembro, pô-lo em coma, que uma cirurgia arriscada não evitou. Quatro dias antes, na última homilia, falara da alegria do Natal: "Houve tempo em que a religião parecia apostada em matar a alegria. Aquele tempo em que os pregadores em tudo viam pecado, só se entendiam com mandamentos e castigos, não acreditavam que a alegria e o bem pudessem andar de mãos dadas. A Bíblia é mais sensata. (...) Quem ama a sério cumpre o bem, e portanto os mandamentos, de maneira espontânea e superior. (...) À medida que crescemos para a vida e para Deus, o amor e a alegria podem andar cada vez mais de mãos dadas."
Circuncisão
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Bruxelas pede mais cortes em 2011 (ver aqui).
Os cortes sucedem-se. Chegaremos a um ponto em que só nos restará oferecer Sócrates e Teixeira dos Santos em ritual de circuncisão.
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Fama global
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Pequim, Setembro 2009
Berlim, Junho 2010
A poucos minutos da entrada em campo da selecção deixo aqui o testemunho da fama global de Ronaldo. Esperemos que se traduza em golos.
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Monday, June 14, 2010
Fábula para 2050
Foi em 2020 que a tendência começou a ser notada.
Algumas empresas, médias e grandes, com antigas tradições europeias, transferiram as suas sedes para a China. Em certos casos encerraram as operações na Europa.
Por volta de 2030 o processo tinha-se tornado comum e alastrara aos Estados Unidos.
Só cá ficaram os pequenos comércios, fabriquetas e oficinas sem capacidade económica para partir.
Instalou-se um sentimento de perplexidade, de perda, perante esta nova emigração.
Muitas destas grandes empresas que partiam já anteriormente não pagavam impostos nos seus países de origem mas enquanto tiveram empregados nesses países os Governos tinham, ao menos, podido taxá-los para acorrer aos enormes gastos sociais.
Os sindicatos mostravam uma certa desorientação, sem saber muito bem o que fazer sem capitalistas.
Comissões nomeadas pelas autoridades concluíram que as empresas tinham deixado de achar interessantes, ou seja rentáveis, as suas operações na Europa.
Os europeus, diziam eles, já não eram atractivos nem como trabalhadores assalariados nem como consumidores. Comparativamente pouco numerosos estavam de tal forma endividados que tornavam penosa a operação de os espremer para tirar algum sumo.
Foi nesse momento, depois de perderem definitivamente o alibi de acusar quem os explorava, que os europeus inventaram a nova forma de organizar a produção social que suplantou, em produtividade e humanismo, tudo o que o mundo até então conhecera.
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As escalas das escolas
Existem escalas para diversas grandezas, graças às quais nem todos os valores dessas grandezas são fisicamente equivalentes, podendo mesmo determinar valores críticos, abaixo ou acima dos quais certas aproximações podem ou não ser válidas. Por exemplo, a velocidade da luz representa uma dessas escalas (que determina se é válida a aproximação newtoniana ou se se tem de considerar a teoria relativista). A constante de Planck é outra (e determina se um sistema é quântico ou se é bem aproximado pela física clássica). Por que têm estas grandezas os valores que têm e não outros é algo que a física ainda não sabe explicar, mas seguramente as nossas vidas seriam bem diferentes se esses valores não fossem estes. (Quem quiser “imaginar” como tal seria pode ler “As Aventuras do Sr. Tompkins” de George Gamow.) Estes valores possuem, assim, um significado físico bem claro.
Menos claro é o significado da escala que o governo decidiu fixar para o tamanho mínimo (em número de alunos) para uma escola poder funcionar - 20. Mesmo assim, apraz-me perguntar aos opositores desta medida se concordam que tal escala deve existir, mesmo que eventualmente tivesse outro valor, ou acham que tal escala não deveria existir? A segunda hipótese corresponde a uma teoria sem escalas fixas. Para além de tal não existir na natureza ao nível fundamental, tal hipótese equivale a uma escola só com um aluno representar o mesmo que uma escola com cinco mil alunos. É isto mesmo que defendem?
Na primeira hipótese, a de concordarem com a fixação da escala mas não com o valor proposto pelo governo, podem propor outro valor e justificá-lo? Ainda não vi nada nesse sentido.
