O Diário de Notícias oferece agora uma colecção de medalhas de portugueses famosos. Na edição impressa (mas não na edição electrónica), é incluída uma pequena nota biográfica sobre o homenageado. Na semana passada (creio que na sexta feira), calhou ser Eça de Queirós. O grande mestre da prosa novecentista era descrito como uma das figuras de proa do romantismo, o que já de si é um erro crasso, como qualquer aluno do 9º ano reconhecerá. Românticos eram Almeida Garrett ou Camilo Castelo Branco; Eça era um realista, como Balzac, Zola, Flaubert e outros.
Mas nem era este o único erro num texto de menos de dois mil caracteres. Numa passagem elogiavam a “riqueza” do vocabulário do Eça de Queirós. Ora se há crítica que é feita ao Eça de Queirós pelos seus detractores é a de ter um vocabulário algo limitado, recorrendo frequentemente aos galicismos (“chaminé” em vez de “lareira” e assim por diante). Mesmo admitindo que isso possa ser verdade, este facto realça no entanto a qualidade de Eça de Queirós que eu mais admiro: como consegue ser tão extraordinariamente sugestivo com uma tamanha economia de recursos. O uso por parte de Eça dos adjectivos e advérbios é o mais bonito que eu já vi. Mais do que nenhum outro romancista que eu conheça, a prosa queirosiana é uma obra de arte. E tudo isto com o referido vocabulário “limitado” e económico, características que eu aprecio num escritor. A escrita de Eça vale por si mesma, não necessita de adornos vocabulares pedantes e dispensa a consulta do dicionário. Eu nunca gostei de ir ao dicionário.
Assim encontramos, num texto simples de um jornal, dois erros de palmatória. Escritos provavelmente por um jornalista que teve muitas cadeiras de literatura (mais do que eu, que só tive o português do ensino secundário). No entanto, um bom aluno do 11º ano notará estes erros. Mas nem todos os alunos notarão. Esta biografia também será lida por estudantes da obra de Eça, que encontram assim no jornal de todos os dias uma contradição com aquilo que devem aprender na escola.
O editor de sociedade do Diário de Notícias, um rapaz que, calhando, até sabe calcular uns integrais e, se se esforçar, ainda inverte uma matriz, escreveu há tempos um artigo onde refere a falta que fazem melhores jornais. Tem razão, mas às vezes eu acho que também fazem falta melhores jornalistas.
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