1 – Ainda a “novidade” da acção dos Verde Eufémia
Foi com algum espanto que li no blog do Miguel Portas, Sem Muros, que “até hoje o debate sobre os transgénicos em Portugal não tinha passado do parlamento e de opiniões escritas nos jornais. A partir de hoje pode começar a ser diferente”. Num comentário que fiz no seu post, Eufémia desobediente, lembrei a acção, que já referi no artigo anterior (ver Parte I), levada a cabo no Porto de Lisboa pelo Greenpeace e que, há época (Fevereiro de 1997) teve razoável importância, lançando, na altura, em nome da Quercus, hoje falando em nome da Plataforma Transgénicos Fora, a incontornável Margarida Silva. Mas gostaria de lembrar que, para além dos comunicados, manifestos, discussões públicas em fora científicos ou de esclarecimento, este tema tem sido debatido em jornais e revistas, em programas de televisão e nas Assembleias Municipais, para declarar os seus municípios livres de transgénicos ou para impedir a realização de ensaios com OGM dentro dos limites dos seus concelhos. Já foi objecto de manifestações a que os organizadores chamaram caravanas dos espantalhos ou de acções directas como aquela que eu descrevi (ver Parte I) na ex-Faculdade de Ciências ou pela Brigada de Bio-Segurança e que é relatada aqui . O tema tem sido, portanto, razoavelmente divulgado e debatido. Constou até de um dos 10 pontos da plataforma eleitoral do Bloco de Esquerda para as eleições parlamentares de 2005, que depois foi substituído por outro, que o Bloco provavelmente considerou mais prioritário. Por tudo isto, espanta-me que esta acção dos Verde Eufémia fosse considerada como demiurga de um renovado interesse por este assunto. Foi de facto, mas, penso eu, para o matar de vez.
2 - Como se estivessem sempre a nascer de novo
Fico também surpreendido quando os ambientalistas anti-OGM de cada vez que empreendem uma acção ou publicam um comunicado o fazem como se fosse a primeira vez que falam do assunto e as pessoas desconhecessem o que já tinham dito anteriormente. Há dez anos que lutam contra os OGM, mas a última declaração constitui sempre a prova definitiva de que os OGM são perigosos. Ainda muito recentemente vi na televisão a Margarida Silva numa manifestação no Porto com a mesma “candura” com que há anos vem denunciando os perigos dos OGM.
Mas, se isto é uma impressão subjectiva de alguém que não concorda com os seus pontos de vista, apreciemos este comunicado da Plataforma Transgénicos Fora que teve ampla aceitação entre a informação de esquerda, foi publicado que eu visse em resistir.info e esquerda.net, e começa assim, foi “apresentada prova científica definitiva”, que depois ameniza para “prova científica irrefutável”. O mínimo que alguém que é cientista pode afirmar é que na ciência nada é definitivo e muito menos irrefutável. O comunicado referia-se a um novo tratamento estatístico dos dados referentes ao estudo da toxicidade do milho GM, MON 863, numa população de ratinhos apresentado pela multinacional Monsanto à Autoridade Europeia de Segurança Alimentar. Aquela autoridade reafirmou que o novo tratamento de dados apresentado não alterava as conclusões do estudo da Monsanto.
É evidente, e reconhecendo que estou a ridicularizar, para estes ambientalistas já tinham sido apresentadas provas definitivas sobre os efeitos nefastos dos OGM quando se publicaram os resultados de uma experiência em que se alimentaram ratinhos com batatas GM (Pusztai, The Lancet, Outubro de 1999) ou quando se relatou que, em laboratório, um milho GM provocava perturbações numa população de larvas da borboleta Monarca (Nature, Maio de 1999). Qualquer delas, no entanto, já caiu no esquecimento.
O que quero, portanto, afirmar é que o assunto não é novo, já tem pelo menos, no nosso país, dez anos de discussão e não se pode, como se fosse a primeira vez, propor a proibição ou a aprovação de novas moratórias sobre a cultura ou comercialização de OGM, como se não houvesse ao nível europeu e mundial já uma experiência longa com as mesmas. Hoje, as intervenções dos ambientalistas terão que ser diversificadas pois é manifestamente impossível impedir que a Europa comunitária autorize, dentro de condicionalismos apertados, a realização de culturas ou a comercialização dos OGM.
