Monday, September 24, 2007

K.


Não percebo, juro que não percebo. Alguém me explica?
A ocasional contratação falhada não é nenhum animal mitológico, mas sim um imperativo estatístico: o adepto espera-a e desenvolve mecanismos para lidar com ela. Mas é essencial que o falhanço seja tangível; que seja, aliás, retumbante; que o adepto lhe possa pôr o dedo (preferencialmente o do meio). Um Missé-Missé a artilhar pontapés de bicicleta tecnicamente abismais ante a incrédula defesa do Espinho enriquece o anedotário clubístico e fortalece (enfim, enfim...) aquela secção do espírito que será sempre necessária para apoiar essa instituição demente que é o Sporting Clube de Portugal.
Mas um jogador como Farnerud bloqueia as respostas elementares, e lança-nos num dilema moral, onde surgem até questões de jurisprudência. É que com Farnerud há crime, mas nunca há cadáver. Queremos criticar um lance, mas o lance não acontece. Queremos insultá-lo, mas não o encontramos. Queremos rir, mas não tem graça. Queremos questionar a integridade moral da senhora sua mãe, mas um inédito rebate de consciência faz soar o alarme: a culpa não é dela. E a culpa não é dele.
Farnerud comporta-se em campo como um personagem de Kafka, que acordou de manhã para se ver subitamente catapultado para a máquina alienadora que é o desporto de alta competição. Ele não percebe o que lhe está a acontecer, e isso comove. Tragado por colossais e impenetráveis burocracias técnicas (há que assimilar conceitos como linhas de passe, diagonais, recepção em movimento) Farnerud adquire a importância de um símbolo, provocando uma empatia com o adepto comum que, tal como ele, gosta bastante do que costuma acontecer num relvado, mas não o sabe reproduzir.
E essa pode, na verdade, ser a sua única oportunidade de redenção: levar a sua gritante anonimidade a um tal nível de sublimação que force a posteridade a atribuir-lhe relevância, adicionando o seu nome ao léxico. Temos o kafkiano para as repartições de finanças. Talvez o futuro nos dê o adjectivo farnerudiano, ferramenta essencial para que o jornalista desportivo e o adepto resignado possam definir contratações inexplicáveis. Que seja esse o seu legado. Como alternativa, sugiro um linchamento público. Debatam, debatam.

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