Estou convencido da necessidade da construção de um novo Aeroporto de Lisboa. Sobre a sua localização, inclino-me mais para a Margem Sul do Tejo (Poceirão ou Faias, os tais “desertos” de que o ministro falava, que aparentemente não têm grandes problemas ambientais ou de segurança), embora não tenha uma opinião definitiva. Mas admiro-me com quem a já tem, e defende a opção Ota sem prestar atenção devida a outros argumentos.
Houve vários aspectos risíveis nas declarações desastradas da semana passada, quer do ministro Mário Lino, quer de Almeida Santos. Independentemente de só este último, creio eu, ter medo de construir pontes por causa dos “atentados terroristas”, a verdade é que a necessidade da construção de uma nova ponte sobre o Tejo para um aeroporto na Margem Sul é usada como argumento pelos defensores da Ota, que são maioritariamente provenientes dos distritos de Santarém, Leiria e Coimbra (não conheço praticamente nenhum defensor da Ota que não provenha de um destes distritos). O extraordinário é que estes cidadãos (que, recorde-se, já têm – ou vão ter – uma ligação ferroviária de alta velocidade que os liga aos aeroportos de Lisboa – seja ele onde for – e Porto) crêem mesmo que a margem sul é um deserto, e que serão provavelmente eles os únicos utentes do futuro aeroporto. Ninguém pensa na acessibilidade de um aeroporto na Ota aos habitantes da margem sul (especialmente do Barreiro). As Faias ou o Poceirão ficam à mesma distância de Lisboa que a Ota, é verdade. Mas ficam mais próximas da população da Margem Sul de Lisboa e Setúbal, que de outra forma ficaria muito longe de um aeroporto internacional. Ninguém parece discernir que, seja para ligar os passageiros da margem norte ao Poceirão ou para ligar partes da margem sul à Ota, uma terceira travessia do Tejo vai mesmo ter de ser construída. Chegar à Ota não é a mesma coisa que à Portela. Por muito que isso assuste Almeida Santos. Ou então se calhar há quem repare, mas nos últimos tempos para defender a Ota tem valido tudo.
Ainda por outras duas razões, e embora não tenha ainda uma opinião definitiva e nem recuse liminarmente nenhuma das hipóteses, eu tendo a preferir um aeroporto na margem sul. A primeira é por esta localização ser mais distante do Porto, e é do interesse nacional que o aeroporto do Porto não seja subalternizado em relação à Ota. O norte e centro-norte do país devem ser servidos preferencialmente pelo aeroporto do Porto. A segunda, e quanto a mim a razão principal, é que tanto quanto sei um aeroporto nas Faias ou no Poceirão será mais seguro, mais barato e terá maior expansibilidade que um aeroporto na Ota.
Mas como sempre em Portugal tudo se reduz aos interesses locais. Toda a gente quer ter um aeroporto próximo da sua cidade ou freguesia. Receio que a questão do aeroporto seja decisiva nas próximas eleições autárquicas de Lisboa (quando não é um assunto só de Lisboa). Autarcas da região centro, das mais variadas cores políticas (CDS à CDU), defendem a construção do aeroporto da Ota. Entre os muitos autarcas do PSD que apoiam esta localização está Francisco Moita Flores, presidente da Câmara de Santarém, que, com uma grande honestidade intelectual, recorda que a Ota sempre foi defendida pelo PSD até a o governo Sócrates decidir avançar. Ou seja, os interesses locais estão acima de tudo o resto, interesses partidários ou nacionais. Que seja assim com os interesses nacionais, acho pena. E o novo aeroporto de Lisboa é um grande projecto nacional (sem subalternizar os outros, como escrevi), que não diz só respeito a passageiros nacionais (se calhar diz mesmo mais respeito a passageiros estrangeiros). Deve permitir a transferência e o tráfego de passageiros entre a América do Sul, a África e outros países da Europa. Deve permitir a exportação de bens de consumo, de cargas que a Portela não está em condições de permitir. Deve ser grande o suficiente para tudo isto, que não é irrealista nem megalómano: dois pequenos/médios aeroportos, a alternativa que muita gente gosta de propor, não permitiriam nenhuma destas possibilidades.