Da mesma forma pergunto ao governo: será que tal escala deveria ser universal, isto é, o tamanho mínimo ser o mesmo para todas as escolas, independentemente da sua localização? Não me parece: numa cidade o tamanho mínimo deverá ser bem diferente de numa aldeia remota, com acessibilidades totalmente dferentes. Talvez este valor de 20 alunos já tenha isso em conta e seja o mínimo dos mínimos (que existe, uma vez que o conjunto de todas as escolas é limitado). Ou seja, talvez esse valor (20) tenha sido estabelecido já a pensar nas mais remotas aldeias e nunca em cidades. Ainda assim, o governo teria tudo a ganhar em justificar como chegou a este valor. Da minha parte, e embora reconheça o sacrifício que possa ser exigir a uma criança que se levante mais cedo e chegue a casa mais tarde, parece-me evidentemente desejável que as crianças convivam com colegas de outras terras que não a sua (se for uma aldeia pequena). É importante para uma criança ter colegas; escolas com muito poucos alunos não estimulam as crianças como deveriam nem conseguem proporcionar a qualidade pedagógica adequada. Se for mesmo verdade que esta foi uma medida “a régua e esquadro” e o número 20 resulta de uma folha de cálculo de um gabinete da 5 de Outubro, sem grande contacto com o mundo real das escolas, talvez fosse bom que neste assunto surgissem propostas alternativas construtivas.
Também publicado no Esquerda Republicana
Menos claro é o significado da escala que o governo decidiu fixar para o tamanho mínimo (em número de alunos) para uma escola poder funcionar - 20. Mesmo assim, apraz-me perguntar aos opositores desta medida se concordam que tal escala deve existir, mesmo que eventualmente tivesse outro valor, ou acham que tal escala não deveria existir? A segunda hipótese corresponde a uma teoria sem escalas fixas. Para além de tal não existir na natureza ao nível fundamental, tal hipótese equivale a uma escola só com um aluno representar o mesmo que uma escola com cinco mil alunos. É isto mesmo que defendem?
Na primeira hipótese, a de concordarem com a fixação da escala mas não com o valor proposto pelo governo, podem propor outro valor e justificá-lo? Ainda não vi nada nesse sentido.
Da mesma forma pergunto ao governo: será que tal escala deveria ser universal, isto é, o tamanho mínimo ser o mesmo para todas as escolas, independentemente da sua localização? Não me parece: numa cidade o tamanho mínimo deverá ser bem diferente de numa aldeia remota, com acessibilidades totalmente dferentes. Talvez este valor de 20 alunos já tenha isso em conta e seja o mínimo dos mínimos (que existe, uma vez que o conjunto de todas as escolas é limitado). Ou seja, talvez esse valor (20) tenha sido estabelecido já a pensar nas mais remotas aldeias e nunca em cidades. Ainda assim, o governo teria tudo a ganhar em justificar como chegou a este valor. Da minha parte, e embora reconheça o sacrifício que possa ser exigir a uma criança que se levante mais cedo e chegue a casa mais tarde, parece-me evidentemente desejável que as crianças convivam com colegas de outras terras que não a sua (se for uma aldeia pequena). É importante para uma criança ter colegas; escolas com muito poucos alunos não estimulam as crianças como deveriam nem conseguem proporcionar a qualidade pedagógica adequada. Se for mesmo verdade que esta foi uma medida “a régua e esquadro” e o número 20 resulta de uma folha de cálculo de um gabinete da 5 de Outubro, sem grande contacto com o mundo real das escolas, talvez fosse bom que neste assunto surgissem propostas alternativas construtivas.
Também publicado no Esquerda Republicana
A bola é um espelho
Deve-se a um único facto este comportamento quase histérico com a selecção: ela representa todo o nosso país. Cada uma das personagens que a compõem tem uma equivalência óbvia naqueles que a pátria designou para altos cargos. Vejamos, pois, essa tabela de equivalências:
Carlos Queiroz - Cavaco Silva
Há quem diga que ele é muito bom, mas tirando umas coisas na década de 90 nunca mais fez nada que se registasse. E há ainda os que o odeiam, apesar de ele não ter, precisamente, feito nada que se registasse.
Cristiano Ronaldo - José Sócrates
Parece que é muito bem visto no estrangeiro, é especialista em reviengas e em não deixar cair a bola no chão, mas por Portugal ainda fez muito pouco ou nada, ao contrário de Eusébio. Pode ser que ainda venha a fazer, mas duvida-se...
Eduardo - Teixeira dos Santos
Ninguém o conhecia, ninguém percebe bem quem é ele, mas já nos tem safado de alguns apertos. Não é muito seguro, mas se calhar é o melhor que se arranja.
Ricardo Carvalho - Pedro Passos Coelho
Joga muito à defesa e é pouco sarrafeiro (o Ricardo). Se lhe pedem para avançar fica cheio de dúvidas. Para passar do meio-campo é preciso que a bola esteja segurinha lá à frente, como num canto ou num livre. Caso contrário, volta lá para trás à espera que a bola venha ter com ele.
Duda - Francisco Louçã
Joga pela esquerda, mas parece que não faz falta nenhuma, ou então é o único que há. A verdade é que quando se pensa numa selecção a sério ninguém se lembra dele.
