Wednesday, January 31, 2007
Eu juro que só chamei a atenção para um carrot cake fora de prazo e depois começou tudo a correr mal
Pompidou
Um pedaço de Nova Iorque bem no coração de Paris. Projectado no rescaldo do Maio de 68 para ser um espaço de "hiperconsumismo cultural", o Centro Georges Pompidou foi inaugurado faz hoje 30 anos. Venham outros.
Tuesday, January 30, 2007
Reflexões sobre o Referendo II - A Concepção Nazi do “Não”
Têm alguns defensores do “não” defendido que, devido à cada vez menor taxa de natalidade, não tem sentido, neste momento, vir, segundo eles, facilitar a IVG, pois estaríamos a contribuir para a diminuição daquela taxa e em último caso a agravar o défice da Segurança Social, pois quantos menos novos trabalhadores entrarem no mercado de trabalho, menores recursos haverá para pagar aos que se irão reformar. Este argumento é mesmo apresentado até à exaustão, com outros exemplos de igual jaez.
Matilde de Sousa Franco, no debate que se realizou no dia 30 na SIC Notícias, chegou mesmo a afirmar que o aparecimento da legislação liberalizadora da IVG que foi aprovada no pós-guerra na grande maioria dos países da Europa Ocidental (empregou mesmo o termo”moda”) teve a ver com a crença dos economistas de que haveria, dado o “baby-boom” que se verificou a seguir àquele conflito, um acréscimo de população e que por isso era necessário fomentar a diminuição de partos. Hoje, como isso não se verifica, seria uma prova de grande civilização (termos da autora) fomentar novamente novos nascimentos. É evidente que esta afirmação não é verdadeira, porque a maioria das legislações europeias sobre a IVG vêm dos anos 70 e 80, quando a situação de taxa de natalidade elevada já não se verificava.
Mas, o que é mais espantoso nas afirmações dos defensores do “não”, é que sem se aperceberem estão a introduzir nas suas ditas reflexões humanistas a problemática aterradora do Estado forçar, pela penalização das mulheres que abortam, o aumento do número de nascituros. No fundo, consideram, tal como os nazis que incitavam as mulheres alemãs a terem mais filhos para lutarem pela Nação, que a função da mulher é ser poedeira para garantir aos mais velhos uma reforma tranquila.
Penso que o “sim”, ao não desmontar esta armadilha e ao não acusar de nazis os defensores de tais ideias, se tem colocado, quanto mim, numa posição defensiva.
Seria importante, com a divulgação das medidas nazis para implementar a natalidade das alemãs de raça pura, confrontar estas “senhoras”, que tão pressurosamente nos vêm recordar que as nossas reformas estão em causa se votarmos “sim”, com os ideais do nacional-socialismo.
Reflexões sobre o referendo I - A IVG e a Maternidade Consciente
Estamos aqui perante o politicamente correcto, ninguém foge ao tema e todos, com pequenas variantes, defendem o mesmo ponto de vista. Nenhuma mulher, ao contrário do que afirma Henrique Monteiro (do Expresso), voltou a defender que no seu corpo manda ela e as fotografias, que tanto escandalizaram no referendo anterior, de duas ou três mulheres em que aquelas palavras apareciam escritas nas suas barrigas, só têm voltado a ser publicadas por aqueles que querem contrapor ao destempero do não o radicalismo do sim.
Ora eu penso, que sendo verdades indesmentíveis as questões levantada pelo “sim”, aquilo que verdadeiramente está em causa na discussão sobre a IVG é a liberdade de opção da mulher, não para garantir que no seu corpo manda ela, mas se deseja ou não ter o filho que trás no ventre. Ninguém pode obrigar uma mulher a ser mãe do filho que, pelos motivos mais variados, não quer ter. A maternidade, mais até do que a paternidade, deve resultar de uma opção consciente da mulher. Só os filhos desejados é que são amados. Tudo o mais é terrorismo da Igreja e das suas concepções fundamentalistas sobre o que é a vida. Hoje a Igreja Católica com as suas opções doutrinárias extremamente sectárias, que por estranho que pareçam andam sempre à volta da sexualidade, está levando os católicos para becos sem saída e forçando-os a posições cada vez mais isoladas nas sociedades contemporâneas. Hoje, ao contrário do que diz o Cardeal Patriarca de Lisboa, as opções civilizacionais centram-se na liberdade de opção por uma maternidade consciente e não na defesa dessa concepção metafísica de que a “vida humana” se estende desde a concepção (junção do espermatozóide com o óvulo) até ao nascimento do novo ser.
Prometo não refazer a lista de links desta maneira
Just a white shark;
Space, time and relativity, with a ridiculous script;
This has everything: syrupy outbursts, uplifting nannies, dancing over flowery mountains, unctuous songs involving children;
Clichés harvest awards. Runners in old-time shorts. Oxford flummery. Flabby idealism. Rotten ending.»
(The Oxford Guide to Word Games, p. 131)
O melhor que consegui foi este par de ruínas gramaticais:
Gangster's only options: dying fast; end living life as schnook.
Blocked artist rationalizes, then offends nutcase. Faulkner is naturally killed.
A minha posição
O maior político português de sempre
...fala hoje no São Luís. Eu vou largar tudo, vou já para lá e espero ainda arranjar lugar.
Vou ao São Luís mas não tive tempo de ir ao segundo dia da defesa de tese do doutor do dia, a quem deixo aqui os parabéns. Mas sei que ele me perdoa.
Ó AAA, é preciso chegar a este ponto?
SMS anónimos levam a voto involuntário em Salazar
Maria Lopes
Produção do programa diz que é "uma forma de pirataria", mas o sistema só permite um voto por cada número de telefone
"Por favor ligue-me: 760102003." A mensagem, sem identificação do remetente ou qualquer outra informação além desta frase, anda a ser enviada há alguns dias para inúmeros telemóveis. Quem responde ao apelo apercebe-se, três segundos depois, que acaba de votar em António de Oliveira Salazar no âmbito do programa da RTP Os Grandes Portugueses.
Monday, January 29, 2007
Supermercados contra a inflação
Um minuto
«Contou, em muito pormenor, a história do beijo e, um minuto passado, já se calava... Num minuto pôde contar tudo, e ficou terrivelmente espantado por ter precisado de tão pouco tempo. Parecia-lhe que podia falar daquele beijo até ao amanhecer.»
(«O Beijo», na tradução de Nina e Filipe Guerra. Chekhov nasceu a 29 de Janeiro de 1860)
The Maple Leaf Conspiracy
Desde o início do ano, três pessoas diferentes, em três ocasiões diferentes, e por três motivos aparentemente diferentes, perguntaram-me se eu era canadiano.
