Thursday, July 19, 2007

Zita e a queda da Utopia


Acabei de ler o “Foi Assim” de Zita Seabra. Os dois primeiros capítulos, sobre os primeiros tempos da militância, já eu tinha comentado aqui.

Não vou entrar na discussão das imprecisões factuais do livro e também não vou julgar as escolhas ou intenções de Zita Seabra. Reconheço-lhe não só o direito mas o mérito de ter tentado preservar as memórias do seu percurso político no PCP. Para mim o livro é especialmente interessante porque entrei e saí do partido praticamente ao mesmo tempo que Zita.

Aqueles que viveram aquele período em actividade militante, mesmo na base, encontram no livro muitos episódios ou pessoas que conheceram directa ou indirectamente vistos, é claro, de um ângulo diferente. Um índice dos nomes mencionados devia por isso ter sido publicado.

Pode no entanto dizer-se que grande parte do texto tem um carácter descritivo, ao nível do lugar-comum, e acaba por não acrescentar muito ao que esse tipo de pessoas já sabia ou presumia.

Zita Seabra mistura, recorrentemente, por um lado o distanciamento relativamente aos factos vividos e, por outro, um estilo próprio da sua antiga condição de controleira o que perturba o leitor que saiba quão distante a autora está hoje de tais andanças. Só faz sentido se for interpretado como formula adoptada pela autora para melhor recriar o ambiente dos episódios relatados.

Também se verifica um certo grau de conflito entre o empolamento e dramatismo do tom e as acções conspirativas vividas pela autora que não são especialmente impressionantes, quando comparadas com as experiências e percursos de outros militantes, que enfrentaram situações bem mais agudas, durante períodos mais longos e em condições mais adversas. Em certas passagens é também perceptível uma certa imaturidade.

Confesso que fui surpreendido pelo tratamento trivial de certos acontecimentos históricos que, a terem sido como Zita relata, roçam o caricato. Neste plano não posso deixar de referir a descrição da espera, por Zita e por Carlos Brito, do desencadear do 25 de Abril.
Segundo a autora teriam estado paulatinamente a ouvir pela rádio e a confirmar, um a um, os sinais combinados pelos militares para a saída das tropas.
Sendo Carlos Brito o responsável pelo controle dos militantes nas forças armadas e um alto dirigente do PCP parece estranho que nenhuma diligência estivesse em curso que preparasse os militantes civis para, em caso de necessidade, colaborarem com os militares.
Os dias que antecederam e sucederam a revolução, da forma como estão descritos, parecem demasiado impreparados e caóticos para um partido que, como a autora refere, fazia da disciplina e do rigor a sua grande força.

Não posso usar a minha experiência pessoal na validação do texto de Zita relativo ao 25 de Abril porque passei os meses que antecederam a revolução desligado da rede clandestina.Tinha descoberto, por mero acaso, que estava a ser seguido pela PIDE. A partir de 18 de Abril estive em Caxias.

Os relatos das sessões do Comité Central em que foi decidido o afastamento de Zita Seabra são bastante chocantes, sem dúvida, mas é difícil perceber o verdadeiro carácter da dissidência que os motiva. Há no livro muitas referências a questões de carreira, promoções e despromoções mas, no plano ideológico, tudo parece resumir-se às tensões entre o trabalho parlamentar e as preferências da direcção do partido pela teoria da “luta armada”.

Não me recordo de qualquer referência a conflitos ao nível dos objectivos políticos e do modelo de sociedade que enformavam, e enformam, a acção do PCP. Por isso a dissidência de Zita parece ter-se resumido, enquanto militante, às questões de método e do processo de transição.
Se bem percebi Zita considerava que os portugueses se afastavam do PCP não tanto por este partido lhes propor soluções indesejáveis ou ininteligíveis mas sim porque receavam que tais soluções lhes viessem a ser impostas pela força. Nada disto resultou muito claro para mim.

O livro termina com uma impressionante denúncia das violências cometidas na URSS e noutros países comunistas, quer contra militantes caídos em desgraça quer contra os vulgares cidadãos. A autora confessa a sua vergonha por ter estado envolvida naquilo que designa por crimes e, de certa forma, este final do livro constitui um pedido de desculpa ao mundo. Zita parece querer ignorar que essas não foram as primeiras, nem as últimas, violências que se abateram sobre a humanidade.

Dentro em breve escreverei sobre as páginas que faltam no livro de Zita Seabra e que tratariam da parte para mim mais importante.
Como se lida com a morte de uma utopia a que se esteve ligado quase toda a vida ?

A resposta que cada um de nós dá a esta pergunta acaba por ser a nossa mais autentica assinatura.
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