Tuesday, April 29, 2008

Notas soltas


I – A suposta carta do almirante Rosa Coutinho
Há tempos António Barreto, na sua crónica que publica regularmente aos Domingos no Público, comentou muito favoravelmente um livro recentemente editado e que se chama Holocausto. Este trata da descolonização e dos primeiros anos de independência de Angola. Nesse livro aparece em fac-simile uma carta forjada do almirante Rosa Coutinho ao dirigente do MPLA, Agostinho Neto, e que António Barreto dá como verdadeira, comentando horrorizado o seu conteúdo
O assunto foi pouco referido nos media, no entanto, JoãoTunes primeiro, no Água Lisa, e depois Victor Dias, no Tempo das Cerejas, aqui e ali, na blogosfera, e Ferreira Fernandes em comentário assinado no Diário de Notícias pegaram no assunto e denunciaram a marosca.
Esperava-se que António Barreto, reconhecendo ter citado uma carta forjada, se retratasse e pedisse desculpa ao visado. No último Público de Domingo (27/04) aparece finalmente uma desculpa de António Barreto e um grande artigo, bastante crítico em relação ao cronista, do provedor dos leitores daquele jornal, Joaquim Vieira.
A história está pois contada nos sites que fui indicando. Quem a quiser seguir pode ir clicando aqui e ali e rapidamente se aperceberá do conteúdo do livro e do artigo do António Barreto.
Nesta história não sei o que mais me espanta se a suposta ingenuidade de António Barreto, que afirma textualmente, no desmentido referido: “O almirante Rosa Coutinho acaba de negar, na revista Visão, a autoria da carta. Lamento ter utilizado como argumento esse documento apócrifo. As minhas desculpas ao senhor almirante e aos leitores”, se a desvergonha de alguém que acredita que uma carta, em papel timbrado, do alto-comissário para Angola poderia conter os desplantes referidos na sua crónica. Só um espírito embotado pelo pior anti-comunismo e com pouca coragem poderia produzir estas duas coisas: citar a carta e desmenti-la posteriormente, como se fosse um pormenor sem qualquer importância

II – A ignorância dos jovens sobre o 25 de Abril
Relataram os media que Cavaco Silva no discurso que pronunciou na Assembleia da República, no dia 25 de Abril, referiu-se à ignorância dos jovens sobre o significado daquela data. Para isso citou um inquérito de opinião efectuado pela Universidade Católica em que foram feitas três perguntas a que os jovens não souberam, na sua maioria, responder. A primeira era qual tinha sido o primeiro Presidente da República eleito democraticamente depois do 25 de Abril, a segunda, quantos Estados compunham actualmente a União Europeia e a terceira, se o PS tinha obtido ou não a maioria absoluta nas últimas eleições.
Acho que anda tudo doido, como é que a partir destas três perguntas, em que duas delas nada têm a ver com o 25 de Abril e outra só indirectamente, já que o Presidente da República foi eleito muito depois, se pode induzir que os jovens desconhecem o significado aquela data. A única conclusão que se pode tirar é de que têm fracos conhecimentos sobre a história contemporânea de Portugal, não têm informação suficiente sobre a União Europeia e não estão a par da situação política actual. Nada ficamos a saber sobre a ignorância dos jovens relativa ao 25 Abril.
Esta história, que motivou um variado leque de comentário dos nossos cronistas, tem no entanto pouco tem a ver com a realidade.
Isto porque o estudo da Universidade Católica, denominado Os Jovens e a Política, é um inquérito muito mais extenso, em que aquelas três perguntam estão relacionadas com os conhecimentos políticos da população em geral e não com o 25 de Abril em particular e não se dirigem exclusivamente aos jovens.
O próprio Presidente da República no seu discurso faz uma distinção entre os objectivos do estudo, por ele encomendado à Universidade Católica, e a relação da juventude com o 25 de Abril. No entanto, ao reproduzir unicamente aquelas três perguntas e ao limitar as respostas àquela faixa etária é também responsável pela confusão gerada, que levou os media, a partir daquelas perguntas, a afirmar que os jovens desconheciam o que tinha sido o 25 de Abril.
Mesmo o Público, que cita o estudo, é capaz de afirmar que “o que mais impressiona o chefe de Estado é "ignorância" dos jovens, pois muitos não sabem sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal”. Quanto à Televisão Pública foi o descalabro, não só tirou iguais conclusões sobre a ignorância dos jovens relativamente à data, como de seguida, em inquérito de rua, foi interrogar outros jovens com as mesmas perguntas, chegando à conclusão que eles nada sabem. Alguns, por acaso, até sabiam.
Depois, para demonstrar o desinteresse do cidadão por aquela data, vai à Costa da Caparica interrogar alguns banhistas porque é que eles estavam ali a apanhar Sol e não a comemorar o Dia da Liberdade. Já se sabe este tipo de perguntas só amplia, por contraste, o desinteresse das pessoas pelo significado da data. Quando a participação cívica se torna obrigação e dever e não puro prazer, o cidadão encontra imediatamente justificações para fugir a essa participação. Por isso, parece-me sempre de mau gosto, e um apelo sub-reptício à inacção, quando um inquérito televisivo opõe praia ou férias a deveres de cidadania.
Quanto à interrogação do Presidente da República relativa à ignorância dos jovens sobre o 25 de Abril, ao menos que, para a próxima, peça que ponham uma pergunta sobre aquela data.
PS.: Este texto foi publicado igualmente em http://trix-nitrix.blogspot.com/

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