Concordo com o Santiago (aqui e aqui) que faz sentido uma distinção entre áreas fundamentais e áreas aplicadas da ciência. Se a tecnologia é ou não ciência é pura semântica. Mas não é por acaso que nos governos da direita os ministros com a pasta da ciência eram engenheiros (um agrónomo e uma mecânica), e no actual e nos anteriores governos do PS o ministro da ciência é um físico "puro" (e não "aplicado").
Há áreas do conhecimento - e a área em que eu trabalho é uma - que não são, nunca serão, não podem ser autosuficientes financeiramente. Que requerem financiamento exterior, que ou virá de filantropos excêntricos - o melhor exemplo que eu conheço é o de Jim Simons - ou virá da sociedade. Dos nossos impostos. Não há volta a dar-lhe. Os governos da direita, e muitos dos liberais que escrevem na blogosfera, tenderão a desvalorizar a investigação fundamental, por não "criar dinheiro". Não podemos cair no erro de fazer o oposto, e considerar que, lá por outras áreas do conhecimento poderem gerar dinheiro por terem uma aplicação mais imediata, são menos importantes. Se são ou não "ciência", acho que tem que se arranjar outro critério que não simplesmente o modo como são financiadas... Eu confesso que me faz um pouco de impressão ver a invenção do transístor premiada com um prémio Nobel, mas já toda a área dos semicondutores requer a sua teoria, uma física nova, onde se descobriram comportamentos que não se conheciam antes. Toda a física da matéria condensada é uma história de avanço de braço dado da ciência pura e da tecnologia. Mas mesmo a física das interacções mais fundamentais, como a que se estuda no CERN, requer a tecnologia mais avançada. A participação de cientistas portugueses nas experiências do CERN, por vezes tão criticada por "cientistas" mais "aplicados" (aqui uso mesmo as aspas), requer um investimento por parte do governo, mas constitui uma oportunidade para muitas empresas portuguesas de tecnologia de ponta, que têm acesso a contratos que, se Portugal não fosse membro de pleno direito do CERN, não teriam.
Concluindo: em vez de se perder mais tempo dentro das ciências naturais (fundamentais ou aplicadas) a discutir o que é ou não "ciência", sugiro que se passe antes a discutir por que razão as humanidades são financiadas pelas mesmas entidades que a ciência, quando têm objectivos e critérios de avaliação totalmente diferentes. Creio que as humanidades deveriam ter um orçamento próprio, dependente do Ministério do Ensino Superior, claro, mas fora do da ciência. Este ponto, sim, creio que vale a pena discutir.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
Blog Archive
-
▼
2006
(958)
-
▼
May
(53)
- O bem e o mal segundo André Azevedo Alves
- Das purezas ideológicas
- Espécie protegida
- Deixai vir a mim os pobrezinhos
- Como se dividem as pessoas
- Europa
- Mau tempo
- Verde
- A zona oriental também "não foi esquecida"
- Chauvinismo frances (sem acentos, de Heidelberg)
- Na Alemanha
- Não há futuro nas indústrias do passado
- The Republican Left-Wing
- Lápis!
- Teimosia (às três da manhã)
- Sinais perceptíveis
- Às Ordens
- A seguir a Abril vem Maio
- Os museus de Paris
- Grande fête
- Aos leitores que procuram o blogue escandaloso sob...
- Sem sair de Paris, rive gauche
- Uma aventura psicadélica
- Experiência
- O amor e a sua correspondência
- A blogosfera portuguesa
- Nossa Senhora e as maternidades
- COW parada
- Assim se vê a idade
- No jazz com o dissimulateur
- O clube das metamorfoses
- Antes fosse a lutar com o latex!
- Durma-se com um software destes
- Get physical
- Tapar o Sol com uma peneira...
- Força Roca!
- Parabéns ao Benfica
- Querem parasitar os nossos conteúdos...
- Lugar comum
- Só as mães são felizes
- «São Paulo dá café...»
- «Voto no Lula»
- What a larger Europe needs is small countries able...
- A deportação de portugueses no Canadá
- Impressões de uma viagem à China
- Carioca
- ALDEIA DE PEDRA
- Os paradoxos do sindicalismo
- Soy loco por ti América (II)
- Soy loco por ti América
- "Somos América!"
- 120 anos
- 75 anos
-
▼
May
(53)
No comments:
Post a Comment