Daniel Fernandes - Jerónimo de Sousa
Faz parte da selecção, mas se não fosse eu pôr aqui o nome dele ninguém dizia: “Então e o Daniel Fernandes?”
Simão Sabrosa - Paulo Portas
É pequenino, tem jeito, mas já cá anda há tantos anos que toda a gente lhe conhece o jogo. O seu passado fazia-lhe augurar um futuro muito melhor.
Deco - Luís Amado
É discreto, mas funciona.
Raul Meireles - Augusto Santos Silva
Tem uma fama bastante pior do que o proveito que dela tira.
Liedson - Marcelo Rebelo de Sousa
Surge onde menos se espera, é capaz de fazer coisas geniais, mas nunca ganhou nada de jeito na vida (salvo dinheiro).
BES - BES
É o patrocinador. Fica-se sempre com a ideia de que, independentemente do resultado, fica a ganhar com a operação.
Vuvuzela - António Mendonça
Faz sempre o mesmo som, ninguém percebe para que é que serve, mas é um símbolo de que jamais nos esqueceremos.
E aqui vêem como as principais personagens do nosso país estão representadas na bola.
Comendador Marques de Correia, Expresso 12.06.2010
Neste tempo saturado de bola não resisto a publicar esta crónica engraçadíssima.
Para quem não tenha lido o Expresso.
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Carlos Queiroz - Cavaco Silva
Há quem diga que ele é muito bom, mas tirando umas coisas na década de 90 nunca mais fez nada que se registasse. E há ainda os que o odeiam, apesar de ele não ter, precisamente, feito nada que se registasse.
Cristiano Ronaldo - José Sócrates
Parece que é muito bem visto no estrangeiro, é especialista em reviengas e em não deixar cair a bola no chão, mas por Portugal ainda fez muito pouco ou nada, ao contrário de Eusébio. Pode ser que ainda venha a fazer, mas duvida-se...
Eduardo - Teixeira dos Santos
Ninguém o conhecia, ninguém percebe bem quem é ele, mas já nos tem safado de alguns apertos. Não é muito seguro, mas se calhar é o melhor que se arranja.
Ricardo Carvalho - Pedro Passos Coelho
Joga muito à defesa e é pouco sarrafeiro (o Ricardo). Se lhe pedem para avançar fica cheio de dúvidas. Para passar do meio-campo é preciso que a bola esteja segurinha lá à frente, como num canto ou num livre. Caso contrário, volta lá para trás à espera que a bola venha ter com ele.
Duda - Francisco Louçã
Joga pela esquerda, mas parece que não faz falta nenhuma, ou então é o único que há. A verdade é que quando se pensa numa selecção a sério ninguém se lembra dele.
Daniel Fernandes - Jerónimo de Sousa
Faz parte da selecção, mas se não fosse eu pôr aqui o nome dele ninguém dizia: “Então e o Daniel Fernandes?”
Simão Sabrosa - Paulo Portas
É pequenino, tem jeito, mas já cá anda há tantos anos que toda a gente lhe conhece o jogo. O seu passado fazia-lhe augurar um futuro muito melhor.
Deco - Luís Amado
É discreto, mas funciona.
Raul Meireles - Augusto Santos Silva
Tem uma fama bastante pior do que o proveito que dela tira.
Liedson - Marcelo Rebelo de Sousa
Surge onde menos se espera, é capaz de fazer coisas geniais, mas nunca ganhou nada de jeito na vida (salvo dinheiro).
BES - BES
É o patrocinador. Fica-se sempre com a ideia de que, independentemente do resultado, fica a ganhar com a operação.
Vuvuzela - António Mendonça
Faz sempre o mesmo som, ninguém percebe para que é que serve, mas é um símbolo de que jamais nos esqueceremos.
E aqui vêem como as principais personagens do nosso país estão representadas na bola.
Comendador Marques de Correia, Expresso 12.06.2010
Neste tempo saturado de bola não resisto a publicar esta crónica engraçadíssima.
Para quem não tenha lido o Expresso.
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Sunday, June 13, 2010
Wall of Sound
Com excepção da segunda parte do França-Uruguai (que perdi devido a complicações de cariz étnico causadas pela presença no recinto de trinta e cinco ingleses bêbados [muitos dos quais vestidos de batman] numa despedida de solteiro), consegui assistir a todos os eventos do Certame até agora. Foram seiscentos e setenta e cinco minutos de futebol, pontuados por aquele zunido colectivo, grave, desconcertante e ininterrupto, que qualquer adepto já se habituou a reconhecer: a wall of sound produzida por milhões de milhares de mulheres a fazerem perguntas sobre as regras do jogo.
