Tuesday, July 31, 2007

The War Against Cliché

My mistress' eyes are nothing like the sun;
Coral is far more red than her lips' red;
If snow be white, why then her breasts are dun;
If hairs be wires, black wires grow on her head.
I have seen roses damask'd, red and white,
But no such roses see I in her cheeks;
And in some perfumes is there more delight
Than in the breath that from my mistress reeks.
I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound;
I grant I never saw a goddess go;
My mistress, when she walks, treads on the ground


(Soneto CXXX, sem os últimos dois versos, que estragam tudo. Há uma edição portuguesa recente dos Sonetos. A tradução é de Vasco Graça Moura. Se alguém tiver uma imagem da capa, agradeco que a envie para o mail que está ali do lado direito, pois comecei recentemente a coleccionar capas de Vasco Graça Moura. Agradecia também que uma alma caridosa me fosse enviando os posts do maradona para o mesmíssimo mail que está ali do lado direito. Tenho sobrevivido [só Deus sabe como] sem acesso a Internet, situação que deve manter-se nas próximas duas semanas. Vou andar por aqui, pelos cantos, a ler jornais e a ver televisão, como faziam os homínideos do Paleolítico Inferior. )

Se o Verão é isto, só se pode esperar uma coisa

Uma true winter reward.

PSVET



Passo 1:

Trocamos a Madeira pela Galiza.

Têm que levar o Alberto João!

Passo 2:

Os galegos são boa onda, não dão chatices e ainda ficamos com
o dinheiro gerado pela Zara (é só a 3ª maior empresa de vestuário).

A indústria têxtil portuguesa é revitalizada.

Espanha fica encurralada pelos bascos e Alberto João.

Passo 3:

Desesperados, os espanhóis tentam devolver a Madeira (e Alberto João).

A malta não aceita.

Passo 4:

Oferecem também o País Basco.

A malta mantém-se firme e não aceita.

Passo 5:

A Catalunha aproveita a confusão para pedir a independência.

Cada vez mais desesperados, os espanhóis oferecem-nos a Madeira,
o País Basco e Catalunha.

A contrapartida é termos que ficar com o Alberto João e os etarras.

A malta arma-se em difícil, mas aceita.

Passo 6:

Dá-se a independência ao País Basco.

A contrapartida é eles ficarem com o Alberto João.

A malta da ETA pensa que pode bem com ele e aceita sem hesitar.

Sem o Alberto João a Madeira torna-se um paraíso.

A Catalunha não causa problemas.

Passo 7:

Afinal, a ETA não aguenta com o Alberto João, que, entretanto,
assume o poder. O País Basco pede para se tornar território português.

A malta aceita, apesar de estar lá o Alberto João (não há
problema - ver passo seguinte).

Passo 8:

No País Basco não há Carnaval.

Alberto João emigra para o Brasil...

Passo 9:

Governo brasileiro pede para Brasil voltar a ser território
português.

A malta aceita e manda o Alberto João para a Madeira.

Passo 10:

Com os jogadores brasileiros mais os portugueses (e apesar do
Alberto João), Portugal torna-se campeão do mundo de futebol!

Alberto João, enfraquecido pelos festejos do Carnaval na
Madeira e no Brasil, não aguenta a emoção e sucumbe.

Passo 11:

Todos vivem felizes para sempre.
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Sobre a União Europeia

Um texto que vale a pena ler, por Leonídio Paulo Ferreira.
Depois de ter denunciado em 1999 as infecções como complô da CIA e da Mossad, Kadhafi começou nos últimos anos a dar sinais de certo bom senso. Mas, mais importante ainda, a diplomacia búlgara deixou de estar sozinha. (...) Tony Blair, ainda primeiro-ministro britânico, foi a Tripoli negociar. Durão Barroso telefonou a Kadhafi. Benita Ferrero-Waldner, a comissária das Relações Externas, tornou-se visitante assídua da Líbia. E Nicolas Sarkozy, ao tomar posse como Presidente da França, impôs como prioridade libertar as enfermeiras e o médico palestiniano (a quem a Bulgária ofereceu cidadania para beneficiar do acordo de extradição). Acabou por ser a primeira dama a ir num avião francês buscar os reclusos a Tripoli.

Agraciadas pelo Presidente búlgaro ainda no aeroporto de Sófia, as enfermeiras reafirmaram a inocência. Emocionado, o médico Achraf Hajuj agradeceu "à grande Bulgária" o fim de oito anos de cativeiro. Falou em búlgaro, mas bem podia ter agradecido em francês. Afinal, é a língua de Luc Montaigner, o perito em sida que denunciou as infecções em Benghazi como prévias à chegada das búlgaras. É também a língua de Nicolas e Cécilia, os amigos que Kadhafi gosta de acolher na sua tenda nos jardins do palácio Bab Azizia. E, sobretudo, é a língua que mais se ouve em Bruxelas, capital dessa UE que mostrou que mais vale falar a 27 que sozinho. Como escreveu o jornal Dnevik, de Sófia, "estar na UE representa muito mais que viajar livremente na Europa".

Monday, July 30, 2007

Vale dos Caídos

Os amigos espanhóis que fiz no decorrer da escola torceram o nariz quando lhes manifestei a minha intenção desta visita. Mas, enfim, estava em El Escorial, e este é um dos grandes atractivos turísticos da região, por ser um local muito bonito e com uma bela vista. Foi só isso que me levou a visitá-lo. Infelizmente, não é só a bela vista que se pode desfrutar. Também há uma basílica, onde se encontram os túmulos de Francisco Franco e Primo de Rivera. Tudo foi preparado pelo ditador, ainda em vida, para evocar a sua vitoria na Guerra Civil e garantir a sua memória na posteridade. É dedicada a todos os que nessa gueraa morreram “em nome da Espanha e em nome de Deus”. Para cúmulo da humilhação, tudo o que refiro foi contruído pelos presos políticos do fascismo espanhol.
Isto passa-se num estado democrático membro da União Europeia em pleno século XXI. Como é possível? Há fracturas na sociedade espanhola bem mais profundas do que as associadas a certas medidas do governo Zapatero.

Petição Radares - 1000 assinaturas



A petição que lançámos em
( http://www.petitiononline.com/dotecome/petition.html )
no dia 24 de Julho, para que os limites impostos pelos radares passem de 50 para 80 km/h nos troços do tipo "via rápida", alcançou hoje as mil assinaturas.

Em pleno período de férias e ainda antes de os lisboetas multados terem começado a receber as notificações.

António Costa toma posse depois de amanhã...
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Sunday, July 29, 2007

Uma "second chance" na "second life" ?



Do Expresso de ontem:

Clamando que no mundo virtual de Second Life o número de avatares residentes já ultrapassa os oito milhões, o Estado português decidiu avançar com a criação de um centro para resolução de litígios. Somos os primeiros, afirma o Ministério da Justiça.
...
Esta afirmação oficial já causou mal-estar entre os magistrados portugueses, que reclamam que primeiro se resolvam os litígios da vida real antes de o Estado português se debruçar sobre os problemas da vida virtual. De facto, é licíto perguntar – e o cidadão comum já o começou a fazer – qual é o interesse efectivo de um “tribunal” para julgar questões do mundo virtual?
Não parece existir uma resposta efectiva para esta escolha, a não ser uma vontade de “chegar-se primeiro”...

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A parolice no seu estado mais puro, tudo menos virtual.
Integra-se de pleno direito no Portugal dos Pequenitos descrito por João Pereira Coutinho no mesmo jornal.
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Friday, July 27, 2007

Aeroporto e saudosismos

Como já há muito tempo que não ponho nada aqui, deixo, para fazer companhia ao Marquês de Pombal sem radares, a Portela: sem + 1, sem Ota nem Alcochete.


Radares e saudosismo

clicar a imagem para ampliar


O Marquês de Pombal nos anos 30 do século XX.
Este era o tempo em que os automóveis, poucos, andavam a 50 km à hora.

Será que, com os radares, nos querem levar de volta a esses tempos ?

Na história dos caminhos de ferro também houve um senhor, muito reputado, que previu que, se as carruagens se deslocassem a mais de trinta quilómetros à hora, todos os passageiros morreriam pois deixavam de conseguir o ar para respirar.
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Esta é muito boa

Simão rende 750 mil euros ao Sporting.

Thursday, July 26, 2007

O Tâmisa e o Ruanda

Os problemas associados a uma política excessivamente de proximidade são exemplificados num caso como o do líder conservador inglês, David Cameron, acusado de não ter prestado atenção suficiente às cheias na região por onde foi eleito deputado. Mas que poderia um deputado e líder da oposição fazer para resolver a situação? Nada; isso é com o governo e as autoridades competentes. Quanto muito poderia fiscalizar a acção de quem tem o poder executivo. E foi isso que Cameron fez, até ter de se ausentar, na sua qualidade de líder do Partido Conservador, para uma viagem ao Ruanda. Eu compreenderia até certo ponto as críticas se se tratasse de férias. Mas tratava-se de uma viagem de trabalho!
O problema destas "políticas de proximidade" é que os eleitores tendem a sentir-se os mais importantes do mundo, e esperam uma dedicação exclusiva dos seus eleitos (sendo que tal nem se traduz numa maior participação eleitoral). Por isso não sou favorável a esta concepção de política, muito vulgar na Grã Bretanha. E que em Portugal se difundiria, se hipoteticamente fosse aprovada a famigerada regionalização.
Nem de propósito (destaques meus):
The Guardian revelava ontem que o governo britânico tinha sido avisado há três anos, em dois relatórios separados (...).
Na altura em que os relatórios foram entregues ao governo (Julho de 2004), o executivo (...) terá reconhecido a necessidade de melhorar a coordenação entre as companhias abastecedoras de água, os concelhos municipais e a Agência do Ambiente, que deveria passar a centralizar a gestão destas situações de crise.
No entanto, e a avaliar pelas revelações do Guardian, nada foi feito e a transferência de responsabilidades que todos preconizavam - e que chegou a estar agendada para o ano passado - nunca chegou a ser concretizada, dando origem a muitas das críticas que têm sido feitas nos últimos dias.

