Tuesday, October 31, 2006

In Pace Requiescat

Numa das suas cartas (às quais infligi abomináveis erros de tradução nas aulas de Latim), Cícero menciona uma curiosa superstição popular romana: ler pedras tumulares causa perda de memória.
Eu, que perdi muitas horas em Bunhill Fields e Highgate, no Montparnasse e no Père Lachaise, no Szcecin e no Nieuw Kerk, na Kapuzinergruft dos Habsburgos e no cemitério judeu de Praga, sou a prova viva de que o povo tem sempre razão, mesmo quando não sabe o que diz.
Parece-me também da mais elementar justiça poética que a passagem em questão seja a única lembrança de Cícero a sobreviver ao final da minha carreira académica. As outras descansam em paz, na companhia de inúmeras datas de aniversário, nomes de antigos professores, passagens não-sublinhadas de certos livrinhos da colecção Argonauta, e até - confesso-o - do propósito original deste post, já irrevogavelmente perdido.

Jogar às escondidas


... I turn'd me round, and to each shade
Dispatch'd an eye,
To see if any leaf had made
Least motion or reply;
But while I list'ning sought
My mind to ease
By knowing, where 'twas, or where not,
It whisper'd “ Where I please.” ...

(Henry Vaughan, 1650)

Este post não é um anagrama

Eu, asno, pasto amargamente.

O estado português e o estado checo

Não tenho propriamente pena dos estudantes de Medicina portugueses a estudarem na Universidade Charles, em Praga, na República Checa. Dou-lhes os parabéns pelo espírito de iniciativa e por terem sido acolhidos por uma das melhores universidades europeias. Muito provavelmente, adquirirão uma formação melhor e serão muito melhores profissionais do que se fossem formados numa universidade portuguesa – falo a sério. Tive colegas checos e eslovacos no meu doutoramento e pude verificar a excelência da sua educação – durante o período comunista, numa universidade pública, é bom que seja dito. Depois da democratização da sociedade a excelência da Universidade foi preservada, e o seu estatuto também – pública. Do Estado. É por isso que leio com um sorriso quem – como o André Abrantes Amaral – aproveita esta oportunidade para criticar “o Estado”, mais uma vez. Será que o André não sabe que aqueles estudantes estão numa Universidade “do Estado” (checo – é claro)? Será que o André não vê que o problema não está “no Estado” – o problema está em Portugal, nos portugueses e no seu corporativismo?

Monday, October 30, 2006

Trick or treat?

We Await Silent Tristero's Empire


Durante o meu primeiro ano em Edimburgo, devo ter recebido perto de três dezenas de cartas endereçadas a um senhor Alistair Crump. Garantiu-me a agência imobiliária que não tinha qualquer registo de um inquilino anterior chamado Alistair Crump. No posto local do Royal Mail expliquei a situação. Garantiram-me que não voltaria a receber as cartas do senhor Alistair Crump. Uma semana depois, recebi nova carta para o senhor Alistair Crump. Esta sequência repetiu-se várias vezes. Por fim, acabei por mudar-me, mas, tanto quanto sei, os inquilinos que me sucederam continuaram a receber a volumosa correspondência do senhor Alistair Crump.
Na manhã de hoje, a quinhentas milhas de Edimburgo, recebi um envelope - em meu nome - contendo dez postais com ilustrações de cariz natalício, feitas por membros da Association of Mouth & Foot Painting Artists (AMFPA). Apesar de todo o respeito e solidariedade que a organização me merece, nunca subscrevi uma das suas newsletters ou encomendei qualquer um dos seus produtos. Desconheço os meios através dos quais eles obtiveram os meus dados.
Um dos ilustradores - que pintou com a boca um enorme castelo cinzento afundado em neves festivas - chama-se Alistair Crump.
Perante situações destas, que afagam sedutoramente a minha apofenia, não há chocolate que alivie os tremores, nem exercícios respiratórios que dissipem a insónia. Se nesta altura tivesse a oportunidade de observar uma noz ao microscópio, quem me garante que não encontraria, como Strindberg, um par de mãos enlaçadas em fervorosa oração? E, já agora, não é ainda um bocadinho cedo para postais de natal?
É nestas alturas que me sinto tentado a voltar a ler as inscrições nas paragens de autocarro, à procura de pistas, de sinais.

Liberte o geek que há em si

Pynchonians of the World, unite!

António Lobo Antunes: relato de uma visita a Israel

Extracto de uma entrevista à Pública de ontem:

R.- O horror do aeroporto. A bagagem, o interrogatório. Mostrei a carta a explicar por que ia lá, mesmo assim continuaram, os livros eram vistos página a página... Depois o clima permanente de medo. Depois a sensação de que aquele Estado foi criado sobre o ódio. O ódio dos alemães. O Holocausto, sempre, sempre, sempre. Levaram-me a um bairro alemão. E eu perguntei ao senhor que estava sempre comigo: "Então e os alemães?" "Ah, isso corremos com eles todos."
Como me chocou, por exemplo, dizerem que não tinham relações sexuais com não-judeus.
P.- Mas quem é que lhe disse isso?
R.- Esse senhor. E não foi só ele. Como me chocou, por exemplo, se sou judeu posso ir para lá morar, mas se sou judeu etíope só aceitam 300 por ano. Como me chocaram os sábados, aquilo tudo deserto, com os carros que não se podem guiar. E depois não era nada do que eu esperava, pensava que a Terra Prometida fosse muito bonita. São pedras e areia. Tudo amarelo...

Noutra parte da mesma entrevista:
P.- Quando ganhou o Jerusalem Prize, no ano passado, hesitou antes de ir?
R.- Não. Porque vinha acompanhado da garantia de que eu podia chegar lá e dizer o que quisesse em relação ao problema palestiniano, que me indigna muito. E não falei sobre isso.
P.- Mas porque não quis.
R.- Não quis ser indelicado. Era um convidado. Naqueles dias era a pessoa mais importante que lá estava. Tinha aquela segurança toda, o primeiro-ministro... Não quis. Achei que era indelicado. E achei que não era altura. Falei sobre isso com um amigo meu, o Amos Oz. E não gostei da posição que ele agora tomou, pró-guerra [no recente confronto entre Israel e o Hezzbollah libanês]. Nem entendo. Somos amigos, gosto muito dele.

Não esperava que um homem polémico como António Lobo Antunes padecesse do mesmo mal português tão comum que é o evitar conflitos a todo o custo (sem se aperceber de que muitas vezes assim se geram os maiores problemas). Desde quando é que expressar uma opinião sobre um assunto é indelicado? É claro que há formas indelicadas de expressar uma opinião, e isso eu compreendo que Lobo Antunes evite, principalmente sendo um convidado. Agora, não a exprimir de todo? Preferir calar-se para "não arranjar problemas" (para si mesmo), mesmo se esses problemas existem (e se muita gente em Israel os denuncia)? Preocupar-se mais consigo mesmo do que com os mais fracos? Não querer afrontar os poderosos?
O que me impressiona mais é que quem toma esta atitude é um escritor que, em Portugal, não tem papas na língua (a entrevista à Pública é só um exemplo). Subserviente fora de casa; em casa, dá-se ares de muito bravo. "Na guerra és vil, na cama és frouxo", já cantava o Chico Buarque do português de Calabar. Há atitude mais portuguesa que esta? António Lobo Antunes merece ser nomeado para o título de "português mais português".

Sunday, October 29, 2006

«The Death of the Lion» (2)

Se há algo para que novos leitores de Henry James raramente vão preparados é para o humor. A amnistia incondicional que o cânon lhe concedeu no século XX, veio munida de um estranho silêncio sobre um facto que deveria ser repetido muitas vezes: em boa forma, James é tão ou mais cómico que Dickens. A comédia pode não se impor de forma tão musculada, mas é seguramente mais versátil.
Temos a básica confusão de indentidades Shakespeareana:

«"Dora Forbes, I gather, takes the ground, the same as Guy Walsingham’s, that the larger latitude has simply got to come. He holds that it has got to be squarely faced. Of course his sex makes him a less prejudiced witness. But an authoritative word from Mr. Paraday - from the point of view of his sex, you know - would go right round the globe. He takes the line that we haven’t got to face it?"
I was bewildered: it sounded somehow as if there were three sexes. My interlocutor’s pencil was poised, my private responsibility great. I simply sat staring, none the less, and only found presence of mind to say:
"Is this Miss Forbes a gentleman?"
Mr. Morrow had a subtle smile. "It wouldn’t be ‘Miss’ - there’s a wife!"
"I mean is she a man?"
"The wife?"»

E neste diálogo, que podia (com muito boa vontade) sugerir uma sitcom contemporânea, notem o timing perfeito da interrupção:

«I declared to Lady Augusta briefly that nothing in the world can ever do so well as the thing that does best; and at this she looked a little disconcerted. But I added that if the manuscript had gone astray our little circle would have the less of an effort of attention to make. The piece in question was very long - it would keep them three hours.
‘Three hours! Oh the Princess will get up!’ said Lady Augusta.
‘I thought she was Mr. Paraday’s greatest admirer.’
‘I dare say she is - she’s so awfully clever. But what’s the use of being a Princess -- ’
‘If you can’t dissemble your love?’»

Há ainda um horrendo e memorável trocadilho - que Pynchon não desdenharia - envolvendo um versículo da profecia de Isaías e um prato de carne de borrego.
E para as multidões que nunca se cansam de abordagens à especulação metafísica feitas sob o signo de Beckett e do palhaço Batatinha, deixo aqui a primeira troca entre o narrador do conto e o seu inenarrável editor:

«Mr. Pinhorn pursed up his mouth. "Is there much to be done with him?"
"Whatever there is we should have it all to ourselves, for he hasn’t been touched."
This argument was effective and Mr. Pinhorn responded. "Very well, touch him." Then he added: "But where can you do it?"
"Under the fifth rib!"»


Agora liguemos a televisão.

