Tive recentemente a oportunidade de rever o filme Dirty Dancing e reparei num pormenor que me tinha passado despercebido das primeiras sete vezes: um livro é usado como adereço de suprema importância. A dada altura, o empregado de mesa Robbie, esse verdadeiro meliante que tantos estragos provoca em vidas alheias, está à conversa com Baby, e sela definitivamente o seu egoísmo destituído de escrúpulos produzindo uma cópia do The Fountainhead, de Ayn Rand, dizendo: "Baby... Some people count and some people don't. Read it. I think it's a book you'll enjoy, but make sure you return it; I have notes in the margin."
Esta estenografia visual não me parece um recurso cinematográfico particularmente condenável; direi até que há formas bem mais ineptas de condensar a essência de uma personagem. O fraquinho Unfaithful, de Adrian Lyne, por exemplo, só teria a ganhar em economia narrativa, caso a Diane Lane entrasse em cena com um livro de John Updike debaixo do braço. E acho quase imperdoável que tenham sido feitos três (ou quatro?) filmes da série American Pie, sem o Portnoy's Complaint ter aparecido nas mãos felpudas de um único personagem.
Uma última nota, encharcada em esperanças:
Foi recentemente anunciado que uma adaptação para cinema de Atlas Shrugged, o último e mais famoso romance de Rand, está já em fase de pré-produção. Brad Pitt vai interpretar o papel de John Galt e Angelina Jolie o de Dagny Taggart. Julgo que esta conjugação de talento em bruto não pode falhar. Se os Deuses da grande comédia nos favorecerem, o projecto será levado a bom porto pela dupla Bay/Bruckheimer.
E a bem do equilíbrio cósmico, haverá melhor maneira de semaforizar o decadente individualismo e a dicotomia futurismo/nostalgia de John Galt do que filmá-lo, num momento crucial, a sacar do bolso uma anacrónica edição em dvd do Dirty Dancing?
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