Neste caso, tem-se a sensação que os ambientalistas tal como o Governo funcionam perante factos consumados. Esteve-se anos a discutir a legislação, quando ela está pronta e depois dos OGM estarem aprovados em Bruxelas e as suas variedades GM inscritas no Catálogo Comunitário (inscrição indispensável à venda de sementes de qualquer variedade agrícola, quer seja transgénica ou não), aqui D’el-rei que é preciso proibir a sua cultura. Por tudo isto os ambientalistas têm que estar atentos, actuar no momento oportuno, forçar a criação em Portugal de Comités, Comissões, ou seja o que for, onde possam participar e dar a sua opinião. É evidente que isto dá trabalho, não é espectacular e não permite criar aquele espírito de pânico, que os leva a fazer comunicados que aterrorizam os consumidores. Mas o Governo também assim procede, só se preocupa com os OGM quando eles são referidos nos media. Mas as posições do Governo ficam para uma terceira parte.
3 - Os OGM e os seus medos
Permitam-me que neste ponto recorra ao artigo, a que introduzi algumas alterações, que foi por mim escrito para Ideias à Esquerda (nº 1, 2003):
“De que falamos quando falamos de OGM. Estamos a descrever, de facto, novos organismos que, devido à engenharia genética, têm o seu genoma alterado em relação à espécie original, alteração essa que permite a quem os produz ou os utiliza obter uma vantagem comercial ou industrial e até, no futuro, medicinal. Estamos pois perante uma nova tecnologia, que desde que avaliada caso a caso, tem aspectos sociais positivos e negativos, em função de quem a domina e ao serviço de quem está
As principais críticas que se levantam em relação aos OGM podem-se agrupar em três categorias, que por vezes surgem interligadas, que são o receio do desconhecido, um produto das multinacionais ou perigosos para a saúde ou para o ambiente.
1 - Receio do desconhecido: estaríamos perante a comida Frankenstein, abriríamos novas caixas de Pandora ou armar-nos-íamos em aprendizes de feiticeiro, isto na versão mais suave do irracionalismo acientífico, porque nas versões mais místicas estaríamos a alterar aquilo que é mais sagrado que é a vida, que a Deus pertence. “Este género de modificações genéticas conduz o Homem para um reino que só pertence a Deus e unicamente a Deus.” (Príncipe Carlos, The Daily Telegraph, 8 Junho de 1998). Penso que sobre estes argumentos estamos conversados. São as novas variantes irracionalistas contra o apogeu das “luzes” na cultura ocidental.
2 - Produto das multinacionais: como esta técnica foi desenvolvida inicialmente e depois comercializada pelas multinacionais da agro-química e teve uma grande desenvolvimento nos Estados Unidos da América (várias culturas) e em países onde existe uma agricultura intensiva, principalmente Canadá (colza, milho e soja), Argentina (soja, milho e algodão) e Austrália (algodão), foi associada ao poderio económico dos EUA e das suas multinacionais. Hoje em dia, tem sido desenvolvida igualmente na Índia (algodão), na China (algodão), nas Filipinas (milho), na África do Sul (milho, soja e algodão), no Brasil (soja e algodão), no Paraguai (soja), no Uruguai (soja e milho), no México (soja e algodão) e em alguns países da Europa Comunitária, como sejam a Espanha (milho), a Roménia (soja), Portugal (milho), a França (milho), a Alemanha (milho), a República Checa (milho) e a Eslováquia (milho). Apesar de estarmos perante uma técnica que serve as multinacionais, que já eram donas dos principais produtos fito-farmacêuticos e da distribuição de sementes à escala mundial, pode igualmente ser desenvolvida por centros de investigação nacionais ao serviço da produção e da independência económica. Cuba está neste momento investindo fortemente nas biotecnologias e a China está-se virando denodadamente para a cultura das plantas transgénicas
3 - Perigosos para a saúde e para o ambiente: este é sem dúvida alguma o problema que desperta mais medos na população e nesse sentido o lançamento no mercado de novos OGM deverá ser sempre acompanhado, pelo menos a legislação europeia já o exige, de avaliações de risco, como não são feitos para mais nenhum outro alimento, sobre o seu impacto no ambiente e na saúde humana. É evidente que levado ao extremo o princípio da precaução, hoje tão caro a qualquer legislação ambientalista, seria impossível cultivar qualquer planta transgénica, mas, igualmente, muitas outras plantas, cuja inocuidade para a saúde humana não é absoluta.
Os OGM são pois produtos obtidos a partir de uma tecnologia de ponta que, posta ao serviço dos interesses nacionais e da defesa da independência económica permite obter resultados extremamente favoráveis, principalmente se se tomar em conta as possibilidades imensas que as alterações genéticas de certas plantas abrem no campo da medicina (introdução de vacinas e de vitaminas, fritos com menor absorção das gorduras, etc.), na resistência à seca ou ao frio ou na obtenção de maior produtividade.”