(Em 2004, tive a oportunidade, nunca formulada em termos concretos, de me mudar para o Canadá. Uma das pessoas com quem comentei a hipótese foi um antigo professor, natural de Liverpool, que reagiu com cepticismo, e me deixou a seguinte advertência: «Have you noticed that no one ever says anything bad about Canada? No one. Ever. That surely is evidence of a conspiracy of massive proportions.»)
Sunday, January 28, 2007
Roger e os gnomos amestrados
Os motivos geográficos são auto-explanatórios; os emocionais são estes: Murray tem a personalidade mais interessante do ténis actual. Depois da década de sublimação da mediocridade que foi o bafiento reinado de Tim Henman (esse Kevin Costner das raquetes) Murray foi a melhor coisa que poderia ter acontecido à Grã-Bretanha - uma espécie de bálsamo em reverso, fazendo o oposto de tudo o que um bálsamo deve fazer.
Por temperamento e por experiência, sou um céptico quanto à existência real de identidades nacionais, mas tenho de admitir que a feroz Scottishness de Murray é a chave desse interesse: o equilíbrio precário entre self-love e self-loathing, as puras reacções de menino mimado (a rábula da lesão dorsal no segundo set contra Nadal é uma performance que ele repete ciclicamente, sempre que está a perder), e um instinto auto-destrutivo que parece, infelizmente, estar a ser cerceado. Em 2006, duas semanas antes de Wimbledon, onde iria jogar perante uma plateia sedenta de um ídolo local sem chispes de argila, Murray informou casualmente um jornalista que ira torcer por todas as equipas que jogassem contra Inglaterra no Mundial. Três milhões de escoceses aplaudiram furiosamente, mas o rapport com as multidões de Wimbledon nunca mais foi o mesmo.
Mas agora, o manto diáfano das Relações Públicas parece ter sido estendido sobre a sua cabecinha quente; Murray comporta-se - nas conferências de imprensa, pelo menos - como alguém submetido a uma cura intensiva de chás e xaropes. Conseguiu até exibir alguma graciosidade na derrota, algo que - chamem-me sentimental - é a última coisa que eu quero ver num atleta profissional. O mínimo que se exige é que insultem genericamente a Humanidade depois do match point e se recusem a falar ou a apertar a mão ao adversário, mostrando às câmaras apenas um par de olhos vermelhos. (No melhor dos mundos possíveis, o derrotado nas finais do Grand Slam arrebataria o troféu das mãos do organizador e fugiria na direcção dos balneários gritando "You'll never catch me alive!")
Há quem diga que Murray precisa de canalizar a sua agressividade. Há quem diga que Murray precisa de um treinador diferente. Há quem diga que Murray precisa de mais chá e mais xaropes. Pessoalmente, acho que Murray precisa de menos pessoas a dizerem-lhe o que ele precisa, e de soltar o hooligan de Glasgow dentro de si. Apesar de ser tecnicamente muito bom, nunca será o nº1; mas caso não cometa o erro de se civilizar, pode ser o top-ten mais entusiasmante dos últimos anos.
No lado oposto do espectro está Federer, que parece cada vez mais jogar com o auxílio de dois gnomos invisíveis, um em cada metade do court. Aqueles forehands a pingar, que mudam de trajectória três centímetros antes da linha, são altamente perturbantes, de um ponto de vista metafísico. No séc. XXI é possível aplicar-lhes úteis e giríssimos gráficos computorizados, e explicar tudo de forma a que até os leigos consigam entender o que se passa, mas não tenho dúvidas de que há quinhentos anos atrás, o Suiço seria queimado numa gigantesca fogueira. A plateia entoraria em coro "Burn, witch, burn" enquanto a camada exterior de cera derreteria lentamente, até não restar nada sobre a pilha de carvões fumegantes a não ser um inexpugnável coraçãozinho metálico, com a inscrição SADI CARNOT, Inc.
Dois comentários espontâneos ajudaram a definir com precisão o que foi o Open. Primeiro, a eloquente sinopse teológica que Roddick fez da situação, no 3º set das meias-finais, depois de ter sido escrupulosamente demolido na meia-hora de ténis mais sobrenatural que eu vi na minha vida: «Goddamn everything, it's all God damn it».
O outro foi fornecido por um comentador da BBC durante a final, quando o ombro de um cabisbaixo González era massajado pelo seu treinador: «Oh, he looks, uh, González there, looking very uncomfortable with some sort of, uh, discomfort».
O desconfortável desconforto do resto da Espécie, perante a anomalia não-transpirante, gelidamente sentada na outra cadeira.
Depoimento de Jorge Sampaio sobre o referendo
Lido no encontro Eurodeputad@s pelo SIM, em 28/1/2007
No próximo referendo, o que está em causa é um problema de política criminal do Estado democrático. Ou seja, trata-se, em primeira linha, de um problema de Código Penal, um problema de previsão e definição de crimes e de penas.
O que sucede, é que as normas penais em vigor consideram que, salvo algumas excepções já previstas, uma mulher que interrompa voluntariamente uma gravidez até às dez semanas num estabelecimento hospitalar está a cometer um crime e, como tal, deve ser perseguida, condenada e enviada eventualmente para a prisão.
Mas há alguém que no século XXI e na Europa possa conscientemente pretender que, numa sociedade com os nossos valores, a nossa cultura, os nossos princípios e as nossas práticas sociais, uma mulher que interrompa a gravidez naquelas circunstâncias tão precisas e delimitadas é, por esse facto, uma criminosa e que o Estado a deve perseguir penalmente, a deve julgar, a deve condenar e eventualmente enviar para a prisão?
Todavia, é isto que o nosso Código penal, salvaguardadas as excepções já previstas, ainda hoje faz. Por isso é que as normas penais actualmente em vigor nos deixam, a propósito, isolados na Europa a que pertencemos e dão do Estado português, a propósito, a ideia de um Estado retrógrado, injusto, cruel e desumano.
Por demasiadas vezes esta questão tem sido distorcida, procurando-se deixar subrepticiamente a impressão de que aquilo que se coloca à apreciação e decisão dos cidadãos é algo completamente diferente.
Mas não se trata de qualquer discussão complexa e interminável sobre o sentido da vida, sobre o início da vida humana, sobre a natureza da vida intra-uterina, sobre a existência ou inexistência, a propósito, de pretensos ou reais conflitos entre direitos humanos ou direitos fundamentais.
Sobre cada uma destas questões, todas respeitáveis e dignas de discussão, cada um de nós já formou, ou virá a formar, as suas próprias dúvidas ou convicções, as suas próprias opiniões ou sentimentos pessoais de natureza moral, filosófica, religiosa ou política. Esse é um problema de cada pessoa ou de cada grupo particular, constituindo uma zona de reserva íntima ou de convicção pessoal que o Estado de Direito democrático não deve invadir.
