Wednesday, March 22, 2006

A Revolta Francesa


A Revolta Francesa

"A única coisa que pode haver de comum com o Maio de 68 é a eterna propensão da França para as revoluções, em vez das reformas. Há 38 anos a revolta era libertária e individualista, queria outra sociedade, não a mesma. Hoje os jovens não querem nada de novo. Querem o que os seus pais tiveram. Ao Contrato Primeiro Emprego contrapõem o Contrato de Tempo Indefinido". Este é o resumo do artigo, "A França Precária", que Teresa de Sousa escreveu, na terça-feira, no Público.
Hoje, todos aqueles que se consideram filhos espirituais de uma "certa" cultura anglo-saxónica, que não é mais do que a sopa requentada do velho liberalismo económico, que foi procurar em Thatcher e Reagan a sua mais recente inspiração, têm por hábito desdenhar da França. Ainda ontem, Paulo Portas, no seu programa quinzenal na SIC Notícias, "O Estado da Arte", no mesmo estilo, afirmava que a França tinha inventado a guilhotina e o "terror". Mas não é isto que nos traz aqui. É aquela afirmação despudorada de alguém que, pelo seu passado esquerdista, se reconhece no Maio de 68, mas que hoje, bem instalada na vida, glosa as aspirações dos jovens franceses.
Esquece Teresa de Sousa que foi o capitalismo que mudou. Em 68, ainda estávamos nos anos dourados da economia capitalista, que tinha começado no pós-guerra e que se começaria a afundar na primeira grande crise do petróleo, em 1973. Uma das características desse Maio, para aqueles que estão lembrados, é que enquanto os estudantes exigiam "a imaginação ao poder", os assalariados entravam em greve geral, com ocupação das fábricas, para melhoria das suas condições de vida. Conseguiram um aumento salarial e o reconhecimento da secção sindical da empresa. Era um tempo em que ainda era possível absorver as reivindicações operárias e estabelecer contratos com os assalariados que permitiam a sua melhor integração no sistema. Pode-se mesmo afirmar que um dos objectivos dos estudantes do Maio de 68 era romper com o sistema, porque este tudo absorvia e normalizava, dada a sua capacidade de crescimento. Havia mesmo um teórico marxista da época, André Gorz, que falava em "reformismo revolucionário". Ou seja, simplificando, propunha reformas que não era possível serem absorvidas pelo sistema e cuja adopção pudessem provocar uma ruptura revolucionária. Algum PS ingénuo, quando chegou de Paris em 74, com as malas cheias de sonhos, ainda propôs para Portugal esta solução. Estou-me a lembrar de António Reis.
Presentemente, a situação é completamente diferente. Estamos em tempo de estagnação, o capitalismo já não é capaz do crescimento ilimitado dos "anos dourados" e o que propõe são as famosas reformas, que permitiriam o regresso à boa e velha exploração capitalista: Estado e direitos dos trabalhadores mínimos e exploração máxima. Hoje, o que se verifica é que o sistema dos "anos dourados" tenta resistir à velha desregulamentação capitalista. Por isso Teresa de Sousa, incapaz de compreender isto, faz aquelas afirmações.

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