Sunday, October 10, 2010

Diques de areia

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Desde o 25 de Abril que tem havido um aumento de interesse pela maçonaria?
Sim, duplicámos o número de maçons nos últimos dez anos. É natural que estejamos a crescer, mas não queremos muitos mais. Atenção que a maçonaria não é uma instituição de massas, como um partido político. Nós próprios não queremos ultrapassar um determinado número. Somos muito selectivos.
Como é feita essa selecção? Que tipo de pessoas procuram?
As elites académicas, culturais, políticas... As elites em geral. As pessoas não vêm directamente ter connosco. Em geral isso faz-se indirectamente, através de pessoas do GOL que já se conhecem. Determinado obreiro, "irmão" (termo maçónico), propõe uma pessoa das suas relações.
A maçonaria é reconhecida ainda hoje como ordem secreta. Apesar de vivermos num regime democrático, a maioria dos maçons não admite que o é. Porquê?
É a própria pessoa que pode, se assim quiser, comunicar que é maçon. Ninguém é obrigado a assumir-se, isso seria uma violação da liberdade de consciência. Ninguém tem de se declarar benfiquista ou sportinguista e portanto também não tem de se declarar maçon.
Manter a identidade maçónica em segredo é muito comum entre os magistrados. Nenhum se assume como maçon, mas há muitos magistrados que o são.
Existe um certo preconceito no poder judicial. Alguns magistrados não aceitam muito bem a maçonaria. E, com medo que a opinião publica os condene - baseada naquela ideia de que a maçonaria é como uma instituição tentacular, uma espécie de polvo, que controla as instituições de todos os poderes, o que é inteiramente falso - não o assumem. Isso pode criar desconfianças, suspeitas dentro do poder judicial relativamente à condição de maçon de determinado juiz ou procurador. Por isso a maioria prefere não revelar.
Como já disse, os maçons têm cargos preeminentes na sociedade, as suas decisões podem influenciar o futuro do país. É normal discutirem os problemas actuais e a melhor forma para os resolver?
Sim, tentamos dar o nosso contributo, tentamos formar os nossos membros para que consigam, dentro das actividades que exercem, resolver os problemas do país. Mas eu sou grão-mestre e não reúno aqui nem em lado nenhum com ministros, deputados e juízes que são maçons para lhes dar instruções sobre o que devem fazer no governo ou na magistratura. Algumas pessoas vivem obcecadas com essa ideia.
Há casos em que de recusa quando tentam recrutar para o GOL?
Sim, porque não têm interesse ou têm medo. Mas normalmente quando um maçon convida uma pessoa já sabe que existe uma certa probabilidade de ela aceitar. Primeiro há uma observação, conhecimento do carácter da pessoa, e logo depois é que se vê se essa pessoa tem apetência para este tipo de trabalho. Ser maçon exige uma apetência da própria pessoa para praticar aquilo a que chamamos uma espiritualidade laica, para uma reflexão sobre temas que têm a ver com o sentido da existência, o sentido da vida, sem terem de passar pelo crivo religioso. A maçonaria está acima das divisões religiosas e político-partidárias.

António Reis, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL) ao jornal I, 09.10.2010
 

Qualquer grupo de pessoas, unidas por uma crença de verificação impossível, ligadas por códigos de fidelidade apertados, pode obter resultados surpreendentes e muito acima da sua representatividade ou peso relativo.
Esta tese tem sido demonstrada, pela vida, vezes sem conta.
Assim se explica, por exemplo, como uma célula partidária composta por uma dúzia de militantes consegue controlar e determinar a comissão de trabalhadores numa empresa com centenas de empregados ideológicamente distanciados.
As células dos partidos comunistas usaram esse método por todo o lado, através das suas disciplinadas reuniões de planeamento e distribuição de tarefas, com  enorme eficácia.

A maçonaria aplica o mesmo método, mas num plano mais elitista, apostando na colocação de “pedras” em lugares chave da comunicação, da administração e dos orgãos de poder.
Nada de novo, portanto.

Quando, em certas raras circunstâncias, esta questão invade o espaço público é comum ouvir vozes que verberam as distorções da democracia que tais métodos podem acarretar, já que os cidadãos “organizados” dispõem de uma capacidade de intervenção social que não está ao alcance do cidadão comum, por norma isolado.
Mas essa é apenas uma faceta do problema.
Há porventura consequências mais graves resultantes do funcionamento de grupos institucionalizados que, no seu interior, proporcionam aos seus membros uma sensação de impunidade, ou superioridade, que os limita na capacidade de compreender os “gentios” e de olhar para a sociedade como um organismo vivo com a sua genética e o seu determinismo natural.
Ideais que seriam salutares e desejáveis quando exercidos por cada um dos cidadãos, na sua intervenção cívica, podem converter-se em pesadelos quando vigoram no seio de grupos institucionalizados que se auto-delimitam do exterior. Todos os defeitos do clubismo e do fanatismo, tão óbvios e tão ridicularizados no futebol, encontram terreno fértil mesmo que adoptem práticas mais sofisticadas.
As crenças comuns desses grupos tendem a ser sobrevalorizadas ao ponto de a realidade passar a constituir um empecilho das engenharias sociais.

Há sem dúvida uma contradição insanável entre o vanguardismo necessário ao progresso social e a democraticidade das opções e decisões. Mas existe também uma contradição entre o vanguardismo e os ritmos e modos passíveis de ser realizados num dado contexto histórico e numa dada situação sócio-cultural.
É muito fácil cair-se na luta pela conquista de posições de poder, a todo o custo, sem fazer o esforço necessário para compreender certas dinâmicas inelutáveis no âmbito económico e cultural. Como se a bondade das intenções, e a superioridade moral das soluções, bastassem para garantir o sucesso.

A história da primeira República, tão invocada nos últimos dias, é um bom exemplo desse erro. O mesmo poderá ser dito da revolução de Outubro e da URSS.
A República actual, em Portugal, parece estar a seguir o mesmo padrão. Não há ideais, por mais justos que sejam, que resistam à decadência económica e ao desmoronamento das instituições minadas pelo clientelismo e o proteccionismo dos confrades.
A história tem mostrado que tais experiências terminam sempre em longos períodos de retrocesso social e político.

Está por inventar um modo de actuação que garanta o desenvolvimento de novas ideias e de novas formações sociais com base na compreensão profunda dos limites naturais impostos pelo acumulado histórico presente na realidade social. Substituindo os grupos enquanto instituições por grupos dinâmicos de cidadãos que nascem para realizar projectos e que morrem quando já não são necessários.
Corrigindo e redireccionando as forças que espontâneamente se movem na sociedade, em vez de tentar estancá-las com diques de areia.
 
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