Ligeiramente abaixo na escala decibélica, o ruído constante das vuvuzelas também se tem apresentado em grande forma, mostrando resistência, intensidade e disciplina táctica, embora as suas hipóteses de conquistar o título de ruído permanente mais irritante da competição estejam agora ameaçadas pelo ruído permanente de pessoas a queixarem-se sobre o ruído permanente das vuvuzelas; o duelo promete ser renhido até à final.
Transferindo as nossas atenções para assuntos mais importantes - o sucesso das minhas démarches para dissipar antecipadamente o reembolso do IRS em apostas idiotas - posso confirmar que está tudo bem encaminhado. Vinte libras numa vitória da África do Sul, mais vinte num golo do Higuaín contra a Nigéria já se encontram aconchegadas nos cofres da William Hill, embora outras vinte apostadas na possibilidade de a Alemanha atingir a final ainda possam ser convertidas em duzentas e oitenta. Gosto imenso desta selecção alemã: não só tem o melhor médio do mundo naquele estilo de letargia frenética aperfeiçoado por Pablo Aimar (Ozil), como também tem as melhores credenciais multinacionais da prova: dois turcos, um tunisino, um ganês, um bósnio, um brasileiro, e três polacos. Ainda não há um judeu, mas é uma questão de tempo.
O Gana assustou-me imenso: técnica, táctica e atleticamente, foi sempre 10% superior (chegou) a uma Sérvia que continuo a acreditar ter uma das melhores defesas do mundo, mas que foi severamente penalizada pela traiçoeira independência de Montenegro, que os privou de poderem convocar o Vucinic. A Eslovénia foi a equipa mais fraca até agora, pelo que evidentemente está no primeiro lugar do seu grupo, com três pontos. A Argentina confirmou ter o grupo de jogadores ofensivos mais entusiasmante, pelo que evidentemente ganhou 1-0, com o único golo a ser marcado por um ex-defesa do Sporting.
Quando a destaques individuais, a grande revelação do torneio tem sido o comentador da Sport TV Luis Martins, cujas rápidas desmarcações semânticas e movimentos de ruptura com a língua portuguesa têm proporcionado instantes de rara beleza. O seu lance mais genial até agora terá surgido na descrição de uma tabela transviada entre dois jogadores argentinos: "Tevez ali a direccionar-se de forma contraproducente em relação à bola".
Uma última e exultante nota para a auto-estima inglesa, que voltou a direccionar-se de forma contraproducente em relação à História, sofrendo uma das suas humilhações rituais, desta vez aos pés de uma selecção americana que deu toda as indicações de ter sido treinada especificamente para este momento desde a batalha de Saratoga. Para interpretar o sempre ingrato papel de General Burgoyne e colocar simultaneamente a "situação Eduardo" em salutar perspectiva, foi escolhido Robert Green, um de múltiplos Ricardos à disposição de Fabio Capello - há mais dois no banco, para o caso de Green começar a exibir sinais de lapsos de concentração nos seus lapsos de concentração.
Friday, June 11, 2010
João Resina Rodrigues (1930-2010)
Estudante de Engenharia Química no Instituto Superior Técnico, tendo sido colega de curso de Maria de Lurdes Pintasilgo, viria posteriormente a ordenar-se sacerdote, tendo-se doutorado em Filosofia na Universidade de Lovaina. Regressou ao Instituto Superior Técnico como docente de História da Ciência, tendo testemunhado de perto as convulsões e crises académicas da escola antes de 1974. Ao mesmo tempo manteve sempre a atividade de sacerdote, sendo prior da Capela do Rato, que funcionava como lugar de reunião de católicos antisalazaristas. Por estas razões era elemento suspeito para o regime fascista, tendo sido vigiado pela PIDE durante as suas homilias e mesmo fora da igreja.
Já depois do 25 de Abril continuou como sacerdote e a dar aulas de física (História das Ideias e Mecânica Analítica) no Instituto Superior Técnico, tendo sido professor de grande parte dos elementos deste blogue. Das suas aulas recordo o profundo respeito pela diversidade de opiniões. Resina era um homem que sabia ouvir, e respeitava quem pensasse de forma diferente da sua. Nas suas aulas falava-nos do valor inquestionável da ciência (ele próprio foi cientista) e jamais se serviu da sua posição de docente no ensino superior público para qualquer tipo de proselitismo. Fazia questão de frisar que não estava interessado ali em saber se éramos crentes ou não.
A sua posição sobre o aborto, que podemos ler nesta entrevista a António Marujo, e que podemos sumarizar como “as leis do Estado não têm que traduzir a posição da Igreja Católica”, demonstram como um sacerdote católico pode entender o que é a laicidade. É pena que haja tão poucos assim.
