Henrique Monteiro, Expresso 03.10.2009
Diversos especialistas dedicam várias horas a criticar o poder maléfico dos media e dos jornalistas. O que a actual crise mostrou, porém, foi uma coisa muito simples: os media são um espelho do país — por muito que analistas achem mais fácil partir o espelho do que mudar aquilo que o espelho reflecte.
Vejamos: assessores de Belém colocaram notícias num jornal; outro jornal denunciou uma fonte anónima de um concorrente, omitindo como obtivera acesso a dados internos do rival. Poderíamos discutir estes factos a sério se eles decorressem de alguma investigação criteriosa. Mas eu tenho tempo suficiente de jornais para dizer calmamente, sem medo de ser desmentido: não houve investigação nenhuma!
Há ainda a contar com a flagrante falta de ética em que incorreu o “DN” quando revelou uma fonte de um jornal rival. Aliás, o director desse diário, referindo acto semelhante ocorrido em 2004 — quando foram reveladas, por outra publicação, fontes do seu jornal — considerou que se tratava de “um acto nojento do ponto de vista ético e deontológico”, como lembrou Graça Rosendo no “Sol”. E acrescentava, como se previsse o argumento que agora usa: “o interesse público devidamente agitado, servirá como cortina de fumo ao crime jornalístico”. Concordo inteiramente com o que disse há cinco anos.
Esta conjugação de falta de ética e de cuidado jornalístico com movimentações subterrâneas e intrigas das altas instâncias do Estado provoca uma mistura que abala o regime, a credibilidade dos políticos e dos meios, mesmo a de quem (como o Expresso) se mostrou prudente e afastado da intriga (dissemos que o caso era tonto e chamámos-lhe sillygate, o que o discurso do PR confirmou).
Ao contrário do que dizem os arautos da regulação, como Santos Silva, a imposição de regras exteriores não impede as manipulações. Pelo contrário, o Governo, apesar da fúria reguladora, planta notícias em diversos jornais, apenas se distinguindo da Presidência e de outros actores pelo facto de ser bem mais profissional.
Enganam-se, pois, os que pensam que a Imprensa é um quarto poder. A imprensa é um contrapoder, cuja influência deve limitar abusos, corrupções, compadrios e jogadas políticas.
Porém, o seu inquinamento é exterior. Vem do verdadeiro poder que actua em boa parte da Comunicação Social como se esta fosse o seu ‘quarto de brinquedos’. Um poder que abusa da fragilidade económica dos media para os pressionar e que conta com a docilidade de certos proprietários de meios cujos créditos dependem muito de boas vontades políticas e financeiras.
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