Não cabe ao Estado democrático aderir, professar ou defender, a propósito, uma singular ou particular concepção moral, filosófica, ou religiosa. Nem, consequentemente, cabe ao Estado democrático inquirir os cidadãos sobre as concepções que cada um sustenta neste domínio.
Portanto, e definitivamente, por mais que alguns pretendam continuar a confundir, manipular e distorcer sobre o que está em causa neste referendo, que fique claro que não é nada disto que se trata.
Por isso nesta consulta popular a única questão a decidir é saber se, sim ou não, uma mulher que interrompa voluntariamente a gravidez nas primeiras dez semanas em estabelecimento autorizado deve ou não ser penalmente perseguida, julgada, condenada e eventualmente enviada para a prisão. SIM ou NÃO!
A Economia que não lhes interessa
Ao fim do dia, pelas 20:00, já não se encontra o Público na referida sala. Julgava que fosse recolhido para a reciclagem, mas isso poderia ser feito no dia seguinte. Provavelmente ao fim do dia alguém - investigador, contínuo, secretária, não sei - leva o jornal para o ler, depois de ter estado disponível durante todo o dia. Não leva, porém, todo o jornal. Às sextas feiras, o jornal traz muitos suplementos e tem muito que ler. Se se quer ler o corpo principal do jornal, o Mil Folhas ou o Y, tem de se ir durante o dia. Mas há um suplemento que é sempre sistematicamente deixado por quem leva o jornal na sexta à noite, ficando ali esquecido durante o fim de semana. Refiro-me à Dia D. Desculpem; enganei-me na hiperligação: é aqui.
Friday, January 26, 2007
Jay Leno e as "lojas de chineses"
Um pormenor elucidativo ainda estava para vir. Houve uma altura em que o Jay Leno apontou um erro ortográfico crasso num brinquedo para miúdos de muito tenra idade. De seguida acrescentou “fortunately at this stage children can’t read”, ou seja, felizmente as crianças que supostamente utilizariam o brinquedo ainda não tinham idade para ler. Sabem qual foi a tradução na legendagem? “Felizmente os miúdos hoje em dia são uns analfabetos”!!!
Entre os responsáveis pela legendagem deve haver algum militante do PNR.
(PS – And now, for something completely different: quem terá sido a cabecinha que teve a ideia de programar o Jay Leno e o Conan O’Brien exactamente à mesma hora, em dois canais temáticos da SIC – SIC Mulher e SIC Radical, que deveriam ser complementares e não estar em concorrência directa -, sabendo que o público alvo de ambos os programas, nos EUA e ainda mais em Portugal, é exactamente o mesmo? Vamos corrigir isso?)
Publicado originalmente no Cinco Dias.
Senhora dos Prazeres
No passado sábado teve lugar em Beja mais um concerto da série TERRAS SEM SOMBRA, de que já aqui falámos.
João Paulo Janeiro interpretou músicaIbérica do Maneirismo ao Pós-Barroco, em cravo e clavicórdio.
O concerto decorreu na recém restaurada igreja da Nossa Senhora dos Prazeres cujo delicioso tecto podem ver a encimar este "post".
Thursday, January 25, 2007
Os Meus Professores
“Uma valente cacetada nas trombas”
«quem estiver por perto deve assestar-lhe uma valente cacetada nas trombas com qualquer coisa que tenha à mão e enchê-lo de alcatrão e penas.»Quem ler, de repente, nem acredita que é este o blogue que, há uns meses, chamava “bárbaros” aos estudantes parisienses que protestavam contra o CPE. São “coisas”... “Há dias assim...”, pois há. É o que dá quando o caricaturista de serviço tenta escrever alguma coisa - revela-se a verdadeira face da direita trauliteira.
Uma vez regressado do retiro espiritual, o supranumerário Azevedo Alves volta a pôr a ordem na casa. E logo com um texto dos mais ilustrativos da hipocrisia do moralismo beato. O Nuno Ramos de Almeida não tem nada (que eu saiba) a ver com o “Sim no referendo”, e não apela ao voto em nenhum candidato a “Grande Português” – só revelou o seu sentido de voto. O André Azevedo Alves divide a sua actividade bloguística entre fazer campanha pelo Salazar como “Grande Português” (no Insurgente) e pelo “não” à despenalização da IVG. Aplicando – com muito mais propriedade – a sua lógica, será que no Blogue do Não não se incomodam de contar com o contributo de um salazarista?
Wednesday, January 24, 2007
Hoje ouve-se
Lost in a Roman wilderness of pain
And all the children are insane
All the children are insane
Waiting for the s...
for the s...
for the s...
- The Doors, «The End», The Doors (1967)
(Quando tinha 13 anos, no auge da minha curta enfatuação com os Doors, o filme de Oliver Stone estreou na RTP. Por motivos que não recordo, e que não vêm ao caso, passei essa noite em casa dos meus avós, e consegui, graças a uma combinação de feroz diplomacia e despudorada chantagem emocional, negociar uma inédita sessão televisiva nocturna.
PORQUE SIM !
Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo SIM
Rua Duque de Palmela, nº 2, 3º
1250-098Lisboa
Está tudo no nome
Babelfish 0.0, to studious youth
(The Oxford Guide to Word Games, p. 178)
As telenovelas e o aborto
Convém recordar – eu recordo-me – que, há exactamente oito anos, por altura do outro referendo, estava em exibição uma outra telenovela do mesmo autor, “Por Amor”, na qual o tema do aborto também era retratado, então de uma forma ainda mais forte. A personagem então decide fazer um aborto, e tem de ouvir a censura de todos os seus familiares, amigos e vizinhos, pois o que ela ia fazer era um “pecado”. Isto em horário nobre, exactamente no período da campanha. Convém estar atento a estes casos.
Tuesday, January 23, 2007
Páginas da vida emocionam Portugal
Se vir um espaço topológico bi-dimensional compacto, não-orientável e conexo - não beba
(O estalajadeiro do Corstorphine Inn, em Edimburgo, mantinha uma garrafa de Klein oculta atrás do balcão para afugentar fregueses que não sabiam quando parar de beber. A garrafa só era utilizada em casos extremos, depois de a campaínha ter soado. O freguês aproximava-se do balcão, cambaleante, exigindo uma última rodada, para o caminho, para os seus amigos invisíveis, em nome da pátria, em nome dos velhos tempos. O estalajadeiro pedia-lhe educadamente que saísse do estabelecimento. O freguês recusava e tornava-se truculento. A garrafa de Klein era então prestidigitadamente produzida da sua prateleira secreta e colocada em cima do balcão; o estalajadeiro dizia "todos os copos estão sujos" deixando a ameaça matemática implícita na frase a pairar, e a sua consequência lógica materializar-se no cérebro confuso do freguês que não sabia quando parar de beber.
Vi isto acontecer inúmeras vezes.)
