A Itália tem dois Grandes Prémios no calendário do Mundial de Fórmula 1: o Grande Prémio de Itália propriamente dito, em Monza, na Lombardia, e o Grande Prémio "de São Marino", em Imola, na Emilia-Romagna, a poucas dezenas de quilómetros de Maranello, o "quartel-general" da Ferrari. Nenhum outro povo vibra com a fórmula 1 tanto como o italiano, e especialmente na Emilia-Romagna. No dia em que se disputa mais um Grande Prémio no Autódromo Enzo e Dino Ferrari, em Imola, aproveito a ocasião para recordar a minha mais recente visita à minha região favorita da Itália.
Já aqui tinha falado do meu amigo Olindo, oriundo de uma família típica da Emilia-Romagna, católica (mais a mãe) e comunista (mais o pai). O Olindo saiu mais ao pai; não gosta das festas religiosas, pois acha-as meramente comerciais e desprovidas de qualquer espiritualidade. Mas foi certamente influenciado pela atitude do pai, um canalizador que viveu toda a sua vida como um verdadeiro comunista, trabalhando sempre numa cooperativa e recusando-se a trabalhar em privado e fazer muito mais dinheiro. Quando era miúdo o Olindo ajudava o pai a distribuir o L'Unitá, o órgão oficial do PCI, nas pequenas vilas nos arredores de Maranello, onde a família vivia. Depois gostava de ver os pilotos da Ferrari a testarem os bólides na pista de Fiorano, num ponto onde dá para ver de fora. Há três anos, quando fui visitá-lo a Modena, fomos visitar o Museu da Ferrari e de seguida o Olindo mostrou-me todos esses locais. Estando a visita terminada, aguardava-nos um almoço na casa dos pais do Olindo. Ele fez questão de me apresentar os pais e de lhes apresentar um dos camaradas que conhecera na América. Lembro-me de um casal de idade avançada, com um ar muitíssimo bondoso, que nos serviu um prato com os notáveis enchidos locais e um delicioso frango à caçadora, bem regado com lambrusco. Com a sobremesa abriram ainda uma garrafa de champanhe! Eu disse ao Olindo que não havia necessidade, mas ele respondeu-me que se não fosse numa ocasião como esta a tal garrafa nunca mais seria aberta!
Depois do café e antes da despedida deram-me a provar a melhor grappa que eu alguma vez bebi e provavelmente beberei. Grappa como aquela não se encontra à venda. Fiquei o resto da tarde um pouco zonzo e com o sabor da grappa na boca.
À despedida, sem lhes saber o que dizer, só me saiu um "muito obrigado e até qualquer dia". Incapazes de falarem sem ser em italiano, só me lembro do olhar que os pais do Olindo me lançavam, durante o almoço e no fim. Via-se que gostaram muito de me ter ali. Até um dia, disseram-me, olhando-me daquela vez como se fosse a última.
Isto passou-se há três anos.
Recebi há pouco tempo a notícia de que o pai do Olindo faleceu. Não resistiu a uma crise respiratória. Manteve-se fiel ao seu partido até à morte mas, infelizmente, não viveu o suficiente para ter a alegria de ver o seu país livrar-se do governo de Berlusconi.
Gostaria de lhe ter dito o quanto gostei dele, como apreciei a sua hospitalidade, como adorei a sua grappa e, acima de tudo, o enorme prazer que tive em conhecê-lo. Receio que ele nunca tenha sabido isso.
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