4 – Os OGM e a Esquerda
Os grupos ambientalistas foram os primeiros a alertarem e a lutarem contra os OGM. As suas críticas se, numa primeira ofensiva, incidiam muito sobre o aspecto irracionalista da questão, hoje são uma mistura hábil de argumentos em defesa da saúde, do ambiente e do consumidor, tudo isto debaixo da insinuação de que, por serem produzidos pelas multinacionais, os poderes públicos não nos protegem devidamente contra a sua nocividade. Propõe, em alternativa, a defesa da agricultura biológica.
A esquerda em Portugal, não vinculada ao PS, numa preocupação justa de envolver no seu discurso a defesa das preocupações ambientais, tem vindo, com as especificidades próprias de cada corrente, a manifestar-se contra os OGM, seguindo de certo modo a mesma argumentação dos ambientalistas.
Assim, para o PCP, e recorrendo a um artigo recente publicado no Avante , “até que existam provas cabais da inexistência de riscos para a saúde humana e animal e para o ambiente do uso de OGM, deve respeitar-se o princípio da precaução e recusar-se a patenteação e mercantilização da vida, não permitindo que um punhado de multinacionais, sobretudo americanas, possam controlar os agricultores e a agricultura, ou seja o controlo da alimentação.” Tal como afirmei em relação aos ambientalistas, para este Partido os problemas da saúde humana e ambientais justificam que se proíba ou suspenda a cultura dos OGM que, acrescenta o texto, são produzidos por um punhado de multinacionais americanas.
No entanto, para o comentarista do jornal Avante, a posição anteriormente defendida “não pode ser de forma alguma confundida com a rejeição da biotecnologia, o seu desenvolvimento e a sua aplicação ao serviço da humanidade através da investigação pública.” Não estaria mais de acordo com esta posição, pena é que ela não sirva para separar a luta justa contra as multinacionais no âmbito do agro-negócio dos perigos inventados que são atribuídos aos OGM já autorizados.
Quanto ao Bloco de Esquerda, uma leitura rápida do site esquerda.net permite-nos concluir por uma grande afinidade deste partido com os movimentos ambientalistas, dando a maioria das vezes voz à Plataforma Transgénicos Fora ou ao Greenpeace. No entanto, Louçã defende, em afirmações transcritas no esquerda.net, “uma agricultura livre de organismos geneticamente modificados, de acordo com a opinião da maioria da população e dos cientistas, em alternativa a uma agricultura ao serviço das grandes multinacionais do sector, que controlam a produção mundial de produtos transgénicos.” Realçando assim que, o que está em causa é a crítica a uma agricultura ao “serviço das multinacionais” e não expressamente os problemas ambientais e de saúde humana, apesar da referência um pouco deslocada da rejeição dos OGM pelos cientistas. No entanto, não encontrei naquele site, ao contrário do Avante, a defesa da biotecnologia posta ao serviço da humanidade através da investigação pública. Pode-se considerar que ele está mais próximo da visão estritamente ambientalista do Greenpeace, expressa em “12 perguntas e respostas sobre transgénicos”, do que das posições ainda dominantes no PCP de uma ciência ao serviço do povo e do progresso social.
Quanto ao PS segue a trajectória de Partido de Governo. Quando está na oposição é mais ou menos contra, quando está no Governo é mais ou menos a favor. É pois o bom exemplo das ambiguidades do Governo português sobre esta matéria. Quer dar a ideia nos media que é contra, mas no Governo nada faz para clarificar a situação. O mesmo se passa como PSD, cujo PSD/Algarve chega a declarar, a propósito dos acontecimentos de Silves, que o Ministro da Agricultura “actuou com a celeridade de um verdadeiro capataz das multinacionais dos transgénicos”. São Partidos pouco fiáveis sobre este assunto e têm sido responsáveis pela ausência na opinião pública portuguesa de uma posição séria e fundamentada sobre os OGM.
5 - Algumas ideias feitas sobre os OGM
Uma das críticas que mais tem sido realçada em relação aos OGM tem sido de que os agricultores que adquirirem sementes deste tipo ficam presos a elas para sempre, pois têm todos os anos que as comprar à multinacional que as produz. Isto é verdade, contudo a maioria do milho que hoje se produz nos campos do Sul do país (Ribatejo, Oeste e Alentejo) já está dependente das multinacionais do ramo, quer para a aquisição das próprias sementes, quer para os agro-químicos.
Hoje a maioria das sementes comercializadas são de milho híbrido, com as respectivas variedades inscritas no nosso Catálogo Nacional, ora, como o próprio nome indica, estas sementes resultam do cruzamento de diversas características, assim, de acordo com as leis da hereditariedade de Mendel, logo na segunda geração essas características separam-se, não permitindo pois que o agricultor conserve sementes de milho de um ano para o outro. É evidente que este tipo de culturas tem que ser compatível com aquilo que se passa em certas zonas do Norte do país, onde o milho é cultivado em pequenas parcelas de terreno e onde os agricultores foram seleccionando as melhores variedades e conservando as suas sementes de ano para ano. Esta imensa riqueza foi mantida em bancos de germoplasma. Não sei se presentemente, com a fúria economicista que atravessa o Ministério da Agricultura, ainda subsiste o Banco Português de Germoplasma Vegetal, com sede em Braga?