Monday, January 22, 2007
Para memória futura
Para quê ?
Talvez eu ainda não me tenha conformado com a falta de seriedade nascida da falta de ideias, talvez eu ainda acredite que a esquerda devia mesmo exibir uma forma qualquer de "superioridade moral", talvez eu ainda não tenha desistido de ter esperança numa nova vaga mesmo nova ...
Mário Soares apresentou ontem o seu programa eleitoral, começando por se demarcar, contra os que, por "messianismo revanchista" da direita, "reclamam abertamente a subversão do regime constitucional". Soares defendeu que o regime semipresidencial "não está esgotado", ainda que possa ser "aperfeiçoado e aprofundado". Foi neste quadro de estabilidade de regime que Soares afirmou o que quer quanto à outra estabilidade, a política. Para, aqui, marcar uma diferença em relação àquele que pareceu eleger, ao longo da intervenção, como principal adversário: Cavaco Silva. Porque, disse Soares, quer "estabilidade política e concertação social" e uma "modernização feita sem convulsões". Ou seja, "estabilidade, mas não a qualquer preço".
Mário Soares, DN 26/10/2005
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Confrontado com declarações suas em que chamava a atenção para os riscos que uma vitória de Cavaco traria para o regime político, Alegre desdramatizou esses riscos - "Acho que ele [Cavaco] se vai portar bem" - e insurgiu-se contra o que chamou de "diabolização" do adversário social-democrata, que considerou "uma pessoa séria e íntregra, mas crispado, que tende a crispar a vida política" e que "tem uma tendência para se cingir apenas aos problemas económicos". No entanto, Alegre acabaria por reconhecer que "se ele [Cavaco] for eleito, e com certo tipo de apoiantes que tem (...), pode haver alguma tentação presidencialista".
Manuel Alegre, DN 08/11/2005
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O candidato presidencial apoiado pelo PS lembrou que já esteve no estrangeiro em contacto com comunidades portuguesas, e constatou que agora também Cavaco vai estar fora do País, "o que lhe permite continuar numa posição de não fazer pré-campanha. É uma posição que lhe agrada certamente, mas vai-se tornando uma espécie de candidato-esfinge".
Mário Soares, DN 11/11/2005
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"A democracia pode ser empobrecida e mutilada, caso se verifique uma vitória de Cavaco com estes apoios." Os apoios a que o líder comunista e candidato presidencial do PCP se referia são os "grandes grupos económicos", nomeadamente banqueiros, que apoiam o antigo governante.
"Torna-se cada vez mais claro o seu projecto de uso da Presidência da República para uma intervenção executiva ao arrepio dos limites constitucionais", disse. O líder explicou mesmo que esta candidatura foi "encenada e preparada (...) pelos sectores mais à direita da sociedade." E irónico "Creio que a decisão de se candidatar não foi tomada, na sua casa, com a família. "
Jerónimo de Sousa, DN 12/11/2005
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"Dou a voz a Cavaco Silva, que ele agora não quer falar 'Como é que nos vemos livres deles? Reformá-los não resolve o problema, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e, portanto, diminuiu também a receita do IRS. Só resta esperar que acabem por morrer.' Cavaco Silva, 2 de Março de 2002." A citação do antigo governante, numa conferência na Faculdade de Economia do Porto, foi feita com ênfase por Louçã. Que, no seu discurso, haveria de repetir até à exaustão o "deixá-los morrer" como a solução preconizada pelo "candidato da direita" para o problema da função pública. A plateia, onde se sentavam cerca de uma centena de apoiantes, reagiu ao nome do ex- -primeiro-ministro com apupos e assobios.
Francisco Louçã, DN 13/11/2005
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"Não dormirei descansado com uma vitória de Cavaco Silva", disse ontem, no Funchal, Jerónimo de Sousa horas antes de se reunir num jantar com apoiantes da sua candidatura.
...
O que preocupa o PCP "são as dinâmicas e os apoios do grande capital financeiro, especulativo e imobiliário, reunidos em torno de Cavaco Silva e que comportam objectivos que colidem com o actual projecto constitucional", designadamente, "sectores ultra neo-liberais" que poderão "condicionar e conduzir Cavaco Silva para uma intervenção que não corresponde àquilo que a nossa Constituição refere".
Jerónimo de Sousa, DN 19/11/2005
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Jerónimo de Sousa foi ontem ao Alentejo tentar convencer a população de Mora de que Cavaco Silva "não pode" chegar a Presidente da República, sob pena da sua eleição "desvalorizar, empobrecer e mutilar" a Constituição portuguesa, como alegadamente pretende "o grande capital" que apoia o candidato da direita a Belém.
Jerónimo de Sousa, DN 20/11/2005
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Jerónimo de Sousa acusou a direita de querer apropriar-se da Presidência da República através da candidatura de Cavaco Silva. Num almoço, ontem, com centenas de apoiantes no Bairro Alentejano, concelho de Palmela, o candidato do PCP afirmou que "a direita política e dos interesses económicos joga na vitória da candidatura de Cavaco Silva a possibilidade de, finalmente, fazer um ajuste de contas com o que resta de Abril, com o que resta de transformação e realização de Abril".
Jerónimo de Sousa, DN 21/11/2005
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Curiosamente, viria a congratular-se com a reacção do candidato apoiado pela CDU, sublinhando que Jerónimo de Sousa tem "toda a razão", quando diz que "ele e os trabalhadores não dormirão descansados, porque se lembravam do que aconteceu no passado. Eu também não dormirei e quero dizer aqui que estou de acordo com ele", sublinhou, ouvindo um dos aplausos mais efusivos da tarde, superado apenas pelo momento em que se mostrou convicto da vitória nas eleições.Soares começou por desvalorizar as sondagens, revelando não se preocupar "com as boas, nem com as menos boas". Disse que continua no seu caminho, alegando que quem vai elegê-lo "é o povo português e não as sondagens, nem a comunicação social". Mais à frente, Soares fez uma confidência - assim a adjectivou - aos jovens presentes, "para ficar entre nós e para dizerem aos vossos amigos. É que sem dúvida, eu não tenho dúvida nenhuma que vou ganhar esta eleição e que vou voltar a ser Presidente da República de Portugal."
Mário Soraes, DN 24/11/2005
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Soares considera que Cavaco Silva é um "homem com talento e grande conhecimento das coisas económicas", mas falta-lhe "sensibilidade social para defender os direitos, garantias e liberdades dos portugueses num momento em que isso possa estar em causa". Lembrou a propósito que, quando Presidente da República, ouviu de Cavaco queixas contra uma greve geral que então qualificava como "força de bloqueio", para frisar que, já nessa altura, teve que alertar o ex-chefe do Governo para o facto de a greve ser um direito constitucional.
