Esclarecimento sobre a liberdade de expressão e a relação entre o Ocidente e o mundo islâmico
Diogo Freitas do Amaral
Não tendo estado em Lisboa quando alguns títulos ou frases me foram atribuídos pelo PÚBLICO - com base em afirmações truncadas divulgadas por um canal de televisão, a propósito da polémica dos cartoons -, esclareço:
1) Sempre defendi, e defendo, a liberdade de expressão, e não propus para ela qualquer novo limite legal, censura ou sanção para o seu eventual mau uso: apenas defendi, e defendo, que essa liberdade, como todas as outras, tem limites legais e deve ser usada com bom senso, de forma responsável.
No caso presente, da crescente tensão entre o Ocidente e o islão, o meu apelo foi apenas dirigido ao bom senso: vamos contribuir para a escalada do conflito, deitando mais achas para a fogueira, ou é melhor evitar o agravamento e tentar todas as possibilidades de diálogo que existem? A minha opção, como ministro dos Negócios Estrangeiros de um país europeu, é a segunda, por ser a que melhor contribui para manter a paz e segurança internacionais;
2) Foi por alguns deturpada, por ser citada fora do contexto, a frase, que me é atribuída, de que "a culpa da crise actual entre o Ocidente e o islão é do Ocidente". Eu não disse isso.
O que eu disse - num conjunto de frases talvez demasiado longo para o espaço normalmente disponível na comunicação social - foi que, vista a crise actual do lado dos povos islâmicos, o Ocidente nunca deixou de os agredir. E citei, como exemplos, as Cruzadas (que para eles foram ontem), o colonialismo (que só acabou para muitos deles no século XX), as guerras de libertação (de que a mais violenta foi a do povo argelino com a França), a posição ocidental no conflito israelo-árabe, a intervenção militar no Iraque, e agora a questão dos cartoons (que a nós nos fazem rir, em regra, mas neste caso ofenderam tanto os muçulmanos que até o jornal dinamarquês que os publicou já pediu desculpas públicas pela ofensa cometida).
É claro que, no meio disto tudo, houve o aparecimento do terrorismo islâmico (que eu logo condenei) e a reacção imediata de derrube do regime taliban no Afeganistão (que eu logo apoiei).
O problema está em que a seguir veio a guerra do Iraque - para os que a lançaram, uma peça da estratégia antiterrorismo; para os muçulmanos (e não só), um perigoso desvio da luta contra o terrorismo internacional e uma ofensa do Ocidente aos povos islâmicos.
Em resumo: para os muçulmanos, o Ocidente é o único culpado ou, pelo menos, o principal culpado; para mim, o Ocidente também tem as suas culpas. E como somos mais ricos, mais poderosos militarmente, e temos mais a perder do que eles, se tudo isto levar a uma guerra de civilizações, entendo que devemos ser nós, os ocidentais, a tomar as primeiras iniciativas pacificadoras.
Não há muito mais a dizer depois deste esclarecimento. Não assisti às declarações originais de Freitas, nem às de ontem no Parlamento. Admito que, motivado pela sua religiosidade, possa ter tergiversado num ou noutro ponto (embora pelo menos isso demonstre que, sendo católico, trata as religiões da mesma forma, o que se comparado com algum fundamentalismo anti-muçulmano de origem católica de que tem sido vítima não seja mau de todo). Mas no que transcrevi Freitas do Amaral tem toda a razão. Acima de tudo creio que tem sido vítima de uma campanha de ataques constantes por parte de uma direita que não lhe perdoa.
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