A recente (e lamentável) decisão unânime da Assembleia da República de só autorizar licenciados em arquitectura a assinar projectos é uma lamentável cedência à pressão corporativista da Ordem dos Arquitectos, surpreendentemente aplaudida por um dos arautos do liberalismo (no que foi logo - e muito bem - contradito).
Esta discussão sobre as Ordens profissionais interessa-me e tem muito mais a ver com a discussão anterior com o Santiago do que se possa julgar. As Ordens profissionais fazem sentido para atestar competência científica em profissões que requeiram o seu emprego de uma forma que diga respeito à sociedade e ao cidadão. Faz sentido uma Ordem dos Médicos? Sim, queremos ter confiança em quem nos atende nos hospitais. Faz sentido uma ordem dos advogados? Sim - é preciso quem nos garanta que o advogado a quem recorremos, apesar de ter um bom diploma por uma boa universidade, não é um vigarista. Faz sentido uma ordem dos engenheiros? É possível que sim, mas é mais discutível. Não queremos pontes que caiam nem instalações que não funcionem. Faz sentido uma Ordem dos Biólogos? Creio que não. Há outras formas mais fiáveis de se avaliar a competência de um biólogo, como o peer-review. E um bom biólogo deve sempre publicar, mesmo que trabalhe em projectos para a sociedade. Faz algum sentido que membros de uma "Ordem" que não produzem investigação nenhuma estejam a avaliar cientistas activos? Creio que não. Uma Ordem dos biólogos faz tanto sentido como uma ordem dos matemáticos ou dos físicos - ainda bem que ninguém se lembrou de tal ideia. Uma Ordem dos economistas, faz algum sentido? Pelos mesmos motivos, tanto quanto uma Ordem dos historiadores - nenhum. Uma ordem dos professores? Muito discutível. Embora o mérito pedagógico seja indispensável, tal ordem tenderia a proteger ainda mais os licenciados "via ensino", que já são escandalosamente protegidos nos concursos.
Apesar de tudo estas profissões que vim a enumerar requerem sem dúvida competência e aptidões científicas (chamemos-lhes assim), mesmo que não sejam profissões "científicas". Disso ninguém duvida. Agora, que aptidões científicas são necessárias para a profissão de arquitecto? Existirão, mas muito menos do que para as profissões anteriores. E podem sempre ser julgados... pelo engenheiro civil responsável, a quem deve sempre caber a última palavra sobre uma obra. No fundo uma Ordem dos arquitectos faz tanto sentido como uma Ordem dos poetas ou dos realizadores de cinema ou dos jogadores de futebol. São áreas que de científicas não têm nada; requerem sobretudo talento, algo que não se aprende (ao contrário das verdadeiras ciências, que se para serem exercidas também requerem talento, para serem aprendidas basta esforço). O esforço não basta para fazer um bom arquitecto, e para julgar o seu talento temos a sociedade. Não me parece que seja precisa uma Ordem. Mas essa Ordem existe e tem poder, como se vê.
Não quero acabar sem comentar que, nas recorrentes discussões sobre o eduquês que se vêm na blogosfera, estas diferenças não são tidas em conta. Parece-me haver no eduquês uma confusão entre o talento e o esforço, que resulta sempre no prejuízo deste último.
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