Mário Soraes, DN 26/11/2005
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O candidato a Presidente da República Manuel Alegre desafiou ontem Cavaco Silva a explicar o que entende por "cooperação estratégica", acusando-o de, quando foi primeiro-ministro, ter "investido na teoria das forças do bloqueio". "Quando foi primeiro-ministro investiu na teoria das forças de bloqueio e hoje defende uma coisa estranha, a 'cooperação estratégica'", afirmou em Coimbra. Ao discursar durante um almoço com apoiantes, Manuel Alegre sublinhou que deve haver "uma cooperação institucional" entre os órgãos de soberania e que o Presidente da República "é o comandante supremo das Forças Armadas e não o comandante supremo do regime".
Manuel Alegre, DN 27/11/2005
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O candidato presidencial Jerónimo de Sousa exortou ontem os seus apoiantes a concentrarem-se na primeira volta e comparou o seu concorrente Cavaco Silva ao "macaco sábio, que não vê, não ouve e não fala" mas tira partido do silêncio.
Jerónimo de Sousa, DN 28/11/2005
Um ano pouco picante
Significa isto que me estarei a render ao cavaquismo, exactamente um ano após a sua eleição, devido talvez a um primeiro ano de mandato que tem sido notoriamente pouco picante (deve ter sido cozinhado pela Maria)? Nem pensem nisso. Durante entrevistas na visita à Índia, Cavaco deixou bem claro que continua a pôr o crescimento económico e a criação de riqueza à frente de qualquer outra meta, pouco ou nada se importando com a justeza da distribuição dessa riqueza. Sobretudo falou na “alta produtividade” dos cidadãos indianos, e de como para isso contribuía uma lei segundo a qual os feriados eram celebrados numa data móvel, próxima do fim de semana, “tal como em Inglaterra”. E, obviamente, tal como ele tinha querido fazer durante um dos seus governos, e “não o tinham deixado”. Quinze anos passaram, e ele não se esquece. Não se iludam. O Prof. Cavaco continua a ser ele, e só ele, a saber o que é bom para o país. O Prof. Cavaco quer acabar agora tudo o que não acabou enquanto primeiro-ministro. Dias mais picantes virão.
Sunday, January 21, 2007
Antes do arco-íris
«This then, I thought, is the representation of history. It requires a falsification of perspective. We, the survivors, see everything from above, see everything at once, and still we do not know how it was.»
(W. G. Sebald, The Rings of Saturn)
A partir de que distância é possível discernir um padrão na desordem? Que porção do caos devemos levar em conta nessa análise? E a esporádica berlaitada psicadélica, ajuda?
Quarenta anos e cinco romances depois, um padrão começa a ser identificável na sua obra, cujo impulso central parece ter sido o elaborar de uma cripto-história da humanidade desde a Revolução Industrial. Pynchon sempre dedicou uma atenção especial aos espaços em branco no espectro oficial da Verdade, aos vácuos nas cronologias, às convulsões invisíveis que sacodem as mudanças de paradigma, e onde costumam florescer os mitos urbanos e as teorias da conspiração; não há muita obsessão subterrânea que não lhe tenha merecido algum tempo de antena, desde a colónia de crocodilos nos esgotos de Nova Iorque, à supressão de uma lâmpada perpétua pela Phillips, passando por genocídios secretos e serviços postais alternativos. O novo livro leva essa cosmologia paranóica até às últimas consequências, com resultados ocasionalmente hilariantes:
«'Back before the beggining of all, when they were designing the World -'
'They?'
'They.'»
Mas Against the Day é também uma tentativa de diagnosticar a doença de Stencil (funcionando nesse aspecto, como uma prequela de Gravity's Rainbow, que dramatiza os seus efeitos), um diagnóstico que aspira a uma obsessiva totalidade e a cujo escrutínio narrativo nada - realidade ou lenda, facto ou mito - parece escapar.
O que acontece, e vamos tentar manter as coisas simples, é isto: Webb Traverse, líder sindical dos mineiros do Colorado, anarquista e patriarca, é assassinado por dois rufiões ao serviço de Scarsdale Vibe, um plutocrata satânico e um digno representante da not quite mitológica raça dos Robber Barons que ajudaram a construir a América. A problemática filha de Webb, Lake Traverse, apaixona-se por um dos assassinos, enquanto os três filhos reagem à tragédia de maneiras diferentes: Reef jura vingança e percorre o planeta, primeiro no encalço dos dois assassinos, e depois perseguindo troféus de ordens diferentes; Frank, cujos desejos de retribuição são mais diluídos, atravessa a fronteira mexicana, onde se envolve, quase por acidente, na revolução de Madero (Pancho Villa faz uma curta aparição); Kit, um prodígio intelectual, e o mais novo dos irmãos, faz um pacto faustiano com Vibe, que se oferece para financiar a sua educação superior - primeiro em Yale e posteriormente em Göttingen, onde conhece a irresistível matemática Yashmeen Halfcourt, ex-aluna de Riemann, e que é capaz de se bifurcar e deslocar através do tempo e do espaço. Em paralelo, vamos seguindo as peripécias dos Chumps of Chance, um grupo de aventureiros saídos - literalmente - de uma colecção de livros juvenis, que se desloca numa gigantesca aeronave movida a hidrogénio (cujo tamanho vai aumentando gradualmente), recebendo instruções de um obscuro e quase-omnisciente consórtio, e interferindo aqui e ali nos assuntos terrenos, ora seguindo o rasto a uma arma ultra-poderosa que pode ou não ter sido desenhada por Nikola Tesla, ora experimentando uma máquina do tempo que pode ou não já ter sido usada, ora procurando, com a ajuda de um insólito mapa tri-dimensional, a mítica cidade de Shambhala, que pode ou não ocultar-se debaixo das areias de um deserto asiático, e que pode ou não conter reservas inesgotáveis de petróleo, ou o segredo da vida eterna.
Na segunda metade do livro, as coisas complicam-se. Grande parte dos personagens parte para uma Europa que vacila no limiar de uma catástrofe sem precedentes; as premonições vão-se acumulando:
«What was about to emerge from the night, just behind the curve of the Earth?. . . a persistent component of black in all light that swept this lowland, flowing over dead cities, mirror-still canals. . . black shadows, tempest and visitation, prophecy, madness. . .»
Algumas páginas depois, sobrevoando os campos da Flandres, um visitante do futuro deixa o seguinte aviso:
«This world you take to be 'the' world will die, and descend into Hell, and all history after that will belong properly to the history of Hell. (. . .) Flanders will be the mass grave of History. (. . .) On a scale that has never yet been imagined. Not some religious painting in a cathedral, not Bosch, or Brueghel, but this, what you see, the great plain, turned over and harrowed, all that lies below brought to the surface - deliberately flooded, not the sea come to claim its due but the human counterpart to that same utter absence of mercy - for not a village wall will be left standing. League on league of filth, corpses by the uncounted thousands, the breath you took for granted become corrosive and death-giving.»
