R.- O horror do aeroporto. A bagagem, o interrogatório. Mostrei a carta a explicar por que ia lá, mesmo assim continuaram, os livros eram vistos página a página... Depois o clima permanente de medo. Depois a sensação de que aquele Estado foi criado sobre o ódio. O ódio dos alemães. O Holocausto, sempre, sempre, sempre. Levaram-me a um bairro alemão. E eu perguntei ao senhor que estava sempre comigo: "Então e os alemães?" "Ah, isso corremos com eles todos."
Como me chocou, por exemplo, dizerem que não tinham relações sexuais com não-judeus.
P.- Mas quem é que lhe disse isso?
R.- Esse senhor. E não foi só ele. Como me chocou, por exemplo, se sou judeu posso ir para lá morar, mas se sou judeu etíope só aceitam 300 por ano. Como me chocaram os sábados, aquilo tudo deserto, com os carros que não se podem guiar. E depois não era nada do que eu esperava, pensava que a Terra Prometida fosse muito bonita. São pedras e areia. Tudo amarelo...
Noutra parte da mesma entrevista:
P.- Quando ganhou o Jerusalem Prize, no ano passado, hesitou antes de ir?
R.- Não. Porque vinha acompanhado da garantia de que eu podia chegar lá e dizer o que quisesse em relação ao problema palestiniano, que me indigna muito. E não falei sobre isso.
P.- Mas porque não quis.
R.- Não quis ser indelicado. Era um convidado. Naqueles dias era a pessoa mais importante que lá estava. Tinha aquela segurança toda, o primeiro-ministro... Não quis. Achei que era indelicado. E achei que não era altura. Falei sobre isso com um amigo meu, o Amos Oz. E não gostei da posição que ele agora tomou, pró-guerra [no recente confronto entre Israel e o Hezzbollah libanês]. Nem entendo. Somos amigos, gosto muito dele.
Não esperava que um homem polémico como António Lobo Antunes padecesse do mesmo mal português tão comum que é o evitar conflitos a todo o custo (sem se aperceber de que muitas vezes assim se geram os maiores problemas). Desde quando é que expressar uma opinião sobre um assunto é indelicado? É claro que há formas indelicadas de expressar uma opinião, e isso eu compreendo que Lobo Antunes evite, principalmente sendo um convidado. Agora, não a exprimir de todo? Preferir calar-se para "não arranjar problemas" (para si mesmo), mesmo se esses problemas existem (e se muita gente em Israel os denuncia)? Preocupar-se mais consigo mesmo do que com os mais fracos? Não querer afrontar os poderosos?
O que me impressiona mais é que quem toma esta atitude é um escritor que, em Portugal, não tem papas na língua (a entrevista à Pública é só um exemplo). Subserviente fora de casa; em casa, dá-se ares de muito bravo. "Na guerra és vil, na cama és frouxo", já cantava o Chico Buarque do português de Calabar. Há atitude mais portuguesa que esta? António Lobo Antunes merece ser nomeado para o título de "português mais português".
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