Wednesday, July 25, 2007

É oficial: hablo español!

Tomei um contacto sério com o espanhol quando vivia nos EUA, por causa das telenovelas. Nao das mexicanas (quem vê o Conan O'Brien e conhece a rubrica "Noches de Passión con Señor O'Brien" sabe do que falo), mas das brasileiras. As mesmas que vemos aqui, e que nos EUA sao transmitidas em sinal aberto nos canais em espanhol, dirigidos aos imigrantes hispânicos. Foi a ver as novelas dobradas - e por vezes o noticiero - que me habituei ao espanhol. E aprendi algumas expressoes em espanhol, que só ouvindo ou lendo várias vezes se aprendem. Apesar de o espanhol ser uma língua muito fácil para um português,o vocabulário nao é idêntico. Por isso, e por eu ser muito "académico" e nao dispor de nenhum diploma comprovativo de que falo espanhol, sempre me recusei a admitir oficialmente (que é como quem diz, incluir no meu CV) que o fazia. (Para o inglês e o francês sempre tenho as notas do secundário, além dos anos de residência nos EUA e França).
Até que passei esta semana em Espanha. Como é óbvio, só a falar espanhol. E duas -espanholas - duas, independentemente, e sem quererem mais nada, perguntaram-me como falava espanhol tao bem. OK, é oficial - tenho a aprovaçao das espanholas (e conheci muitas). A partir de agora, o meu currículo vai incluir uma referência à língua de Cervantes. Só me resta ler o original de El Quijote - já o tenho desde a minha anterior visita a Espanha, em 2005.

Tuesday, July 24, 2007

Petição Radares 50 --> 80




Decidi lançar uma petição on-line, dirigida ao Presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, para que os radares passem a limitar a velocidade não a 50 mas a 80 km/hora em todos os locais que tenham pelo menos quatro faixas de rodagem e baixa frequência de atravessamentos.

Se concorda e quer assinar esta petição vá a:

http://www.petitiononline.com/dotecome/petition.html


Texto da Petição
Lisboa - Pela conversão do limite dos 50 km/h em 80 km/h

Os radares instalados pela Câmara Municipal de Lisboa, que impõem limites de 50 quilómetros à hora em locais como, por exemplo, a Av. Infante D. Henrique, a Av. de Ceuta, a Av. Marechal Gomes da Costa e a Av. Gago Coutinho são uma verdadeira aberração.
Quem os decidiu não deve, não pode, ter a noção do que significa na prática uma tal velocidade.

Como não é possível impor a todos os automóveis um limite de zero quilómetros à hora, por forma a evitar todos os acidentes, temos que encontrar um equilíbrio razoável entre a velocidade e os riscos.
Esse equilíbrio não é, certamente, 50 km/hora. Dá sono, propicia distracções, provoca travagens bruscas e emperra visivelmente a circulação.

Em Lisboa, o limite de 50 km/h foi imposto precisamente nos locais onde, pelas características da rodovia, os lisboetas podiam, depois de muitos engarrafamentos, andar um pouco mais depressa sem correr grandes riscos.

Os jornais informaram que são mais de 2.500 as infracções detectadas pelos radares todos os dias em Lisboa; ao fim de uma semana detectaram cerca de 17.800 condutores em excesso de velocidade e produziram, desta forma, um milhão de euros de receitas dos quais 320 mil terão como destino os cofres da câmara.

Nem os lisboetas são todos irresponsáveis como os números poderiam indiciar nem as dificuldades financeiras de Lisboa justificam tal campanha de caça à multa. Há portanto que corrigir esta absurda prepotência desencadeada pela vereação recentemente substituída.

Vimos por este meio exigir ao recém eleito Presidente da Câmara de Lisboa, Doutor António Costa, que tome as medidas necessárias para converter o actual limite dos 50 km/h para os 80 km/h em todos aqueles troços que, como os indicados neste texto, sejam do tipo "via rápida", com quatro faixas de rodagem e baixa frequência de atravessamentos.

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Teste de cultura científica

Bem sei que fazer um teste destes, principalmente para uma revista não-científica, não é tarefa fácil. Bem sei que o esforço do autor (e da revista) é meritório, e as suas intenções são com certeza as melhores. Bem sei que no meio do teste há questões bem formuladas e interessantes. Mas, ó Carlos Fiolhais, desculpe lá: se “cultura científica” é saber o nome de missões espaciais ou da universidade onde lecciona António Damásio, então eu sou muito inculto. Se calhar é verdade.

Coisas de que vou sentir falta

De ter o El Pais, de graça, todas as manhas, ao sair do colégio para a rua.
Serve esta mensagem como uma modestíssima mas sincera homenagem a Jesús de Polanco, cuja morte comoveu a Espanha.

Monday, July 23, 2007

You must stay, because you are a reader of Pastoral Portuguesa



A sequela de um pseudo-clássico sobejamente conhecido, Damien: Omen II (1978), transmitido ontem à noite pela BBC, é um filme que não via desde os 14 anos, e sobre o qual a minha memória me tinha atraiçoado impiedosamente. Para benefício dos que não conhecem a trilogia: Damien conta a história aterradora do filho de Satanás, e de como forças sobrenaturais ao serviço do Príncipe das Trevas se apoderam de um bom conceito e o transformam gradualmente num filme muito mau. O processo é tortuoso, e requer o engenho dissimulado que os teólogos nos garantem ser um dos atributos do Demónio: a contratação de actores com prestígio, a posse de superiores meios técnicos, a utilização de uma impecável banda sonora de Jerry Goldsmith, e - a astúcia suprema - um guião que parece ter sido escrito pela mão esquerda do tipo que servia os cafés.
Isto é triste, muito triste. Mais grave que isso: é uma ofensa moral. É desperdiçar o tempo e testar a condescendência de um ferrenho adepto do género. Alguém que adora filmes de terror desde que tem memória cinematográfica, e munido de uma tolerância ao disparate do tamanho de um complexo residencial construído por cima de um antigo cemitério índio, devia ser teoricamente fácil de contentar. Porque o aficionado genuíno depressa aprende a nivelar por baixo os seus níveis de exigência. Tendo em conta que as obras-primas do género se podem enumerar com os dedos de mão e meia, e que mesmo um exemplar decente aparece, no máximo, umas cinco vezes em cada década, é do mais elementar bom-senso treinar o apetite para se satisfazer com lixo honesto e piroseiras competentes. Metade do prazer é hierarquizar o esterco, e aprender a captar as subtis diferenças de tom que tornam, por exemplo, Sexta-Feira 13 parte IV e Sexta-Feira 13 parte VI significativamente melhores que Sexta-Feira 13 parte III e Sexta-Feira 13 parte V, ainda que todos eles partam de uma premissa cujo nível de sofisticação está ao mesmo nível de um adolescente com um saco de plástico na cabeça a fazer "Bu!".
Dentro deste tolerante programa estético, o pior tipo de filme é o lixo desonesto, a piroseira desleixada; o filme que tenta maquilhar (com versículos da Bíblia, cenários imponentes, e William Holden) uma insanável inaptidão de base, que acaba inevitavelmente por corromper tudo o resto
Uma amostra antológica. Dezassete minutos depois do genérico inicial, os trolhas responsáveis pelo guião, ainda não confiantes na capacidade do espectador para perceber as intricadas nuances da sua trama, decidem encenar uma ridícula, supérflua e dramaticamente inerte cena de salão, cujo único objectivo aparente é servir frias colheradas de backstory. A dada altura, um dos personagens levanta-se da mesa, anunciando a sua intenção de estar noutro lugar (algo com que o espectador simpatiza de imediato), apenas para outra personagem lhe barrar a passagem, e lhe explicar alegremente o enredo ("No, you must stay, Dr. Warren, because you're the curator of the Thorne Museum, and I own 27 per cent of that.").
Segundos depois, esta troca impagável:
«They're not your sons, they're ours.»
«Neither boy is yours. May I remind you that Mark is Richard's son, from his first marriage, and Damien is his brother's son.»
Um dos mais flagrantes indícios de que estamos a assistir a um mau filme, escrito por argumentistas trapalhões, é ver os personagens relembrarem uns aos outros as suas respectivas genalogias. Nunca acontece num Sexta-Feira 13, seja qual for o episódio, não apenas porque o argumentista tem coisas muito mais importantes com que se preocupar (nomeadamente a decapitação sangrenta, mas honesta, da miúda em roupa interior), mas porque nesses filmes costuma encontrar-se um insólito equilíbrio natural entre a integridade e a exploração.
Num filme sobre o Anticristo, com um orçamento colossal, e com William Holden, o pecado é imperdoável, e revela apenas dois factos: que quem faz o filme não tem confiança na história para se contar a si própria; e que não tem confiança no espectador para fazer o trabalho adicional.
Soube pela IMDB que a série The Omen sofreu um segundo acrescento em 1981, The Final Conflict, que parece culminar num épico confronto entre um Damien adulto e um Jesus Cristo reencarnado. Se os padrões de qualidade foram preservados, essa é uma cena que gostaria de ver:
«Hello Damien, Satan's child. I can see that you are all grown up.»
«Yes, but may I take this opportunity to remind you, oh carpenter from Nazareth, that you are a direct descendant of Abraham, who begat Isaac, who begat Jacob, who begat Judas... » etc, etc, etc.

