Monday, June 21, 2010

Pensões e hotéis (de reforma)

.



Dados da Pordata, a base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, criada por António Barreto, indicam que em Portugal existem 3.423.946 pensionistas inscritos na Segurança Social e na Caixa Geral de Aposentações. Os números relativos à população mostram que do total dos cidadãos residentes (10.655.842), havia 1.693.493 com mais de 65 anos. Ora, fazendo a diferença entre pensionistas e pessoas com mais de 65 anos chegamos à conclusão que existem 1.730.453 cidadãos que, não tendo idade para estar reformados, são apoiados pelo sistema de segurança social. É claro que neste número haverá casos de incapacidade e outras razões. Demos de barato que 730.453 pessoas estão nessa situação. Mesmo assim resta um milhão de cidadãos em idade activa que estão reformados. É um luxo a que, nos tempos que correm, o país não se deveria permitir.
Expresso, 19.06.2010

Depois de, recentemente, o novo líder do PSD ter começado a falar da necessidade de limitar as reformas de valor elevado e impedir a acumulação de reformas, agora passou a estar na ordem do dia o elevado número de reformas antecipadas existente em Portugal.
De modo mais ou menos velado os reformados são apresentados como culpados de malefícios vários.
Quem assim argumenta esquece que durante os anos oitenta do século passado o Estado e as empresas, em activa colaboração, tudo fizeram para pôr pela porta fora os trabalhadores que ultrapassassem a provecta idade dos cinquenta anos. O Estado e as empresas repartiam entre si os encargos da operação que implicava custear o sustento daqueles que esperavam, em casa, a chegada da idade legal da reforma.
Esta operação maciça, que qualquer pessoa mais "antiga" presenciou no seu local de trabalho, é bem reveladora da inconsciência e incapacidade de previsão de quem a promoveu.
João Duque referia-se a esta questão no Expresso de 12 de Junho desta forma:

"Durante anos, assisti atónito a um ardente desejo nacional de "passar à pré-reforma", situação deliciosa em que, numa mistura de empresa e Estado, num conluio intrageracional, se decidiu que não se trabalhava, se ia para casa mantendo o rendimento por inteiro. As deliciosas justificações eram mais do que muitas: esta gente (na casa dos 50!) já não se consegue reciclar, esta gente dá mais despesa em luz, papel, água ou renda pelo espaço que ocupa (no emprego, leia-se), do que se forem para casa, etc., etc., etc...
Da pré passava-se à dita, até porque aquela não passava de um purgatório à beira do paraíso...
Depois veio a técnica de 'comprar a reforma.' No meio de confusões monumentais e por esquemas que qualquer actuário de terceira categoria reprovaria liminarmente, assisti à escandalosa compra de reformas magníficas por pessoas importantíssimas, à mistura com a arraia-miúda que também aproveitou da confusão, até porque os eruditos esquemáticos sempre tiveram de usar a lei dos grandes números para se safarem no meio das multidões...
E é este o estado de Portugal. Temos uma geração de reformados florescentes, muitos ainda 'jovens' e, valha-nos isso, a transpirar saúde, com reformas nunca mais igualáveis - garantidas por direitos adquiridos e que nunca mais ninguém poderá adquirir -, a fazerem as delirantes delícias de uma geração de netos que vêem nos avós tudo o que os seus pais não têm: tempo, saúde, dinheiro, alegria, rejuvenescimento... Ao contrário, os pais correm atrasados para todo o lado, queixam-se de falta de dinheiro para acudir às exigências, da instabilidade do emprego, perdem a alegria, gritam com os filhos, definham, envelhecem."

Toda esta agitação acerca das pensões altas (algumas não são pensões mas verdadeiros hotéis de cinco estrelas), acumulação de pensões (em certos casos realmente escandalosas) e reformas antecipadas parece querer esbater uma injustiça primordial. Omitir que é preciso distinguir as pensões, altas ou baixas, que foram obtidas depois de longas carreiras contributivas e pesados encargos para os seus beneficiários, das pensões obtidas com poucos ou escassos descontos por parte daqueles que as auferem.

Empresas públicas e outras instituições estatais foram criando ao longo dos anos, para os seus próprios dirigentes, esquemas de reforma arbitrários e artificiosos que permitem auferir pensões significativas pelo simples facto de lá ter trabalhado "meia dúzia" de anos. Como se sabe os deputados à Assembleia da República beneficiaram também de benesses desse tipo durante muito tempo.

Ao longo de muitos anos os trabalhadores da Administração Pública tiveram o direito de se reformar com pensões idênticas ao último vencimento ou até, se a reforma fosse antecedida de uma promoção oportuna, maior do que o último vencimento.
Enquanto isso os trabalhadores "do privado" recebiam quando muito 80% da média dos 10 melhores dos últimos 15 anos de descontos. Em muitos casos, dependendo da inflacção durante os últimos anos de carreira, a pensão "no privado" rondava apenas os 60% do último vencimento.

Querer agora tratar como iguais todas estas situações, excepções e golpadas é cometer, pela segunda vez, as injustiças e discriminações que estão na sua origem.
Só há portanto uma forma séria de tratar os pensionistas; avaliando a justeza do valor das suas pensões com base nas suas reais carreiras contributivas (excluindo deste processo quem receba pensões mínimas ou mesmo inferiores a um certo valor a arbitrar).
Aqueles que ajudaram, com o sacrifício das suas contribuições para a Segurança Social, a pagar as reformas das gerações de trabalhadores que os tinham antecedido têm que merecer, por parte do Estado, a garantia de uma protecção especial.

.

No comments:

Post a Comment

Blog Archive