Wednesday, October 7, 2009

O fetichismo da maioria de esquerda


Recorrentemente, e por maioria de razão em época de formação de um governo minoritário, regressa a “maioria de esquerda”.
Durante muitos anos, ainda o BE não tinha agrupado os grupelhos, foi um estandarte empunhado pelo PCP para invocar a salvífica convergência política, sempre postergada, com o Partido Socialista.
Com o crescimento acentuado do Bloco nos anos recentes agravou-se a tendência para falar do avanço da esquerda, embora em 2009 o somatório PS+BE+PCP tenha sofrido um retrocesso e o CDS em conjunto com o PSD tenham crescido cerca de 3%.
A própria “esquerda à esquerda do PS”, apresentada como fortíssima com os seus 18% e um milhão de votos, não alcança sequer o nível de 1983 e está muito abaixo de 1979.
Apesar de tudo isto fala-se como se o país fosse maioritáriamente habitado por esquerdistas que só a teimosia do PS impede de se realizarem politicamente.
Dando de barato que existe consenso sobre o que é ser de esquerda persistem ainda assim grandes interrogações sobre a existência da maioria de esquerda.
Já era altura de decidir se o PS, ou pelo menos uma parte dele, é de esquerda ou de direita. Conforme as conveniências o PS é apresentado antes das votações, para lhe caçar votos, como um componente da maioria de direita e depois das eleições, para formar governo, como um componente da presumida maioria de esquerda.
A maioria de esquerda é uma construção que supõe uma base comum em todos os votos do PS, PCP e BE. Mas não seria natural pensar que a fronteira esquerda-direita passa por dentro do PS o que implica, portanto, a necessidade de determinar que parte do PS somar à esquerda e que parte do PS somar à direita? Quantos votantes do PS aceitam, por exemplo, o casamento homossexual ou as nacionalizações no sector bancário?
A cabeleireira ou a lojista que votam no charme grisalho do senhor engenheiro, no parlapié mavioso de Louçã ou na “autenticidade” de Jerónimo são forçosamente de esquerda ?
Mesmo admitindo que haja homogeneidade nos votos do PS, do BE e do PCP ainda teríamos que encarar uma outra dificuldade. Os votos somados dos três partidos equivalem a 55% dos votantes, mas os votantes foram só 60% dos inscritos. Isto significa que nos “partidos de esquerda” realmente votaram apenas 33% dos inscritos.
Os que invocam a maioria de esquerda fazem de conta que os 40% de abstencionistas não existem. Confundem os resultados eleitorais com o “país sociológico” num primarismo de que se pode partir para todo o tipo de equívocos e de desastres.

A maioria de esquerda, sem dúvida desejável, deve ser vista como uma hegemonia ideológica e organizativa a construir pela adesão da maior parte dos portugueses a princípios e projectos humanistas e emancipadores.
Não é um estatuto conjuntural para exercício do poder por vanguardas iluminadas, assente em equívocos, omissões e cálculos que um próximo ciclo político desbarate e dissolva.
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