(P.S.: A mesma IMDB informa que o actor escolhido para interpretar o papel do filho de Satanás é hoje advogado. Limito-me a apresentar este facto, sem qualquer comentário adicional).

Prolezhni

Os trocadilhos existem, mas parece que não são universalmente vertidos. A tradução de 1993 (Burgin & O'Connor) foi a que eu li, e vale a pena só pelas anotações. Pode alguém continuar a viver tranquilamente a sua vida sem saber que o nome do secretário do Comité de Moradores no Sadovaya deriva da palavra russa para "úlceras de pressão"? Eu não sei se poderia.

(O artigo da wikipedia também refere que o livro inspirou uma canção dos Pearl Jam e um futuro musical de Andrew Lloyd Webber; dois factos aparentemente inofensivos que arruinaram por completo o meu dia).

Durma-se com um barulho destes

Houve um grupo vocal que esteve alojado esta semana em El Escorial, ao mesmo tempo que eu, no mesmo colégio que eu. E cantavam, cantavam, cantavam. Comunicavam entre si a cantar. Às refeiçoes era vê-los a cantar. Levavam a vida a cantar. Eu estava com uma amigdalite forte, daquelas que cansam. Nos dois primeiros dias recolhia-me ao meu quarto para descansar em horários nao muito espanhóis. Custava-me a adormecer pois nem no meu quarto, com porta e janela fechadas, deixava de os ouvir. Ouviam-se nos corredores.
In Hora Sexta, "grupo nascido em 2002 com a vocaçao de estabelecer um diálogo entre a música vocal antiga, das épocas renascentista e barroca, e a música vocal contemporânea", deram um concerto na Igreja Velha do Mosteiro de El Escorial na passada quarta-feira. O concerto foi anunciado para os residentes do colégio, mas também para os participantes de todos os cursos (e residentes noutros colégios). Todos tinham direito a um bilhete gratuito.
Consegui o meu bilhete para o concerto de In Hora Sexta. Lamentavelmente, devido à minha convalescença e aos companheiros de colégio (e, talvez, ao fraco café espanhol), passei a primeira parte a dormir.

Texto corrigido.

Cidadãos auto-imobilizados


Alguém tem que quebrar o silêncio políticamente correcto. O rei vai nu.

Os radares instalados em Lisboa, que impõem limites de 50 quilómetros à hora em locais como a Av. Infante D. Henrique, Av. De Ceuta, Av. Marechal Gomes da Costa, por exemplo, são uma verdadeira aberração.

Quem decidiu uma coisa destas não deve, não pode, ter a noção do que significa na prática tal velocidade. Deve ser uma simpática velhinha que nunca conduziu e que olha para os automóveis como manifestações demoníacas.

Chegámos a este ponto pelo processo habitual:

- alguns fanáticos isolam um problema social e resolvem absolutizá-lo para tornar aceitável qualquer medida correctiva.
- avançam com algumas pseudo-soluções que não resolvem o problema, nem beliscam interesses importantes, mas que incomodam todos os cidadãos comuns.
- como as intenções são piedosas ninguém, na área política, tem coragem para as contrariar.

A partir desse ponto todas as aberrações se tornam possíveis. Veja-se os milhares de “lombas” que foram espalhadas pelo país que, numa repressão cega, escangalham milhares de automóveis tornando-os assim mais aptos para os acidentes, para além de provocar lesões na coluna e mesmo casos de aborto.

Os políticos demitem-se da sua responsabilidade de perseguir os comportamentos reprováveis e anti-sociais e fingem resolver os problemas incomodando todos os cidadãos, quer sejam prevaricadores quer não. É revelador que só tenham iniciado as multas dos radares depois das eleições em Lisboa.

Estamos à mercê dos funcionários que ninguém elegeu e dos burocratas que retiram a sua realização pessoal da perseguição dos cidadãos inocentes.
As coisas podem, no entanto, piorar ainda mais.

Li algures que Helena Roseta negoceia com António Costa a atribuição do pelouro responsável pelo trânsito em Lisboa a Manuel João Ramos, o inspirador da “Associação dos Cidadãos Auto-mobilizados”.

Trata-se de uma pessoa que tem uma visão enviesada, e fundamentalista, da circulação rodoviária em resultado de uma tragédia familiar que todos, como é óbvio, lamentamos. Só alcançou grande notoriedade por ter acesso previlegiado aos meios de comunicação.

A sua nomeação para comandar os problemas do trânsito em Lisboa é tão absurda como seria nomear o familiar de uma vítima de incêndio, só por o ser, para dirigir a cúpula dos bombeiros, ou o parente de uma vítima de cancro para dirigir o IPO.

Os acidentes de trânsito fazem parte de um conjunto de problemas sociais que estão na moda e que conseguem uma atenção superior à sua importância real.
É fácil culpabilizar o cidadão “pecador”, ainda mais pecador na sua condição de proprietário, o que parece responder às necessidades da nossa matriz judaico-cristã. Também beneficia da espectacularidade dos acidentes.

Se a todos os automóveis fosse imposto um limite de zero quilómetros à hora haveria zero acidentes de viação. Como isso é impossível temos que encontrar um equilíbrio razoável entre a velocidade e os riscos.

Esse equilíbrio não é, certamente, 50 km/hora.
Dá sono, propicia distracções, emperra visivelmente a circulção.

Se têm dúvidas consultem, em referendo, a população de Lisboa.


clique a imagem para ver a localização dos radares

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Sunday, July 22, 2007



It is understood that. This could be seen as. This could allude to.




«The Smurfs live in an egalitarian utopia. There is no system of monetary exchange or even barter in the Smurf village. The village can be seen as a planned economy, under the leadership of Papa Smurf. (...) The food in the Smurf Village was stored away in mushrooms the minute it was harvested and then equally distributed to all the Smurfs throughout the year. No one "farmer smurf" sold his crop to one smurf or another. It was understood that the crop was for the entire Smurf population, not for the sale or profit of one Smurf alone (...)
Gargamel could be seen as the physical stereotype for capitalism: a man, totally consumed by greed. Anti-Semitic stereotypes in Gargamel's appearance have been noted, i.e. a large hook nose and a bald pate, except for the dark bushy hair sprouting over his ears, along with the name of his cat, Azrael, which resembles the name of the Jewish state Israel. This could allude to Communism's demonization of rich Jewish antagonists in Russia and the Soviet Union (...)»

("The Smurfs and communism", Wikipedia)

Centro Cultural de Berardo ?

Femme dans un fauteuil, Picasso


Não há dúvida de que o Museu Colecção Berardo constitui uma contribuição importante para o rosto cultural de Lisboa. A colecção, o que conheço dela, contém obras notáveis mas também outras que vivem, como é habitual no campo artístico, da criação à sua volta de uma aura que a minha sensibilidade tem dificuldade em reconhecer. Isso não me perturba muito pois a arte é o campo da subjectividade por excelência.

O que me perturba é não ter ainda percebido o novo papel do CCB, com ou sem Mega Ferreira. Se a colecção Berardo não deixar espaço para a passagem de esposições temporárias parece-me que ficamos todos a perder.

Depois de ver a colecção Berardo uma ou duas vezes que motivos terão os visitantes comuns para lá voltar ?
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Friday, July 20, 2007

Juro que, depois disto, não volto a escrever a palavra "Tintim" durante seis meses