«The Death of the Lion» (1)

Nas muitas páginas que Henry James dedicou ao exame da vida literária, há um elemento que aparece repetidamente. Encontramo-lo, com algumas variações de grau e género, em The Aspern Papers, «The Middle Years», «The Lesson of the Master» e no meu conto favorito, «The Private Life». Notamo-lo também em «The Death of the Lion». Dois cursos de acção semelhantes, e que produzem resultados iguais, parecem exigir do leitor, com uma tenacidade sussurrada, julgamentos opostos. Vezes sem conta, é-nos pedido que atribuamos um valor aparentemente exagerado a intenções, ou apenas a suspeitas de intenções. A mesma manobra (grande parte das acções dos personagens de James podem ser descritas como manobras, ou estratagemas) pode ser justificada de duas maneiras diferentes, dependendo da perspicácia moral de quem as perpetra.
O narrador da história é um jornalista, destacado para escrever um perfil do escritor Neil Paraday, e que, por razões sempre intrepidamente ambíguas - até para ele - desiste da missão inicial e se vai infiltrando na vida de Paraday, como confessor e protector. Que a protecção é necessária, o leitor nunca duvida. Paraday vê-se, de um momento para o outro, famoso, celebrado; «the poor man was to be squeezed into his horrible age», nas palavras do narrador. As exaltações públicas acumulam-se, perfis e retratos são encomendados, e a alta sociedade londrina adopta-o - como acessório cultural para soirées. O processo vem a ter consequências desastrosas, para ele e para um texto seu ainda por completar, que poderia ter vindo a ser a sua obra-prima, mas que acaba por desaparecer, tragado por aquele ciclone social.
O conto é escrito sob a forma de uma confissão do narrador à posteridade, a mesma posteridade à qual foi negada a última obra de Paraday, mas aquilo que ele pretende confessar nunca se cristaliza. Pareceu-me clara a sua tentativa de "vender" os seus escrúpulos ao leitor. Na 1ª linha do conto diz-nos que «I had simply, I suppose, a change of heart» , e é em redor dessa frase, com toda a sua carga de ambiguidades, que ele vai moldando a narrativa. A determinada altura, os seus motivos são postos em causa por outra personagem, Mrs Wimbush (os nomes de James embaraçam os de qualquer outro escritor). A confrontação, significativamente, não é relatada em discurso directo, mas sintetizada numa carta, na própria voz do narrador: «I’m made restless by the selfishness of the insincere friend - I want to monopolise Paraday in order that he may push me on. To be intimate with him is a feather in my cap; it gives me an importance that I couldn’t naturally pretend to, and I seek to deprive him of social refreshment because I fear that meeting more disinterested people may enlighten him as to my real motive».
Lendo o conto hoje pela segunda vez, insinuou-se-me uma alternativa extraordinária: o incidente é falso. O confronto com Mrs Wimbush nunca aconteceu e o rasgo de análise proveio de si próprio. Incapaz de o resguardar na privacidade da sua consciência, acaba por partilhá-lo com o destinatário da carta ( e com o destinatário do conto, que somos nós) sub-alugando-o a uma intuição alheia.
Henry James é a melhor dor de cabeça que a Literatura proporciona.

Are you talking to me?

Mais algum cliente da Amazon recebeu um e-mail prometendo um desconto de 10 dólares na aquisição de creme anti-rugas Neutrogena e barras de proteínas Harvest, ou aquilo foi especificamente para mim?

Peacocks rule


O senhor Morel escreveu uma coisa muito boa sobre a Flannery O'Connor. Mas depois escreveu outra coisa ainda melhor. Agradeço.

Voto no Lula (II)

Um sindicalista fala de um ex-sindicalista. E diz tudo:

“Volta a apoiar Lula da Silva nas presidenciais brasileiras de amanhã?”

Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, responde (na revista “Notícias Sábado” de 30 de Setembro):

“Sim! O Brasil ficou menos desigual; o FMI deixou de definir a sua política; Lula devolveu presença qualificada do Brasil e da América Latina na cena internacional; com a sua iniciativa e as alianças que estabeleceu, os países pobres passaram a ter uma voz mais forte.”

Friday, October 27, 2006

Esta noite ouve-se



When you were young you were the king of carrot flowers
And how you built a tower tumbling through the trees
In holy rattlesnakes that fell all around your feet

And your mom would stick a fork right into daddy's shoulder
And dad would throw the garbage all across the floor
As we would lay and learn what each other's bodies were for

And this is the room one afternoon I knew I could love you
And from above you how I sank into your soul
Into that secret place where no one dares to go

And your mom would drink until she was no longer speaking
And dad would dream of all the different ways to die
Each one a little more than he could dare to try

Neutral Milk Hotel, «The King of Carrot Flower, pt I», In the Aeroplane Over the Sea.

(Um dia hei-de escrever aqui sobre o colectivo Elephant 6, um grupo de músicos do Colorado que formaram uma mão-cheia de bandas brilhantes no início dos anos 90. Um dia hei-de explicar detalhadamente as razões pelas quais sou um grande fã dos Olivia Tremor Control, dos Apples in Stereo, dos Circulatory System, dos Of Montreal e sobretudo, dos Neutral Milk Hotel. Hei-de justificar as muitas libras que gastei em discos desta gente. Hei-de persuadir os mais cínicos entre vós de que ouvir o álbum In the Aeroplane Over the Sea, do princípio ao fim e sem interrupções, é uma experiência com poucos paralelos num Universo à mercê das volubilidades de Rudolf Clausius e Sadi Carnot. Um dia hei-de fazer todas estas coisas, mas não hoje.)

Peter van Nieuwenhuizen e os cálculos da supergravidade


Peter foi um dos inventores da supergravidade, na vila de Stony Brook, em Long Island (Nova Iorque), passam agora 30 anos. As teorias da supergravidade representam a extensão supersimétrica da relatividade geral de Einstein, tendo sido pioneiras na unificação da gravidade com as outras interacções. O limite de baixas energias das teorias de supercordas é uma teoria de supergravidade.
Em Paris Peter recordou a história, que envolveu muitas noites e muitos cálculos. Um empreendimento gigantesco e uma das grandes conquistas do espírito humano, reconhecida com a medalha Dirac e o prémio Heineman para os seus protagonistas. Peter trouxe consigo de Stony Brook os exemplares originais de alguns cadernos contendo os cálculos da supergravidade, objectos míticos e recheados de histórias para um aluno de doutoramento naquela universidade. No seu seminário transpareceram o entusiasmo e a energia que tornaram Peter reconhecido entre os seus pares de todo o mundo, dos EUA à Rússia então soviética.
Foi bom reencontrar em Paris um dos meus grandes mestres e verificar que continua sempre em forma.

Darwin online



O espólio completo do cientista britânico Charles Darwin está a ser compilado e disponibilizado gratuitamente na Internet. O projecto da Universidade de Cambridge conta já com vários manuscritos e diários nunca antes publicados ou recentemente transcritos, assim como imagens e arquivos de áudio, que relatam as ideias do naturalista que desenvolveu, ao longo de décadas, a teoria da evolução através da selecção natural.

Veja em:

http://darwin-online.org.uk

O Père Lachaise e as vaidades

Há então duas categorias nos cidadãos enterrados no cemitério Père Lachaise: os cujo túmulo vem assinalado nas plantas distribuídas, e os cujo túmulo não vem assinalado (a grande maioria). Mas como referi anteriormente, os túmulos das celebridades estão sempre rodeados por uma grande porção de gente. É interessante a comparação: será que os túmulos assinalados no guia são os que têm mais guias? Nem por isso. Vi muitas celebridades cujos túmulos não tinham ninguém a vê-los. Mas vi mais. Vi também o oposto: túmulos de gente que não era muito famosa (pelo menos para mim) rodeados por multidões. Como é o caso da jovem Edith da fotografia, que tinha mais gente à sua volta do que a Piaf. Uma vez mais os gostos do público e do “júri” não coincidem, como sucede muitas vezes nos concursos televisivos.
Fiquei curioso por saber quem seria a tal Edith, cuja campa era objecto de peregrinação. Segundo descobri, tratava-se de uma jovem cantora morta precocemente. Pode não ter para já (e duvido que alguma vez tenha) o seu nome no guia do cemitério. Mas fãs mais dedicados do que os seus eu não vi.

Thursday, October 26, 2006

Físico-Química

É inevitável: sempre que leio na imprensa portuguesa um artigo apocalíptico sobre o estado do ensino, lembro-me da minha professora de Físico-Química no 7º ano (do que não me lembro é do nome dela, mas quando me lembrar vocês serão os primeiros a saber) que deixou uma turma inteira estarrecida quando nos informou muito casualmente que, no futuro, os seres humanos seriam capazes de manter relações sexuais apenas com o encostar de um dedo indicador à testa do parceiro. (Isto numa altura em que muitos de nós ainda não estávamos familiarizados com o método canónico).
Desconheço as repercussões que este naco de desinformação veio a ter nas vidas futuras dos alunos, mas sei que a professora em questão foi repreendida pelo Conselho Directivo, até porque o "dedonatestagate" surgiu já depois de alguns inquéritos nervosos de membros da Associação de Pais, que queriam saber porque é que os meninos emergiam das aulas práticas de 5ª-feira a falar de anjos e discos voadores em vez de electrões e bicos de Bunsen.
(Um aforismo para as massas: sabemos que ainda não amadurecemos quando não conseguimos escrever "bicos de Bunsen" sem soltar um risinho pueril).
Uma coisa é certa: por motivos vários, que não vou aqui escalpelizar, uma rubrica intitulada "Os Meus Professores" nunca terá espaço para crescer neste blog. Mas não é por falta de material. Só do Professor Cardoso haveria dezenas e dezenas de incidentes para relatar, todos eles com a capacidade para deleitar e instruir. E da Professora_ (Odete? Bernardete?) outras tantas.
Não sei se ela chegou a falar do planeta Sirius na aula. Ou da conspiração dos Illuminati. Ou de Nikola Tesla. Ocupado como estava a encostar os dedos a testas alheias, confesso que não me lembro de muita coisa.
Mas lembro-me da Segunda Lei da Termodinâmica, cuja hábil formulação pelo Senhor de Todo o Mal nunca é demais relembrar: "A entropia de qualquer sistema isolado tende para aumentar ao longo do tempo, aproximando-se de um máximo". E isto, caro leitor, não é uma boa notícia para ninguém.

Coisas que provavelmente aconteceriam se o Universo fosse regulado pelas mesmas leis que regem a música Country

. um Buraco Negro formar-se-ia apenas quando uma estrela encolhesse os ombros e se rendesse ao bourbon;
. a distribuição de Maxwell-Boltzmann para um gás ideal de N moléculas teria dificuldades em impor a sua relevância perante a mágoa irascível do marido de Sally-Ann;
. a chuva tombaria ininterruptamente sobre o Modelo das Partículas Fluidas, misturando-se com as suas lágrimas;
. um electrão perdido numa estrada secundária perto de Denver, Colorado seria incapaz de arranjar boleia;
. a Via Láctea afastar-se-ia de guitarra na mão, ignorando a Lei de Hubble-Homason, e sem nunca olhar para trás.