Os reencontros fortuitos vão-se multiplicando; personagens que se tinham visto pela última vez nas cavernas do México cruzam-se nas selvas de África; amantes separados em Nova Iorque reunem-se nas ruas de Trieste. A locução mais frequente nesta secção é "who should then appear but". Os desenvolvimentos teóricos da época vão sendo mencionados e trabalhados, sempre de um modo relativamente leigo-friendly: os primórdios do cinema, a teoria do Éter Luminífero, o debate matemático entre Vectoristas e Quaternionistas (a única secção onde, confesso, me perdi), pesquisas sobre o Espato da Islândia, uma variante da calcite com invulgares propriedades de refracção, e cuja capacidade para duplicar a realidade é um pouco mais do que metafórica. Abundam também longas tiradas sobre o Tempo («our fate, our lord, our destroyer») que cumpre a mesma função estruturante já familiar de livros anteriores (a entropia em V., as leis de causa e efeito em GR, a linguagem binária em Vineland e a cartografia em Mason & Dixon).
Mas é o estilo, como sempre em Pynchon, que acaba por ser a personagem principal. Tal como em V., o modo básico de narração é o pastiche, mas um pastiche modulado e filtrado pela inconfundível voz do autor, de forma que é quase impossível encontrar um parágrafo que não seja imediatamente identificável como seu. O zodíaco referencial continua imenso; num excelente ensaio, John Clute tenta ancorar o trabalho numa certa tradição da Ficção Científica, que remonta às distopias de William Morris e cujo expoente máximo é Michael Moorcock (cuja obra desconheço). De qualquer forma, a interpretação é redutora. Against the Day contém alusões literárias em número suficiente para obcecar académicos durante décadas. Uma primeira leitura permitiu identificar piscadelas de olho ao Hamlet e ao Fausto de Marlowe, a Dante e a Le Carré, B. Traven e Evelyn Waugh, Ronald Firbank e Mark Twain, Henry Adams e Júlio Verne, Raymond Chandler e Ridder Haggard, William Burroughs e Enid Blyton, Charles Dickens e Alan Moore. Há também alusões cinéfilas a John Ford, Howard Hawks e aos irmãos Marx; uma piada horrenda envolvendo o Titanic; uma série de variações já familiares sobre o Roadrunner e o Coyote (incluindo uma fantástica perseguição através de uma fábrica de maionese na Bélgica); e uma bizarra e inesperada homenagem a Dune que me pareceu dever mais ao incoerente filme de Lynch do que ao impenetrável livro de Frank Herbert.
Alguns críticos atribuíram uma relevância inquinada aos aspectos mais esotéricos deste Universo hiper-ligado, como se Pynchon, na sua velhice, se tivesse convertido ao charlatanismo New Age da malta dos cristais. Mas Pynchon, e isto não é uma opinião, mas um facto indesmentível, sabe mais sobre ciência do que qualquer outro escritor vivo, e sabe o suficiente para compreender que qualquer avanço mais brusco pode parecer momentaneamente um acto de magia. Para uma geração cuja educação foi solidamente fundada sobre a Rocha das leis Newtonianas, os primeiros passos na direcção da Teoria da Relatividade devem ter soado alguns ecos preocupantemente sobrenaturais.
O resto - fantasmas, profecias, horóscopos, e um fascínio com o Tarot que vem de longe - é puro xamanismo literário, testando a elasticidade das convenções do Realismo sem sufocar a linha narrativa, como acontece em certos descendentes menores da Escola Sul-Americana e bastardos pouco talentosos de Garcia Márquez.
É a mesma lógica que regula a criação das suas personagens, tantas vezes denegridas (stand up Kakutani) como meros cartoons. As falhas de caracterização inspiram um ressentimento crítico ainda maior porque os enredos de Pynchon, ao contrário dos jogos meta-ficcionais dos seus contemporâneos Barthelme, Coover e Gardner, por exemplo, vêm camuflados de Naturalismo. Mas a sua ficção não se esgota no aprofundamento psicológico: há outros imperativos. O tratamento que Pynchon dá aos seus protagonistas está a meio-caminho entre a rédea solta dos grandes romances Vitorianos e as grilhetas do pós-modernismo: é um despotismo iluminado, que lhes permite uma certa amplitude dentro da grelha de intenções do autor.
Intenções que, surpreendentemente, devem muito ao Puritanismo dos seus antepassados e a um posicionamento político algo ambíguo. Dados alguns elementos recorrentes na sua obra (um feroz tom anti-capitalista e uma empatia desmesurada com os desenfranchizados, etc.) tem sido tentador para alguns enquadrá-lo num enclave ideológico de esquerda. Mas Pynchon, mais do que um liberal de Long Island ou um velho hippie, é um libertário Calvinista, cuja fanática desconfiança em relação à Autoridade e descrença em qualquer forma de progresso social é contra-balançada por uma fé inabalável no Indivíduo e num estranho tipo de salvação arbitrária, uma relíquia da desesperada doutrina Calvinista da Predestinação, na qual a Salvação é uma lotaria e Deus uma gigantesca tômbola extraindo almas ao caos giratório.
Os desejos utópicos não resistem ao pessimismo de quem suspeita que a Utopia já existiu e foi irremediavelmente arruinada. Yashmeen, a dada altura, diz que viajar no tempo é uma forma falhada de utopianismo. A tendência geral desta mundivisão é para uma idealização excessiva do Passado, mas no caso de Pynchon serve para trazer à tona o seu melhor; os picos da sua escrita encontram-se naquelas prolongadas cadências, exprimindo a visão elegíaca de um ontem irrecuperável.
É uma escrita de uma intensidade quase religiosa - no melhor sentido do termo - em que todos os contratos seculares entre leitor e autor são meticulosamente rasgados. Existe, contudo, uma promessa maior: a promessa de que a Arte é a única oportunidade redentora para os que esbracejam à ilharga da História, os não-seleccionados, os Preteridos; a ideia Conradiana de que a Literatura pode e deve ser uma tentativa de distribuir a melhor justiça possível pelo Universo visível. A enorme cidade flutuante das últimas páginas, na qual «every wish, if not granted, is at least addressed», e na qual habitam os personagens arbitrariamente escolhidos pelo Autor - os Chumps of Chance, que pertencem a ficções dentro da ficção, que nunca envelhecem, e que se casam todos na mesma página, como no final de uma comédia Shakespeareana - é o símbolo visível dessa promessa, triunfantemente cumprida. Aos outros, os sobreviventes da débacle, algemados à Terra, resta-lhe a Paris do pós-guerra e uma trégua fugaz antes de Gravity's Rainbow.