Mas se o país se encontrasse dividido em regiões, como muita gente continua a insistir em propor, o mais provável é que se acabasse mesmo com dois aeroportos pequenos, em localizações distintas. O interesse nacional raramente coincide com a sobreposição de meros interesses locais. É bom que pensemos nisto.
Adenda: podem consultar-se as distâncias das diferentes opções a diferentes cidades no Blasfémias. A estes dados acrescento, a partir do Barreiro: Portela - 47 km, Poceirão - 54 km, Ota - 85 km.
Publicado também no Cinco Dias.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
Blog Archive
-
▼
2007
(1051)
-
▼
May
(102)
- O fim do trio-maravilha
- Um novo emblema para Lisboa
- 'That Guy'
- Jackson C. Frank
- Fogueteiro über alles
- Sei que fui por ali, no Parque Eduardo VII
- Margem Sul
- «Entre as brumas da memória» - Lançamento em Coimbra
- Lançamento: "O Fim do Mundo Está Próximo?"
- A greve preventiva
- O novo aeroporto e o poder local
- Os convites continuam...
- Algumas notas sobre a final
- Resolveu
- Todos à Feira do Livro
- Merecem
- Venho por este meio espojar-me humildemente aos sa...
- António Brotas: a Ota e a Câmara de Lisboa (II)
- António Brotas: a Ota e a Câmara de Lisboa (I)
- Sapo recomenda
- Homem caucasiano procura-se!
- That Summer Feeling
- Programas
- Trabalhos de sopro
- O ministro, a Ota ou como o autismo só pode criar ...
- Músicas do Mundo
- Pierre-Gilles de Gennes (1932-2007)
- NOVO !!! Gerador Automático de Discursos
- Algumas notas soltas sobre a final da Liga dos Cam...
- Blogue "Blasfémias" defende as conquistas da revol...
- Lisboa bem amada que mal me quis, que me quer bem
- A Transformação da Política
- Caoticidade do fluxo de Teichmüller
- Chomsky e pilinhas
- Bill Hicks - on smoking
- A dupla bitola da extrema-direita
- 21:05
- 20:56
- Intervalo
- 19:49
- 19:37
- 19:27
- 19:00
- 18:45
- Benfica decide
- Força Aves!
- As eleições para a Câmara de Lisboa
- Taça Xanax
- Formem filas ordeiras
- Leituras em lugares públicos ©
- O Sporting e a Câmara de Lisboa
- Tirou-me as palavras da boca...
- O lado negro da Escala Warhol
- Aposto que foi no Pingo Doce do Fogueteiro
- Dr. House: transmissão eminente
- O casamento do pobre
- Pedagogic measure
- Papel de Arroz
- A ópera do pobre
- Impressões Fotográficas de Buenos Aires
- O Estado como garante de maior democraticidade
- Cidadãos por Lisboa
- Cinco anos depois, soube bem voltar a ser líder
- Escala Warhol
- Se houver justiça desportiva...
- Um fado triste
- Drinking Blogger Award
- Stiff Upper Lippi
- Quatro medidas para o ensino superior
- O affaire Arroja (conclusão)
- A Vitória de Sarkozy e a Direita Portuguesa II
- Um Cenário Excessivo
- Uma cidade de William Wilsons
- Lusitânia hirsuta
- O affaire Arroja (2)
- CML - Um novo enfoque
- Lançamento - "Ardinas da mentira"
- Sobre as eleições francesas
- Roger has a plane ticket
- Vlad has a frown
- Proud in the possession of certain tools
- A Vitória de Sarkozy e a Direita Portuguesa
- A Dissidência da Terceira Via
- Smoke/don't smoke: a minha sentença
- Pós de Contra-Informação
- O affaire Arroja (I)
- "Não é verdade"
- It's Beginning To Look A Lot Like Fishmen
- Geekish tendencies
- Patos Bravos (bela síntese)
- Tartaruga melancólica
- Once Upon a Time in the West
- Mourinho
- Ainda o teste político - ideologias europeias
- Para Averiguar o Seu Grau de Liberalismo
- Filipe Moura, social-democrata?
- Uma providência cautelar contra a demagogia ?
- Resumo da minha jornada de protesto
- Inglês Técnico
- How to Hate the Working Classes
-
▼
May
(102)
No comments:
Post a Comment