Outra das ideias feitas é aquela que considera que na Europa a maioria da população está contra os OGM, o que é verdade, não pelas razões evocadas pelos ambientalistas, mas porque as multinacionais, habitadas a tratar directamente com os agricultores, não perceberam a força do movimento dos consumidores na Europa, e introduziram inicialmente no mercado, produtos que só são vantajosos para a minoria que os cultiva e nunca para a maioria que os consome. Perguntam os ambientalistas, qual a vantagem que os consumidores retiram de um milho GM, resistente à broca do milho? Nenhum, respondem aqueles em uníssono. Penso que a segunda geração de OGM, mais virada para os interesses do consumidor, obterá de certeza maior apoio destes.
Mas voltando à resistência da Europa aos OGM. Uma das ideias feitas é que tem sido a força do movimento ambientalista e dos consumidores que tem impedido a sua libertação no espaço europeu e que os Governos, feitos com os americanos, arranjam sempre artimanhas para fazerem avaliações de risco pouco fiáveis, deixando assim entrar na fortaleza europeia o Cavalo de Tróia do imperialismo. Ora nada disto é verdade. Em Portugal, que eu tenha conhecimento, a primeira pressão que houve para que o nosso Governo não votasse favoravelmente um tomate GM, foi dos produtores de tomate portugueses, que queriam vender para o mercado inglês tomate com a garantia que não era GM. Mas mais recentemente, no Governo do PSD/CDC, houve posições diferentes em Bruxelas do Ministério da Agricultura e o do Ambiente, porque o primeiro, penso que por pressão de Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS), votava nos plenários em que estava representado contra a aprovação de OGM destinados à alimentação humana e animal, e o segundo, na base unicamente de pareceres científicos, votava favoravelmente nos comités do ambiente. Interessa também saber que se a CNA tem tomado sempre uma posição clara contra os OGM, já a CAP teve posições muito ambíguas, de esperar para ver. Dizia-me já há anos alguém do Ministério da Agricultura que no conjunto dos intervenientes na produção do milho em Portugal, os únicos que tinham interesse no milho GM era os produtores de rações para animais. E com razão, quanto mais caro compravam o produto mais caro vendiam a sua mercadoria e o milho não-GM é vendido mais caro do que o GM.
Por isso, também durante muitos anos, a França foi uma das principais opositoras a produção de milho GM, pois, como a sua produção era excedentária, estava interessada a colocá-lo no mercado mais caro, dado que o americano por ser GM não podia ser exportado para a Europa. Como em Espanha isso já não se verificava, este país virou-se para a produção de OGM, votando sempre em Bruxelas pela sua autorização.
Outros países, como a Áustria, que tinha investido fortemente na agricultura biológica, eram dos mais resistentes à sua aprovação na UE. O mesmo sucedia com o Governo de Berlusconni, em que o ministro neo-fascista da Agricultura foi sempre um dos principais opositores aos OGM, dado que, e com razão, achava que estes iriam destruir os produtos tradicionais da agricultura transalpina.
Havia também multinacionais do ramo alimentar, como a Nestlé, que garantiam que os seus produtos não continham OGM, porque os consumidores não queriam.
Todos estes exemplos tentam chamar a atenção para que a luta contra os OGM baseada unicamente nos perigos para o ambiente e a saúde humana, sendo justa, quando exige rigor na aprovação daqueles, pode muitas vezes conduzir, mesmo que isso não seja deliberado por parte dos seus promotores, a um grupo económico sair reforçado em detrimento de outro e não à verdadeira defesa de uma agricultura diferente, do ponto de vista social e económico.
Por outro lado, a difusão das culturas GM à escala mundial exige um outro rigor de apreciação, que obriga as forças progressistas a cada momento a saberem para cada país quais são as forças camponesas aliadas, quais os interesses das burguesias nacionais, que são as principais portas de entrada das multinacionais do ramo, e quais os Governos que estão ao serviço de um verdadeiro desenvolvimento das suas populações. Tudo isto exige muito mais rigor, ter uma perspectiva progressista da luta, e não nos deixarmos arrastar por meia dúzia de proclamações incendiárias, que não correspondem à verdade científica e que se podem voltar contra nós quando as forças progressistas puderem vir a ser Governo.
O post já vai longo e dado o muito que ainda queria escrever terei que partir para uma terceira parte.