Saturday, January 20, 2007
Pynchon & Jazz
V. (1963)
« 'Crazy', said McClintic... But one thing that did occur to him was if a computer's brain could go flip and flop, why so could a musician's. As long as you were flop, everything was cool. But where did the trigger-pulse come from to make you flip? (...) What happened after the war? That war, the world flipped. But come '45, and they flopped. Here in the jazz bars of Harlem they flopped. Everything got cool. . .»
The Crying of Lot 49 (1967)
«Each couple on the floor danced whatever was in the fellow's head: tango, two-step, bossa nova, slop. But how long, Oedipa thought, could it go on before collisions became a serious hindrance? There would have to be collisions. The only alternative was some unthinkable order of music, many rhythms, all keys at once, a choreography in which each couple meshed easy, predestined. (...) She was danced for half an hour before, by mysterious consensus, everybody took a break, without having felt any touch but the touch of her partner . . . an anarchist miracle.»
Mason & Dixon (1997)
« "'Tis ever the sign of Revolutionary times, that Street-Airs become Hymns, and Roist'ring-Songs Anthems,-- just as Plato fear'd,-- hast heard the Negro Musick, the flatted Fifths, the vocal portamenti,-- 'tis there sings your Revolution. These late ten American years were but Slaughter of this sort and that. Now begins your true Inversion of the World."
"Don't know, Coz. Much of your Faith seems invested in the novel Musick,--"
"Where better?" »
Against the Day (2006)
«"... I’ve noticed the same thing when your band plays — the most amazing social coherence, as if you all shared the same brain."
"Sure," agreed ‘Dope’, "but you can’t call that organization."
"What do you call it?"
"Jazz."»
Friday, January 19, 2007
"Ugly Betty" ou "Betty La Fea"?
Na mesma semana em que o senador democrata afro-americano Barack Obama anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais de 2008, uma produção de origem sul-americana conquista os Globos de Ouro. Indícios de uma América mais atenta às suas minorias, que no futuro próximo não serão minoritárias. De uma América necessariamente com uma menor preponderância branca, anglo-saxónica e protestante. De uma América melhor.
Publicado originalmente no Cinco Dias.
Thursday, January 18, 2007
Terceira Epístola aos Coríntios
I've written to you twice now. No reply. I don't know what it's like in Corinth, but where I come from, that's just rude.
Sincerely,
Paul
(Graçola improvisada por Frankie Boyle, um génio cómico escocês)
Comentários versão beta - aviso importante
As utilidades da migração para a versão beta deste blogue vão ficando disponíveis. É o caso da lista de marcadores, na coluna da esquerda, para melhor identificar as entradas, que tem sido aplicada às entradas recentes e foi entretanto sendo aplicada às entradas mais antigas.
O acto sexual é para ter filhos
Agora que temos novo referendo sobre a IVG aí vai o poema de Natália Correia para recordarmos...
«O acto sexual é para ter filhos» - disse na Assembleia da República, no dia 3 de Abril de 1982, o então deputado do CDS João Morgado num debate sobre a legalização do aborto.
A resposta de Natália Correia, em poema - publicado depois pelo Diário de Lisboa em 5 de Abril desse ano - fez rir todas as bancadas parlamentares, sem excepção, tendo os trabalhos parlamentares sido interrompidos por isso:
Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.
( Natália Correia - 3 de Abril de 1982 )
Wednesday, January 17, 2007
Problemas resultantes de uma educação defeituosa, cruelmente exposta pela releitura de algumas secções de Against the Day
Mas com a experiência de Michelson-Morley, isto está mais complicado. Comprometo-me a colocar 10 libras num cavalo à escolha da pessoa que me conseguir explicar isso - por mail, e em menos de 250 palavras. Tenham em conta que ainda nem sequer consegui perceber o que é um interferômetro, apesar de gostar muito da palavra.
Problemas resultantes de uma chegada tardia à blogosfera (e de muito tempo perdido a ler os arquivos dos outros)
- irritar-me com polémicas das quais já ninguém se lembra;
- não saber quem era, afinal, o Pipi.
Realidade plagia Dickens
- The Guardian
Os dez maiores portugueses – a minha escolha pessoal (II)
Tuesday, January 16, 2007
Os dez maiores portugueses: a minha escolha pessoal
A ordem por que os indico é cronológica. Mas, curiosamente, é mais ou menos a ordem de importância relativa que eu lhes atribuo. Uma ordenação por importância não seria muito diferente desta, exceptuando talvez pequenos ajustamentos, como uma "despromoção" do Eça. O que se conclui daqui? Que fomos muito mais relevantes no passado do que somos agora. Esperemos que esta tendência se inverta. Afinal, indico quatro portugueses do século XX e um do século XXI.
Não poderia deixar de incluir algo relacionado com o Brasil (a nossa maior realização). Não poderia ignorar o fado. Não poderia ignorar algumas (efémeras) glórias desportivas; neste campo escolhi quem eu acho mais exemplar, pois distinguiu-se à custa do seu trabalho e não, como muitos outros, à custa de um talento inato e muitas vezes desperdiçado.
Finalmente, muitas referências à literatura (onde creio sermos mesmo bons), nenhuma à ciência. Afinal, isto é suposto ser um retrato do país!
Aqui vai a minha lista:
- Infante D. Henrique
- Vasco da Gama
- Pedro Álvares Cabral
- Luís Vaz de Camões
- Eça de Queirós
- Fernando Pessoa
- Amália Rodrigues
- Álvaro Cunhal
- José Saramago
- José Mourinho
I'll be your Sousa Tavares if you'll be my 24 horas
Q: The phrase "horrorism", which you invented to describe 9/11, is unintentionally hilarious. Have you got any more?
AMIS: Yes, I have. Here's a good one (though I can hardly claim it as my own): the phrase is "fuck off".
Monday, January 15, 2007
p. 1084
Viagens
Gosto muito de viajar, mas um dos meus desejos para 2007 é que faça menos viagens e, em contrapartida, encontre maior estabilidade profissional.
Um ano passa num instante
Sunday, January 14, 2007
Vida, louca vida
A extrema direita e o "direito social ao aborto"
Certos sectores salazaristas gostam de falar em "iliteracia" e "ignorância" mas, afinal, são eles mesmos que não sabem ler. Eu nem me vou dar ao trabalho de o desmentir, tão evidente é a contradição entre o que escrevi e o que é sugerido que eu escrevi. Ao contrário do André Azevedo Alves (que deve achar que os seus leitores são estúpidos ou analfabetos), eu confio na inteligência dos leitores do Cinco Dias e do Avesso do Avesso.
Apocalisto
Em má hora resolvi ver o filme de Mel Gibson.
Cedi à tentação porque acabara de regressar da América do Sul e também por curiosidade.
