Desde 2005 que a cantina da Cité Universitaire de Paris começou a dar prejuízo, algo inédito desde que abriu e incompreensível para uma cantina considerada um modelo (a melhor da Ilha de França, a região de Paris), que fornece um serviço em geral de qualidade muito aceitável tendo em vista os preços praticados. Um serviço que nunca se via nos países anglo-saxónicos (a estes preços) ou em Portugal (com esta qualidade). Esta cantina era um exemplo do Estado Social francês no seu melhor.
No ano lectivo passado tentou “salvar-se” a cantina, recorrendo à receita mais fácil: a redução drástica de custos. Houve alguns empregados antigos afastados (reformados), mas foram substituídos por outros. O problema não era excesso de pessoal.
Onde decidiram reduzir os custos foi no melhor que tinham: na qualidade (e quantidade) das refeições. Mantiveram um menu “barato”, mas com menor quantidade (menos um item à escolha) e muito pior qualidade. A escolha de pratos era mínima e só com um acompanhamento. Simultaneamente criaram um menu de qualidade comparável ao anterior, só que muito mais caro.
O resultado foi que a frequência da cantina baixou ainda mais, para números nunca vistos. Ao jantar tinha uma ocupação de menos de metade do que costumava ter (estimativa minha). Note-se que estamos a falar do único sítio onde todos os estudantes da Cité Universitaire (que não tinham um estúdio, mas um quarto com cozinha partilhada) podia jantar.
Aos fins de semana então o cenário era ainda mais desolador. Em 2004 e 2005, aos domingos, a fila para almoçar o cuscus chegava a ser perto de meia hora. Em 2005/06, o cuscus passou a prato “de luxo”. Para almoçar aos domingos não havia fila nenhuma...
Os mais radicais de entre os “redutores drásticos de custos” passaram mesmo a defender publicamente o impensável: o encerramento puro e simples da cantina. Essa hipótese chegou mesmo a ser discutida, mas não foi aprovada. O que foi aprovado, e era dado como certo no final do ano lectivo passado, foi o encerramento aos fins de semana, por falta de rentabilidade. Tirei mesmo fotografias ao último cuscus que lá comi no ano passado, julgando que era o último cuscus que lá comeria de todo.
Cheguei agora e verifiquei com agrado que a filosofia de redução cega de custos mudou. Embora se mantenha o menu “barato” e o “menos barato”, a qualidade do primeiro melhorou substancialmente, para níveis próximos dos de 2004 e 2005. A cantina continua aberta aos fins de semana e o tradicional cuscus de domingo até passou a ser prato “barato”. Mais: a cantina agora, ao fim de semana, até passou a estar aberta todo o dia! (E não só ao almoço e ao jantar.) O que é que eles concluíram?
Que os estudantes ao fim se demana têm um horário mais flexível. Provavelmente não querem almoçar tão cedo (mesmo se os almoços são servidos todos os dias até às 14:30). Que fizeram então? A partir desta hora, aos sábados e domingos, passam a servir só um ou dois pratos (sempre os mesmos, de carne grelhada). É muito útil para quem, como eu, só chegou do aeroporto depois das três. E fiquei surpreendido com a quantidade de pessoas que encontrei a almoçar a essa hora! A outra redução foi na escolha de pratos do fim de semana: é mais limitada que durante a semana. Mas a cantina continua aberta aos fins de semana, e pelo movimento que lá tenho visto parece-me bem rentável.
Moral da história? Varios. Por um lado, atender às necessidades efectivas dos utentes e não se limitar a uma redução cega de custos é indispensável para a manutenção de um Estado Social. Por outro, esta manutenção tem que ser um objectivo de todos, e exige cooperação de todos. Não acompanhei o processo, mas imagino que os sindicatos mais conservadores não hão-de ter achado graça nenhuma a alguns (pouquíssimos) trabalhadores passarem a trabalhar ao sábado e domingo à tarde (só a cozinhar, servir e vender senhas; os pratos ficam para lavar mais tarde). Ainda bem que chegaram todos a um acordo. E voltei a comer o meu cuscus.
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