Foi com algum espanto que li no blog do Miguel Portas, Sem Muros, que “até hoje o debate sobre os transgénicos em Portugal não tinha passado do parlamento e de opiniões escritas nos jornais. A partir de hoje pode começar a ser diferente”. Num comentário que fiz no seu post, Eufémia desobediente, lembrei a acção, que já referi no artigo anterior (ver Parte I), levada a cabo no Porto de Lisboa pelo Greenpeace e que, há época (Fevereiro de 1997) teve razoável importância, lançando, na altura, em nome da Quercus, hoje falando em nome da Plataforma Transgénicos Fora, a incontornável Margarida Silva. Mas gostaria de lembrar que, para além dos comunicados, manifestos, discussões públicas em fora científicos ou de esclarecimento, este tema tem sido debatido em jornais e revistas, em programas de televisão e nas Assembleias Municipais, para declarar os seus municípios livres de transgénicos ou para impedir a realização de ensaios com OGM dentro dos limites dos seus concelhos. Já foi objecto de manifestações a que os organizadores chamaram caravanas dos espantalhos ou de acções directas como aquela que eu descrevi (ver Parte I) na ex-Faculdade de Ciências ou pela Brigada de Bio-Segurança e que é relatada aqui . O tema tem sido, portanto, razoavelmente divulgado e debatido. Constou até de um dos 10 pontos da plataforma eleitoral do Bloco de Esquerda para as eleições parlamentares de 2005, que depois foi substituído por outro, que o Bloco provavelmente considerou mais prioritário. Por tudo isto, espanta-me que esta acção dos Verde Eufémia fosse considerada como demiurga de um renovado interesse por este assunto. Foi de facto, mas, penso eu, para o matar de vez.
2 - Como se estivessem sempre a nascer de novo
Fico também surpreendido quando os ambientalistas anti-OGM de cada vez que empreendem uma acção ou publicam um comunicado o fazem como se fosse a primeira vez que falam do assunto e as pessoas desconhecessem o que já tinham dito anteriormente. Há dez anos que lutam contra os OGM, mas a última declaração constitui sempre a prova definitiva de que os OGM são perigosos. Ainda muito recentemente vi na televisão a Margarida Silva numa manifestação no Porto com a mesma “candura” com que há anos vem denunciando os perigos dos OGM.
Mas, se isto é uma impressão subjectiva de alguém que não concorda com os seus pontos de vista, apreciemos este comunicado da Plataforma Transgénicos Fora que teve ampla aceitação entre a informação de esquerda, foi publicado que eu visse em resistir.info e esquerda.net, e começa assim, foi “apresentada prova científica definitiva”, que depois ameniza para “prova científica irrefutável”. O mínimo que alguém que é cientista pode afirmar é que na ciência nada é definitivo e muito menos irrefutável. O comunicado referia-se a um novo tratamento estatístico dos dados referentes ao estudo da toxicidade do milho GM, MON 863, numa população de ratinhos apresentado pela multinacional Monsanto à Autoridade Europeia de Segurança Alimentar. Aquela autoridade reafirmou que o novo tratamento de dados apresentado não alterava as conclusões do estudo da Monsanto.
É evidente, e reconhecendo que estou a ridicularizar, para estes ambientalistas já tinham sido apresentadas provas definitivas sobre os efeitos nefastos dos OGM quando se publicaram os resultados de uma experiência em que se alimentaram ratinhos com batatas GM (Pusztai, The Lancet, Outubro de 1999) ou quando se relatou que, em laboratório, um milho GM provocava perturbações numa população de larvas da borboleta Monarca (Nature, Maio de 1999). Qualquer delas, no entanto, já caiu no esquecimento.
O que quero, portanto, afirmar é que o assunto não é novo, já tem pelo menos, no nosso país, dez anos de discussão e não se pode, como se fosse a primeira vez, propor a proibição ou a aprovação de novas moratórias sobre a cultura ou comercialização de OGM, como se não houvesse ao nível europeu e mundial já uma experiência longa com as mesmas. Hoje, as intervenções dos ambientalistas terão que ser diversificadas pois é manifestamente impossível impedir que a Europa comunitária autorize, dentro de condicionalismos apertados, a realização de culturas ou a comercialização dos OGM.