Apocalypto é obra de um mentecapto que nos quer pregar moral defendendo, sem nunca demonstrar, que a destruição da civilização Maia e a colonização que se seguiu foram a consequência da sua própria decadência. Esta "ideia" não é de forma alguma explorada no filme limitando-se a constar de uma legenda introdutória.
Trata-se de uma tese reaccionária que culpabiliza os colonizados por o serem e que ignora todas as outras facetas, tecnológicas e outras, que explicam a supremacia militar.
Como se tal não bastasse o homem parece ter querido fazer um mostruário de lugares comuns: lá está o oportuno eclipse e também a fuga através da cascata que enxameiam todos os "filmes de acção" passados naquelas paragens.
A violência constante é tão excessiva quanto ridícula. E, segundo dizem, o ridículo mata mais do que qualquer outra coisa...
Anarchist's Golf
«The next day Reef, Cyprian and Ratty were out in the Anarchist's golf course, during a round of Anarchist's Golf, a craze currently sweeping the civilized world, in which there was no fixed sequence - in fact, no fixed number - of holes, with distance flexible as well, some holes being only putter-distance apart, others uncounted hundreds of yards and requiring a map and compass to locate. Many players had been known to come there at night and dig new ones. Parties were likely to ask, "Do you mind if we don't play through?" then just go and whack balls at any time and in any direction they liked. Folks were constantly being beaned by approach shots barreling in from unexpected quarters. "This is kind of fun," Reef said, as an ancient brambled guttie went whizzing by, centimeters from his ear.»
(Thomas Pynchon, Against the Day)
O dia em que o historiador atravessou fora da passadeira
«(...) Apparently, however, as I was later told, "jaywalking" is a criminal offence in the State of Georgia. But I had no idea I had done anything wrong. A young man in a bomber jacket accosted me, claiming to be a policeman, but with no visible evidence of his status. We got locked in mutual misunderstanding, demanding each other's ID. I mistook the normal attitude of an Atlanta cop for arrogance, aggression and menace. He, I suppose, mistook the normal demeanour of an ageing and old-fashioned European intellectual for prevarication or provocation. His behaviour baffled me even before he lost patience with me, kicked my legs from under me, knocked my glasses from my nose, wrestled me to the ground, and with the help of four or five other burly policemen who suddenly appeared on the scene, ripped my coat, scattered my books in the gutter, handcuffed me, and pinioned me painfully to the concrete. (...) First, I learnt that the Atlanta police are barbaric, brutal, and out of control. The violence I experienced was the worst of my sheltered life. Muggers who attacked me once near my home in Oxford were considerably more gentle with me than the Atlanta cops. (...) Once in gaol I discovered another, better side of Atlanta. (...) In gaol, I saw none of the violence that typifies the streets. On the contrary, the staff treat everyone - including some of the most difficult, desperate, drunk, or drugged-out denizens of Atlanta's demi-monde - with impressive courtesy and professionalism. I began to suspect that some of the down-and-outs I shared space with had deliberately contrived to get arrested in order to escape from the streets into this peaceable world - swapping the arbitrary, dangerous jurisdiction of the cops for the humane and helpful supervision of the centre. (...) I then met the best of America when I appeared in court. (...) I watched Judge Jackson at work. He had 117 cases to try that day. He handled them with unfailing compassion, common sense and good humour. (...) It only took him a few minutes to realise that I was the victim, not the culprit. The prosecutors withdrew the charges. The judge then proclaimed my freedom with kindly enthusiasm and detained me for nothing more grievous than a few minutes' chat about his reminiscences of the Old Bailey. (...) But, at the risk of projecting my own limited experience on to a screen so vast that the effect seems blurred, I see bigger issues at stake: issues for America; issues for the world. I found that in Atlanta the civilisation of the gaol and the courts contrasted with the savagery of the police and the streets. This is a typical American contrast. The executive arm of government tends to be dumb, insensitive, violent and dangerous. The judiciary is the citizen's vital guarantee of peace and liberty. (...).»
(The Independent)
Friday, January 12, 2007
O que fazer com €15M
Para começar: peguem no cheque e dirijam-se ao balcão do BPI mais próximo. Enquanto esperam, dancem a Lambada, pintem os formulários com lápis de cera, chorem como bebés, peçam a um funcionário para vos atar os sapatos, resmunguem sobre a falta de gosto de certas taxas de juro; enfiem o dinheiro em sacos de plástico, varram o piso com olhares devastadores e despeçam-se com uma gargalhada.
Voltem no dia seguinte com uma pistola na mão, uma meia de nylon na cabeça e sete bandidos contratados, gritem 'Mãos ao ar, escumalha!', ameacem o gerente com um dedo ríspido e gritos sincopados, arrombem o cofre, coloquem lá dentro palha, nozes, coisinhas brilhantes, e anunciem solenemente: "Isto é o meu ninho".
Sejam presos. Toquem músicas de Natal nas grades da cela, subornem guardas para vos trazerem gelados, paguem a fiança e deixem gorjeta, cocem as axilas no meio do tribunal, digam ao juiz que a Primavera é a melhor das estações, soprem-lhe beijos amorosos.
Construam uma casa no topo de um monte, um Xanadão com três pisos, oito garagens, court de ténis, cinema, piscina com trampolins de veludo endurecido, discoteca, sala de conferências, coreto, solário, jardim zoológico com golfinhos deprimidos e pandas confusos.
Convoquem a imprensa e denunciem o estado de coisas. Digam 'O estado das coisas é lamentável', e respondam a todas as perguntas com esta frase. Anunciem um projecto megalómano para fomentar a discórdia entre os espanhóis; ruminem horas a fio sobre o Destino Lusitano e depois digam: "um bulaquinho na palede". Façam-se convidados para um jantar oficial e abusem do ponche; agridam vereadores como uma balalaica prateada, interrompam anedotas a meio, empinem garfos na ponta do nariz, comentem um quadro de Paula Rego dizendo "Há ácidos próprios para este tipo de problema"; dedilhem as meias de renda da Primeira-Dama, ofereçam-lhe oitenta mil euros por um chocho.
Comprem um fato Armani e sapatos de pele de crocodilo, pavoneiem-se em frente dos mendigos gangrenados do Martim Moniz. Destroquem mil euros em moedas de cinco cêntimos e torturem até ao reumático o homem-estátua da Rua Augusta. Entrem numa carruagem do Metro na hora de ponta e gritem a plenos pulmões: "Eu é que tenho a bondade de vos auxiliar!", acenando notas estaladiças e perfumadas e depois fujam antes de as portas se fecharem. Vão a uma galeria de arte parisiense com um carrinho de supermercado, empilhem obras-primas como se fossem grades de Super-Bock, paguem o dobro do que é pedido, cliquem os tacões de felicidade, cantem. Repitam o processo cinco vezes.
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