A título pessoal, recordo a aula teórica que ele teve de dar de pé em cima da secretária num anfiteatro do Pavilhão Central, para chegar a um quadro que estava avariado, e que ele próprio classificou como “aula de alto nível”. Recordo também as aulas práticas, onde enfatizava os conceitos essenciais (algo que todo o bom professor deve fazer) com a famosa expressão “não saber isto é pior que cuspir na sopa”. Se eu lhe colocava alguma questão que ele achava que eu deveria saber, ele respondia, num tom levemente irritado: “Ó homem, não me chateie!” Logo de seguida arrependia-se e, num tom algo condescendente mas que revelava toda a sua bondade, recordava-me: “Eu provei isso na aula teórica…”
Será recordado por quem o conheceu. Como diria Vinicius, eu, que não creio, peço a Deus pelo prof. Resina.
Já depois do 25 de Abril continuou como sacerdote e a dar aulas de física (História das Ideias e Mecânica Analítica) no Instituto Superior Técnico, tendo sido professor de grande parte dos elementos deste blogue. Das suas aulas recordo o profundo respeito pela diversidade de opiniões. Resina era um homem que sabia ouvir, e respeitava quem pensasse de forma diferente da sua. Nas suas aulas falava-nos do valor inquestionável da ciência (ele próprio foi cientista) e jamais se serviu da sua posição de docente no ensino superior público para qualquer tipo de proselitismo. Fazia questão de frisar que não estava interessado ali em saber se éramos crentes ou não.
A sua posição sobre o aborto, que podemos ler nesta entrevista a António Marujo, e que podemos sumarizar como “as leis do Estado não têm que traduzir a posição da Igreja Católica”, demonstram como um sacerdote católico pode entender o que é a laicidade. É pena que haja tão poucos assim.
A título pessoal, recordo a aula teórica que ele teve de dar de pé em cima da secretária num anfiteatro do Pavilhão Central, para chegar a um quadro que estava avariado, e que ele próprio classificou como “aula de alto nível”. Recordo também as aulas práticas, onde enfatizava os conceitos essenciais (algo que todo o bom professor deve fazer) com a famosa expressão “não saber isto é pior que cuspir na sopa”. Se eu lhe colocava alguma questão que ele achava que eu deveria saber, ele respondia, num tom levemente irritado: “Ó homem, não me chateie!” Logo de seguida arrependia-se e, num tom algo condescendente mas que revelava toda a sua bondade, recordava-me: “Eu provei isso na aula teórica…”
Será recordado por quem o conheceu. Como diria Vinicius, eu, que não creio, peço a Deus pelo prof. Resina.
Thursday, June 10, 2010
Vão ser quatro semanas a pensar o país
Tendo concluído com sucesso o período de hibernação auto-imposto para restaurar todas as minhas faculdades e institutos a tempo do Certame, creio estarem reunidas as condições para sermos felizes novamente (o facto de estar acordado às cinco da manhã e de ainda me lembrar da password do blogger avaliza a minha seriedade). Que essa felicidade possa ser consequência directa da prestação portuguesa no Certame já é mais duvidoso, como explica o besugo neste post catadióptrico, cujo grau de superlatividade é confirmado pelo rigor com que simultaneamente reflecte e refracta as minhas próprias opiniões sobre a matéria, que agora descubro sempre ter tido, desde pequenino.
O problema de Portugal é ter os jogadores errados não só para os jogadores certos que tem, como também para os outros jogadores errados, e ter o treinador errado tanto para os jogadores certos como para os errados, mas ainda assim o suicídio seria nesta altura precipitado. Os três jogos de preparação efectuados contra sucessivos fardos do homem branco mostraram, mais do que circunstanciais dificuldades físicas (tirando o Miguel, que está um trambolho, o resto parece-me tudo dentro das normas vigentes) uma assustadora ausência daquela dinâmica telepática que qualquer equipa a jogar só com 3 pessoas no meio-campo precisa para disfarçar o facto de só jogar com 3 pessoas no meio-campo. Mesmo tendo em conta que, especialmente no primeiro jogo contra Cabo Verde, havia ali instruções para "manter a forma", o que mais transtornou não foi a adesão fanática a um espartilho táctico, mas sim o reduzido número de opções que cada jogador na posse da bola tinha para dar seguimento a um lance, numa manobra colectiva atacante significativamente menos coreografada do que uma flash-mob convocada por telemóvel.
Parece-me evidente que este Portugal não pode ser o Portugal do rendilhado perpétuo, o Portugal dos 65% de posse de bola, o Portugal que fazia isto, por exemplo
nem o Portugal de 2004 e 2006, vagamente modelado no controlo de jogo passivo-agressivo do Porto de Mourinho, que encarava qualquer equipa adversária como uma frota humanitária turca.
