- Responsável que sou (auto-nomeado) pela gestão do património do Julinho da Adelaide, venho por este meio informar-vos de que chegou a altura da sua rajada mensal de amor livre (foram três!, três posts de uma assentada). O expoente máximo em Portugal do estilo de raciocínio "self-inflicted-cask-of-amontillado-style-epistemic-bebop-wall-building" (ele escreve parênteses dentro de parênteses não como tique gráfico pós-moderno, mas porque é a única estratégia que o seu cérebro encontrou para sobreviver neste mundo fenomenologicamente devasso), o Julinho maneja também a prosa cómica ambidextra mais contagiante da blogosfera que conheço. O impacto pode não ser imediatamente óbvio para todos, mas isto, meus amigos, é como os cigarros: há que continuar a tossir até chegarmos ao ponto em que já não se pode passar sem aquilo. Controlar a respiração enquanto se lê também não prejudica.
- Este post tem-me causado imensos problemas, e estou a falar de problemas diários. Submeto-o a exegeses compulsivas; vejo lá coisas diferentes de um dia para o outro; faço perguntas a mim próprio (literalmente: falo sozinho); e estou a um passo de reescrever pierremenardicamente o Quixote com aquela frase como epígrafe.
- Outro blogue pouco conhecido, mas que urge começar a ser descoberto pelos portugueses, é o Estado Civil, cujo autor, inegavelmente talentoso (eu tenho olho para estas coisas), alimenta uma estranha e ternurenta fantasia pessoal de reabilitação de certas manifestações sonoras de Bob Dylan. Já não é a primeira vez que o apanho a reclamar de um misterioso degredo álbuns que, embora da fase não-consensual, são ouvidos e elogiados por quase toda a gente que conheço. Concordo que é preciso ter uma segurança retórica estratosférica para se começar a elogiar em público uma coisa como o, digamos, Knocked Out Loaded, mas daí a tratar o Oh Mercy como um gatinho abandonado que se trouxe para casa e se aconchegou num cobertor vai uma grande distância. E não me refiro apenas aos Dylanófilos; ainda na semana passada, a Dona Emília (minha vizinha do lado, que me empresta o carrinho de mão para acartar os citrinos menos pacientes, sempre que tenho de limpar o quintal), uma senhora pacata que é, na melhor das hipóteses, uma ouvinte ocasional de Dylan, me dizia: "Olhe, senhor Casanova, eu cá ouço quase tudo dessa fase, até o Down in the Groove, pela minha saúde. Agora, quando aquele mafarrico, benza-o Deus, me chamou o Don Was para produtor lá no Under-não-sei-das-quantas, só aí senhor Casanova - e está aqui o meu marido que não me deixa mentir - só aí é que lancei as mãos à cabeça e olhe, nunca mais consegui pegar naquilo".
«Most of the Time» não é apenas a melhor canção desse álbum: é uma das minhas preferidas da obra inteira. Se concordo que a letra é de difícil tradução, acho igualmente que vale a pena o esforço:
Grande parte do tempo
Com esta visão periférica
Grande parte do tempo
Tenho os chispes assentes na Terra esférica
Leio as tabuletas, conheço um atalho
Vou sempre a direito, até ir para o caralho
Mas cá vou andando, sem tropeçar
A gaja foi-se, mas estou-me a cagar
Grande parte do tempo
Grande parte do tempo
Só não vê isto um burgesso
Grande parte do tempo
Não estou para virar tudo do avesso
Aguento-me à bronca, no meio da confusão
Sou gajo para toda e qualquer situação
E sobrevivo, sou uma fera
Quero lá saber da megera
Grande parte do tempo
Grande parte do tempo
Sinto-me zen e tal
Grande parte do tempo
Não guardo cá ódios ao pessoal
Não sonho acordado até ir ao grego
Há para aí uns sacanas, mas para eles eu chego
Consigo ser simpático com a malta fatela
E já nem me lembro das beijocas dela
Grande parte do tempo
Grande parte do tempo
Tenho a carola em paz
Nem sequer a reconheço, palavra de honra
Deixei-a algures lá para trás
Grande parte do tempo
Já nem me lembro bem
Na questão do sexo oral
Quem fazia o quê a quem
Grande parte do tempo
Sinto-me bem, obrigado
Grande parte do tempo
Tenho este carnaval todo controlado
Não me engano a mim próprio
Não me escondo das cenas
Enterradas cá dentro, até são pequenas
Não há cá compromissos, já disse e repito
Não me interessa que ela ande com um nhónhó mais bonito
Grande parte do tempo
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