A direita portuguesa está eufórica, finalmente vinga-se de todas as afrontas que a França infligiu aos seus amigos americanos. Por toda a parte é vê-la a passar ao ataque. Fala de ruptura com o passado, dando a ideia de que não era a direita que governava a França. Chirac o que seria? Um paladino da esquerda? Tirando os anos de Mitterand (1981-95), desde quando é que a direita não governa em França. Toda a V República, que vigora desde 1958, foi, na sua maioria, uma sucessão de Presidentes de direita. Quando é que a esquerda conseguiu impor o seu Programa Comum? Só com Mitterand. Basta uma pequena retrospectiva histórica para se perceber quão grande tem sido a dificuldade da esquerda vencer as eleições presidenciais. Não nos iludamos, existe, e é antiga, uma maioria política de direita em França. Mais, o sistema da V República está organizado de modo a haver um afunilamento para duas únicas alternativas, a direita e a esquerda moderadas, com a vitória quase sempre da primeira. Parece é que, desta vez, esta deixou de ser moderada. O voto útil, a duas voltas, esbate as diferenças que eram tão características da IV República (1946-58).
Mas voltemos à direita portuguesa e aos seus comentadores, a sua intelectualidade orgânica. Teresa de Sousa (Público, 8/5/07), na linha, parece, de comentaristas franceses, fala, a propósito da vitória de Sarkozy, de uma direita descomplexada, que recuperou os valores tradicionais do trabalho, da autoridade e da ordem. Renovou o velho partido gaullista e fê-lo com coerência e sem concessões. E o que fez a esquerda, segundo Teresa de Sousa e os comentadores franceses que transcreve, entrou atrasada nesta era da renovação política e, se quiser governar a França, não lhe resta outro caminho senão transformar-se num partido social-democrata. Ou seja, resumindo, a direita recuperou os velhos valores autoritários da lei e da ordem, que sempre foram seus e a esquerda deve deixar sem complexos todos os seus valores tradicionais, transformando-se num novo blairismo sem Blair. E depois, há esta espantosa teoria, que também não é nova, ouvia pela primeira vez a esse ideólogo da direita portuguesa chamado Rui Ramos, que tal como Blair precisou de Thatcher ou Clinton de Reagan, assim a esquerda francesa vai precisar do seu Sarkozy, para se modernizar. Aqui temos um programa, que a ser levado a sério, e desgraçadamente José Sócrates está a aplicá-lo em Portugal, visa, em última instância, destruir completamente a esquerda e as bandeiras que ainda possam ser as suas e acaba por reforçar a direita no que mais reaccionário ela pode representar, ou seja, conservadora nos valores e liberal na economia.
José Manuel Fernandes (Público, 8/5/07), da direita sem complexos, escreve “que esta eleição foi como que uma contra-revolução face à herança do Maio de 1968”. Parece que estaríamos numa França governada pelos herdeiros soissante-huitard derrotada pelo contra-revolucionário Sarkozy. Esquecem que o Maio de 68 foi vencido por De Gaulle quando se retirou para Baden-Baden e foi buscar o apoio do exército francês estacionado na Alemanha ou quando a direita, na ordem de um milhão, chefiada por Malraux, desceu, no rescaldo dessa iniciativa, os Campos Elíseos. A verborreia política de Sarkozy e dos seus papagaios nacionais é de uma ignorância histórica inqualificável.
Mas os nossos direitinhas não se ficam por aqui. José Manuel Fernandes já tem no papo toda a geografia eleitoral destas eleições. Mas o mais espantoso é alegria com que afirma que o voto dos excluídos foi para Sarkozy e que o pequeno-burguês, a classe média e uma parte do voto rural foi para Ségolène. Esta gente que, em outras ocasiões, tanto tem elogiado a classe média como esteio da democracia e da estabilidade, mas que, quando a canalha vota à direita, fica babada com as suas opções, classificando a classe média como pequeno-burgueses, que são sempre os maus da fita dos romances realistas. Já se sabe que pela rapidez com elaboram estas análises, entram em contradição com o que se afirma aqui: “Sarkozy manteve o seu eleitorado, 82% dos pequenos e médios empresários, 67% dos agricultores e 61% dos franceses com mais de 61 anos votaram nele”. Ou então com esta afirmação, mais comprometida com a esquerda: “Sarkozy teve mais votos nas zonas mais seguras e rurais do que nas periferias complicadas de Paris e na cidade, que conhecem a insegurança de perto.”