Nesta convocatória há apenas dois jogadores com capacidade para essas coisas (Pedro Mendes e Deco), com a agravante de que nem sequer eles são, nesta fase das suas carreiras, transportadores de bola (Enfim, o Deco vai ser dos jogadores portugueses com melhores exibições durante o Mundial, isso é certinho, mas não vai ser o portento físico e táctico de 2004, onde chegou a jogar um prolongamento inteiro a lateral-direito - e bem). E o Pedro Mendes, apesar daquela hiper-competência no passe lateral, e da quase psicótica renitência em cometer disparates, continua a parecer-me um corpo estranho ali no meio.
A discussão sobre a escolha do onze numa competição a eliminar não se esgota em momentos de forma, ou nas posições ideais de cada um, mas no impacto potencial que aquilo que cada um faz bem poderá ter nos outros. Numa equipa com Maniche, Figo, Rui Costa e Nuno Gomes, o Pedro Mendes seria titular indiscutível. Mas tudo aquilo que ele faz extremamente bem (talvez melhor do que qualquer outro jogador português neste momento) tem um impacto irrisório no comportamento dos poucos jogadores da selecção que podem ser decisivos.
Como o besugo tentou explicar, como até o Jesualdo Ferreira deu ideia de conseguir perceber aqui há dois anos, apenas para dar a ideia de não ter percebido nada logo a seguir, a única maneira de conjugar as especificidades técnicas e biomecânicas dos jogadores com qualidade para serem titulares nesta selecção é descartar triangulações, jogo apoiado e consequentes homossexualidades, e adoptar o que é irritante mas correctamente designado como jogo de transições rápidas - o jogo que o melhor Porto do Lucho e do Lisandro jogava: um jogo para o qual o Raúl Meireles está formatado, para o qual o Pepe, mesmo a 80%, pode perfeitamente fazer de Paulo Assunção/Fernando, o Deco de Lucho, o Danny de Cristián Rodriguez, e o Cristiano Ronaldo de qualquer coisa que, graças a Deus, o Porto nunca teve. Faz falta, muita falta, o Bosingwa, e faz falta o Fábio Coentrão que quase toda a gente insiste em ver, mas que eu sinceramente ainda não vi. (Assisti a seis jogos completos do Fábio Coentrão como lateral esta época, ao longo dos quais demonstrou repetidamente que não sabe defender cruzamentos do lado oposto, para além de ter sido comido sete vezes pelo Kuyt, duas vezes pelo Bruno Gama, uma vez por um jogador cabo-verdiano que alinha no Pandurii Târgu Jiu da Roménia, pelo que podemos todos estar descansados quando apanhar o Kalou pela frente).
Temos um problema adicional no facto de o Liedson não ser o Lisandro, e continuar, aliás, a subsistir no futebol português como um curioso exemplo de anti-NunoGomismo; excelente em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era mau, péssimo em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era muito bom, Liedson está agora a ser para a selecção nacional o mesmo que tem sido para o Sporting: uma coisa alienígena ali no meio a emperrar a engrenagem colectiva, condição disfarçada em Alvalade pelo facto de ele ser extravagantemente melhor do que a engrenagem que emperra.
Também fiquei com a ideia de que o Queiroz "anda a industriá-los para jogarem em ataque planeado", menos pelo que se viu nos jogos de preparação do que pelas suas repetidas declarações sobre uma "fidelidade" a "princípios muito nossos". Deixa-me sempre arrepiado, esta conversa da fidelidade a princípios futebolísticos (não aquele arrepio bom de quando vemos um youtube de momentos do Mundial de 1990 ao som do "Friends Will Be Friends" dos Queen, mas o arrepio mau de quando alguém nos tenta ler um poema, ou quando somos atacados por um pombo numa caixa multibanco dos Restauradores enquanto tentamos carregar o telemóvel de um amigo que por coincidência é columbofóbico).
Com as restrições que Portugal tem (o leque de jogadores convocáveis nunca é, num determinado momento, superior a 30, como demonstrou aquela pré-convocatória de 50), não poderemos ser fiéis a princípios. O Brasil, por exemplo, não só pode ser fiel a princípios, como até tem dois conjuntos de princípios opostos aos quais pode atrelar a sua fidelidade, como o Freitas do Amaral. A convocatória do Dunga (que eu decidi por unanimidade unilateral ser a pessoa mais detestável do Certame, superando até o Domenech e o Steven Gerrard), mostra que a tendência ideológica actual é a de 1994, com a presença de dois Dungas (Josué e Gilberto Silva), um Mauro Silva (Felipe Melo) e dois Zinhos (Ramires e Kléberson), três dos quais serão sempre titulares. Mas havia condições para seguir a tendência de 1970: ceder ao populismo romântico, convocar o Ronaldinho, o Pato, mais o Ganso, o Neymar e o resto daquela absurda catrefada de adolescentes talentosos do Santos, metê-los em campo ao mesmo tempo, transformar cada partida da fase de grupos num lento meiinho de praia, antes de serem elegantemente eliminados pela Itália nos quartos-de-final, possibilitando aos cronistas do Record reabilitarem para o discurso futebolístico a palavra "perfume".