Wednesday, October 25, 2006

Père Lachaise

Em França, e especialmente em Paris, pode encontrar-se muito que nos parece déjà-vu, quiçá démodé, mas que é pioneiro. E esse papel histórico ninguém pode negar aos franceses: foram eles que inventaram muita coisa que hoje nos parece bien connue, vulgar e corriqueira, mas que não havia... antes de eles a terem inventado. Só que em França tudo é vistoso e por vezes mesmo exagerado; tudo tem de ser épatant. E não há nada mais épatant do que o cemitério do Père Lachaise.
O cemitério do Père Lachaise, no vingtième arrondissement, é um autêntico museu dos mortos e dos túmulos. Sobretudo dos túmulos, que constituem o mais espectacular que o cemitério pode oferecer ao visitante anónimo. Há ali túmulos que são obras-primas da arquitectura, ou da escultura.
Não é porém isso que torna este cenitério tão conhecido. A principal razão por que este cemitério é tão famoso e visitado, estando sempre cheio de turistas e vindo mesmo nos guias, é a quantidade de gente famosa, francesa e não só, das letras, das artes, da ciência, da política, que lá está enterrada, de Edith Piaf a Jim Morrisson, de Pissarro a Oscar Wilde. Os túmulos destes famosos são em geral reconhecíveis por estarem rodeados por uma pequena multidão. Fui-me aprecebendo disso até que, usando este mesmo critério, cheguei a um túmulo desconhecido. Antes de que eu me pudesse aperceber fosse do que fosse, um dos membros da turba pediu-me desculpa, mas disse-me que se tratava de uma “cerimónia privada”. Nem me tinha apercebido de que havia gente a rezar. No cemitério do Père Lachaise também há gente vulgar. A gente é que, rodeada por tanta história, tanta arquitectura, tanto design e tanta fama, até se esquece disso.

Lides domésticas

Na minha casa, os livros é que se vão acumulando sobre o pó.

Obrigação estatutária

Os zigues e os zagues do debate político na blogosfera não costumam alterar o nível do mercúrio aqui no Pastoral Portuguesa, daí a minha esporádica e limitada navegação por esse género de blogs. E numa hipotética lista de assuntos que não me interessam, a oeuvre dos senhores Lapierre, Collins e Tavares ocuparia certamente uma posição de topo.
Dadas estas circunstâncias, sempre achei que no dia em que um leitor se virasse para mim e dissesse "Sabes, Casanova, ainda hei-de ver no teu esplêndido blog um link para um texto do Aspirina B sobre o Miguel Sousa Tavares" eu responderia de imediato "Que disparate, leitor! Não o faria!"
Mas o link aqui fica, em conformidade com a alínea 3 do artigo II dos estatutos do Pastoral Portuguesa, que me obriga a referir qualquer texto em português onde o Moby Dick e o Gravity's Rainbow sejam mencionados na mesma frase.

(Espero agora que outros blogs não desatem a fazer referências gratuitas ao Herzog, Mating, «The Beast in the Jungle» ou To the Lighthouse, tentando aproveitar-se das alíneas 4 e 5 do mesmo artigo)

Grandes Portugueses

Qualquer lista deste género que não inclua um único dos Cinco Violinos não me parece merecedora de comentários sérios. Ainda assim, como não-participante, alimento uma esperança: que as massas se unam para demonstrar ao Poderes Vigentes que a memória dos feitos de Pêro da Covilhã está bem viva e que nenhuma conspiração silenciosa a conseguirá extinguir.

Buttercup wisdom


Things are seldom what they seem,
Skim milk masquerades as cream;
Highlows pass as patent leathers;
Jackdaws strut in peacock's feathers

Black sheep dwell in every fold;
All that glitters is not gold;
Storks turn out to be but logs;
Bulls are but inflated frogs

HMS Pinafore


(É verdade, Buttercup. Por exemplo, o som que se ouve nos primeiros segundos da canção «Groovin'», dos Young Rascals, parece ser o canto de um canário. Mas não é. Não é.)

Para levantar "o moral"



Parece que está na moda lembrar aos portugueses que vivem num país "do caraças" (toma, vai buscar...). Por acaso eu até concordo mas não pelas razões que são invocadas ultimamente...

Começou com um texto do Nicolau Santos, "Eu conheço um país..." (ver), que circulou na net e ocorreu no meu mail uma data de vezes.

AQUI fica mais um exemplo, um Power Point que nos mostra facetas desconhecidas "do nosso querido Portugal". Se não tem banda larga é capaz de esperar um bom bocado.

Tuesday, October 24, 2006

Cláudio Tellez, um português livre

Surgiu um novo “blogue do não”, desta vez associado ao referendo da despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Dando a cara pelo “não”, encontramos algumas das figuras mais esperadas, conhecidas na blogosfera conservadora portuguesa. Alguns dos blogues onde estes autores escrevem são explicitamente referidos como “blogues alinhados”. Sem nenhuma surpresa encontra-se entre os autores o nosso bem conhecido André Azevedo Alves, cujo “liberalismo” só é válido para questões económicas. Mas curiosamente o Insurgente, que devido à obra do AAA é o blogue português mais proselitista, não surge como um “blogue alinhado”. Querem ver que o “colectivo insurgente” afinal é colectivo, existindo respeito pelas posições individuais de cada membro? Quem será então o (ou “os”) insurgente(s) a favor da despenalização do aborto?
Outro insurgente que dá a cara pelo “não” é Cláudio Tellez, um matemático católico chileno radicado no Rio de Janeiro e conhecido pelas suas posições abonatórias relativamente a Augusto Pinochet. Eu não quero de forma nenhuma pôr em causa o direito do Cláudio ou de um cidadão de qualquer outra nacionalidade de participar no debate sobre esta questão: mesmo se este debate diz respeito à situação portuguesa, a questão do aborto é universal, e é enriquecedor comparar com experiências de outras paragens. O estranho é que o “blogue do não” se autointitula “um blogue de portugueses livres”! Já sabíamos que o conceito de “liberdade” para os nossos liberais é bastante bizarro, e os “portugueses livres”, de acordo com o conceito de liberdade deles, são (felizmente) muito poucos. Mas serão assim tão poucos os “portugueses livres” que dizem não à despenalização do aborto que, para fazerem um blogue, até têm de chamar “português livre” a um chileno simpatizante de Pinochet? A menos que haja alguma ligação entre o Cláudio e Portugal que eu não conheça. Em qualquer dos casos eu gostaria de perguntar ao “português livre” Cláudio Tellez: ó pá, qual é o teu prato de bacalhau favorito?

De volta o véu islâmico

A questão do véu islâmico volta a estar na ordem do dia, desta vez por causa das declarações do ex-ministro britânico Jack Straw e da decisão de uma escola suspender uma professora que insistia em dar aulas com a cara totalmente coberta, uma decisão mais tarde confirmada pelo tribunal.
Como bem afirmou Romano Prodi, primeiro-ministro italiano, quando falamos com uma pessoa queremos vê-la olhos nos olhos. Não queremos que ela se esconda. “É uma questão de bom senso.” Será assim tão complicado perceber?
Convém esclarecer que não considero que a proibição do véu islâmico nas escolas públicas seja uma discriminação de nenhuma espécie. A ostentação do véu é que é uma discriminação que a mulher islâmica se auto-impõe (ou, na maioria dos casos, lhe é imposto pela sua comunidade). Tal como o uso da kippah por parte dos judeus. Mas nas escolas públicas tais ostentações não são aceitáveis (tal como não são aceitáveis os símbolos católicos como o crucifixo). Uma das funções essenciais da escola pública é ensinar que a religião deve ser uma opção livre do cidadão, que não deve ser imposta pela sociedade e nem pela família. Diz-se que o véu islâmico faz parte da “identidade” destas mulheres. Nada mais perigoso e, isto sim, atentatório contra a liberdade individual. É um papel essencial da escola pública ensinar que a religião é uma escolha própria que deve ser livre e que não pode nunca e sob nenhuma circunstância servir para “definir” a identidade do indivíduo perante o Estado ou perante a sociedade. A escola pública não pode ser neutra nestas matérias; se fizer concessões neste aspecto, com que moral se rejeitará o ensino do criacionismo? Este é um assunto da maior importância.

Monday, October 23, 2006

Adenda ao post anterior

Para que não restem dúvidas sobre a minha capacidade para formular opiniões incendiárias sobre assuntos polémicos, reclamo de imediato a legitimidade intelectual que advém de possuir um blog para deixar aqui três:
. tenho a firme convicção de que o Rodrigo Tello merece neste momento o estatuto de titular indiscutível, seja em que posição for;
. tenho a firme convicção de que o Scott Walker mete o Jacques Brel num chinelo de senhora;
. tenho a firme convicção de que há certas tonalidades de amarelo que, por se desviarem tanto do que entendemos por amarelo numa sociedade civilizada, mereciam uma designação diferente, e não apenas uma variante hifenada.

Madrugada avulsa

Há seis anos que sou leitor regular de jornais britânicos e, neste período, apenas por quatro vezes exerci um dos mais aprazíveis direitos que essa condição proporciona: o puxar da indignação e escrever uma carta ao editor. Estreei-me nas vésperas do Euro 2004, com uma vociferante reprimenda a um jornalista desportivo do The Guardian, corrigindo um artigo seu onde uma declaração de Luís Felipe Scolari fora espectacularmente mal traduzida. Na segunda, para a secção de livros do Independent, protestei contra o elitismo bonacheirão que detectei numa apreciação a Philip K. Dick, e que considerei (deve ter sido antes do pequeno-almoço) uma gravíssima falta de respeito. A terceira foi para o The Scotsman, a propósito da Lei anti-tabagista. A quarta foi para o The Scotsman, a propósito da Lei anti-tabagista. O que aconteceu foi isto: apercebi-me de uma falha descomunal no meu primeiro argumento e, sob pseudónimo, escrevi nova carta a desmantelar a missiva original. Devidamente desmantelado, o argumento morreu, sem ninguém ter ligado pevide a mim ou a mim.
(O incidente, já agora, veio-me à memória porque acabei de jogar uma partida de xadrês contra mim próprio, na qual fui sumariamente derrotado; posso não ser o meu mais temível adversário, mas sou certamente o meu mais temível adversário).
Serve este preâmbulo para justificar a minha relutância em usar o blog para opinar sobre matérias "correntes". Não há qualquer alínea nos estatutos do "Pastoral Portuguesa" que me proíba de falar em referendos, manifestações e outros temas de interesse público. O receio de incorrer em polémicas estéreis e prolongadas com terceiros também é quase nulo. O que me apavora é a possibilidade de dar voz a um ponto de vista tão objeccionável que me impeça de voltar a olhar para mim próprio da mesma maneira.
A propósito, no dia 24 de Outubro de 1966, morria em Moscovo (de diabetes) a matemática russa Sofya Yanovskaya. Foi ela quem persuadiu Wittgenstein e Francis Skinner a abandonarem a sua curta aventura Soviética em 1935.
Não sei que extenso novelo Histórico esta singela acção terá desenrolado, mas de uma coisa estou certo: tenho sono e não consigo pregar olho. Não há quem me receite uma mezinha?