Helena Matos (Público, 8/5/07), outra descomplexada da Direita, retoma o tema tão caro a Pacheco Pereira da luta contra o terrorismo, que neste caso se transverte na canalha (racaille, para Sarkozy) que “incendiavam, agrediam e matavam nos arredores das cidades francesas” e que "chegaram a queimar e espancar até à morte" as suas vítimas. A luta decidida empreendida por Sarkozy e por Bush contra a canalha terrorista explica as suas grandes vitórias eleitorais. Da de Bush já conhecemos os resultados, iremos ver a de Sarkozy.
Mas a melhor apreciação está nesse novo delfim da direita chamado Pedro Mexia, já contratado pelo Público: “O gaullismo durou demasiado tempo. Ultimamente, era pouco mais que um bonapartismo muito serôdio e ridiculamente solene. Com a eleição de Nicolas Sarkozy, a França corta enfim com o gaullismo. Sarkozy ainda mantém uma retórica de grandeza e autoridade, mas abraçou ideias novas ou esquecidas. Desde logo, é um liberal, coisa que De Gaulle nunca foi. O seu programa político conjuga valores conservadores (trabalho & propriedade) e liberais (menos impostos, menos poder sindical). A sua política externa é europeísta mas prudente (não quer a «Constituição» mas sim um novo tratado, renegociado e menos ambicioso) e decididamente atlantista (ao contrário da tradição gaullista). Além disso, Sarkozy mostrou que os temas da imigração e da segurança não são monopólio dos sectores radicais, nem reclamam uma resposta radical, embora exijam uma resposta. Mais do que uma derrota da «esquerda», a vitória de Sarkozy foi a derrota definitiva do tardo-gaullismo. É isso que torna este Maio de 2007 numa data histórica.» Aqui o que prevalece, tal como afirmei no início desta intervenção, é o gosto atlantista, a amizade com o amigo americano, o regresso da França ao aprisco dos valores ocidentais e reverentes perante a força e a hegemonia americana, que foram, durante a Guerra Fria, um apanágio da social-democracia, veja-se Mário Soares, o amigo português do Sr. Carlucci, e não uma constante da direita conservadora. Salazar, pelo menos em teoria, não gostava dos americanos. De Gaulle com a sua mania das grandezas sempre pretendeu que a França desempenhasse um papel independente. Ainda recentemente, nos Prós e Contras desta semana, Adriano Moreira lançava catilinárias certeiras contra os republicanos americanos e o Governo de Bush.
Hoje, a a nova direita é ferozmente pró-americana e segue e considera a América como o novo Sol da Terra, por isso não admira que fique tão babada com a vitória de Sarkozy. Talvez se engane.
Mas voltemos à direita portuguesa e aos seus comentadores, a sua intelectualidade orgânica. Teresa de Sousa (Público, 8/5/07), na linha, parece, de comentaristas franceses, fala, a propósito da vitória de Sarkozy, de uma direita descomplexada, que recuperou os valores tradicionais do trabalho, da autoridade e da ordem. Renovou o velho partido gaullista e fê-lo com coerência e sem concessões. E o que fez a esquerda, segundo Teresa de Sousa e os comentadores franceses que transcreve, entrou atrasada nesta era da renovação política e, se quiser governar a França, não lhe resta outro caminho senão transformar-se num partido social-democrata. Ou seja, resumindo, a direita recuperou os velhos valores autoritários da lei e da ordem, que sempre foram seus e a esquerda deve deixar sem complexos todos os seus valores tradicionais, transformando-se num novo blairismo sem Blair. E depois, há esta espantosa teoria, que também não é nova, ouvia pela primeira vez a esse ideólogo da direita portuguesa chamado Rui Ramos, que tal como Blair precisou de Thatcher ou Clinton de Reagan, assim a esquerda francesa vai precisar do seu Sarkozy, para se modernizar. Aqui temos um programa, que a ser levado a sério, e desgraçadamente José Sócrates está a aplicá-lo em Portugal, visa, em última instância, destruir completamente a esquerda e as bandeiras que ainda possam ser as suas e acaba por reforçar a direita no que mais reaccionário ela pode representar, ou seja, conservadora nos valores e liberal na economia.