Estava aqui a planear um texto híbrido sobre crise no PSD e as eleições na Turquia, quando reparei que o JRP do Comboio Azul tinha escrito um segundo post sobre l'affaire Tintin. Um segundo post do qual, com toda a franqueza, desgostei um bocadinho menos que do primeiro (porque inclui um mp3 do Morrissey), mas que volta a demonstrar as três diferenças fundamentais entre as nossas posições. Uma, e esta parece-me mesmo crucial, é que tem estado por aqui a chover ininterruptamente desde as seis da manhã, todas as pistas de cavalos num raio de 150 quilómetros estão alagadas, e eu não posso sair de casa para ir apostar. Só quem passa por situações destas é que lhes sabe dar o valor.
Outra diferença é a seguinte: no meu entender, as únicas formas de racismo que justificam actos censórios ou semi-censórios são as que têm uma componente doutrinária e prescritiva. Essa componente está presente em qualquer texto que tente erguer um edifício ideológico a partir de um preconceito lamentável, mas incontornavelmente humano, que é o medo/desconfiança em relação ao Outro. O álbum do Hergê não é isto. Aquilo que, no limite, se pode descortinar em Tintim no Congo, é o reflexo esbatido e ingénuo da mentalidade popular numa metrópole colonial na primeira metade do século XX.
(E aqui, um aparte para o João Galamba: eu também li o The Origins of Totalitarianism da Hannah Arendt. Também sei que o colonialismo europeu foi legitimado por alguns lamentáveis textos pseudo-científicos, como esta coisa aqui. O racismo teórico foi um instrumento valioso para as potências coloniais. Mas concordaremos que não era uma característica individual de toda a população europeia da altura. Existia uma espécie de racismo popular por default em qualquer potência colonial, que não era activamente exercido, e que não deve ser retroactivamente condenado, a não ser por pessoas com a certeza absoluta de que teriam sido as mesmas almas iluminadas e tolerantes caso não tivessem gozado a felicidade cronológica de nascer em tempos iluminados e tolerantes . Creio que o possível "racismo" de Hergê era esse: um racismo de rebanho, um racismo de ignorância. Daí a minha tentativa, com aquela etiqueta rasurada da "sobranceria colonial", de o separar do racismo ideológico dos Gobineaus e dos Chamberlains, ou do racismo interventivo dos PNRs e dos BNPs).
Voltando a chover no molhado: o JRP acha que o episódio (disponível aqui) em que Tintim manda umas pessoas trabalhar "contém a maior dose de racismo" do álbum. Acontece que o mesmo episódio podia retratar os passageiros como aristocratas ingleses pouco habituados a trabalhar, sem ser preciso alterar a linguagem, e sem perder o sentido (façam a experiência mental). Mas porque os bonecos são negros, e porque o JRP sabe o suficiente sobre o contexto histórico da época para ver nas ordens de Tintim e na reacção dos passageiros uma dramatização da relação mestre-escravo, o episódio é interpretado como racista. Reafirmo que esta retroacção interpretativa permite encontrar ofensa em qualquer texto escrito antes da semana passada
Há uma tira n'O Segredo do Licorne na qual o Capitão Haddock ordena aos irmãos Dupont que manejem a bomba de ar do escafandro de Tintim, algo que os desgraçados, por entenderem mal as instruções, continuam a fazer desnecessariamente até ao anoitecer. Esta vinheta, como tantas outras, revela a bestial estupidez dos Dupont, e pressupõe a suposta superioridade do Capitão Haddock, que se confere o direito de exercer domínio sobre polícias com bigode. É isso? E todas as vinhetas em que o Nestor recebe ordens serão, de acordo com o mesmo raciocínio, "desumanas" e "cruéis" manifestações de um preconceito anti-carecas? E já alguém reparou que não há um único retrato positivo de um banqueiro em toda a série? Não há ninguém interessado em proteger as crianças deste preconceito anti-capitalista?
Isto leva-nos, misericordiosamente, ao último ponto de discórdia. O JRP continua a achar que a cedência parcial das livrarias - a transferência do livro para uma secção diferente - foi um gesto, na melhor das hipóteses, neutro (um "mal menor" é o que ele lhe chama). Eu não acho. Acho que é um mal maior, acho que não beneficia uma única pessoa, acho que é um burlesco passo à rectaguarda.
Abrir um precedente destes a propósito de um pormenor demonstravelmente refém de interpretações subjectivas é um gesto muito mais perigoso do que qualquer coisa que se possa encontrar num livro de banda desenhada. É abrir caminho a que uma outra organização, com líderes ainda mais idiotas que os da CRE, encontre um episódio insultuoso para as mulheres em O Filho de Astérix; ou uma vinheta depreciativa para os nativos americanos em A Grande Travessia; ou uma referência cripto-leninista num feitiço do Harry Potter; e que venha depois exigir a mesma atitude: a mudança de secção do objecto-réu.
Nessa altura, eu e o JRP estaremos provavelmente do mesmo lado, a balbuciar umas coisas sobre o absurdo da exigência, e a tentar explicar que os objectos em questão não são, no mundo real, ofensivos nem perigosos. Mas porque o precedente existe, seguir-se-ão as inevitáveis (e neste caso justas) acusações de hipocrisia e dualidade de critérios. Ou, pior ainda, nova cedência.
No planeta Terra, a qualquer hora do dia ou da noite, há sempre um indivíduo ou um grupo ofendido com qualquer coisa, e a reivindicar outra coisa qualquer (pessoalmente, don't get me started nos impostos). Decidir sobre a razão dessas reivindicações não é tarefa fácil, mas para abrir um precedente, acredito que a justificação deva ser o mais sólida e incontroversa possível. Os exemplos do JRP (Mein Kampf, American Psycho, pornografia) são maus, porque, ao contrário de Tintim no Congo, nunca fizeram parte das prateleiras juvenis. Ou seja, a sua inclusão nas ditas é que representaria um precedente; a sua inclusão é que teria de ser solidamente justificada. (Sou todo ouvidos).
O JRP diz que a demanda do seu post original era precisamente a "a dificuldade em definir a fronteira" do que é ou não aceitável para as secções de literatura juvenil. A minha sugestão é esta: deixar a fronteira bem quietinha como está. Quanto menos lhe mexermos, menores são as probabilidades de fazermos asneira.

(Sinto que este post repisa algumas ideias do anterior, e que portanto o diminui. Para evitar uma situação extrema, do género ficar aqui sentado a escrever versões sucessivas da mesma coisa até o hipódromo de Worcester voltar a abrir, decidi atacar um projecto que ando a alimentar desde os 14 anos: dormir um fim-de-semana inteiro. Há espécies de morcego que dormem vinte horas por dia. As girafas dormem menos de duas. Calculem o estado em que eu estou para me ocorrerem coisas destas. Já agora, leiam este texto do Roy Blount Jr. Não tem nada a ver com Tintim, o que, nesta altura do campeonato, é a melhor recomendação possível.)

Coisas que me têm escapado em El Escorial

Refiro-me a eventos do Colégio Maria Cristina, em San Lorenzo de El Escorial, situado no antigo edifício de la Campaña, construído em 1590, onde me encontro instalado. O rei era Filipe II de Espanha, I de Portugal. Poucos anos antes (1584) tinha sido finalizada a construçao do Mosteiro de El Escorial. Durante esta semana tenho vindo a perder missa, celebrada todos os dias às 20:30 no Colégio. (Vim para uma Escola de Verao de Física Teórica da Universidade Complutense; aqui foi onde me alojaram.) Mas também tenho vindo a perder a piscina do colégio, gratuita pararesidentes, e o vinho Rioja,servido diariamente às refeiçoes. Tudo por causa da amigdalite com que vim para cá.
Terminei o antibiótico ontem. Está na altura de recuperar o tempo perdido.

Por culpa de Fidel

Não é “um grande filme”, mas vê-se bem e faz-nos pensar. Principalmente àqueles que viveram naquele mesmo período acontecimentos daquele tipo e facilmente se recordam como protagonistas de histórias semelhantes.

Se tomarmos como ponto de focagem as duas crianças, nomeadamente a quase adolescente Anna, poderemos começar por pensar que se está perante um processo normal de crescimento, em que elas são confrontadas com modelos diferentes de comportamentos na família e nos grupos sociais onde estão inseridas, sendo apenas incidental o facto de neste caso essas diferenças terem raiz politica.

E penso que assim é, mas com uma ressalva: esse carácter politico não é indiferente, porque permite não só pôr em perspectiva as acções dos adultos através da evolução das crianças, mas também questionar um dos mais importantes “nós górdios” das ideologias ou, mais simplesmente, das tomadas de posição: a certeza.
Permite-nos também reflectir sobre os motivos que levaram cada um de nós a seguir por um caminho e não por outro (reflexão muito oportuna, agora que florescem os livros de memórias!), e sobre o real contributo que muitas acções, executadas sem duvida com entusiasmo e espírito generoso, acabaram por ter para os objectivos que se pretendia atingir.

No final do filme, em contraponto à sensação de inutilidade que aquele grupo de activistas sente perante a queda de Allende, perfila-se Anna que aprendeu, entre outras coisas, que “espírito de grupo” não é o mesmo que “carneirada”, que não há certezas absolutas e definitivas e que o mais importante é sempre decidir pelo nosso próprio juízo critico.
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"na CHina" em Torres Vedras


Inauguração, 21 de Julho às 18:30

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Coisas que só acontecem quando eu nao estou em Lisboa (II)

Um debate entre dois ilustres Ladroes de Bicicletas e o nao menos ilustre António Figueira. Se estivesse em Lisboa nao deixaria de ir. Assim resta-me recomendar. Detalhes aqui.

Coisas que só acontecem quando eu nao estou em Lisboa (I)

Um seminário de Ludwig Faddeev no Complexo Interdisciplinar da Universidade de Lisboa, "Mass Problem in the Quantum Yang-Mills Theory", no âmbito dos "Diálogos entre Física e Matemática". Eu já vi Faddeev falar - é um dos nomes de topo sobreviventes da escola soviética (evidentemente, soviética) de física teórica. A nao perder por quem estiver interessado.

"Your body needs water so drink that shit"

Thursday, July 19, 2007

Alberto Romao Dias

Excelente evocaçao deste químico, de quem nunca fui aluno mas de que me recordo perfeitamente, pela sua aluna Palmira Ferreira da Silva. A Palmira só nao foca as suas actividades subversivas, nomeadamente vice-presidente da AEIST em pleno salazarismo...

Zita e a queda da Utopia


Acabei de ler o “Foi Assim” de Zita Seabra. Os dois primeiros capítulos, sobre os primeiros tempos da militância, já eu tinha comentado aqui.

Não vou entrar na discussão das imprecisões factuais do livro e também não vou julgar as escolhas ou intenções de Zita Seabra. Reconheço-lhe não só o direito mas o mérito de ter tentado preservar as memórias do seu percurso político no PCP. Para mim o livro é especialmente interessante porque entrei e saí do partido praticamente ao mesmo tempo que Zita.

Aqueles que viveram aquele período em actividade militante, mesmo na base, encontram no livro muitos episódios ou pessoas que conheceram directa ou indirectamente vistos, é claro, de um ângulo diferente. Um índice dos nomes mencionados devia por isso ter sido publicado.

Pode no entanto dizer-se que grande parte do texto tem um carácter descritivo, ao nível do lugar-comum, e acaba por não acrescentar muito ao que esse tipo de pessoas já sabia ou presumia.

Zita Seabra mistura, recorrentemente, por um lado o distanciamento relativamente aos factos vividos e, por outro, um estilo próprio da sua antiga condição de controleira o que perturba o leitor que saiba quão distante a autora está hoje de tais andanças. Só faz sentido se for interpretado como formula adoptada pela autora para melhor recriar o ambiente dos episódios relatados.