Esta noite ouve-se



well they sent back all the bodies
who were looking really hopeless
well it didn't seem that callous
till they stopped you in your flow
she's surrounded by her wardens
and they're looking really nervous
all about the man from reuters
here to nullify your glow


everything you say will destroy you
- anyway
everything you say will come haunt you
round each corner
everything you say will destroy you

well you may think that you're buddha
sitting on a mound of ashes
you were mentioned in the postscript of
dispatches anyway
and the major's really nervous
when he's walking round the airport
you know your master's card is marked
your upstart charge is cool and smart


everything you say will destroy you
- anyway
everything you say will come haunt you
round each corner
everything you say will destroy you

your unwanted suitor
leaves his things around your home
he's marking out his territory
he's pissing on your answerphone
well you may think that you're buddha
lying on a mound of ashes
you were mentioned in the postscript
of dispatches anyway


(Luke Haines & The Auteurs, «Everything You Say Will Destroy You», After Murder Park)

Cidade das ciências e da indústria


A Cité des Sciences et de L’Industrie de Paris fez no fim de semana passado 20 anos. Aproveitei para a visitar por dentro pela primeira vez e deliciar-me com uma demonstração experimental da curva de Gauss com graves em queda em direcção aleatória, simulações de movimento browniano, o caos determinista num simples moinho de água... Pude ainda prever as velocidades de escoamento de fluidos conforme o formato do recipiente, fazer experiências de acústica e óptica... Tudo isto eu mesmo. Com as minhas próprias mãos.
O conceito deu origem a iniciativas como a do Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, associado ao programa Ciência Viva. Só é pena que se a Cité des Sciences et de L'Industrie é hoje um dos sítios mais visitados de Paris, o seu equivalente em Lisboa seja muito pouco conhecido. A diferença está na atitude dos públicos. Mas está também em grande parte na programação. A Cité des Sciences et de L’Industrie é um local de referência para a divulgação científica, contando frequentemente com a presença de investigadores franceses a divulgarem o seu trabalho ao público (era só por isso que eu já a visitara antes). Tal não se costuma passar com o Pavilhão do Conhecimento. Globalmente a ciência francesa, para além de ser muito mais competitiva do que a portuguesa, está muitíssimo mais perto do público, sendo por isso mais influente junto da opinião pública. Não digo que os responsáveis do Programa Ciência Viva não façam tudo o que podem para melhorarem a situação portuguesa, mas estes exemplos demonstram que ainda há muito a fazer.

Sunday, October 22, 2006

Até sempre campeão


Schumacher, vamos sentir a tua falta.

Saturday, October 21, 2006

Coleridge


Nascia a 21 de Outubro de 1772, um dos grandes esgazeados da nossa Espécie, e um dos amigos deste blog. Se consultarem uma enciclopédia qualquer é provável que o encontrem definido como poeta, crítico literário, teólogo, filósofo, formulador de uma teoria estética revolucionária, entre outros disparates. Mas rogo-vos: entalem o bocejo e continuem a ler. Vasculhem até, se estiverem para aí virados (e tiverem os mesmos problemas em adormecer que eu tenho) a biografia de 2 volumes escrita pelo Richard Holmes. Depois leiam o que o próprio Coleridge teve a dizer sobre a sua vida. Nas cartas, nos Notebooks, e especialmente na Biographia Literaria - a autobiografia mais exuberantemente espatafúrdia da Literatura, que ainda por cima vem mascarada de "teoria" literária. Prometo-vos um fartote dos antigos.
Coleridge foi também, além dos outros títulos oficiais, o fundador oficioso de uma longa tradição: a do artista como esponja. Mantida por Poe, Faulkner, Lowry, Dylan Thomas, Brendan Behan, Burroughs, Capote, et al, cada um com os seus venenos de eleição, e todos dedicados a celebrar (nas palavras do aborrecidamente sóbrio Saul Bellow) "a seguinte proposição: a consciência é uma coisa terrível e deve ser evitada a todo o custo". O custo, por norma, é elevado. Coleridge, por exemplo, passou os últimos 30 anos da sua vida com prisão de ventre, e com pavor de adormecer, devido aos pesadelos provocados pelo ópio.
Virginia Woolf, que escreveu sobre a degradação do impulso criativo com uma clareza assustadora, escancarou o mito: Coleridge (e aqui podemos extrapolar: "o Artista") não sabotou o seu talento com o consumo excessivo de ópio; o que Coleridge fez foi consumir excessivamente ópio para dissimular o que ele suspeitava ser o rápido desaparecimento de um talento moribundo. Nos últimos anos da sua vida, tornou-se um escritor quase obsessivamente não-sistemático: o que nos resta dessas décadas é uma amálgama (não raras vezes brilhante) de fragmentos, pensées, notas soltas, marginalia e cartas. Sobretudo cartas. Se pensarmos bem, a plataforma ideal para abandonar uma ideia a meia-frase, e com uma audiência cativa que podia aplaudir com relativa rapidez uma intenção em vez de uma obra completa. Há dezenas de referências a livros que Coleridge planeou mas nunca chegou a escrever, por estar demasiado ocupado a drunfar-se.
Ou a chular regimes de meia-pensão, o que fazia como ninguém. Era frequente cravar estadias em casa de amigos, prometendo ficar apenas alguns dias, e barricar-se depois no meio de uma muralha de papéis e livros, acabando por ficar meses a fio. O seu último médico, o quase-santo Dr. Gillman, receando que o vício de Coleridge estivesse a ficar fora de controlo (até no séc. XIX havia eufemistas), acolheu-o em sua casa em 1818 para uma espécie de detox intensiva, e teve de o aturar durante 16 anos. E o mais estranho nesta história é que Coleridge (como Heraclito) era essa figura sempre garante de boa comédia: um hipocondríaco que detestava médicos. A sua vida está repleta de incidentes, entre o escabroso e o patético, resultantes desta contradição. Como o ter de se sujeitar a uma série de enemas durante um cruzeiro até Malta. Ou o tentar tratar uma doença venérea esfregando nos genitais uma solução doméstica de vinagre, chumbo e pão ralado.
Mas o paradoxo era, nele, um estilo de vida. Coleridge foi o homem que tentou sistematizar o seu horror a sistemas numa teoria coerente; que tentou curar a sua fobia da medicação tornando-se opiómano; que pregava um Cristianismo ortodoxo e pejava os seus textos com negações casuais da verdade da Ressurreição e ridicularizações da Eucaristia. O seu erro (um erro exumado pelos que nele tentam descobrir uma filosofia estética ou uma teologia organizada) foi o de tentar aplicar um talento meramente especulativo a tarefas logísticas. A sua escrita está ao seu melhor quando se limita a polvilhar de metáforas inesperadas uma série de ideias sem qualquer encadeamento. Mas, tipicamente, Coleridge continuou, até aos últimos dias, a planear tratados morais.
Um farrapo de humanidade, em suma, mas que transmite a ideia (rara) de ter estado sempre penosamente consciente de todos os seus defeitos. Era excelente no insulto (normalmente o sinal de um intelecto superior) mas as melhores farpas eram auto-infligidas. Na Biographia, ou nas cartas, é frequente encontrarmos a demolição rigorosa de um pai que abandona os filhos, de um amigo com quem não se pode contar, ou de um tipo oleoso que não paga as dívidas que contrai - e é de si próprio que ele está a falar.
O que fica disto tudo é a prosa, claro, que é magnífica. Da poesia não falo, porque quase não conheço - mas não me parece grande coisa.
Costumava dizer-se (aprendi esta com o Bloom) que Coleridge foi o último homem a ler tudo. Acrescento: foi também - apesar do ridículo que permeia muito do que escreveu, disse e fez - um daqueles raros artistas que nos deixam com vontade de fazer o mesmo.

(Nota: em homenagem ao estilo de quem tenta homenagear, este texto foi escrito de madrugada, sem método, sem quaisquer esquemas ou notas auxiliares , e sob a influência de - à falta de ópio - copiosas quantidade de Coca-Cola fora de prazo. Por uns instantes ainda considerei a hipótese de fazer umas rimas, mas isso já seria abusar da minha própria paciência, quanto mais da vossa.)

O Blog de Coleridge (III)

«To read Dryden, Pope & co, you need only count syllables; but to read Donne you must measure Time, & discover the Time of Each word by the Sense and Passion. - I would ask no surer Test of a Scotch-man's Substratum (for the Turf-cover of Pretension they all have) than to make him read Donne's Satires aloud. If he made many Metre of them, & yet strict metre, -then- why, then he wasn't a Scotchman, or his Soul was geographically slandered by his Body's appearing there.-»

(Nota escrita pelo mestre da divagação gratuita, na margem de uma antologia de poemas de John Donne. "his Soul was geographically slandered", já agora, é o que eu quero na minha lápide...)

Friday, October 20, 2006

A vida corre-me mal por isto, e isto, e isto...



«A lover's task is what Peter meant: something he could do to demonstrate to Katherine that he loves her like life and language themselves despite mosquitoes, heat, humidity, her parents' trying unsuccessfully not to be a bother, precious little sex since Kath's on the cusp, no tennis but brutal with macho male Sherritts all save Andy the youngest of whom blow him off the family court in straight sets, every day less swimming in Sherritt Cove, less windsurfing and waterskiing out in Goldsborough Creek, because on each new tide the sea nettles move a bit farther in like a billion old condoms with their miserable sting and beautiful name, Chrysaora quinquecirrha, which means five-filamented gold-edge but ought to mean God's five-month curse upon the Talbot County Gold Coast, no respite from Kathy's old prep-school and college chums, family friends, and fellow ASPS (American Society for the Preservation of Storytelling), swarming like sheepflies on Nopoint Point, including her onetime (one time) lesbian lover, a black-belt balladeer and sometime pain in our marital tush, though Kathy won't hear May Jump spoken ill of except by Peter in extremis. And more.»

(Oferece-se agora uma tablete de Cadbury's Dairy Milk [o Lindt & Sprüngli escasseia e tenho, como a formiguinha da fábula, um longo Inverno à minha frente] ao primeiro leitor a identificar correctamente o fragmento, sem recorrer à batota do google. Tablete adicional para quem conseguir detectar a pequena alteração ao texto original, maliciosamente introduzida pelo transcritor, que é danado para a brincadeira e está a ter grandes dificuldades nisto do "adormecer".)

Um blogue também serve para isto

Parabéns, meu caro amigo. Se não fosse eu nem te lembravas de que hoje fazias anos, não era?