Neste caso, tem-se a sensação que os ambientalistas tal como o Governo funcionam perante factos consumados. Esteve-se anos a discutir a legislação, quando ela está pronta e depois dos OGM estarem aprovados em Bruxelas e as suas variedades GM inscritas no Catálogo Comunitário (inscrição indispensável à venda de sementes de qualquer variedade agrícola, quer seja transgénica ou não), aqui D’el-rei que é preciso proibir a sua cultura. Por tudo isto os ambientalistas têm que estar atentos, actuar no momento oportuno, forçar a criação em Portugal de Comités, Comissões, ou seja o que for, onde possam participar e dar a sua opinião. É evidente que isto dá trabalho, não é espectacular e não permite criar aquele espírito de pânico, que os leva a fazer comunicados que aterrorizam os consumidores. Mas o Governo também assim procede, só se preocupa com os OGM quando eles são referidos nos media. Mas as posições do Governo ficam para uma terceira parte.
3 - Os OGM e os seus medos
Permitam-me que neste ponto recorra ao artigo, a que introduzi algumas alterações, que foi por mim escrito para Ideias à Esquerda (nº 1, 2003):
“De que falamos quando falamos de OGM. Estamos a descrever, de facto, novos organismos que, devido à engenharia genética, têm o seu genoma alterado em relação à espécie original, alteração essa que permite a quem os produz ou os utiliza obter uma vantagem comercial ou industrial e até, no futuro, medicinal. Estamos pois perante uma nova tecnologia, que desde que avaliada caso a caso, tem aspectos sociais positivos e negativos, em função de quem a domina e ao serviço de quem está
As principais críticas que se levantam em relação aos OGM podem-se agrupar em três categorias, que por vezes surgem interligadas, que são o receio do desconhecido, um produto das multinacionais ou perigosos para a saúde ou para o ambiente.
1 - Receio do desconhecido: estaríamos perante a comida Frankenstein, abriríamos novas caixas de Pandora ou armar-nos-íamos em aprendizes de feiticeiro, isto na versão mais suave do irracionalismo acientífico, porque nas versões mais místicas estaríamos a alterar aquilo que é mais sagrado que é a vida, que a Deus pertence. “Este género de modificações genéticas conduz o Homem para um reino que só pertence a Deus e unicamente a Deus.” (Príncipe Carlos, The Daily Telegraph, 8 Junho de 1998). Penso que sobre estes argumentos estamos conversados. São as novas variantes irracionalistas contra o apogeu das “luzes” na cultura ocidental.
2 - Produto das multinacionais: como esta técnica foi desenvolvida inicialmente e depois comercializada pelas multinacionais da agro-química e teve uma grande desenvolvimento nos Estados Unidos da América (várias culturas) e em países onde existe uma agricultura intensiva, principalmente Canadá (colza, milho e soja), Argentina (soja, milho e algodão) e Austrália (algodão), foi associada ao poderio económico dos EUA e das suas multinacionais. Hoje em dia, tem sido desenvolvida igualmente na Índia (algodão), na China (algodão), nas Filipinas (milho), na África do Sul (milho, soja e algodão), no Brasil (soja e algodão), no Paraguai (soja), no Uruguai (soja e milho), no México (soja e algodão) e em alguns países da Europa Comunitária, como sejam a Espanha (milho), a Roménia (soja), Portugal (milho), a França (milho), a Alemanha (milho), a República Checa (milho) e a Eslováquia (milho). Apesar de estarmos perante uma técnica que serve as multinacionais, que já eram donas dos principais produtos fito-farmacêuticos e da distribuição de sementes à escala mundial, pode igualmente ser desenvolvida por centros de investigação nacionais ao serviço da produção e da independência económica. Cuba está neste momento investindo fortemente nas biotecnologias e a China está-se virando denodadamente para a cultura das plantas transgénicas
3 - Perigosos para a saúde e para o ambiente: este é sem dúvida alguma o problema que desperta mais medos na população e nesse sentido o lançamento no mercado de novos OGM deverá ser sempre acompanhado, pelo menos a legislação europeia já o exige, de avaliações de risco, como não são feitos para mais nenhum outro alimento, sobre o seu impacto no ambiente e na saúde humana. É evidente que levado ao extremo o princípio da precaução, hoje tão caro a qualquer legislação ambientalista, seria impossível cultivar qualquer planta transgénica, mas, igualmente, muitas outras plantas, cuja inocuidade para a saúde humana não é absoluta.
Os OGM são pois produtos obtidos a partir de uma tecnologia de ponta que, posta ao serviço dos interesses nacionais e da defesa da independência económica permite obter resultados extremamente favoráveis, principalmente se se tomar em conta as possibilidades imensas que as alterações genéticas de certas plantas abrem no campo da medicina (introdução de vacinas e de vitaminas, fritos com menor absorção das gorduras, etc.), na resistência à seca ou ao frio ou na obtenção de maior produtividade.”