Também se verifica um certo grau de conflito entre o empolamento e dramatismo do tom e as acções conspirativas vividas pela autora que não são especialmente impressionantes, quando comparadas com as experiências e percursos de outros militantes, que enfrentaram situações bem mais agudas, durante períodos mais longos e em condições mais adversas. Em certas passagens é também perceptível uma certa imaturidade.

Confesso que fui surpreendido pelo tratamento trivial de certos acontecimentos históricos que, a terem sido como Zita relata, roçam o caricato. Neste plano não posso deixar de referir a descrição da espera, por Zita e por Carlos Brito, do desencadear do 25 de Abril.
Segundo a autora teriam estado paulatinamente a ouvir pela rádio e a confirmar, um a um, os sinais combinados pelos militares para a saída das tropas.
Sendo Carlos Brito o responsável pelo controle dos militantes nas forças armadas e um alto dirigente do PCP parece estranho que nenhuma diligência estivesse em curso que preparasse os militantes civis para, em caso de necessidade, colaborarem com os militares.
Os dias que antecederam e sucederam a revolução, da forma como estão descritos, parecem demasiado impreparados e caóticos para um partido que, como a autora refere, fazia da disciplina e do rigor a sua grande força.

Não posso usar a minha experiência pessoal na validação do texto de Zita relativo ao 25 de Abril porque passei os meses que antecederam a revolução desligado da rede clandestina.Tinha descoberto, por mero acaso, que estava a ser seguido pela PIDE. A partir de 18 de Abril estive em Caxias.

Os relatos das sessões do Comité Central em que foi decidido o afastamento de Zita Seabra são bastante chocantes, sem dúvida, mas é difícil perceber o verdadeiro carácter da dissidência que os motiva. Há no livro muitas referências a questões de carreira, promoções e despromoções mas, no plano ideológico, tudo parece resumir-se às tensões entre o trabalho parlamentar e as preferências da direcção do partido pela teoria da “luta armada”.

Não me recordo de qualquer referência a conflitos ao nível dos objectivos políticos e do modelo de sociedade que enformavam, e enformam, a acção do PCP. Por isso a dissidência de Zita parece ter-se resumido, enquanto militante, às questões de método e do processo de transição.
Se bem percebi Zita considerava que os portugueses se afastavam do PCP não tanto por este partido lhes propor soluções indesejáveis ou ininteligíveis mas sim porque receavam que tais soluções lhes viessem a ser impostas pela força. Nada disto resultou muito claro para mim.

O livro termina com uma impressionante denúncia das violências cometidas na URSS e noutros países comunistas, quer contra militantes caídos em desgraça quer contra os vulgares cidadãos. A autora confessa a sua vergonha por ter estado envolvida naquilo que designa por crimes e, de certa forma, este final do livro constitui um pedido de desculpa ao mundo. Zita parece querer ignorar que essas não foram as primeiras, nem as últimas, violências que se abateram sobre a humanidade.

Dentro em breve escreverei sobre as páginas que faltam no livro de Zita Seabra e que tratariam da parte para mim mais importante.
Como se lida com a morte de uma utopia a que se esteve ligado quase toda a vida ?

A resposta que cada um de nós dá a esta pergunta acaba por ser a nossa mais autentica assinatura.
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Wednesday, July 18, 2007

Tenho muitas dúvidas sobre estas coisas

Não tenho dúvidas. O álbum "Tintim no Congo" é seguramente o pior momento da obra de Hergé. E diga-se, não sou só eu que o acho... o próprio acabou por o definir como "um pecado da juventude".
O álbum é, de facto, péssimo. Racista, desumano e cruel(...)
Tintim pergunta a uma turma de crianças negras quanto é 2+2 e não obtém resposta, mesmo depois de insistir (coisa que aliás continuará a fazer em vinhetas posteriores, sempre sem sucesso). Noutras vinhetas, Tintim deparar-se-á com a preguiça de um conjunto de negros, com erros sucessivos na oralidade e superstição extrema, com a subida de Milou ao trono dos pigmeus, com a mesquinhez na disputa por um chapéu e com a estupidez pela solução final, e por aí fora.(...)
No meu entender, todas estas razões seriam suficientes para a retirada do livro da estante dos mais novos. Para estas realidades, da violência, discriminação e racismo, já chegam as imagens e as palavras que os noticiários vomitam sem contenção, a qualquer hora do dia, para todos os públicos, incluindo o mais jovem (...)
A livraria Borders e a Waterstone's, que tomaram a iniciativa de mudar a obra de secção, também estiveram bem. Tendo o bom-senso de não proibir a obra, alteraram a classificação da mesma, permitindo aos adultos que a queiram consultar e comprar de o fazer. Mas, uma vez que o livro tem cenas claramente excessivas e, pior que isso, coloca como vilão (perante os valores ecológicos e de igualdade contemporâneos) aquele que deve ser o herói, símbolo de toda a valentia na defesa de causas nobres e humanas, as livrarias libertaram as crianças de encontros, desilusões e modelos errados que a obra poderia proporcionar. (...)


Cai por aqui um granizo inconcebível, dizem que estamos em Julho, um cavalo a 8/11 dá um trambolhão a quinze metros da meta, o Purovic é apanhado em dezassete foras-de-jogo, o estado das coisas é genericamente lamentável, eu ando aqui a preocupar-me com banda desenhada e, bom, enfim, devo dizer que não gostei mesmo nada deste post no Comboio Azul, por variadíssimas razões, das quais tenciono explicar algumas.
Começando por baixo, parece-me que Tintim no Congo é "racista, desumano e cruel" da mesma maneira que certas nuvens no céu se assemelham a ovelhas, saxofones ou cafeteiras Moulinex; é preciso tiranizar o ângulo de visão e estar à procura do que se quer ver. Não venho aqui defender o indefensável, nem cair no ridículo de negar os aspectos menos felizes do álbum, mas é-me abominavelmente custoso encontrar justificação - neste debate, como em tantos outros - para um vocabulário crítico de tal forma inflacionado que o juro retórico assuma a forma de "racista, desumano e cruel". Mas admito ter dúvidas sobre isto, o que me coloca em desvantagem imediata perante qualquer pessoa que não as tenha. O Comboio Azul não parece ter grandes dúvidas sobre isto. "Não tenho dúvidas", para não deixar dúvidas, é a primeira frase do post, o que me deixa algumas dúvidas. Talvez isto não seja nada mais grave que uma falha nos circuitos de distribuição das dúvidas, porque é tristemente frequente eu sentir o peso de dúvidas a mais, o que me faz suspeitar que provavelmente ando por aqui há anos a sentir as dúvidas de terceiros, incluindo as do Comboio Azul.
O Comboio Azul também acha que "há ali claras referências racistas (mais que paternalistas, como já li por aí)". Eu, recheado de dúvidas, acho que se nota mais sobranceria colonial do que racismo, como leio por "aí" e por "aqui". "Racismo", no meu dicionário, vem definido como uma «doutrina que tende a preservar a unidade da raça e assenta na suposta superioridade de uma raça que se confere o direito de exercer domínio sobre as outras», e também como «hostilidade face a um grupo étnico diferente».
É possível fazer várias leituras de Tintim no Congo, mas descortinar naquelas vinhetas resquícios de "doutrina" ou de "hostilidade"está muito além das minhas capacidades hermenêuticas. Eu leio e releio e não vejo doutrina ou hostilidade nenhuma. O que lá vejo é o espectro caricaturizado de uma realidade colonial espacialmente distante, filtrada pela imaginação caótica de um génio em pleno processo de formação moral e artística. O que lá vejo é o paternalismo cultural algo ridículo que existia nos meus bisavós, e em menor grau nos meus avós, e que se foi desvanecendo nas gerações seguintes. O que lá vejo não é necessariamente louvável, mas duvido que represente uma ameaça para quem quer que seja.
É indiscutível que os africanos desenhados no livro são caricaturizados (os lábios grotescamente inchados, etc), mas, e porque nestas coisas é por vezes necessário reiterar o pateticamente óbvio, convém lembrar que estamos a falar de bonecos num livro de banda desenhada, e que a cabeça do próprio Tintim é um pêssego corado com dois furinhos no meio.
A simples operação matemática que elude uma sala de aula inteira pode ser interpretada como "racismo" por um adulto familiarizado com os semáforos do prejuízo, e que saiba muito bem aquilo de que está à procura. Uma criança, que por norma não lê um texto à procura de sintomas, poderia simplesmente sentir empatia com as naturais e familiares dificuldades matemáticas de outras crianças.
Porque a questão de fundo é essa: quem sucumbe à tentação estruturalista de olhar para um álbum de BD como um atalho para diagnosticar maleitas culturais arrisca-se a encontrar inúmeros elementos objeccionáveis. E se "todas estas razões seriam suficientes para a retirada do livro da secção dos mais novos" então poderíamos usar as mesmas razões para esvaziar a secção por completo. Há um livro de Júlio Verne (não me lembro qual ao certo, mas desconfio que é o do balão) em que os protagonistas disparam sobre nativos africanos porque os confundem com babuínos. E isto para não falar de Mark Twain ou H. Ridder Haggard, cujas obras estão pejadas de vocabulário racial duvidoso. Vamos levar tudo para as prateleiras de cima? E quanto à questão da violência sobre os animais: vamos proibir os Looney Tunes a menores de 18? Os danos infligidos ao Wile E. Coyote pelas geringonças da Acme Corporation equivalem a mil cartuchos de dinamite em mil rinocerontes infelizes. Já que estamos embalados: toda a série do Astérix pode ser avaliada como potencialmente ainda mais perigosa para crianças, uma vez que estas apenas costumam apreender a primeira camada de significado, que é a estereotipização sucessiva de culturas e nacionalidades inteiras, permanecendo alheias à segunda camada, que é o comentário satírico e auto-referencial a essa mesma estereotipização. Astérix para a estante das graphic novels, só por via das dúvidas?
Acredito, ainda a chapinhar no meu charco de dúvidas, que uma criança sozinha não vai encontrar nada nefasto em Tintim no Congo. Li esse álbum específico pela primeira vez com cinco ou seis anos; li-o como uma aventura ao longo da qual Tintim auxiliava algumas vítimas, derrotava alguns vilões, e massacrava alguns animais. Só na adolescência tardia consegui entender que parte do conteúdo era problemático, e consegui lá chegar em razoável forma cívica, sem dinamitar nenhum perissodáctilo nem aderir à Frente Nacional.
Muitos comentadores na imprensa e em blogues ingleses acreditam, tal como o Comboio Azul, que a passagem do livro para a secção dos adultos foi uma boa solução de compromisso, e uma iniciativa inteligente. Mas não é, nem sequer pretendeu ser. A atitude da CRE (Comission for Racial Equality) não é um nobre grito de justiça; é um fútil exercício de visibilidade pública, que lhe garante uma semi-vitória institucional, mas cujas consequências negativas em muito vão exceder as positivas. No xadrês politico-cultural britânico, a CRE sacrificou um peão a troco de muito barulho e coisa nenhuma. Uma manobra, de resto, na qual teima em reincidir.
As crianças que, segundo eles, precisam de ser protegidas, não costumam ir sozinhas às livrarias, fazer compras com o seu próprio dinheiro e sem supervisão paternal. Esta farsa não poupou "encontros" a nenhuma hipotética "vítima". Antes pelo contrário. Um dos efeitos imediatos foi a promoção artificial de um dos trabalhos mais fracos de Hergé a fruto cultural proibido, uma Laranja Mecânica para a geração P2P. E o álbum, entretanto, subiu ao top-ten de vendas na Amazon.
O queixoso que originou tudo isto encontrou o livro na secção de literatura juvenil (não infantil, como já li "por aí"), protegido por uma tira de papel alertando para o conteúdo potencialmente problemático, e com uma nota dos editores contextualizando a obra. A solução de compromisso era esta. A iniciativa inteligente já tinha sido tomada. Mas o senhor decidiu ignorar o compromisso; decidiu rasgar a tira e ler o livro; decidiu, em suma, chocar-se, uma das decisões mais fáceis de concretizar dentro de uma livraria, seja qual for a secção. Basta ter o equipamento mental adequado.
O outro resultado tangível do processo foi a oferta - na já cansativamente habitual bandeja perfumada - de munições aos guerrilheiros anti-sistema, os tais patrulhadores dos patrulhadores que tanto irritam o Comboio Azul e que tanto me irritam a mim, e que rejubilam à menor oportunidade para fulminar a "tirania do politicamente correcto", que, de resto, se assemelha cada vez mais à caricatura imbecil que dela fazem.
Entidades como a CRE, cujo objectivo é combater activamente um problema real e sério, não deviam contribuir para a sua trivialização, nem desperdiçar crédito mediático a atacar fantasminhas, muito menos com exigências histéricas e desproporcionadas. Falsificações do passado, por menor que seja a escala, e por mais benignas que sejam as intenções, nunca melhoraram o futuro de ninguém. Sobre isto, pelo menos, tenho muito poucas dúvidas.