No comboio

Um instante de negligência logística, que espero não se venha a repetir, fez com que tivesse de me sujeitar a uma viagem de 45 minutos sem qualquer material de leitura.
Aqui ficam alguns pormenores que me teriam passado despercebidos caso estivesse embrenhado nos desvarios fictícios de algum narrador de bolso:

. uma rapariga envergando uma saia curta de um material que me pareceu poliéster (mas que podia muito bem não ser) cruzou e descruzou as pernas sete vezes num período certamente inferior a cinco minutos;

. um indivíduo de sobretudo cinzento e gravata amarela lia, com palpável desdém, um artigo de opinião no Daily Telegraph sobre a problemática da integração muçulmana na sociedade britânica;

. alguém desenhara um rudimentar cavalo (ou um touro), completo com pénis desproporcionadamente grande, por cima de um cartaz prometendo aos jovens dinâmicos excelentes perspectivas de carreira no ramo da revisão de títulos de transporte;

. num terreno de pasto entre as estações de Longbridge e Alvechurch, um rebanho de ovelhas assumiu uma disposição que, durante escassos segundos, me sugeriu o símbolo do Sporting, o que me fez entoar em voz alta o nosso mote centenário: "Esforço, Dedicação, Devoção e Glória!", para consternação dos restantes passageiros;

. hoje, julgo que pela primeira vez desde a escola primária, calcei peúgas desirmanadas.

Where is Ms Bobone when I need her?

As minhas noções de ética bloguística são ainda incipientes e isso nota-se. A questão do elogio circular, por exemplo. Quando me elogiam o blog em público, devo agradecer em público ou em privado? E quando o elogiam em privado, devo agradecer em privado ou em público? E quando não o elogiam de todo, o que é o mais frequente, devo entrar em pânico?
Enfim, a senhora do Bomba Inteligente (uma página algo intimidante, a que acederia com muito mais frequência se soubesse como desactivar os assustadores ficheiros de som sem ter de colocar o meu sistema inteiro em mute) colocou-me no seu espaço de "destaques" diários. Interpretei imediatamente o gesto como um elogio. Mas depois do lanche, analisando a situação mais a frio, recordei o meu professor de Francês na Luísa de Gusmão (o deveras intimidante Professor Cardoso) que também tinha por hábito "destacar" largas secções dos meus testes escritos. E nenhuma das suas notas marginais traduzia uma intenção elogiosa. Portanto fico na dúvida. Mas em todo o caso, como disse ao Professor Cardoso no final do 9º ano, desculpe, obrigado por tudo, e desculpe.
Já o senhor do Tradução Simultânea, um dos blogs que visito com assiduidade, referiu-se a este espaço em termos embaraçosamente inequívocos. O senhor do Tradução Simultânea é claramente uma pessoa de bem.

Cromos da Cité Universitaire - 3 - a empregada de caixa da cantina


Esta empregada é uma instituição entre os portugueses da Cité Universitaire. É portuguesa, a tuga da cantina. Está nas caixas a receber o dinheiro e dar os trocos. Dava sempre “bonjour”, até que um dia logo ao princípio me disseram que era portuguesa. Desde então comigo passou a “bom dia”.
Às vezes metia conversa com ela. É do Minho. Costuma ir a Portugal em Setembro. No dia das eleições presidenciais perguntei-lhe quem é que ela achava que ganhava. Ela não se mostrava muito interessada: “sei lá, eles são todos a mesma coisa”. Mas se a mesma pergunta fosse feita em dia de Benfica-Sporting, aí a resposta era outra: “Benfica!”, disfarçando um sorriso.
Quando pedi para fotografar o ultratímido empregado de quem falei ontem, ele recusou, e só anuiu muito a custo. Quando pedi para fotografar esta afável minhota, ela aceitou logo, e só me pediu que esperasse um bocadinho para tirar o espelho da mala e se pentear.

Thursday, October 19, 2006

Linha editorial


A todos os leitores que se têm queixado do enfraquecido caudal de fotografias de gatinhos e de mulheres que não moram na minha rua, o "Pastoral Portuguesa" pede paciência, confirmando que a linha editorial se mantém a mesma, ainda que, por vezes, seja necessário acumular intenções em espaços reduzidos.

Encíclica

Urge esclarecer aquele que é porventura o ponto mais nebuloso da doutrina teológica do "Pastoral Portuguesa": Sadi Carnot não é o Anticristo. Peço encarecidamente desculpa a quem tenha reajustado as suas crenças em conformidade com esta errónea inferência, e afirmo que nunca foi minha intenção induzir em erro o meu rebanho.
Não. O Anticristo (que está vivo, e entre nós) é Rudolf Clausius. Sadi Carnot é o Falso Profeta. Papel que, de resto, não deve ser, de forma alguma, menosprezado.

Sub-empreitada

Não me dei ao trabalho de verificar, mas creio que a curta história deste blog não regista o uso de qualquer turpilóquio.
A firme intenção de não abrir um precedente estilístico coíbe-me de alinhavar quaisquer comentários sobre o jogo de quarta-feira em Alvalade.
Mas não me impede de subscrever comentários alheios. Recomendo aos eventuais interessados que se despachem a ler o texto antes que o seu temperamental autor os oblitere (os comentários, não os interessados).

Insónia

Suponho que o abuso de Carte Noir não ajude. Suponho que uma dieta literária nocturna à base de Henry James pós-1895 não ajude. Suponho que a irregularidade das rotinas não ajude.
Mas tenho a certezinha absoluta de que o estalar de fogos-de-artifício a esta hora, a 5 metros da janela do meu quarto, não contribui em nada para melhorar a situação.

Os Factos

Cromos da Cité Universitaire - 2 - o servente da cantina


Foram vezes sem conta as refeições que este empregado me serviu. Ele e o colega. Sempre com a mesma cara, verdadeiramente impassível. Inalterada. De autómato. O homem atendia-nos automaticamente, todos os dias, uns ao almoço, outros ao jantar, sempre com a mesma expressão inexpressiva.
A teoria do meu colega do Técnico é mais ou menos confirmada: o senhor é notoriamente magro, e os pratos por ele servidos têm geralmente menos comida que os da sua colega referida no texto anterior. Mas com um pormenor que nem toda a gente conhece: ao contrário desta, e mesmo com o aviso, se lhe pedirmos ele não recusa uma colher extra de acompanhamentos. Com a quantidade de comida que é desperdiçada por ficar nos pratos, esta é capaz de ser uma boa solução, partindo do pressuposto que quem lhe pedir a dose extra comerá (como eu) a comida toda. O senhor punha a dose extra. Sempre com a mesma cara.
Na verdade foi graças a este carismático empregado que decidi começar esta série, que se estende até amanhã. E porquê? Primeiro dizia que não me havia de ir embora sem lhe despejar um copo de água em cima, a ver se ele ficava zangado e ao menos punha outra cara. Depois decidi: não, vou é tirar-lhe uma fotografia. E pô-la no blogue. E foi o que eu fiz. Mas, mais uma vez, a fotografia não me saiu como eu queria. É que, ao tirar-lha, ao fim de três anos foi a primeira vez que vi o homem sorrir.

Wednesday, October 18, 2006

Cromos da Cité Universitaire - 1 - A servente da cantina



Tenho um amigo meu que tinha a teoria, quando ambos estudávamos no Técnico e almoçávamos na cantina, que, podendo, deveríamos escolher sempre o empregado mais gordo para nos servir. Os empregados gordos, dizia ele, põem sempre mais comida do que os magros.
A teoria desse meu amigo aplica-se à gordinha empregada que vêm na fotografia, no seu trabalho na cantina da Cité Universitaire de Paris. As doses dela são as mais bem servidas de toda a cantina, melhores do que as de qualquer outro empregado. Mas não adianta, ainda assim, pedir-lhe mais comida se se tiver muita fome. O aviso bem está lá afixado (vê-se na fotografia, à direita): não adianta pedir mais do que o que põem no prato. Se mesmo assim insistirmos, na esperança de algum tipo de "gaulês-porreirismo", a resposta que levamos é sempre a mesma: não nos diz nada, olha-nos nos olhos e aponta-nos para o aviso com a colher. Gostaria de ter fotografado este momento.

As 7 Maravilhas do Mundo


Está em curso uma votação mundial para determinar a versão actualizada das "7 maravilhas do mundo". A cerimónia final terá lugar em Lisboa a 7 de Julho de 2007.
Vote AQUI

"...restricted to the point of non-existence..."

Armando Iannucci, um dos mais talentosos e originais comediantes britânicos, discorreu ontem, no Tate Britain Lecture 2006, sobre o que aconteceu à realidade nos últimos cinco anos.
Um excerto da sua palestra pode ser lido hoje no The Guardian.

Tuesday, October 17, 2006

Notícias do Reino

Aprendi hoje, numa paragem de autocarro em Edgbaston, perto da Universidade de Birmingham, que um estudante do 4º ano de Psicologia se tentou enforcar com uma corda de violoncelo, que foi mal sucedido, e que está agora a recuperar em casa de uma tia na Cornualha.
A rapariga que contou esta história a duas colegas indiferentes, lambia com inusitada sofreguidão um gelado de baunilha, apesar das baixas temperaturas que se começam a fazer sentir, e continuou a fazê-lo já dentro do autocarro, apesar de isso ser claramente proibido pelos regulamentos da Travel Midlands, como comprovam os avisos em vermelho-vivo espalhados pelos dois pisos do autocarro em questão (um dos quais, ironicamente, mesmo diante do lugar escolhido pela transgressora).

aspas aspas

Uma alma caridosa recomendou-me lecitina de soja para aliviar as minhas deficiências de memória, recalibrando porém o conselho com a seguinte advertência:
"Não julgues que uma memória melhor te vai resolver os problemas sociais. Eu sei as datas de aniversário de todos os meus amigos e familiares, mas como nunca sei em que dia estou, acabo por ficar na mesma."

O que fazer, perante tal panorama, senão suspirar? Por vezes, quando pondero estas coisas, só tenho vontade de repetir umas linhas de um certo conto de Fitzgerald, que viriam certamente iluminar esta matéria, mas das quais, infelizmente, não me recordo.

