Saturday, October 31, 2009

A insuportável riqueza de pertencer

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.Quem dá nome às operações policiais? A mais recente chama-se "Face Oculta", mas ninguém dá a cara pelo baptismo. É pena, queria dar-lhe os parabéns.
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Em Aveiro, onde começou o caso que agora enche os jornais, há uma casa de alterne que se chama "Face Oculta". Bem escolhido para esta operação! O que se faz numa casa de alterne? O mesmo que a corrupção faz a um povo inteiro.
Ferreira Fernandes, DN 31.10.2009

Tem graça, mas eu preferia dar os parabéns a quem escolheu o nome por outra razão: é que ao dizer "Face Oculta" insinua-se que existe uma face visível. E essa face visível é a que passa todos os dias, nas televisões, à frente dos nossos olhos.
O Homem primordial aprendeu a proteger-se das ameaças da natureza através do agrupamento de famílas, clãs e tribos. Mas depois percebeu que também é em grupo que mais eficazmente se ataca e caça. E passou a agrupar-se também para obter privilégios, desapossar outros, e em geral, para exercer domínio.
O "homem é o lobo do homem" não por ser egoísta e ambicioso mas fundamentalmente por actuar, como os lobos, em forma de matilha. Os lobos solitários não podem fazer grande estrago.
Vem tudo isto a talhe de foice para dizer que a Face Oculta que nos choca é apenas a outra face da enorme moeda em que vivemos. A organização social, com as suas inúmeras formas de associação é, por muito que nos custe, o caldo de cultura ideal para todo o tipo de desmandos.
O egoísmo "natural" dos indivíduos é uma brincadeira de crianças quando comparado com a capacidade predadora das "organizações humanas". Mesmo quando elas invocam as mais nobres causas (tal como o arguido Manuel Godinho que se notabilizou por ajudar os Bombeiros e o Clube de Futebol de Esmoriz).
Por isso nutro uma enorme desconfiança pelas agremiações; quer sejam partidos ou clubes, tertúlias ou grupos de antigos "qualquer coisa", maçonarias ou Opus Dei, fãs do Tony Carreira ou sindicatos, igrejas ou clãs de académicos, corporações dos médicos, dos professores ou dos juízes. Em geral existem para vender o voto ou ser eleito, impressionar o chefe ou o patrão, pedir favores, privar com estrelas mediáticas, arranjar emprego para o próprio ou para os filhos, receber casa dada pela Câmara, arranjar padrinhos e cunhas, ficar bem visto pelos vizinhos e amigos, desbloquear as promoções ou os contratos, comprar a vida eterna pelo sim pelo não, sentir-se intelectual e culto e, em geral, ser políticamente correcto.
O cidadão, para o ser integralmente, precisa de fugir de tais esquemas como o diabo da cruz.
Marx falou dos proletários como "aqueles que nada têm a perder". Hoje, se queremos preservar a diginidade, é preciso não pertencer para nada ter a ganhar.
Hoje, quando a náusea se torna insuportável e nos apetece voltar à simplicidade primitiva só nos resta fugir para o Alentejo profundo ou para algum serrania transmontana.

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