Tuesday, April 18, 2006

A esquerda francesa e o neoliberalismo

Ainda no rescaldo da luta contra o CPE, um extracto de um excelente artigo de André Freire no Público de ontem:

«A mobilização anti-CPE revelou uma enorme vitalidade da sociedade civil, embora não da "boa sociedade civil" (isto é, cara aos neoliberais), e uniu num único movimento organizações estudantis e todas as confederações sindicais francesas, uma frente social de que não há memória em França. Obviamente, para esta união muito contribuiu a forma como o primeiro-ministro francês conduziu o processo, nomeadamente por avançar com a medida sem negociar previamente com as organizações sociais. Ou seja, esta mobilização social veio também relembrar aos tecnocratas que, numa sociedade democrática, os cidadãos e as suas organizações representativas têm que ser ouvidos antes de se tomarem medidas que lhes dizem directamente respeito (sobretudo quando isso está legalmente previsto, quando se trata de medidas que alteram radicalmente o statu quo e, finalmente, que não estavam inscritas em qualquer programa eleitoral). Tanto mais que o Presidente Chirac foi também eleito com os votos da esquerda.
Desde a década de 1980, em larga medida sob a influência dos consulados de Reagan e Thatcher, que vivemos ao nível mundial sob uma certa hegemonia do neoliberalismo, que até mesmo as famílias partidárias socialista e social-democrata de algum modo incorporaram (nos seus discursos e práticas), embora em graus variáveis. As palavras de ordem têm sido privatizar e liberalizar (isto é, desregular) a economia, reduzir o peso do Estado, reduzir a protecção social, flexibilizar (isto é, precarizar) as condições trabalho, etc. Embora haja obviamente variações nacionais significativas, os resultados globais estão à vista: primeiro, crescimento das desigualdades sociais (PÚBLICO, 15/1/06); segundo, crescimento ou estagnação (em níveis elevados) do desemprego; terceiro, um crescimento económico débil (Europa) e, nalguns casos, até grandes depressões (América Latina, Ásia) a atingirem várias regiões do globo, embora de forma não uniforme. E, note-se, não sou eu nem qualquer radical de esquerda que fazem este diagnóstico, são análises do prémio Nobel da economia Joseph Stiglitz (Globalização - A Grande Desilusão) e do presidente do observatório francês da conjuntura económica, Jean-Paul Fitoussi (La Politique de L"Impuissance).
Perante o insucesso da aplicação das suas receitas em tantas regiões do globo, nomeadamente na Europa, o que é que nos dizem os neoliberais? Que tal insucesso resulta de uma aplicação (ainda) reduzida e pouco extensa das medidas de liberalização, de precarização, etc. Daí que, perante tal dogmatismo ideológico, alguns comparem os neoliberais com os "neocomunistas dogmáticos": se a realidade não funciona tão bem como o modelo teórico (neoliberal ou comunista) prevê é porque aquela se afasta ainda da perfeição ideal deste.»

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