Gostaria de apresentar uma proposta sobre a regulação da televisão. Para quem vive nos EUA, a principal diferença na televisão relativamente a Portugal reside no facto de os horários dos programas serem sempre cumpridos. Não importa se durante o dia se tem programas tipo "O Juiz Decide" em praticamente todos os canais; se se tem o "Jerry Springer" e outros shows tais que me levem a recear que em Portugal se esteja apenas na Idade da Pedra do telelixo; se se tem intervalos comerciais a cada dez minutos. A verdade é que também se tem todos os dias episódios (antigos, é certo) do "Seinfeld", dos "Amigos" e dos "Simpsons", novelas brasileiras (dobradas em espanhol) como "O Clone" e a "Esperança", sempre à hora marcada. E tudo isto, refira-se, nos canais de acesso gratuito (acessíveis a quem tenha antena); não estou a falar de canais por cabo. A grande diferença é que nos EUA um espectador só vê o telelixo se quer, pois sabe que a programação que foi anunciada (nos jornais, nas revistas, na internet e na própria televisão) é a que é transmitida. A "contra-programação", o prolongamento de novelas por horas enquanto no outro canal está a dar desporto, aqui seriam impensáveis. Muito menos a interrupção de telejornais com directos do "Big Brother"! A verdade é que as estações de televisão, aqui, têm muito mais respeito pelos espectadores! A principal restrição que as emissoras de televisão em Portugal deveriam ter - e isto teria de ser o Estado, a tal "entidade reguladora", a fazer, mais do que propriamente interferir nos conteúdos - era a obrigação de cumprir os horários. Só isto alteraria substancialmente - para melhor - o panorama audiovisual em Portugal.É só isto e não mais do que isto que eu defendo. O que invalida por completo os argumentos pseudo-liberais do Blasfémias, onde Carlos Abreu Amorim começa logo a acenar com “critérios específicos de programação” ou “definição de alinhamentos”. Nada disto está em jogo no presente diploma, que visa somente um respeito pelo tempo perdido pelo espectador a ver o que não quer ver.
É curioso que este argumento venha de quem vem: justamente um dos maiores queixosos dos atrasos da TAP, a transportadora aérea estatal. Também já usei a TAP com regularidade e, embora não ponha em causa o testemunho do CAA, da minha parte só uma única vez (em muitos vôos) tive problemas com atrasos. Mas o CAA que tanto se preocupa com a perda de tempo por causa da TAP (quando os atrasos são muito mais justificáveis numa transportadora aérea do que numa estação de televisão), não quer saber do mesmo tempo perdido pelos telespectadores. Talvez porque a TAP é... estatal? Se a TAP fosse privatizada, talvez os atrasos fossem justificáveis? Talvez o presente diploma fosse aceitável se só se aplicasse à RTP? Ah, como é difícil ser liberal em Portugal, com um governo que se imiscui nas estações privadas... É isso?
Nos comentários ao meu texto de ontem, o Luís Rainha e o Luís Aguiar Conraria questionam-me sobre se “o governo tem mais do que se preocupar do que andar a brincar aos horários das televisões?” O Luís Rainha afirma mesmo que são textos como o meu (e portanto, presumo, medidas destas) que “dão mau nome à Esquerda; e razões a quem diz que somos um bando de palonços.” A mim não me interessa minimamente se esta é uma medida “de esquerda”, ou “de direita”, ou se é “pouco ou nada liberal”. Parece-me uma medida justíssima, e defende-la-ia qualquer que fosse o governo que a aplicasse. Um bom governo vê-se (também) por medidas destas, que melhorem a qualidade de vida de cidadãos (neste caso) indefesos. Quando o Luís Rainha ainda por cima me pergunta “e a contraprogramação é má porquê?” eu nem sei o que responder. Se o Luís Rainha, o Luís Aguiar Conraria ou o CAA não vêem televisão (ou só vêem canais por cabo) é um direito que eles têm. Mas deveriam compreender que há pessoas que querem ver os canais generalistas e que como tal devem ser por estes respeitados.
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