Monday, October 19, 2009

O evangelho segundo Saramago


Postei em Julho de 2007:

Descobri Saramago com "Levantado do Chão", que me maravilhou, muito antes de ele se tornar famoso. O "Memorial...", o "Ricardo Reis..." e o "Evangelho..." deixaram em mim marcas muito fortes.
Nos últimos anos tenho cada vez mais dificuldade em ler os seus livros. Estou convencido de que, em arte, é muito mais importante mergulhar nas dúvidas, nas perguntas e na complexidade do que partir de uma base simplista de certezas.
A grandiosidade das metáforas de Saramago cada vez mais me parece inquinada por uma arrogância apologética que é, por natureza, o contrário da arte tal como a concebo.
Por alguma razão Saramago convenceu-se de que lhe competia vestir-se como um misto de juiz e de pitonisa o que costuma, tarde ou cedo, levar à produção de obras chatas.
Passados dois anos, no lançamento do seu novo livro "Caim", Saramago volta a causar polémica.
Não me passa pela cabeça questionar o direito que ele tem a exprimir as suas opiniões mas julgo que não adianta nada à velha polémica religiosa a vinda a terreiro de um génio da literatura afirmar ostensivamente o óbvio, em jeito de despedida.
Quem leu o "Evangelho segundo Jesus Cristo" e se maravilhou com as dissertações que ele contém não pode gostar do primarismo da entrevista dada em Penafiel. Antes havia (mais) arte e mais eficácia na subversão dos espíritos.
Esta nova fase de Saramago é uma potenciação do vício que vem atacando o pensamento progressista, ou que assim se julga.
Numa deficiente interpretação da dialética de classes muitos partem do princípio que todas as chagas sociais têm um autor e um autor que actua de má-fé.
Explicando melhor com um exemplo futebolístico: são como aqueles avançados que tendo à sua frente espaço para progredir, ou boas "linhas de passe", insistem em ir ao encontro dos defesas para os fintar e acabam por perder a bola.
Cada vez menos gente acredita em Deus e vêm diminuindo os que praticam os rituais e ortodoxias religiosas. Por isso talvez seja mais inteligente construir e disseminar novas respostas espirituais e morais em vez de gastar energias com provocações ao caduco poder religioso.
Paralelamente, no plano económico, mais valia procurar e incentivar formas económicas alternativas do que ficar eternamente a execrar os exploradores ao mesmo tempo que se lhes pede que nos garantam o emprego.
É esse o progressismo que tarda.

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