4 – Os OGM e a Esquerda
Os grupos ambientalistas foram os primeiros a alertarem e a lutarem contra os OGM. As suas críticas se, numa primeira ofensiva, incidiam muito sobre o aspecto irracionalista da questão, hoje são uma mistura hábil de argumentos em defesa da saúde, do ambiente e do consumidor, tudo isto debaixo da insinuação de que, por serem produzidos pelas multinacionais, os poderes públicos não nos protegem devidamente contra a sua nocividade. Propõe, em alternativa, a defesa da agricultura biológica.
A esquerda em Portugal, não vinculada ao PS, numa preocupação justa de envolver no seu discurso a defesa das preocupações ambientais, tem vindo, com as especificidades próprias de cada corrente, a manifestar-se contra os OGM, seguindo de certo modo a mesma argumentação dos ambientalistas.
Assim, para o PCP, e recorrendo a um artigo recente publicado no Avante , “até que existam provas cabais da inexistência de riscos para a saúde humana e animal e para o ambiente do uso de OGM, deve respeitar-se o princípio da precaução e recusar-se a patenteação e mercantilização da vida, não permitindo que um punhado de multinacionais, sobretudo americanas, possam controlar os agricultores e a agricultura, ou seja o controlo da alimentação.” Tal como afirmei em relação aos ambientalistas, para este Partido os problemas da saúde humana e ambientais justificam que se proíba ou suspenda a cultura dos OGM que, acrescenta o texto, são produzidos por um punhado de multinacionais americanas.
No entanto, para o comentarista do jornal Avante, a posição anteriormente defendida “não pode ser de forma alguma confundida com a rejeição da biotecnologia, o seu desenvolvimento e a sua aplicação ao serviço da humanidade através da investigação pública.” Não estaria mais de acordo com esta posição, pena é que ela não sirva para separar a luta justa contra as multinacionais no âmbito do agro-negócio dos perigos inventados que são atribuídos aos OGM já autorizados.
Quanto ao Bloco de Esquerda, uma leitura rápida do site esquerda.net permite-nos concluir por uma grande afinidade deste partido com os movimentos ambientalistas, dando a maioria das vezes voz à Plataforma Transgénicos Fora ou ao Greenpeace. No entanto, Louçã defende, em afirmações transcritas no esquerda.net, “uma agricultura livre de organismos geneticamente modificados, de acordo com a opinião da maioria da população e dos cientistas, em alternativa a uma agricultura ao serviço das grandes multinacionais do sector, que controlam a produção mundial de produtos transgénicos.” Realçando assim que, o que está em causa é a crítica a uma agricultura ao “serviço das multinacionais” e não expressamente os problemas ambientais e de saúde humana, apesar da referência um pouco deslocada da rejeição dos OGM pelos cientistas. No entanto, não encontrei naquele site, ao contrário do Avante, a defesa da biotecnologia posta ao serviço da humanidade através da investigação pública. Pode-se considerar que ele está mais próximo da visão estritamente ambientalista do Greenpeace, expressa em “12 perguntas e respostas sobre transgénicos”, do que das posições ainda dominantes no PCP de uma ciência ao serviço do povo e do progresso social.
Quanto ao PS segue a trajectória de Partido de Governo. Quando está na oposição é mais ou menos contra, quando está no Governo é mais ou menos a favor. É pois o bom exemplo das ambiguidades do Governo português sobre esta matéria. Quer dar a ideia nos media que é contra, mas no Governo nada faz para clarificar a situação. O mesmo se passa como PSD, cujo PSD/Algarve chega a declarar, a propósito dos acontecimentos de Silves, que o Ministro da Agricultura “actuou com a celeridade de um verdadeiro capataz das multinacionais dos transgénicos”. São Partidos pouco fiáveis sobre este assunto e têm sido responsáveis pela ausência na opinião pública portuguesa de uma posição séria e fundamentada sobre os OGM.
5 - Algumas ideias feitas sobre os OGM
Uma das críticas que mais tem sido realçada em relação aos OGM tem sido de que os agricultores que adquirirem sementes deste tipo ficam presos a elas para sempre, pois têm todos os anos que as comprar à multinacional que as produz. Isto é verdade, contudo a maioria do milho que hoje se produz nos campos do Sul do país (Ribatejo, Oeste e Alentejo) já está dependente das multinacionais do ramo, quer para a aquisição das próprias sementes, quer para os agro-químicos.
Hoje a maioria das sementes comercializadas são de milho híbrido, com as respectivas variedades inscritas no nosso Catálogo Nacional, ora, como o próprio nome indica, estas sementes resultam do cruzamento de diversas características, assim, de acordo com as leis da hereditariedade de Mendel, logo na segunda geração essas características separam-se, não permitindo pois que o agricultor conserve sementes de milho de um ano para o outro. É evidente que este tipo de culturas tem que ser compatível com aquilo que se passa em certas zonas do Norte do país, onde o milho é cultivado em pequenas parcelas de terreno e onde os agricultores foram seleccionando as melhores variedades e conservando as suas sementes de ano para ano. Esta imensa riqueza foi mantida em bancos de germoplasma. Não sei se presentemente, com a fúria economicista que atravessa o Ministério da Agricultura, ainda subsiste o Banco Português de Germoplasma Vegetal, com sede em Braga?
