A grande maioria dos portugueses não leu, e nunca lerá, os livros de Saramago mas ouviu-o na TV. A discussão em curso é, ou devia ser, sobre as afirmações desgarradas de Saramago que, essas sim, quase toda a gente ouviu.
O que está em causa não é a liberdade de expressão de Saramago, que ninguém pode retirar-lhe mesmo que queira. Saramago é até um dos poucos portugueses que terá eco nos meios de comunicação diga o que disser. (Infelizmente nos dias que correm é raro que as discussões sejam realmente sobre o tema aparente; estamos sempre a discutir outras coisas, por interposto pretexto, ou a tentar levar a água a algum moinho que não tem nada a ver com o caso em apreço).
O que está em causa também não é saber se Saramago tem ou não tem razão. Aquilo que Saramago disse já o disseram incontáveis intelectuais e artistas. Pode-se, como eu, achar que as teses dele são perfeitamente defensáveis e no entanto ter dúvidas sobre a bondade das afirmações feitas no lançamento do novo livro.
O que devia estar a ser discutido era por que razão decidiu Saramago, neste momento, começar a gritar coisas que estão fartas de ser ditas. Houve alguma modificação importante na sociedade portuguesa ? estamos em risco de ser manietados por algum tipo de fanáticos religiosos ? Parafraseando "Vêm aí os russos?" apetece dizer "Vêm aí os talibãs?"
Aquilo que eu observo é o que todos podemos ver: a esmagadora maioria dos cidadãos vive o seu dia a dia como se Deus não existisse e tem com a igreja uma relação institucional e rotineira. Na vida social são raras as referências à religião e às suas práticas e não tenho detectado qualquer proselitismo militante excepto da parte das Testemunhas de Jeová.
Por isso eu considero que a actuação de Saramago é surpreendente e difícil de interpretar, uma espécie de "vem aí o lobo" pela milésima vez.
Considero "O evangelho segundo Jesus Cristo" uma obra prima e admito que "Caim", que não li, seja também um excelente livro. Não tenho qualquer dúvida sobre a validade e importância de produzir tais obras literárias.
Já outro tanto não posso dizer desta recente campanha eleitoral contra Deus iniciada em Penafiel. Depois das europeias, das legislativas e das autárquicas não precisamos de umas "presidenciais trancendentais" entre Saramago e Deus. E muito menos que sejam uma espécie de primeira volta das verdadeiras presidenciais.
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