José Manuel Fernandes (Público, 8/5/07), da direita sem complexos, escreve “que esta eleição foi como que uma contra-revolução face à herança do Maio de 1968”. Parece que estaríamos numa França governada pelos herdeiros soissante-huitard derrotada pelo contra-revolucionário Sarkozy. Esquecem que o Maio de 68 foi vencido por De Gaulle quando se retirou para Baden-Baden e foi buscar o apoio do exército francês estacionado na Alemanha ou quando a direita, na ordem de um milhão, chefiada por Malraux, desceu, no rescaldo dessa iniciativa, os Campos Elíseos. A verborreia política de Sarkozy e dos seus papagaios nacionais é de uma ignorância histórica inqualificável.
Mas os nossos direitinhas não se ficam por aqui. José Manuel Fernandes já tem no papo toda a geografia eleitoral destas eleições. Mas o mais espantoso é alegria com que afirma que o voto dos excluídos foi para Sarkozy e que o pequeno-burguês, a classe média e uma parte do voto rural foi para Ségolène. Esta gente que, em outras ocasiões, tanto tem elogiado a classe média como esteio da democracia e da estabilidade, mas que, quando a canalha vota à direita, fica babada com as suas opções, classificando a classe média como pequeno-burgueses, que são sempre os maus da fita dos romances realistas. Já se sabe que pela rapidez com elaboram estas análises, entram em contradição com o que se afirma aqui: “Sarkozy manteve o seu eleitorado, 82% dos pequenos e médios empresários, 67% dos agricultores e 61% dos franceses com mais de 61 anos votaram nele”. Ou então com esta afirmação, mais comprometida com a esquerda: “Sarkozy teve mais votos nas zonas mais seguras e rurais do que nas periferias complicadas de Paris e na cidade, que conhecem a insegurança de perto.”
Helena Matos (Público, 8/5/07), outra descomplexada da Direita, retoma o tema tão caro a Pacheco Pereira da luta contra o terrorismo, que neste caso se transverte na canalha (racaille, para Sarkozy) que “incendiavam, agrediam e matavam nos arredores das cidades francesas” e que "chegaram a queimar e espancar até à morte" as suas vítimas. A luta decidida empreendida por Sarkozy e por Bush contra a canalha terrorista explica as suas grandes vitórias eleitorais. Da de Bush já conhecemos os resultados, iremos ver a de Sarkozy.
Mas a melhor apreciação está nesse novo delfim da direita chamado Pedro Mexia, já contratado pelo Público: “O gaullismo durou demasiado tempo. Ultimamente, era pouco mais que um bonapartismo muito serôdio e ridiculamente solene. Com a eleição de Nicolas Sarkozy, a França corta enfim com o gaullismo. Sarkozy ainda mantém uma retórica de grandeza e autoridade, mas abraçou ideias novas ou esquecidas. Desde logo, é um liberal, coisa que De Gaulle nunca foi. O seu programa político conjuga valores conservadores (trabalho & propriedade) e liberais (menos impostos, menos poder sindical). A sua política externa é europeísta mas prudente (não quer a «Constituição» mas sim um novo tratado, renegociado e menos ambicioso) e decididamente atlantista (ao contrário da tradição gaullista). Além disso, Sarkozy mostrou que os temas da imigração e da segurança não são monopólio dos sectores radicais, nem reclamam uma resposta radical, embora exijam uma resposta. Mais do que uma derrota da «esquerda», a vitória de Sarkozy foi a derrota definitiva do tardo-gaullismo. É isso que torna este Maio de 2007 numa data histórica.» Aqui o que prevalece, tal como afirmei no início desta intervenção, é o gosto atlantista, a amizade com o amigo americano, o regresso da França ao aprisco dos valores ocidentais e reverentes perante a força e a hegemonia americana, que foram, durante a Guerra Fria, um apanágio da social-democracia, veja-se Mário Soares, o amigo português do Sr. Carlucci, e não uma constante da direita conservadora. Salazar, pelo menos em teoria, não gostava dos americanos. De Gaulle com a sua mania das grandezas sempre pretendeu que a França desempenhasse um papel independente. Ainda recentemente, nos Prós e Contras desta semana, Adriano Moreira lançava catilinárias certeiras contra os republicanos americanos e o Governo de Bush.
Hoje, a a nova direita é ferozmente pró-americana e segue e considera a América como o novo Sol da Terra, por isso não admira que fique tão babada com a vitória de Sarkozy. Talvez se engane.
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