Outra das ideias feitas é aquela que considera que na Europa a maioria da população está contra os OGM, o que é verdade, não pelas razões evocadas pelos ambientalistas, mas porque as multinacionais, habitadas a tratar directamente com os agricultores, não perceberam a força do movimento dos consumidores na Europa, e introduziram inicialmente no mercado, produtos que só são vantajosos para a minoria que os cultiva e nunca para a maioria que os consome. Perguntam os ambientalistas, qual a vantagem que os consumidores retiram de um milho GM, resistente à broca do milho? Nenhum, respondem aqueles em uníssono. Penso que a segunda geração de OGM, mais virada para os interesses do consumidor, obterá de certeza maior apoio destes.
Mas voltando à resistência da Europa aos OGM. Uma das ideias feitas é que tem sido a força do movimento ambientalista e dos consumidores que tem impedido a sua libertação no espaço europeu e que os Governos, feitos com os americanos, arranjam sempre artimanhas para fazerem avaliações de risco pouco fiáveis, deixando assim entrar na fortaleza europeia o Cavalo de Tróia do imperialismo. Ora nada disto é verdade. Em Portugal, que eu tenha conhecimento, a primeira pressão que houve para que o nosso Governo não votasse favoravelmente um tomate GM, foi dos produtores de tomate portugueses, que queriam vender para o mercado inglês tomate com a garantia que não era GM. Mas mais recentemente, no Governo do PSD/CDC, houve posições diferentes em Bruxelas do Ministério da Agricultura e o do Ambiente, porque o primeiro, penso que por pressão de Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS), votava nos plenários em que estava representado contra a aprovação de OGM destinados à alimentação humana e animal, e o segundo, na base unicamente de pareceres científicos, votava favoravelmente nos comités do ambiente. Interessa também saber que se a CNA tem tomado sempre uma posição clara contra os OGM, já a CAP teve posições muito ambíguas, de esperar para ver. Dizia-me já há anos alguém do Ministério da Agricultura que no conjunto dos intervenientes na produção do milho em Portugal, os únicos que tinham interesse no milho GM era os produtores de rações para animais. E com razão, quanto mais caro compravam o produto mais caro vendiam a sua mercadoria e o milho não-GM é vendido mais caro do que o GM.
Por isso, também durante muitos anos, a França foi uma das principais opositoras a produção de milho GM, pois, como a sua produção era excedentária, estava interessada a colocá-lo no mercado mais caro, dado que o americano por ser GM não podia ser exportado para a Europa. Como em Espanha isso já não se verificava, este país virou-se para a produção de OGM, votando sempre em Bruxelas pela sua autorização.
Outros países, como a Áustria, que tinha investido fortemente na agricultura biológica, eram dos mais resistentes à sua aprovação na UE. O mesmo sucedia com o Governo de Berlusconni, em que o ministro neo-fascista da Agricultura foi sempre um dos principais opositores aos OGM, dado que, e com razão, achava que estes iriam destruir os produtos tradicionais da agricultura transalpina.
Havia também multinacionais do ramo alimentar, como a Nestlé, que garantiam que os seus produtos não continham OGM, porque os consumidores não queriam.
Todos estes exemplos tentam chamar a atenção para que a luta contra os OGM baseada unicamente nos perigos para o ambiente e a saúde humana, sendo justa, quando exige rigor na aprovação daqueles, pode muitas vezes conduzir, mesmo que isso não seja deliberado por parte dos seus promotores, a um grupo económico sair reforçado em detrimento de outro e não à verdadeira defesa de uma agricultura diferente, do ponto de vista social e económico.
Por outro lado, a difusão das culturas GM à escala mundial exige um outro rigor de apreciação, que obriga as forças progressistas a cada momento a saberem para cada país quais são as forças camponesas aliadas, quais os interesses das burguesias nacionais, que são as principais portas de entrada das multinacionais do ramo, e quais os Governos que estão ao serviço de um verdadeiro desenvolvimento das suas populações. Tudo isto exige muito mais rigor, ter uma perspectiva progressista da luta, e não nos deixarmos arrastar por meia dúzia de proclamações incendiárias, que não correspondem à verdade científica e que se podem voltar contra nós quando as forças progressistas puderem vir a ser Governo.
O post já vai longo e dado o muito que ainda queria escrever terei que partir para uma terceira parte.
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