Baltazar Garzón


"Perante a ameaça do terrorismo, o Estado nunca pode perder o seu valor principal que é a credibilidade." Com esta frase se pode resumir a conferência que Baltazar Garzón deu anteontem ao fim do dias, em El Escorial, onde me encontro, no âmbito dos cursos de Verão da Universidade Complutense.
A frase aplica-se directamente aos EUA. Garzón referiu no seu discurso de um modo explícito, obviamente em termos críticos, os campos de Guantánamo. Mas nao é só disso que se trata a credibilidade: é de dizer à populaçao a verdade, e nao aterrorizá-la procurando ganhar votos, outra prática muito frequente especiamente no primeiro mandado de George W. Bush.

Saramago "nuestro hermano" ?

Saramago visto por Rui Duarte


Descobri Saramago com Levantado do Chão, que me maravilhou, muito antes de ele se tornar famoso. O "Memorial...", o "Ricardo Reis..." e o "Evangelho..." deixaram em mim marcas muito fortes.

Nos últimos anos tenho cada vez mais dificuldade em ler os seus livros. Estou convencido de que, em arte, é muito mais importante mergulhar nas dúvidas, nas perguntas e na complexidade do que partir de uma base simplista de certezas.
A grandiosidade das metáforas de Saramago cada vez mais me parece inquinada por uma arrogância apologética que é, por natureza, o contrário da arte tal como a concebo.

Por alguma razão Saramago convenceu-se de que lhe competia vestir-se como um misto de juiz e de pitonisa o que costuma, tarde ou cedo, levar à produção de obras chatas.

No campo das declarações avulsas sobre os grandes problemas sociais tivemos recentemente uma entrevista onde foi antecipada "a integração de Portugal em Espanha...".

Talvez valha a pena ver como reagem "nuestros hermanos" num fórum do El Pais (ver aqui)
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Concentraçao nacional de bolseiros - hoje

Eu nao vou. (Enncontro-me em San Lorenzo de El Escorial, a 60 km de Madrid. Nota-se pelo teclado.) Mas apoio incondicionalmente. A declaraçao integral da ABIC pode ser lida aqui.

Monday, July 16, 2007

Encompassing the Globe

Portrait of a Black Man, Jan Mostaert


A exposição "Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17th Centuries" é "de longe a maior, quer pelo número de peças quer pelo número de instituições e pessoas que as disponibilizaram quer pelo espaço ocupado".
Esta declaração foi feita por James Gordon, Director do Departamento de Informação da Smithsonian Institution.

A exposição inaugurada em Washington por Cavaco Silva no dia 20 de Junho estará aberta ao público até 16 de Setembro. Ocupará "todo o espaço de exibição da Sackler Gallery e uma parte do adjacente National Museum of African Art".

Em foco, estarão Portugal e o encontro de culturas proporcionado pelas viagens portuguesas dos séculos XVI e XVII.

Segundo a última relação das obras a expor divulgada pela Smithsonian, as 260 peças são provenientes de 89 instituições e 16 coleccionadores particulares, sendo o Tokyo National Museum, com 16 objectos, a instituição que mais obras fornece para a exposição.

Vêm depois o Nationalmuseet, de Copenhaga, com 13 objectos, o Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa, e o British Museum, de Londres, com 12.

Há 60 instituições ou coleccionadores que disponibilizaram apenas uma obra para esta exposição.

( clique aqui para ver uma colecção de objectos presentes na exposição )
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Após as eleiçoes em Lisboa

Uma coligaçao de esquerda urge. Para uma aliança do PS com Carmona Rodrigues, mais valia que tivesse ficado tudo na mesma

The Gettysburg Address in Eisenhowerese

«I haven't checked these figures but 87 years ago, I think it was, a number of individuals organized a governmental set-up here in this country, I believe it covered certain Eastern areas, with this idea they were following up based on a sort of national independence arrangement and the program that every individual is just as good as every other individual. Well, now, of course, we are dealing with this big difference of opinion, civil disturbance you might say, although I don't like to appear to take sides or name any individuals, and the point is naturally to check up, by actual experience in the field, to see whether any governmental set-up with a basis like the one I was mentioning has any validity and find out whether that dedication by those early individuals will pay off in lasting values and things of that kind.
Well, here we are, at the scene where one of these disturbances between different sides got going. We want to pay our tribute to those loved ones, those departed individuals who made the supreme sacrifice here on the basis of their opinions about how this thing ought to be handled. And I would say this. It is absolutely in order to do this.
But if you look at the over-all picture of this, we can't pay any tribute - we can't sanctify this area, you might say - we can't hallow according to whatever individual creeds or faiths or sort of religious outlooks are involved like I said about this particular area. It was those individuals themselves, including the enlisted men, very brave individuals, who have given this religious character to the area. The way I see it, the rest of the world will not remember any statements issued here but it will never forget how these men put their shoulders to the wheel and carried this idea down the fairway.
Now frankly, our job, the living individuals' job here, is to pick up the burden and sink the putt they made these big efforts here for. It is our job to get on with the assignment--and from these deceased fine individuals to take extra inspiration, you could call it, for the same theories about the set-up for which they made such a big contribution. We have to make up our minds right here and now, as I see it, that they didn't put out all that blood, perspiration and--well--that they didn't just make a dry run here, and that all of us here, under God, that is, the God of our choice, shall beef up this idea about freedom and liberty and those kind of arrangements, and that the government of all individuals, by all individuals and for the individuals, shall not pass out of the world-picture.»


(O texto é de Oliver Jensen e pode ser encontrado nessa obra sumamente recomendável que é Parodies: An Anthology from Chaucer to Beerbohm.
Submeto isto como adenda àquele ensaio fabuloso do Claremont Institute que está linkado ali, e dedico o post ao meu amigo Paulo, que desata a gritar o nome e a patente do General Eisenhower sempre que bebe umas cervejas a mais, um efeito que nunca deixou de me fascinar).

Na Escócia, "male bonding" diz-se "Stella"

Este post, meus amigos, este post, esta madalena fermentada, este belo belo post trouxe-me lágrimas aos olhos.