Portugal não tem - nunca teve - a opção. Está obrigado a escolher os melhores jogadores do período em questão, independentemente das tipologias, sem subordinar a escolha a uma filosofia. E como nem sempre as tipologias são tão harmónicas como foram em 2000 (tão harmónicas que bastou o Humberto Coelho para as potenciar), o trabalho do seleccionador cai precisamente na área entre Logística e Estratégica - o improviso táctico - que sempre foi o mais profundo dos mistérios para Queiroz, o exemplo mais aflitivo que conheço daquele tipo de inteligência que não reconhece nada entre "fidelidade a princípios" e "visão a longo prazo", entre a Constituição e o Projecto. Queiroz ou pensa no que é de base, ou no que está dez anos para a frente, nunca no imediato. É um tipo de inteligência que não admite contingências - e historicamente, a sua resposta a contingências tem sido desastrosa. Estamos a falar de um homem capaz de planear com rigor uma campanha transnacional de vacinação preventiva, ou de fazer um plano quinquenal para erradicar a constipação. Mas se alguém espirra à sua frente, o homem desintegra-se, e é capaz de tirar o Paulo Torres ao intervalo, meter o Capucho a lateral-esquerdo e levar seis golos do Benfica, ou do Brasil.
O problema de Portugal é ter os jogadores errados não só para os jogadores certos que tem, como também para os outros jogadores errados, e ter o treinador errado tanto para os jogadores certos como para os errados, mas ainda assim o suicídio seria nesta altura precipitado. Os três jogos de preparação efectuados contra sucessivos fardos do homem branco mostraram, mais do que circunstanciais dificuldades físicas (tirando o Miguel, que está um trambolho, o resto parece-me tudo dentro das normas vigentes) uma assustadora ausência daquela dinâmica telepática que qualquer equipa a jogar só com 3 pessoas no meio-campo precisa para disfarçar o facto de só jogar com 3 pessoas no meio-campo. Mesmo tendo em conta que, especialmente no primeiro jogo contra Cabo Verde, havia ali instruções para "manter a forma", o que mais transtornou não foi a adesão fanática a um espartilho táctico, mas sim o reduzido número de opções que cada jogador na posse da bola tinha para dar seguimento a um lance, numa manobra colectiva atacante significativamente menos coreografada do que uma flash-mob convocada por telemóvel.
Parece-me evidente que este Portugal não pode ser o Portugal do rendilhado perpétuo, o Portugal dos 65% de posse de bola, o Portugal que fazia isto, por exemplo
nem o Portugal de 2004 e 2006, vagamente modelado no controlo de jogo passivo-agressivo do Porto de Mourinho, que encarava qualquer equipa adversária como uma frota humanitária turca.
Nesta convocatória há apenas dois jogadores com capacidade para essas coisas (Pedro Mendes e Deco), com a agravante de que nem sequer eles são, nesta fase das suas carreiras, transportadores de bola (Enfim, o Deco vai ser dos jogadores portugueses com melhores exibições durante o Mundial, isso é certinho, mas não vai ser o portento físico e táctico de 2004, onde chegou a jogar um prolongamento inteiro a lateral-direito - e bem). E o Pedro Mendes, apesar daquela hiper-competência no passe lateral, e da quase psicótica renitência em cometer disparates, continua a parecer-me um corpo estranho ali no meio.
A discussão sobre a escolha do onze numa competição a eliminar não se esgota em momentos de forma, ou nas posições ideais de cada um, mas no impacto potencial que aquilo que cada um faz bem poderá ter nos outros. Numa equipa com Maniche, Figo, Rui Costa e Nuno Gomes, o Pedro Mendes seria titular indiscutível. Mas tudo aquilo que ele faz extremamente bem (talvez melhor do que qualquer outro jogador português neste momento) tem um impacto irrisório no comportamento dos poucos jogadores da selecção que podem ser decisivos.