O Estado Social ao serviço do utente

Desde 2005 que a cantina da Cité Universitaire de Paris começou a dar prejuízo, algo inédito desde que abriu e incompreensível para uma cantina considerada um modelo (a melhor da Ilha de França, a região de Paris), que fornece um serviço em geral de qualidade muito aceitável tendo em vista os preços praticados. Um serviço que nunca se via nos países anglo-saxónicos (a estes preços) ou em Portugal (com esta qualidade). Esta cantina era um exemplo do Estado Social francês no seu melhor.
No ano lectivo passado tentou “salvar-se” a cantina, recorrendo à receita mais fácil: a redução drástica de custos. Houve alguns empregados antigos afastados (reformados), mas foram substituídos por outros. O problema não era excesso de pessoal.
Onde decidiram reduzir os custos foi no melhor que tinham: na qualidade (e quantidade) das refeições. Mantiveram um menu “barato”, mas com menor quantidade (menos um item à escolha) e muito pior qualidade. A escolha de pratos era mínima e só com um acompanhamento. Simultaneamente criaram um menu de qualidade comparável ao anterior, só que muito mais caro.
O resultado foi que a frequência da cantina baixou ainda mais, para números nunca vistos. Ao jantar tinha uma ocupação de menos de metade do que costumava ter (estimativa minha). Note-se que estamos a falar do único sítio onde todos os estudantes da Cité Universitaire (que não tinham um estúdio, mas um quarto com cozinha partilhada) podia jantar.
Aos fins de semana então o cenário era ainda mais desolador. Em 2004 e 2005, aos domingos, a fila para almoçar o cuscus chegava a ser perto de meia hora. Em 2005/06, o cuscus passou a prato “de luxo”. Para almoçar aos domingos não havia fila nenhuma...
Os mais radicais de entre os “redutores drásticos de custos” passaram mesmo a defender publicamente o impensável: o encerramento puro e simples da cantina. Essa hipótese chegou mesmo a ser discutida, mas não foi aprovada. O que foi aprovado, e era dado como certo no final do ano lectivo passado, foi o encerramento aos fins de semana, por falta de rentabilidade. Tirei mesmo fotografias ao último cuscus que lá comi no ano passado, julgando que era o último cuscus que lá comeria de todo.
Cheguei agora e verifiquei com agrado que a filosofia de redução cega de custos mudou. Embora se mantenha o menu “barato” e o “menos barato”, a qualidade do primeiro melhorou substancialmente, para níveis próximos dos de 2004 e 2005. A cantina continua aberta aos fins de semana e o tradicional cuscus de domingo até passou a ser prato “barato”. Mais: a cantina agora, ao fim de semana, até passou a estar aberta todo o dia! (E não só ao almoço e ao jantar.) O que é que eles concluíram?
Que os estudantes ao fim se demana têm um horário mais flexível. Provavelmente não querem almoçar tão cedo (mesmo se os almoços são servidos todos os dias até às 14:30). Que fizeram então? A partir desta hora, aos sábados e domingos, passam a servir só um ou dois pratos (sempre os mesmos, de carne grelhada). É muito útil para quem, como eu, só chegou do aeroporto depois das três. E fiquei surpreendido com a quantidade de pessoas que encontrei a almoçar a essa hora! A outra redução foi na escolha de pratos do fim de semana: é mais limitada que durante a semana. Mas a cantina continua aberta aos fins de semana, e pelo movimento que lá tenho visto parece-me bem rentável.
Moral da história? Varios. Por um lado, atender às necessidades efectivas dos utentes e não se limitar a uma redução cega de custos é indispensável para a manutenção de um Estado Social. Por outro, esta manutenção tem que ser um objectivo de todos, e exige cooperação de todos. Não acompanhei o processo, mas imagino que os sindicatos mais conservadores não hão-de ter achado graça nenhuma a alguns (pouquíssimos) trabalhadores passarem a trabalhar ao sábado e domingo à tarde (só a cozinhar, servir e vender senhas; os pratos ficam para lavar mais tarde). Ainda bem que chegaram todos a um acordo. E voltei a comer o meu cuscus.

Monday, October 16, 2006

"Derangement syndrome" com a demagogia propagandística da extrema direita

Ando com a cabeça ocupada com outros assuntos e não quero perder tempo com esta gente enquanto estou em Paris, mas tranquiliza-me ver que há mais quem não lhes dê descanso.

Mitridatismo

Projecto:
Na primeira semana, ler um conto de Henry James. Na segunda semana, ler dois contos de Henry James. Na terceira semana, ler...
Ir aumentando gradualmente as doses até ao Natal, e encetar a leitura de The Ambassadors no dia 1 de Janeiro de 2007, sem receio de intoxicação.

E já agora

Não me parece despropositado aproveitar este momento para reiterar que o autor deste blog é, como a Grande Sombra que o tutela, veementemente a favor de todas as coisas boas e contra todas as coisas más.

"Tu lembras-te muito bem do que é que eu disse"

Começa a ganhar contornos de "padrão", e confesso que dos mais enfadonhos, isto de explicar constantemente às pessoas que, na esmagadora maioria dos casos, eu não me lembro mesmo do que é que foi dito.
Especialmente enfadonho quando o tenho de repetir a pessoas que se lembram muito bem que eu já lhes expliquei isto anteriormente.

Valha-nos S. António



A propósito da estranha existência e manutenção de um estranho Instituto Português de Santo António em Roma (IPSAR), a associação cívica República e Laicidade remeteu ao Sr. Ministro das Finanças a seguinte carta:

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado e das Finanças,

Sr. Professor Doutor Fernando Teixeira dos Santos,

Na Associação Cívica República e Laicidade, tomámos conhecimento, há algum tempo, da existência de um Instituto Português de Santo António em Roma (IPSAR), entidade pública directamente tutelada pelo Ministério das Finanças do Governo da República Portuguesa.

Constatámos ainda que o referido instituto promove, como suas actividades principais, o «exercício de actos do culto católico» e a realização de «actividades culturais», onde, frequentemente, também se pode constatar um idêntico e forte cariz religioso.

Desse modo,

Considerando o princípio constitucional de separação entre Estado e Igrejas e o entendimento daí decorrente de que a República Portuguesa – aparte as excepções, em nosso entender lamentáveis, também legalmente consignadas na Lei (nomeadamente as capelanias) – não deve sustentar o culto religioso, seja de que religião for, nem remunerar membros do clero, nessa sua qualidade, pelo exercício de actividades de culto;

Constatando que o IPSAR não tem a sua contabilidade facilmente acessível à consulta pública e uma vez que, a partir de 2004, o Ministério das Finanças deixou de disponibilizar, designadamente nos mapas «Receitas Globais dos Serviços e Fundos Autónomos» do Orçamento do Estado, o quantitativo dos dispêndios que a manutenção daquele estabelecimento acarreta para o erário público nacional;

Considerando que, em deliberação recentemente tomada pelo Conselho de Ministros da República Portuguesa (resolução 39/2006, DR, I-B, de 21 de Abril), no âmbito do «Programa para a Modernização da Administração Central do Estado» (PRACE), o IPSAR não só é mantido – em confronto com uma inexorável extinção de outros institutos –, como ainda, no processo de redefinição organizacional de estruturas e recursos da administração central, é feito transitar para a dependência do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE);

Considerando ainda que estamos em véspera da entrega na Assembleia da República, para análise e debate pelos Deputados da República, da proposta de Orçamento de Estado para 2007;

Vimos solicitar a Vossa Excelência, Senhor Ministro das Finanças, que nos esclareça detalhadamente sobre as seguintes matérias:

O volume das verbas públicas que, nos últimos anos, têm sido dispendidas para sustentar a existência daquele Instituto Português de Santo António em Roma, bem como a discriminação das diferentes rubricas e actividades em que elas têm sido aplicadas;
As razões que serviram de fundamento, quer à opção da manutenção em funcionamento do referido Instituto Português de Santo António em Roma, quer à da sua transferência para a tutela do MNE;
O volume das verbas públicas que o actual Orçamento de Estado consigna ao referido Instituto Português de Santo António em Roma, bem como a discriminação das diferentes rubricas e actividades em que elas serão aplicadas.

Sem outro assunto, subscrevemo-nos

a bem da República

Luis Mateus (presidente), Ricardo Alves (secretário)

Bienvenu en France

Com o Jacto Fácil cheguei ao Terminal 3 do Aeroporto Charles de Gaulle sem grandes problemas. Uma vez lá, queria apanhar o comboio regional para o centro de Paris, para o qual tinha que comprar o bilhete (8 euros). Para tal havia máquinas automáticas e guichets.
As máquinas automáticas estavam TODAS em panne. Só havia dois guichets abertos (e outros tantos fechados). Havia vários funcionários que se iam revesando, pois não podiam (e não queriam) trabalhar mais do que o que estava estipulado.
Já me tinha esquecido de como era a França...
Para este texto não ficar totalmente "anti-francês", acrescento que a maior parte do tempo dos funcionários dos dois guichets era ocupado a responder às dúvidas de turistas americanos e ingleses. Cada um passava cinco minutos a pôr todo o tipo de questões sobre bilhetes de comboio e passes. Mas aqui a culpa também era dos funcionários, que lhes respondiam em vez de os recambiarem para o guichet de informações, mesmo ao lado, que estava aberto e às moscas.
Quem estivesse atrás que esperasse. E quem (como eu) sabia perfeitamente o que queria (um bilhete para Paris), que desesperasse, que os funcionários não queriam saber e o seu salário ao fim do mês era certo. Desesperar, foi o que eu fiz. Se acrescentarmos ao tempo de espera para comprar o bilhete de comboio o de recolher a bagagem e os 45 minutos da viagem até à Cité Universitaire, digo-vos: sem exagero, demorei mais tempo do Aeroporto Charles de Gaulle à Cité do que do Aeroporto da Portela ao Charles de Gaulle.
O que vale é que estar em Paris é uma festa e compensa tudo. Mas não me retira a vontade de protestar, como um bom francês.

Sunday, October 15, 2006

Errata

Não era bem isto que eu queria dizer.

1º Concurso "Pastoral Portuguesa"

Oferece-se uma barra de chocolate Lindt & Sprüngli (deluxe) a quem souber a resposta certa a esta pergunta?

Wikipedia is bad for you


O meu propósito era simples: encontrar uma boa foto de Bridget Moynahan, uma das actrizes mais bonitas que vi num ecrã de televisão nos últimos tempos. Estava tudo a correr bem. Aprendi que ela tem a tatuagem de uma lua verde no tornozelo e que, no liceu, atacou uma colega com uma rede de lacrosse. Os problemas começaram aqui: não tinha bem a certeza do que raio era lacrosse. Na minha resoluta ignorância sobre qualquer desporto que nunca tenha sido praticado pelo Sá Pinto, pelo Ivanisevic ou pelo Capablanca, imaginei uma coisa com cavalos e tacos compridos, mas sem balizas. Carreguei no link para confirmar. Feita a confirmação (não há cavalos nem tacos) lancei-me de cabeça para a página sobre Jean de Brébeuf, o missionário jesuíta que trouxe o jogo para a Europa depois de ter visto os Iroquois a jogar uma partidinha entre massacres. Esperem lá, Iroquois? Isto parece-me interessante... e por aí fora.
Utilizo a internet há seis anos e ainda não aprendi as duas regras cardinais: parar ao terceiro link, e nunca deixar comida no forno. Assim não há alarme de incêndio que resista.
Mas enfim, perguntem-me o que quiserem sobre o profeta Handsome Lake, Quakers, ou serviços de ambulâncias voluntários.