Prontos para um demagogo ou o ocaso dos partidos


A votação em Lisboa demonstra também, numa escala nunca antes verificada, a decadência do sistema partidário em Portugal. Vejamos:

1. Os partidos tradicionais da direita são simplesmente arrasados.

2. António Costa "ganha" as eleições com os votos de 10% dos lisboetas inscritos. Tem menos 17.000 votos que o vilipendiado e derrotado Carrilho.

3. O PCP perde 13.500 votos e passa de 11,42 para 9,53 %. Nos anos oitenta chegou a ter 27,5 %.

4. O BE perde 8.900 votos e passa de 7,91 para 6,81 % mesmo depois do "brilharete" de ter conseguido provocar eleições

5. Carmona, o arguido independente, tem sozinho mais votos do que os seus algozes, PCP e BE, juntos.

6. Roseta, com meia dúzia de tretas, arranja em dois meses mais votos do que um partido com uma história gloriosa como o PCP.

7. 62 % dos cidadãos de Lisboa recusam-se a participar na votação.

A isto nos conduziu a guerra sem quartel e sem princípios que os partidos têm conduzido nos últimos anos. Uma guerra em que tem valido tudo para alcançar o poder e em que, mais do que as causas, são os interesses que pontificam.

Ou seja, parecem estar criadas as condições para o surgimento de um demagogo qualquer, um Berlusconi ou um Chavez, que nos conduza finalmente para a "República das Bananas" que julgávamos não ser.
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Sunday, July 15, 2007

86.000 votos pelo cano abaixo



O que tantos tanto receavam aconteceu.
Apesar de o tempo não ser adequado para idas à praia a abstenção disparou nas eleições para a Câmara de Lisboa.
Já tinha dito que isso se deveria às pobríssimas ideias da campanha mas, depois de ver os resultados, vou ainda mais longe: os eleitores estão a deixar de votar porque sentem que não vale a pena. Vou explicar.

Há dois anos houve 119.837 cidadãos de Lisboa que votaram em Carmona Rodrigues. Tente-se imaginar o que essas pessoas devem sentir quando vêem a sua escolha arrastada pela lama mediática como um banana corrupto.

Por um lado podem pensar que tudo não passa de suspeições que nenhum tribunal validou ainda mas isso não resolve a angústia dessas pessoas. Das duas uma:

1) ou Carmona é realmente um banana corrupto e então os seus votantes ficam desmoralizados e consideram-se indignos de votar agora noutro candidato que pode vir a revelar-se igualmente mau
2) ou Carmona afinal não é um banana corrupto e então os seus votantes devem concluir que há nesta democracia mecanismos perversos que conseguem sobrepor-se e anular, "na secretaria",uma votação democrática

Esta pode ser a explicação para o facto de as forças de direita (Carmona+PSD+CDS), no seu conjunto, terem perdido 65.713 votos para a abstenção em comparação com 2005.

Mas então como se explica que as forças de esquerda (Roseta+PS+PCP+BE) tenham também perdido, no seu conjunto, 19.676 votos ? O PCP e o BE reduzem mesmo as suas percentagens de 11,42 para 9,53 %, no primeiro caso, e de 7,91 para 6,81 % no segundo.

Talvez os cidadãos não simpatizem especialmente com uma política baseada na denúncia. Mesmo que reconheçam a pertinência das denúncias pressentem que as denúncias, quando a justiça não as confirma em tempo útil, podem transformar-se numa arma perigosíssima para a democracia.

António Costa, ou a sua lista, ainda não tinham sido eleitos e já eram acusados de "interesses nos terrenos do aeroporto", "projectos ocultos na zona ribeirinha", "pacto secreto com Carmona", etc, etc. Onde é que isto nos leva ?

Já tenho dito e repito: há comportamentos na nossa vida política que estão a arrastar a democracia para o abismo. Talvez o mais grave seja a incapacidade para aceitar os resultados das eleições quando quem ganha é o adversário.

Cada vez mais constatamos que os eleitos, mal tomam posse, são imediatamente sujeitos a tratos de polé e, se não se cuidam, destruídos mesmo ao nível da sua vida privada, escolar ou profissional.

De forma falaciosa apresenta-se a intolerância e o espírito anti-democrático como se fossem apenas as normais, e democráticas, diferenças de opinião e de proposta.

O principal problema de Lisboa está, como antes estava, nesta perversão da democracia.
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Letter to the editor

Sir,

Having been bedridden for the best part of a week, due to apparently psychosomatic complications (which, at this juncture, we will refrain from diving into), I could barely summon the strength necessary to raise my pen from its desk-side scabbard, and hurl it into the vacant page. However, I felt it a moral duty to publicly applaud the CRE's brave piece of lobbying [Special Report, June 12th], and its remarkable success in focusing the public's attention on one of Monsieur Hergé's most flagrant pieces of bigoted claptrap, managing in the process to get it moved out of the reach of unsuspecting children, simple-minded adults, and senile old fools.
The way is now paved, I feel, for a rigorous examination of M. Hergé's "creation", which will hopefully result in a complete ban on that continental disgrace that has long been euphemistically dignified with the designation "chidren's literature". How thrilling it is, when the World starts following your lead, even if it drains your vigour to point it out!
That M. Hergé was a fascist is now established beyond question: the evidence just piles up, like dung beetles on dung. His «White Album», a so-called rarity that has been circulating widely among aficionados since the late 70's, presents more than enough evidence to indict the man as a reactionary lunatic. You wouldn't believe how exhausting the mere effort of holding the pen is, and yet so-called "doctors" say it's nothing. Moving on. The work in question collects a substantial part of his secret output: single propagandistic vignettes dating back to the war years; hate-filled, unpublishable strips; alternate endings for existing stories; sketched outlines for future ones; and two first-drafts of mercifully incomplete albums.
One of those, Tintin et Les Protocoles des Sages de Sion (1977), reiterates M. Hergé's anti-semitism with astonishing vehemence. It is now acknowledged by most tintinophiles that Captain Haddock's colourful lexicon is partly lifted from Céline's anti-semitic pamphlet Bagatelles pour un massacre (1937). More contentious, although there for all discerning scholars to see, is the plethora of brain-washing racist mantras that Monsieur Hergé has sneakily spread throughout his oeuvre. (I feel particularly qualified to discuss this, having penned the definitive monographs: «Coons, kikes and gooks: Hergé's disturbed worldview» and «Hergé the reptilian telepathic humanoid: mind-control techniques in Tintin's adventures», both now sadly out of print, a tragedy which I trust will soon be corrected by some enterprising young publisher).
The unfinished adventure's pedestrian plot takes Tintin deep into the hidden neo-nazi under-structures of central Europe; he takes part on a frighteningly credible extremist rally in Vienna, where a shaven-headed goon called Strekhtl goes on a page-long rant about "the great world-wide zionist conspiracy". Then, during a train journey to southern Poland, Tintin is attacked by a cowardly jewish caricature, who tries to steal his notes; Snowy (Milou) bites him on the nose and chases him away. A metaphysical slapstick sub-plot involves the Thomson/Thompson twins (Dupont et Dupond) investigating a possible suspect in the murder of Jesus Christ: a Viennese accountant called Rubenstein.
Monsieur Hergé's views did not, contrary to popular assumptions, become more progressive in his later years; if anything he moved closer to the fringe, and damn these chest pains. His final work, a sordid affair entitled Tintin et le canular du darwinisme (1978), is a thinly-disguised Creationist tract; one of the strips depicts a frantic-looking Tournesol pounding his fists on a pulpit and shouting some nonsense about "la complexité irréductible!"; later, a two-dimensional scientist named von Haeckel is introduced merely to become a figure of fun at the hands of Captain Haddock, who, despite being drunk, systematically demolishes his poorly constructed arguments concerning macroevolution. In the final surviving vignette, Haddock bashes the scientist's head with a stuffed Bird of Paradise, and comes up with a novel insult: "chaînon manquant!". During all this malarkey, Tintin prances around madly, rolling his dead eyes.
These are admittedly extreme examples, but there are bones to pick in every single mainstream album in the collection. I don't think any of us has the right to sleep soundly at night while there remains the slightest possibility of our children and senior citizens being exposed to this moral and intellectual filth. Also, there are too many doctors in this country. My congratulations to the CRE, for taking the first step on what I hope will be an all-out war against drawings that bother me.

Marius Whitehouse
Birmingham, West Midlands

Big Juju Man


«The adventures of Tintin in the Congo will be moved from the children's shelves in Borders bookstores across the country and placed in the adult graphic novels section after the book was criticised for having allegedly racist content.The Commission for Racial Equality said yesterday it was unacceptable for any shop to stock or sell the 1930s cartoon adventure of the Belgian boy journalist because of its crude racial stereotypes.The book, which includes a scene where Tintin is made chief of an African village because he is a "good white man" and a black woman bowing to Tintin saying: "White man very great ... white mister is big juju man!" was highly offensive, a spokeswoman from the commission said."This book contains imagery and words of hideous racial prejudice, where the 'savage natives' look like monkeys and talk like imbeciles," she said."How and why do Borders think that it's OK to peddle such racist material? This is potentially highly offensive to a great number of people."She added that the only place the book was acceptable was in a museum - with a sign accompanying it saying "old-fashioned, racist claptrap".»
(The Guardian)

Ele voltou

Kant Cocoa Krispies


Cliquem para aumentar (via Language Log)