Como o besugo tentou explicar, como até o Jesualdo Ferreira deu ideia de conseguir perceber aqui há dois anos, apenas para dar a ideia de não ter percebido nada logo a seguir, a única maneira de conjugar as especificidades técnicas e biomecânicas dos jogadores com qualidade para serem titulares nesta selecção é descartar triangulações, jogo apoiado e consequentes homossexualidades, e adoptar o que é irritante mas correctamente designado como jogo de transições rápidas - o jogo que o melhor Porto do Lucho e do Lisandro jogava: um jogo para o qual o Raúl Meireles está formatado, para o qual o Pepe, mesmo a 80%, pode perfeitamente fazer de Paulo Assunção/Fernando, o Deco de Lucho, o Danny de Cristián Rodriguez, e o Cristiano Ronaldo de qualquer coisa que, graças a Deus, o Porto nunca teve. Faz falta, muita falta, o Bosingwa, e faz falta o Fábio Coentrão que quase toda a gente insiste em ver, mas que eu sinceramente ainda não vi. (Assisti a seis jogos completos do Fábio Coentrão como lateral esta época, ao longo dos quais demonstrou repetidamente que não sabe defender cruzamentos do lado oposto, para além de ter sido comido sete vezes pelo Kuyt, duas vezes pelo Bruno Gama, uma vez por um jogador cabo-verdiano que alinha no Pandurii Târgu Jiu da Roménia, pelo que podemos todos estar descansados quando apanhar o Kalou pela frente).
Temos um problema adicional no facto de o Liedson não ser o Lisandro, e continuar, aliás, a subsistir no futebol português como um curioso exemplo de anti-NunoGomismo; excelente em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era mau, péssimo em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era muito bom, Liedson está agora a ser para a selecção nacional o mesmo que tem sido para o Sporting: uma coisa alienígena ali no meio a emperrar a engrenagem colectiva, condição disfarçada em Alvalade pelo facto de ele ser extravagantemente melhor do que a engrenagem que emperra.
Também fiquei com a ideia de que o Queiroz "anda a industriá-los para jogarem em ataque planeado", menos pelo que se viu nos jogos de preparação do que pelas suas repetidas declarações sobre uma "fidelidade" a "princípios muito nossos". Deixa-me sempre arrepiado, esta conversa da fidelidade a princípios futebolísticos (não aquele arrepio bom de quando vemos um youtube de momentos do Mundial de 1990 ao som do "Friends Will Be Friends" dos Queen, mas o arrepio mau de quando alguém nos tenta ler um poema, ou quando somos atacados por um pombo numa caixa multibanco dos Restauradores enquanto tentamos carregar o telemóvel de um amigo que por coincidência é columbofóbico).
Com as restrições que Portugal tem (o leque de jogadores convocáveis nunca é, num determinado momento, superior a 30, como demonstrou aquela pré-convocatória de 50), não poderemos ser fiéis a princípios. O Brasil, por exemplo, não só pode ser fiel a princípios, como até tem dois conjuntos de princípios opostos aos quais pode atrelar a sua fidelidade, como o Freitas do Amaral. A convocatória do Dunga (que eu decidi por unanimidade unilateral ser a pessoa mais detestável do Certame, superando até o Domenech e o Steven Gerrard), mostra que a tendência ideológica actual é a de 1994, com a presença de dois Dungas (Josué e Gilberto Silva), um Mauro Silva (Felipe Melo) e dois Zinhos (Ramires e Kléberson), três dos quais serão sempre titulares. Mas havia condições para seguir a tendência de 1970: ceder ao populismo romântico, convocar o Ronaldinho, o Pato, mais o Ganso, o Neymar e o resto daquela absurda catrefada de adolescentes talentosos do Santos, metê-los em campo ao mesmo tempo, transformar cada partida da fase de grupos num lento meiinho de praia, antes de serem elegantemente eliminados pela Itália nos quartos-de-final, possibilitando aos cronistas do Record reabilitarem para o discurso futebolístico a palavra "perfume".
Portugal não tem - nunca teve - a opção. Está obrigado a escolher os melhores jogadores do período em questão, independentemente das tipologias, sem subordinar a escolha a uma filosofia. E como nem sempre as tipologias são tão harmónicas como foram em 2000 (tão harmónicas que bastou o Humberto Coelho para as potenciar), o trabalho do seleccionador cai precisamente na área entre Logística e Estratégica - o improviso táctico - que sempre foi o mais profundo dos mistérios para Queiroz, o exemplo mais aflitivo que conheço daquele tipo de inteligência que não reconhece nada entre "fidelidade a princípios" e "visão a longo prazo", entre a Constituição e o Projecto. Queiroz ou pensa no que é de base, ou no que está dez anos para a frente, nunca no imediato. É um tipo de inteligência que não admite contingências - e historicamente, a sua resposta a contingências tem sido desastrosa. Estamos a falar de um homem capaz de planear com rigor uma campanha transnacional de vacinação preventiva, ou de fazer um plano quinquenal para erradicar a constipação. Mas se alguém espirra à sua frente, o homem desintegra-se, e é capaz de tirar o Paulo Torres ao intervalo, meter o Capucho a lateral-esquerdo e levar seis golos do Benfica, ou do Brasil.
Vou agora estudar a situação das esplanadas com ecrã gigante na capital, mas manter-me-ei atento, prolífico, e carinhoso.
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