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Uma entrevista recente de Immanuel Wallerstein, publicada no Le Monde, teve justificada repercussão na blogosfera portuguesa. Eu encontrei referências e reproduções da entrevista no antreus, Trix-Nitrix, o tempo das cerejas e Esquerda.Net .
Consegui finalmente tempo para, também eu, me pronunciar.
A minha satisfação com a entrada súbita deste tema, "o fim do capitalismo", na ordem do dia, pelo menos nas discussões, prende-se com o facto de eu vir a insistir no tema, sem grande sucesso, desde 1990.
Nessa época escrevi e defendi publicamente que os avanços tecnológicos, com destaque para as tecnologias com base digital, constituíam um desafio para o capitalismo e não eram o "balão de oxigénio" do sistema que muitos pensavam. Quando acrescentei que tais desenvolvimentos minavam fatalmente o assalariamento, relação identitária do capitalismo, a reacção foi de incredulidade.
Ao contrário do que possa parecer não invoco a minha experiência pessoal para reclamar qualquer estatuto mas sim para insistir na necessidade de todos reflectirmos, sem receio de errar, em vez de esperar sempre que os génios ou os cientistas esclareçam o mundo para nós.
A entrevista de Wallerstein reflecte o seu longuíssimo estudo dos ciclos, inspirado em Nicolas Kondratieff e Joseph Schumpeter. A passagem que desencadeou todo o interesse recente penso que foi a seguinte:
"De facto, penso que entrámos nos últimos trinta anos na fase terminal do sistema capitalista. O que no fundamental distingue esta fase da sucessão ininterrupta dos ciclos conjunturais anteriores é que o capitalismo já não consegue “fazer sistema", no sentido do entendimento do físico e químico Ilya Prigogine (1917-2003): Quando um sistema, biológico, químico ou social se desvia muitas vezes da sua situação de estabilidade, não consegue recuperar o equilíbrio, e o resultado foi uma bifurcação. A situação torna-se caótica, incontrolável pelas forças que até então a dominavam e assistimos ao surgimento de uma luta, não entre defensores e opositores do sistema, mas entre todos os intervenientes para determinar o que irá substituí-lo."
Trata-se aqui de interpretar este ciclo como uma ruptura ao contrário do que sucedera com os muitos ciclos que o antecederam.
Eu creio que não basta o formalismo desta constatação é preciso perceber as causas dessa ruptura. Enquanto não compreendermos os mecanismos que actuaram para produzir esta ruptura, se ela existe, continuaremos a ter muita dificuldade em imaginar os desenvolvimentos futuros e afirmar como faz Wallerstein:
"Daqui a dez anos, talvez se possa ver mais claro; em trinta ou quarenta anos, terá surgido um novo sistema."
Para mim o mais importante desta entrevista é isto:
"Acho que também é possível vermos instalar-se um sistema de exploração ainda mais violento do que o capitalismo, do que, pelo contrário, se criar um modelo mais igualitário e redistributivo."
...
"Mas o facto desta fase corresponder actualmente a um sistema em crise, fez-nos entrar num período de caos político durante o qual os actores dominantes, empresários e Estados ocidentais, farão tudo o que é tecnicamente possível para reconquistar o equilíbrio, mas é muito provável que não o consigam. Os mais inteligentes, já devem ter percebido a necessidade de criar algo completamente novo. Mas muitos já estão a mexer-se, de forma desordenada e inconsciente, para fazer emergir novas soluções, sem se saber ainda que sistema vai sair destes ensaios. Estamos num período, bastante raro, onde a crise e a impotência dos poderosos deixa um espaço ao livre arbítrio de cada um: há agora um período de tempo durante o qual todos teremos a oportunidade de influenciar o futuro para a nossa acção individual. "
Considero imperioso que a esquerda assuma este desafio e deixe de considerar estas questões, como fez ao longo dos últimos decénios, como chinesices que só atrapalham a obtenção de mais dois deputados nas próximas eleições.
(os excertos da entrevista foram "roubados" da tradução portuguesa do António Abreu no antreus)
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