Por aqui vivo os meus últimos dias no
Público. E com o ambiente que se vive aqui parece que são mesmo os últimos dias do
Público como o conhecemos. Espero no entanto que a oportunidade que eu e mais três cientistas tivemos (e que para mim tem sido muitíssimo enriquecedora) se repita para o ano que vem. Aqui na redacção as pessoas olham umas para as outras à espera de uma convocatória para uma reunião com a administração. Os que já a tiveram discutem se aceitam a rescisão, se acertam a indemnização, como arranjar emprego...
Com isto, a produção e edição do jornal tem-se sentido, em particular a secção de ciência, afectada por férias de colaboradores. Da minha parte, não tendo directamente nada a ver com o assunto tenho feito o meu trabalho. Quando sair deixarei diversos artigos em agenda.
Se exceptuarmos casos de interesse mediático (ainda por cima este interesse é por vezes discutível) como o caso do “estatuto de Plutão”, o jornalismo científico não tem data de saída definida. E porquê? Porque é um tipo de jornalismo que não se esgota tão rapidamente. Não perde actualidade tão depressa como a política, a sociedade ou o desporto. Por isso mesmo – e não estou com isto a queixar-me do salário! – tem valor comercial: por não ser tão efémero.
A natureza da crise por que passam os jornais diários a nível mundial passa por aqui: desde que surgiu a internet, a informação efémera deixou de ter qualquer valor comercial. As pessoas não pagam para lerem hoje de manhã o mesmo que já leram de graça ontem à tarde na internet. O sucesso dos gratuitos deve-se a terem percebido isto muito bem. Por isso... são gratuitos, e estão aqui a demonstrar cabalmente a minha tese sobre a informação efémera.
Os jornais, para venderem, têm de conter informação que não seja só efémera: que não venha nos gratuitos. Precisamos de jornalismo que aprofunde os conteúdos; que não se limite a repetir o que vem nas agências noticiosas. Agora: será isso viável? Receio bem que não. E a culpa não é dos leitores: é mesmo da dimensão do mercado.
Em qualquer lugar do mundo um jornal de qualidade necessita de
N colaboradores. Não sei quantos, mas contando com pequenas variações, pelo menos a ordem de grandeza de
N deve ser bem definida e independente de especificidades locais (mercado, país, produtividade, ...). Agora, de certeza que
N é muito maior do que o número de colaboradores de um jornal popular ou gratuito. O jornalismo de qualidade dá muito trabalho; o
Público ou o
Diário de Notícias têm de ter muito mais colaboradores que o
24 Horas ou o
Correio da Manhã. É preciso perceber este ponto importante.
Para poder sustentar esse número de colaboradores, o jornal precisa vender
T exemplares (supõe-se para efeitos de simplificação para
T o mesmo que para
N). Há mercados em que tal é viável; se o mercado (se o país...) não for grande o suficiente para esses
T exemplares serem vendidos diariamente, a conclusão é que talvez um jornal diário de qualidade não seja viável.
Nos EUA o mercado é enorme, e por isso consegue-se fazer entre outros o
The New York Times, o melhor e mais completo jornal do mundo e principal referência jornalística a nível mundial.
Na Grã Bretanha consegue fazer-se o
The Guardian (um jornal de que eu não gosto, mas isso fica para outra ocasião); em Espanha, o
El País. Em França o
Libération tem problemas que, no entanto, talvez sejam específicos do jornal.
Em Portugal, se calhar, não há mercado para se ter jornais diários de qualidade. Havia, mas a internet veio roubá-lo. Presentemente se calhar não se consegue vender no mercado português
T exemplares por dia e sustentar
N colaboradores. Se calhar não é mesmo viável estar a tentar vender todos os dias jornalismo de referência. Haverá sempre mercado para ele, mas não todos os dias. Talvez só aos fins de semana. Por isso não prevejo grandes dificuldades aos semanários. Talvez no futuro só os diários gratuitos e os semanários sejam viáveis. Talvez por isso jornais como o
Público e o
DN, para sobreviverem, tenham de evoluir para um modelo misto, gratuito ou a preço simbólico durante a semana e com edições especiais pagas ao fim de semana. Não sei. Há que defender o jornalismo de qualidade, mas há que encarar as evidências.
Para ler mais: o
João Pedro Henriques, de quem fui colega por uns dias antes de ele se mudar para a Av. da Liberdade, há muito escreve sobre este assunto.