
"Jean Barois foi um rapaz do meu tempo, porque no meu tempo de rapaz (anos 60) ainda se liam histórias do princípio daquele século. Roger Martin du Gard escreveu, 1913, O Drama de Jean Barois, a história de um jovem católico que, em adulto, descrê porque a Ciência lhe explica tudo; mas, velho, Barois retoma a fé antiga. Martin du Gard, que será Nobel em 1937, conta o drama sem tomar partido, mas deixando-nos com a suspeita de que o trajecto é inevitável."
Também eu, como tantos da minha geração, li este romance na adolescência, altura em que abandonei a religião para sempre.
O jovem que eu era ficou muito impressionado com a possibilidade de voltar a ser crente por efeito da velhice e dos medos da morte. Hoje, com os meus 64 anos, esses receios parecem-me descabidos.
Por isso não acompanho Ferreira Fernandes quando diz:
"Ser velho e continuar a tentar (acabar com as religiões) - e nessa coisa tão íntima e temível que é a religião, e indo a contracorrente - é simplesmente admirável."
Para quem, como eu, deixou há muito de se atormentar com a questão religiosa o regresso recorrente de Saramago ao tema soa a questão mal resolvida. Algo com que ele se continua a confrontar penosamente.
A mim o que me atormenta são os fanatismos, o vício humano de querer impor aos outros, de forma mais ou menos violenta, os comportamentos "correctos". E, como Saramago devia saber, os fanatismos não são exclusivo das religiões.
O retorno cíclico de Saramago à questão religiosa, mesmo que a pretexto de a negar ou até de provocar os seus actores, pode sobretudo significar que o problema não está resolvido no seu espírito.
Por isso a imaginação mostra-me um cenário a que eu não me atreveria: a conversão de Saramago no seu leito de moribundo.
Barois saltaria assim da ficção para história do século XXI como um tsunami cultural de grande magnitude.
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