Sunday, July 15, 2007

Os casos do Centro de Saúde de Vieira do Minho e das Juntas Médicas da CGA


A necessidade de dar a minha indicação de voto antes das eleições para a Câmara de Lisboa, pensando que alguém ainda lê o que escrevo, levou-me a publicar com urgência o texto O Voto por Lisboa. Contudo, e porque há muito tempo que nada escrevo sobre a actualidade política, passaram-se alguns factos anteriores às eleições que são ainda merecedores de reflexão e sobre os quais posso invocar a minha experiência pessoal.
Em primeiro lugar o caso da afixação por um médico do Centro de Saúde de Vieira do Minho de uma fotocópia com uma entrevista de Correia de Campos com um comentário jocoso da sua autoria e que levou o Ministro a demitir a responsável pelo Centro. Este fait-divers, com alguma semelhança com outro que se passou na DREN, com o processo disciplinar ao professor Charrua, levou muito comentadores, e com razão, em falar do regresso da bufaria e no clima intimidatório que se estaria a viver em relação aos funcionários públicos. No entanto, o que me preocupa nesta caso é aquilo que foi dito na Nota à Imprensa do Gabinete do Ministro onde se afirma que o cartaz exibia “comentários agressivos e desfavoráveis sobre o Ministro da Saúde, que exerce os poderes de superintendência e tutela sob todos os serviços e estabelecimentos do SNS” ou que “os Centros de Saúde não são locais de exercício de actividades políticas”, ou seja, resumindo, nos locais de trabalho não se poderia afixar qualquer cartaz contra o Governo.
Rememoremos. Logo a seguir ao 25 de Abril a propaganda política começou a ser afixada a eito nas repartições públicas. Consoante um partido tinha mais ou menos força num local de trabalho assim os seus militantes afixavam cartazes por tudo o que era sítio. Com o andar do tempo, e principalmente com o 25 de Novembro, foram criados locais explícitos para a afixação da propaganda política, que, como se deve imaginar, era na maioria dos casos bastante desfavorável aos governos da época. Não sei se chegou a haver legislação que regulamentasse esta afixaçãon nos locais de trabalho, houve pelo menos o bom-senso de a localizar em sítios só acessíveis aos seus trabalhadores e não o público em geral. Não sei como está hoje esta situação, penso é que já nenhum activista político se atreve a afixar cartazes do seu partido no seu local de trabalho. No entanto, durante as campanhas eleitorais há muitos serviços que são visitados pelos candidatos, e de certeza que a maioria não vai lá para dizer bem do Governo.
Há, no entanto, uma situação que eu sei que se mantém, são os locais para afixação dos comunicados e cartazes sindicais e esses são de certeza críticos em relação ao Governo. Sei por experiência própria que esses cartazes estão longe dos utentes que têm acesso directo às repartições públicas, mas nada impede que se localizem num corredor onde podem passar pessoas estranhas ao serviço.
Por isso o comunicado do gabinete do Ministro e alguma discussão que se travou à volta deste assunto é preocupante, porque pode levar a pensar que daqui para diante qualquer cartaz, comunicado ou graçola contra o Governo não pode ser afixada nos locais de trabalho, mesmo que em lugares para isso destinados. Ao menos preservem os placards sindicais desta censura afascistada.
O segundo caso a que me queria referir é o das Juntas Médicas da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA). O Primeiro-Ministro mostrou-se muito “chocado” com as notícias que tinham vindo a público de que dois professores com doença oncológica não tinham obtido a respectiva aposentação e foram obrigados a ir trabalhar, tendo morrido entretanto. Simultaneamente, anunciava uma auditoria a todas as Juntas Médicas da CGA e alterações na legislação que regulamenta a sua composição, determinando que estas sejam só formadas por médicos e não, como até aqui, por dois médicos e um representante da Caixa.
Este espanto do Primeiro-Ministro não é sério. Alguns comentadores dizem que esta atitude das Juntas Médicas resulta do estilo autoritário que este imprimiu à Administração Pública, outros que este problema já era antigo e que o Primeiro-Ministro não tem culpa nenhuma. Nada disto é verdade, pois este comportamento resulta de uma clara orientação do Governo para evitar a reforma antecipada dos funcionários públicos e, muito menos, que estes recorram à legislação especial que permite que quem sofra de doença oncológica, e mais duas outras que não interessa agora referir, possa levar a reforma por inteiro. Estes Comissários do Governo, que outro nome não têm, cumprem as orientações que lhes foram dadas, acrescentando por sua lavra um tratamento malcriado, pesporrente e sobranceiro, semelhante àquele que os médicos há uns largos anos dispensavam nos hospitais públicos àqueles que tinham a infelicidade de lá caírem, no fundo aos pobrezinhos. Fala quem já passou por isso. Estas actuações das Juntas Médicas eram há muito conhecidas dos funcionários públicos e resultavam, como já se disse, das ordens quer do Governo de Durão Barroso quer do de Sócrates quando estes se aperceberam que era necessário cortar despesas na CGA. Se juntarmos estas orientações às atitudes dos médicos temos um caldo altamente explosivo, que resulta naquilo que a comunicação social só agora relatou.
Poderia escrever longas páginas sobre as Juntas Médicas da CGA, por isso choca-me que o Primeiro-Ministro chore lágrimas do crocodilo sobre um dado que era do conhecimento de todos e que foi encorajado pelo Governo na sua ânsia de gastar menos dinheiro com a Função Pública.

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