Capitalismo selvagem

Uma confissão:
Nas férias grandes de 1989, aproveitando um raro momento de distracção de um adversário volátil mas sempre leal, ergui um hotel na Rua do Ouro (Verde - Lisboa) quando nela tinha apenas três casas.
Amigo, desculpa.

Pódio

Um apaga os arquivos durante a noite, outro queixa-se do relógio e do calendário, este tira férias durante um mês e não escreve aos fins-de-semana,
Mas os três continuam a formar o pódio, aparentemente inalterável*, dos meus blogs de cabeceira.

*Pelo menos, até este deixar de brincar aos Lázaros.

Actualização

Mais dois blogs que justificam inclusão na lista de favoritos. Um é de Gaia e já sai de casa sozinho; o outro é de Londres e ainda vem envolvido na placenta. Ainda é cedo, mas ambos me parecem dignos de atenção.

Parabéns supergravidade!

Sejam os 25 anos, sejam os 30 anos: as comemorações do aniversário da supergravidade são sempre em “minha casa”. A conferência dos 25 anos foi literalmente "em minha casa"; a presente comemoração não se pode dizer que seja na minha “casa” presentemente (já foi). Mas estará sempre nestes dois locais uma boa parte das minhas melhores recordações.

Saturday, October 14, 2006

Uma dica do Edgar


Se fosse vivo, Degas diria certamente que hoje é um excelente dia para meter uns trocos no cavalinho Kaseema, treinado por Sir Michael Stoute, na das 16:45 em Newmarket. E com Degas não se discute.

Pesadelo II

Não me recordo - e julgo que aqui fica bem o advérbio "felizmente" - de muitos pormenores. Mas sei que o pesadelo, como quase todos os meus pesadelos, foi uma adaptação livre de uma certa fantasia de Chesterton transposta para o Prior Velho, e que teve a duração aproximada de 60 minutos, sem intervalo.

Pesadelo I

A noite passada tive um pesadelo relacionado com blogs.
Se isto não é um sinal de que preciso respirar fundo, acalmar-me e passar a comer mais vegetais, não sei o que é que será um sinal de que preciso respirar fundo, acalmar-me e passar a comer mais vegetais.

Teremos sempre Paris. A Cité Universitaire

Regresso temporário a Paris, a partir de hoje, aproveitando uma conferência e as tarifas de uma companhia de baixo custo (eu não posso estar aqui a fazer propaganda; digamos... o Jacto Fácil). Enquanto aqui estiver é provável que adopte um tom mais descritivo (sem ser necessariamente intimista) para o blogue. As polémicas à Blogue de Esquerda ficam para Lisboa; por agora permitam-me que aproveite (escrever no blogue também faz parte) o meu breve regresso a um sítio onde fui feliz.

Kramnik


Kramnik venceu o tie-break, com muita retenção de líquidos e um pouco de sorte à mistura. Na conferência de imprensa pós-encontro, revelou que estava desejoso de "se ir embebedar com os seus amigos" e que iria depois concentrar-se no jogo contra o programa de computador Deep Fritz em Novembro.
Quanto ao derrotado Topalov, vai agora dedicar mais tempo a melhorar a sua imitação de um boneco de neve parcialmente derretido.

Friday, October 13, 2006

Museu da Tapeçaria de Portalegre


A propósito de um texto publicado pelo DoteCome acerca do Museu da Tapeçaria de Portalegre recebemos a seguinte mensagem que passamos a divulgar:

A vossa notícia sobre o Museu da Tapeçaria de Portalegre dá a entender que o museu é uma coisa morta "ficou como depositário de grande parte do espólio da empresa".
A manufactura de tapeçarias de Portalegre não acabou. Continua a laborar e a tecer novas obras de pintores contemporâneos, portugueses e estrangeiros.
A exposição de tapeçarias do museu é uma exposição viva em constante mudança de acordo com as necessidades do museu e as disponibilidades da manufactura.
quem visitar o museu várias vezes de cada uma encontrará sempre novos motivos de interesse.

Cumprimentos

Vera Fino
Directora da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre

Festas académicas (II)

E vejo anunciado o “Arraial do Caloiro” do Técnico. Tudo bem – isto já havia “no meu tempo”. Mas “no meu tempo” os arraiais eram... no Técnico,que tem uma bela alameda para isso! Agora são num armazém nas Docas, em Alcântara!
Para além de perderem autenticidade – o que torna uma festa “do Técnico” é o facto de ocorrer no Técnico; nas Docas faz-se qualquer festa! -, o Técnico perde assim outra característica sua, das mais genuínas, e de que eu tinha saudades quando estava fora. Uma vez em cada semestre, tinha-se um Super Arraial. Assistia-se à montagem do palco e aos preparativos, e por vezes a concertos memoráveis, como um dos Xutos. E o principal: mesmo que o arraial fosse na sexta-feira à noite, na semana seguinte o Técnico todo ainda cheirava a cerveja e a vomitado. É uma pena que já não seja assim.

Festas académicas (I)

Vejo anunciada uma “festa Erasmus” em Lisboa, algo que eu só estava habituado a ver em Paris e que não havia quando eu era estudante aqui. Ainda bem: tal sigifica que as nossas universidades se tornam mais cosmopolitas e atractivas para alunos estrangeiros. Achei graça ao pormenor de a festa ser patrocinada pelo “Licor Beirão”. Será que no meio da festa (destinada essencialmente a estudantes estrangeiros, que pedirão vodka e whisky) vai aparecer o Zé Diogo Quintela vestido de campino a perguntar “vocês são portugueses ou são camones”?

(Quem não perceber este texto veja aqui e aqui.)

Thursday, October 12, 2006

The Conquistador of the Useless

Pamuk

E por falar em preços, há quatro anos que tenho vinte libras empatadas no Philip Roth (a 12/1). Os lacaios de Sadi Carnot que mexem os cordelinhos das marionetas Nobel andam, claramente, a testar a minha força de vontade. Não pus dinheiro no Pynchon, nem na Ozick, nem no Barth, porque tenho juízo e sei o que é que a casa gasta. Mas caramba, o Roth agora porta-se bem. O Zuckerman deixou de escrever sobre o que é escrever sobre o Zuckerman. Já não há counterlives a diluir a seriedade formal. Na última década, ele premiu os botões todos.
O que é que o homem precisa fazer mais: ser preso por comparar desfavoravelmente o Presidente dos Estados Unidos ao gerente de uma loja de ferragens?
Dou-lhes mais um ano para exumarem um (digamos) poeta albanês encarcerado cuja obra grita por reconhecimento, mas em 2008 podem contar com a minha carta de protesto.

... meanwhile, back in Kalmykia

6-6, depois de dois empates arranhados. Kramnik já seria campeão, caso não tivesse vergonha de usar fraldas. A incontinência, claro, não é motivo para gracejos. O sinistro Topalov (que desenha pentagramas nos azulejos da casa-de-banho comum para perturbar o adversário) continua a sua rota indiferente para o inferno. As agências de apostas cá do sítio dão-lhe 15/8, um preço ligeiramente melhor que o de Kramnik, mas o meu interesse nisto dos preços é meramente académico.

Big Muzzy would never do this

No princípio achava giro, e tentava ser prestável. Depois veio a irritação. Por fim ocorreu-me que era possível começar a mentir - e tudo melhorou.
Falo de algo que a honestidade antropológica não me permite definir como tendência, apesar de já me ter acontecido dezenas de vezes neste país: a propósito de nada perguntarem-me "como se diz isto na tua língua?"
Ora, há um número restrito de vezes que um gajo pode explicar a estrangeiros a pronúncia correcta de algo tão inócuo como "bom dia" antes de se aborrecer. Por isso, lá para 2002 (deve ter sido em Abril, quando a bolha do tédio incha mais) passei a ensinar frases erradas. Primeiro o disparate, e depois (inevitavelmente) o palavrão.
É um vício. Sou o primeiro a admiti-lo. E, como todos os vícios, pode parecer infantil, supérfluo e desagradável, especialmente a terceiros que não o partilham. Mas o logro agarra. Diverte. Além disso, já estou muito bom na coisa para me reformar agora.
Portanto, da próxima vez que forem abordados em Lisboa por um sorridente cidadão britânico, e este vos pergunte, com sotaque bastante aceitável, se a vossa sogra gosta de felar dromedários no deserto, tenham calma e não pensem mal do "bife". Provavelmente, é apenas um amigo meu a perguntar por um bom restaurante.

Quando acometido por crises de sinestesia literária...

... o paciente gostava de descer a Silentwine Road, assobiando baixinho o "In The Cage" de Henry James.

O último IDS da semana

Na verdade não tenho especificamente um IDS; tenho um “derangement syndrome” com a extrema direita em geral. Mas vamos então a isto.
Já “agradeceram” ao André Azevedo Alves a presença de Salazar na lista dos “grandes portugueses” para a RTP? Saibam que tal presença muito se deve às suas diligências de obreiro extremoso e extremista. Ficamos assim a saber que para o André Azevedo Alves a omissão de Salazar da referida lista é “gritante”. De vez em quando, depois de se queixar dos desvios “centristas” do actual líder conservador, o AAA recorda-nos que existem alternativas à direita no Reino Unido. Já a subida da extrema direita na Flandres foi evusivamente (três textos) anunciada no Insurgente, mas com cópias de notícias. Ficamos sem saber o que pensa o AAA deste resultado eleitoral. Esta, sim, é uma omissão gritante, penso eu.

Wednesday, October 11, 2006

The Education of Franz Kafka


«Quando penso nisso, é-me necessário confessar que a minha educação me prejudicou muito por várias razões. Esta censura dirige-se a uma quantidade de pessoas, a saber: os meus pais, alguns membros da minha família, alguns frequentadores da nossa casa, diversos escritores, uma certa cozinheira que, durante um ano, me levava à escola, uma multidão de professores (que, na minha recordação, sou obrigado a comprimir estreitamente, sob pena de ver escapar algum, mas uma vez a multidão condensada, eis que o todo se desagrega em alguns lugares), um inspector escolar, transeuntes que caminhavam lentamente, afinal de contas esta censura volta-se como um punhal contra a sociedade inteira e nula, repito-o, ninguém pode estar certo de que este punhal não o venha a ameaçar um dia, à frente, nas costas ou no flanco. Esta censura, não podia suportar que a contradissessem. Como já ouvi muitas contradições, de que a maior parte foi refutada, alargarei a minha censura a essas contradições e declaro presentemente que a minha educação e esta refutação me prejudicaram por muitas razões.»

