Conheci o Carlos Quintas em 1993 e convivi profissionalmente com ele durante sete anos. As nossas empresas estavam ligadas por participações no capital e funcionámos no mesmo edifíco, em andares adjacentes, durante alguns anos.
As nossas relações foram sempre cordiais e amistosas e eu pensava que o conhecia bem. O Carlos Quintas, que eu admirava como empresário, era dotado de uma objectividade impiedosa, uma auto-estima que roçava a arrogância e uma voracidade que levara a sua empresa a “conquistar terreno” desde a Austrália até ao Brasil, passando pelo Japão.
Se alguém me dissesse no princípio do ano 2000 que o Carlos Quintas iria mergulhar durante anos num retiro budista de meditação eu talvez largasse uma gargalhada.
No entanto foi exactamente isso que aconteceu.
Vejam o que ele disse sobre essa experiência nas páginas da Visão de ontem. Quando o encontrar vou ver se percebo melhor...
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Chegou de fato e gravata, num BMW azul escuro e com uma pasta na mão.
Carlos Quintas, 47 anos, regressou, recentemente, de um retiro budista no Sul de França, onde esteve em isolamento durante quatro anos. Mas, assim, à primeira vista, parece que nunca deixou de ser o presidente executivo da Altitude Software, uma empresa de novas tecnologias (criadora de software inovador para call centers) que se tornou num caso de sucesso internacional. A entrevista decorre no edifício Mozart, uma das torres junto do zoo de Lisboa, de entrada ampla e porteiro de serviço, onde vive, com a mulher e os dois filhos. No interior do apartamento, com vista sobre o eixo Norte-Sul, poucas manifestações existem da sua fé budista. As excepções são o colchão usado para meditar, enrolado no chão, e a estátua de uma divindade, numa das prateleiras da sala, a um canto.
Longe vai 8 de Novembro de 2,000, dia em que a Altitude Software estava prestes a ser cotada na bolsa de Amesterdão e Carlos Quintas a dois passos de se tornar multibi-lionário.
A Oferta Pública Inicial da promissora start-up realizava-se com perspectivas de valorização até 460 milhões de euros e, passado um ano, de 2 mil milhões. Só que, no dia da estreia no mercado de capitais, rebentou a bolha especulativa da era da Internet – a bolsa de Amesterdão caiu 5 por cento. Por essa altura, já os investidores institucionais tinham desistido da operação.
«Não me afectou grande coisa - sabia que a empresa ia ficar bem. Mas não era multibilionário, como previa», diz Carlos Quintas. A empresa, muito inovadora mas com contas desequilibradas, acabaria por ser vendida a Gastão Taveira, em 2003. «As pessoas julgam que o meu retiro se deveu às dificuldades da empresa. Na verdade, foram processos independentes mas paralelos. Já antes estava a tentar livrar-me da gestão diária da companhia, queria deixar de ser tão executivo. A venda acabou por me libertar.»
0 MOMENTO DA VIRAGEM
Á vida confortável que levava não conseguiu apaziguar as inquietações filosófico-religiosas que lhe inundavam o espírito. «Nunca fui do tipo de trabalhar 24horas por dia, não andava sempre estressado, fazia coisas de que gostava.» Esqui na neve e na água eram actividades a que dedicava bastante do seu tempo. Foi várias vezes campeão nacional de esqui aquático, na sua categoria, e atingiu um segundo lugar num campeonato do mundo. «Não é nada de especial, somos muito poucos, nesta modalidade», desvaloriza.
Qual o sentido da vida? O catolicismo com que cresceu não oferecia respostas satisfatórias. «Desenvolvi um espírito científico, era materialista.» Todavia, também a ciência acabou por se esgotar. «Há coisas que não se conseguem explicar por esse modelo, como a mecânica quântica», diz o antigo gestor, nascido em Olhão, no Algarve, mas criado em Setúbal.
«Tinha tudo o que queria. Mas, mesmo que não quisesse mais, podia sempre perder o que já conseguira. Tudo é temporário.
Perguntava-me: é inevitável ou há solução? Quanto mais temos, mais sofremos. Aprendi que a felicidade e o sofrimento são estados de espírito, percepções. Uma mente livre contribui para se atingir o estado de felicidade. Toda a gente pode chegar lá.»
O primeiro contacto com o budismo surgiu quando o director da filial dos EUA da companhia que geria lhe ofereceu o livro The Ari of Happiness, da autoria do Dalai Lama. Mas o grande momento de viragem aconteceu quando viu, pela primeira vez, em pessoa, o líder budista. Foi em Lisboa, em 2001 numa conferência realizada pela reitoria da Universidade de Lisboa.
...
O ex-gestor, formado em Engenharia Electrotécnica pelo Instituto Superior Técnico, com 18 valores, ainda não sabe o que vai fazer profissionalmente. Mas desmistifica a ideia de estar afastado do mundo. «Não vou ser um alien, um eremita...», esclarece. As capacidades que, entretanto, desenvolveu, de concentração e, até, de melhor aproveitamento do tempo, tornam-no, diz, «mais eficiente». A prioridade, porém, é cultivar a generosidade e fazer bem aos outros. E não porque se considere especialmente bom em comparação com os restantes mortais - aliás, o budismo ensina que só pensando na felicidade dos outros se alcança a felicidade própria. É um «facto inegável», corroborado pela experiência: «Os egoístas inteligentes são os mais altruístas...»
Os princípios budistas têm sido aplicados àgestão de empresas. Um dos casos públicos de sucesso é o do americano Michael Roach, da Andin International Diamond Company, uma companhia de comércio de pedras preciosas, Michael escreveu The Diamond Cut-ter, no qual relata como a adopção dos princípios budistas conduz à prosperidade.
Carlos Quintas ocupa, agora, parte do seu tempo a organizar a visita do Dalai Lama a Portugal. Para os seguidores de Buda (que não é uma pessoa, mas um estado da mente) será sempre um desafio equilibrar actividade e meditação. Mas mesmo esta, ao que parece, consegue conjugar-se com outras ocupações. Carlos Quintas diz que, ao longo desta entrevista, esteve sempre a meditar. Não vale a pena queimar neurónios a pensar em como isso é possível. São coisas para budista entender.
Carla Alves Ribeiro, Visão, 6 de Setembro 2007
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