Os casos do Centro de Saúde de Vieira do Minho e das Juntas Médicas da CGA


A necessidade de dar a minha indicação de voto antes das eleições para a Câmara de Lisboa, pensando que alguém ainda lê o que escrevo, levou-me a publicar com urgência o texto O Voto por Lisboa. Contudo, e porque há muito tempo que nada escrevo sobre a actualidade política, passaram-se alguns factos anteriores às eleições que são ainda merecedores de reflexão e sobre os quais posso invocar a minha experiência pessoal.
Em primeiro lugar o caso da afixação por um médico do Centro de Saúde de Vieira do Minho de uma fotocópia com uma entrevista de Correia de Campos com um comentário jocoso da sua autoria e que levou o Ministro a demitir a responsável pelo Centro. Este fait-divers, com alguma semelhança com outro que se passou na DREN, com o processo disciplinar ao professor Charrua, levou muito comentadores, e com razão, em falar do regresso da bufaria e no clima intimidatório que se estaria a viver em relação aos funcionários públicos. No entanto, o que me preocupa nesta caso é aquilo que foi dito na Nota à Imprensa do Gabinete do Ministro onde se afirma que o cartaz exibia “comentários agressivos e desfavoráveis sobre o Ministro da Saúde, que exerce os poderes de superintendência e tutela sob todos os serviços e estabelecimentos do SNS” ou que “os Centros de Saúde não são locais de exercício de actividades políticas”, ou seja, resumindo, nos locais de trabalho não se poderia afixar qualquer cartaz contra o Governo.
Rememoremos. Logo a seguir ao 25 de Abril a propaganda política começou a ser afixada a eito nas repartições públicas. Consoante um partido tinha mais ou menos força num local de trabalho assim os seus militantes afixavam cartazes por tudo o que era sítio. Com o andar do tempo, e principalmente com o 25 de Novembro, foram criados locais explícitos para a afixação da propaganda política, que, como se deve imaginar, era na maioria dos casos bastante desfavorável aos governos da época. Não sei se chegou a haver legislação que regulamentasse esta afixaçãon nos locais de trabalho, houve pelo menos o bom-senso de a localizar em sítios só acessíveis aos seus trabalhadores e não o público em geral. Não sei como está hoje esta situação, penso é que já nenhum activista político se atreve a afixar cartazes do seu partido no seu local de trabalho. No entanto, durante as campanhas eleitorais há muitos serviços que são visitados pelos candidatos, e de certeza que a maioria não vai lá para dizer bem do Governo.
Há, no entanto, uma situação que eu sei que se mantém, são os locais para afixação dos comunicados e cartazes sindicais e esses são de certeza críticos em relação ao Governo. Sei por experiência própria que esses cartazes estão longe dos utentes que têm acesso directo às repartições públicas, mas nada impede que se localizem num corredor onde podem passar pessoas estranhas ao serviço.
Por isso o comunicado do gabinete do Ministro e alguma discussão que se travou à volta deste assunto é preocupante, porque pode levar a pensar que daqui para diante qualquer cartaz, comunicado ou graçola contra o Governo não pode ser afixada nos locais de trabalho, mesmo que em lugares para isso destinados. Ao menos preservem os placards sindicais desta censura afascistada.
O segundo caso a que me queria referir é o das Juntas Médicas da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA). O Primeiro-Ministro mostrou-se muito “chocado” com as notícias que tinham vindo a público de que dois professores com doença oncológica não tinham obtido a respectiva aposentação e foram obrigados a ir trabalhar, tendo morrido entretanto. Simultaneamente, anunciava uma auditoria a todas as Juntas Médicas da CGA e alterações na legislação que regulamenta a sua composição, determinando que estas sejam só formadas por médicos e não, como até aqui, por dois médicos e um representante da Caixa.
Este espanto do Primeiro-Ministro não é sério. Alguns comentadores dizem que esta atitude das Juntas Médicas resulta do estilo autoritário que este imprimiu à Administração Pública, outros que este problema já era antigo e que o Primeiro-Ministro não tem culpa nenhuma. Nada disto é verdade, pois este comportamento resulta de uma clara orientação do Governo para evitar a reforma antecipada dos funcionários públicos e, muito menos, que estes recorram à legislação especial que permite que quem sofra de doença oncológica, e mais duas outras que não interessa agora referir, possa levar a reforma por inteiro. Estes Comissários do Governo, que outro nome não têm, cumprem as orientações que lhes foram dadas, acrescentando por sua lavra um tratamento malcriado, pesporrente e sobranceiro, semelhante àquele que os médicos há uns largos anos dispensavam nos hospitais públicos àqueles que tinham a infelicidade de lá caírem, no fundo aos pobrezinhos. Fala quem já passou por isso. Estas actuações das Juntas Médicas eram há muito conhecidas dos funcionários públicos e resultavam, como já se disse, das ordens quer do Governo de Durão Barroso quer do de Sócrates quando estes se aperceberam que era necessário cortar despesas na CGA. Se juntarmos estas orientações às atitudes dos médicos temos um caldo altamente explosivo, que resulta naquilo que a comunicação social só agora relatou.
Poderia escrever longas páginas sobre as Juntas Médicas da CGA, por isso choca-me que o Primeiro-Ministro chore lágrimas do crocodilo sobre um dado que era do conhecimento de todos e que foi encorajado pelo Governo na sua ânsia de gastar menos dinheiro com a Função Pública.

Aveiro no The New York Times

Foto: Susana Raab for The New York Times

Via o atento Miguel Marujo, cheguei a esta matéria no melhor jornal do mundo sobre a melhor cidade portuguesa, que publico no dia das eleições na capital. Dá vontade de rir a escolha de restaurantes, mesmo para gringos. Tenho umas tasquinhas ao pé do parque municipal para recomendar aos senhores do Times.

Entretanto vou votar (vocês sabem em quem) e depois apanho o avião para Madrid, onde vou na próxima semana participar num curso de verão da Universidade Complutense. Escrevo-vos de lá.

Saturday, July 14, 2007

Museu no Terreiro do Paço

Hoje é dia de eleições em Lisboa. Como eu gostaria que esta proposta, que eu tantas vezes imaginei e que ontem Manuel de Matos Fernandes publicou no Expresso, tivesse sido feita por um dos candidatos à presidência da Câmara.



O leitor recordar-se-á das notáveis exposições produzidas ao longo de uma década pela Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses. Francamente, parece-me absurdo que as novas gerações tenham de esperar por nova data redonda para ver tratado e celebrado com aquela qualidade o momento maior da nossa História. Até porque tais datas e festejos afins raramente são a ocasião mais propícia para pensar o passado de forma lúcida e mobilizadora.

Lamento, enfim, que o esforço então desenvolvido não tenha levado a um projecto museológico sobre Os Descobrimentos Portugueses e a Expansão Europeia, tratando com equilíbrio e rigor as contribuições dos diversos países nela envolvidos, bem como as civilizações encontradas pelos europeus.

Num projecto com esta orientação há os temas incontornáveis, que conjugados com a mostra de objectos de grande simbolismo - astrolábios, portulanos, Tratado de Tordesilhas, carta de Pêro Vaz de Caminha, primeiras edições da ‘Peregrinação’ e de ‘Os Lusíadas’, os Painéis do Infante e a Adoração dos Magos com o índio do Brasil - com os achados da arqueologia subaquática e com o recurso às técnicas de realidade virtual (como a simulação de uma tempestade no Cabo da Boa Esperança) tornariam a visita atractiva para o grande público.

Além do que fica acima referido, outros aspectos há menos óbvios mas nem por isso menos importantes.

Nenhum outro povo europeu da Expansão exerceu e recebeu influências no campo da Arte em grau comparável aos portugueses. A inclusão de peças como marfins afro-portugueses, marfins, jóias e móveis hindo-cingalo-portugueses, sedas e porcelanas sino-portuguesas, biombos japoneses com figuras portuguesas, azulejos portugueses de inspiração oriental, conferiria ao projecto características de Museu de Arte. Que seriam reforçadas com a abordagem ao património construído, fortificações, monumentos religiosos e civis, cidades fundadas e desenhadas pelos portugueses.

Deveria ser contemplada a língua portuguesa, bem como as comunidades fora da lusofonia que se sentem ligadas a Portugal, como Goa, Malaca, Flores, Nagasáqui.

A construção do Brasil deveria ter tratamento destacado, tendo em conta a importância que terá no mundo futuro e o número de brasileiros que nos visitam.

O Museu teria programas preparados para visitas dos diversos graus de ensino. Para lá do público nacional, seria particularmente atractivo para os cidadãos dos países que participaram na expansão europeia, dos países do Novo Mundo ou daqueles que connosco mais intensamente contactaram, como a Índia, o Japão e a China. Mas com a abrangência atrás esboçada seria rapidamente considerado imperdível para estudiosos ou simples apreciadores em domínios como as artes decorativas, a arquitectura, a oceanografia, a cartografia, a arqueologia subaquática. Trata-se pois de um imenso público potencial!

Um Museu como este não existe em lado nenhum. Se há país em que ele se justifica é o nosso. Edificado em Lisboa, no Terreiro do Paço, seria a âncora que a Baixa necessita para a sua reanimação. Aí instalado, o Museu deveria contemplar a história do sítio: o Paço da Ribeira, a Casa da Índia, o Terramoto, a Reconstrução Pombalina, o Regicídio, a madrugada de 25 de Abril. Perto, deveria estar fundeada a fragata ‘D. Fernando II e Glória’ (sem destino depois da reabilitação para a Expo-98).

É sabido até que ponto certos projectos museológicos podem tornar-se poderoso trunfo na competitividade entre cidades (e entre países). Este projecto, conduzido com inteligência e ambição, pode ser O Museu de impacto planetário que nos falta.

O que ele poderia contribuir para a imagem que os portugueses têm de si próprios e para aquela que os milhões que anualmente nos visitam vão guardar é inestimável. E a influência que essa outra imagem pode ter no nosso futuro ainda mais.

Manuel de Matos Fernandes
Professor catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
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