(Franz Kafka, num fabuloso "momento Henry Adams")

What could have been

Britpop should have been about two people: Neil Hannon and Luke Haines. Instead they made it about Damon fucking Albarn and Liam fucking Gallagher. What a waste.

(Um amigo meu, que sabe o que diz.)

O disco da casa


I fall in love with someone new practically every day
but that's ok
It's just the price I pay for being a man
(if that' really what I am)
And I refuse to take it all too seriously
It's such a strange activity
far too peculiar to be taken any other way

(Divine Comedy, «In and Out of Paris and London», da obra-prima que é Casanova)

Boa onda

É o slogan da nova campanha da Rádio Renascença. Associado a ele, boas músicas como esta. Quem conhecerá esta versão original? Eu mesmo só a conhecia numa (bela) interpretação do Caetano Veloso.

Anita vai ao Colombo

Está patente até ao próximo domingo no Centro Comercial Colombo uma exposição evocativa dos cinquenta anos da famosa Anita (que eu nunca li). Será que a Alice e o recém-chegado Pedro gostarão um dia de ler a Anita? Será que a pensar nessa hipótese o Zé Mário e a Margarida foram lá pedir um autógrafo ao autor? Bem gostaria de saber.

Tuesday, October 10, 2006

The Kenosha Kid


(1)
The Kenosha Kid
General Delivery
Kenosha, Wisconsin, U.S.A.
Dear Sir:
Did I ever bother you, ever, for anything, in your life?

Yours truly,
Lt. Tyrone Slothrop


Tyrone Slothrop, Esq.
TDY Abreaction Ward
St. Veronica’s Hospital
Bonechapel Gate, E1
London, England

Dear Mr. Slothrop:
You never did.

The Kenosha Kid


(2)
Smartass youth: Aw, I did all them old fashioned dances, I did the “Charleston,” a-and the “Big Apple,” too!
Old veteran hoofer: Bet you never did the “Kenosha,” kid!
(2.1)
S.Y.: Shucks, I did all them dances, I did the “Castle Walk,” and I did the “Lindy,” too!
O.V.H.: Bet you never did the “Kenosha Kid!”

(3)
Minor employee: Well, he certainly has been avoiding me, and I thought that it might be because of the Slothrop Affair. If he somehow held me responsible—
Superior (haughtily): You! Never did the Kenosha Kid think for one instant that you...
(3.1) Superior (incredulously): You! Never! Did the Kenosha Kid think for one instant that you...?

4)
And on the mighty day on which he gave us in fiery letters across the sky all the words we’d ever need, words we today enjoy, and fill our dictionaries with, the meek little voice of Tyrone Slothrop, celebrated ever after in tradition and song, ventured to filter upward to the Kid’s attention: “You never did ‘the,’ Kenosha Kid!”

(5)
Maybe you did fool the Philadelphia, rag the Rochester, josh the Joliet. But you never did the Kenosha kid.

(6)
(The day of Ascent and sacrifice. A nation-wide observance. Fats searing, blood dripping and burning to a salty brown...) You did the Charleston stoat, check, the Forest Hills foal, check. (Fading now...) The Loredo lamb. Check. Oh-oh. Wait. What’s this, Slothrop? You never did the Kenosha kid. Snap to, Slothrop.

( . . . )
Slothrop: Where is he? Why didn't he show? Who are you?
Voice: The Kid got busted. And you know me, Slothrop. Remember? I'm Never.
Slothrop (peering): You, Never? (A pause.) Did the Kenosha Kid?

(Thomas Pynchon, Gravity's Rainbow)

Vê como bate o meu coração alcalino

Descobri uma marca de pilhas (muito obscura, e cujo nome desconhecia até há cerca de um mês) que é aflitivamente superior a todas as outras.
Onde as Energizer, Panasonic e Thomson sobreviviam entre seis a oito rotações completas da playlist do mp3, estas aguentam catorze, quinze, até mesmo - juro - dezasseis. Ando danadinho para lhes tecer louvores públicos.
O dilema é o seguinte: uma parte de mim (a mesma patética repartição mental que me leva a vestir como um labrego ensebado para certas partidas de futebol porque "estas são as roupas da sorte") receia que a magia das pilhas se acabe no momento em que revele o nome dos feiticeiros.
Chega um gajo ao século XXI para dar consigo a pensar desta maneira.

Você sabia que...

... em 1922, Marianne Moore fez Hart Crane chorar?

Assim se vê a influência do Expresso

Na semana passada lá voltou a sair um Expresso cuja manchete era “fabricada”. Tratava-se de um “rumor”, de que Paulo Portas e Marcelo Rebelo de Sousa tinham um acordo sobre o aborto. Nenhum tipo de fundamentação. Só um “rumor”. Nada mais.
O “rumor” foi prontamente desmentido pelos envolvidos. Só que, no domingo, lá vinham o Público e o Diário de Notícias desmentir... o rumor do Expresso!
A “escola” do Arquitecto Saraiva (e a bem dizer, do Professor Marcelo) é esta: arranjar “rumores” que não podem ser provados, criar “casos”, tentar sempre influenciar a agenda política, sempre por dentro do “sistema”. (Ao menos o velho Independente não se limitava a publicar rumores: fazia acusações concretas. Podia só acabar em tribunal, mas as suas manchetes referiam-se a factos eventualmente comprováveis, por muito falsos que por vezes fossem. E não era um jornal do “sistema”.) O Arquitecto Saraiva gostava de se gabar e dizer que o Expresso que ele dirigia era “o mais influente jornal português”.
Agora o Arquitecto Saraiva já não dirige o Expresso, mas a sua “escola” mantém-se. E por muito que me custe admiti-lo (por não gostar nada do jornal), a “influência” também. O que dizer de um jornal que publica notícias falsas na primeira página, para no dia seguinte serem desmentidas... pelos outros jornais? Para mim, de facto, isto é "ser influente".

Memórias das Bodas



AQUI ficam as memórias fotográficas de "As Bodas de Fígaro" levadas à cena, no Teatro da Trindade, em Setembro de 2006. As fotografias são de Clementina Cabral.

Monday, October 9, 2006

O blog de Moisés (II)


«One way or another the no doubt mad idea entered my mind that my own actions had historic importance and this (fantasy?) made it appear that people who harmed me were interfering with an important experience.»

(Saul Bellow, Herzog)

Evangelismo

Três descobertas musicais relativamente recentes que inflamaram o meu proselitismo.
Antes de mais, Sufjan Stevens, a quem cheguei com alguns anos de atraso. O rapaz do 50 States Project não é apenas muito melhor do que eu pensava: é também muito melhor do que vocês pensam. E como se não lhe bastasse o talento, o lambe-botas teve o desplante de incluir no seu mais recente Avalanche (uma recolha de excedentes das sessões de Illinois) uma canção intitulada "Saul Bellow". Ora, há atalhos ainda mais rápidos para o coração casanovense, mas são poucos, e secretos.
De seguida, os 16 Horsepower, que escutei pela primeira vez há duas semanas, num banco de jardim em Bruxelas. Comprei o Folklore, que é sublime, e adivinhava já o nascer de uma dispendiosa obsessão. Felizmente os senhores separaram-se, portanto só tenho de me preocupar com o catálogo antigo.
Na mesma linha, mas noutro patamar, estão os Lift to Experience. O que é que eu posso dizer sobre os Lift to Experience, sem desamordaçar uma histeria que seria tão embaraçosa para mim como para o leitor? Vou, para bem de todos, limitar-me a transmitir informação. Dizer que o álbum de estreia é duplo e se chama The Texas-Jerusalem Crossroads. Que tem alguns pontos de contacto conceptuais com dois álbuns que me dizem muito, Hallowed Ground, dos Violent Femmes, e No More Shall We Part, de Nick Cave, embora musicalmente não se assemelhe a um nem a outro - nem a qualquer outra coisa, já agora, embora tenham sido repetidamente comparados aos My Bloody Valentine (é falso, falso!). Que o líder do grupo, Josh Pearson, descreve The Texas-Jerusalem Crossroads como um concept album sobre o fim do mundo, em que o Texas é a Terra Prometida. Que o Antigo Testamento nunca teve acordes tão bons.
Dizer, em suma, que são os Lift to Experience, senhoras e senhores, e que merecem a nossa devoção e o nosso dinheiro.

Stulta est gloria

Já vos contei daquela vez em que um avião de papel, construído e atirado por mim, fez um voo perfeito de 17 metros, precisamente quando ninguém estava a olhar?

Casanova, o útil

Podem achar aqui um simulador de lançamento de aviões de papel. Quem é amigo, quem é?

O colectivo decidiu, está decidido – iliteracia económica geral!

Agora, para o colectivo insurgente, tudo o que se afaste da ortodoxia ultraliberal, como elogiar o papel dos sindicatos, ou mesmo o keynesianismo, revela “iliteracia económica”. Compare-se este nível com o do João Miranda, que mesmo se manipula os números (e mesmo se por vezes é críptico) argumenta. Pode ter tiques de educador do povo (que eu pessoalmente acho uma delícia), mas nunca arrumaria uma questão com argumentos de “iliteracia económica”... Assim se vê mais uma vez que quem nasceu para colectivo insurgente nunca chegará a João Miranda.
Quem poderá chegar bem a João Miranda (assim não se deixe estragar pelas práticas do colectivo insurgente) é o dos Santos. Espero que os seus textos no Insurgente, mesmo se (obviamente) ultratendenciosos (não se espera outra coisa), mantenham o nível de sempre.

Sunday, October 8, 2006

Paris é uma festa (mas a partir de hoje nem tanto)

Paris perdeu grande parte do seu ambiente festivo desde hoje, quando o meu amigo Sandro regressou (aparentemente de vez) a Portugal, para concluir o doutoramento. Mesmo depois da Nuit Blanche, este fim de semana, onde espero que se tenha divertido tanto como nos divertimos o ano passado. Toda a gente vai chorar em Paris: das rodas do Bando do Chorão (o samba vai virar choro) às pedras da calçada da Rue de La Tombe Issoire, principalmente perto do Gevaudan. Por onde este rapaz passe a festa é certa e boa. Mas acima de tudo vão-se entristecer os habitantes da Cité Universitaire, especialmente do sexo feminino.
Espero que o nosso país saiba aprovaitar os muitos talentos do Sandro.

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