O debate entre Cavaco e Jerónimo teve aspectos curiosos, quase arriscaria que os contendores nutrem simpatia mútua. Talvez seja por partilharem um sentimento de "não fazerem parte do baralho", ou pela sua modesta origem ou por ambos não serem muito dotados para a esgrima da retórica.
Cavaco apareceu descontraído como eu nunca o vira e nem se ofendeu quando Jerónimo, embora de forma indirecta, lhe chamou mentiroso. Com sinceridade ou sem ela deu-se ao luxo de esvaziar alguns dos "papões" associados à sua figura (caso das privatizações) e, para meu espanto, chegou quase a ser simpático.
Este debate, ao contrário de outros, falou do mundo real da produção e dos trabalhadores deixando em segundo plano as questões que afligem os burocratas e as corporações.
O que se destaca de tudo o que foi dito e que resume a diferença entre Cavaco e Jerónimo é o dilema do bolo, ou seja, se o problema é o bolo ser muito pequeno ou se o problema é o bolo estar mal dividido.
Apesar de todos sabermos que ambos têm razão pois o bolo não só está mal repartido como, ainda por cima, é bastante pequeno a verdade é que esta formulação, de resto habitual, acaba por favorecer Cavaco.
Os candidatos da esquerda aparecem sistematicamente como alguém que só pensa em comer um bolo que o Cavaco tanto se preocupa em fazer crescer.
Este acesso de gula deriva de pensarem, erradamente, que só ganham muitos votos dando coisas às pessoas já. Como as seitas religiosas têm mostrado pode ser muito mais intenso o efeito das promessas de mundos maravilhosos mesmo que num futuro incerto.
A esquerda só terá verdadeiro sucesso quando convencer o povo de que a sua luta pela justiça na distribuição não só não põe em causa o desenvolvimento económico como é a única forma de o crescimento dar um salto qualitativo.
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