Thursday, January 25, 2007

Os Meus Professores

Tive muitos professores. Uns foram bons professores, outros foram maus professores, e outros ainda, em rigor, não foram bons nem maus. Tive professores que interrompiam as aulas a meio para considerar os lírios do campo. Professores que usavam óculos-de-sol no Inverno. Professores que se moviam atabalhoadamente, e em cujos ombros se notavam protuberantes ângulos rectos, como se tivessem vestido o casaco com o cabide ainda lá dentro. Tive professores que nunca marcavam trabalhos de casa. Professores que não respondiam a perguntas de jornalistas. Professores que não respondiam a perguntas de ninguém.
Tive professores que se insurgiam contra a adesão ao Euro; professores que se gabavam de ter combatido as feras em Éfeso. Professores que escovavam os dentes com energia excessiva e cujas gengivas sangravam durante as primeiras aulas da manhã. Professores que praticavam uma cordialidade neutra. Professores que abusavam da palavra 'conluio'. Professores intransigentes com o mascar de pastilhas elásticas de uma certa marca, mas que toleravam misteriosamente as de outra marca. Professores que gritavam 'Descartes!' sempre que um aluno espirrava. Professores que insultavam a memória de Camões. Professores que lideravam contagens decrescentes para o toque da campainha. Professores que gemiam baixinho quando a campainha se atrasava. Professores que fingiam não ouvir a campainha.
Tive professores que achavam que Telémaco era um débil mental. Professores que recusavam a possibilidade de um desenvolvimento sustentado. Professores que transpiravam profusamente, confessando problemas nunca especificados. Professores que enfiavam a cabeça entre os cotovelos, perguntando "Porquê eu? Porquê eu?". Tive professores que fugiam ao fisco pelos corredores do Pavilhão B. Professores que liam "A Pousada da Jamaica" durantes os testes-surpresa. Professores que roubavam um pedacinho de giz todos os dias. Professores que ridicularizavam a arbitrariedade do signo.
Tive professores que eram internados de urgência no hospital Curry Cabral, com complicações renais, e que vociferavam os alunos, nas horas de visita: «Lição? Lição?? Ainda nem a barba fazem e já vinculados ao disparate. Não procurem aquilo que os outros já acharam. A tactear, a tactear no escuro, à espera do quê? Sirenes? Profetas? Um empurrãozinho? Quem é que vocês julgam que são, para virem ao meu hospital, e roubarem a minha jeropiga? Eu não sou o feixe de sensações dispersas com uma alma a fazer de corda de que falaram os iluministas escoceses. Sou um gajo. Tenho uma personalidade. Está para aqui algures enfiada. Ano após ano, as novas gerações pavoneiam-se pelas minhas tascas como se o erro não fosse sequer uma opção. Respostas para tudo. Dedo no gatilho e sempre com dinheiro trocado. Mas lá por dentro, lá no fundo, há uma coisinha misteriosa a crescer. E vai ser um parto de sangue. Metem-me nojo. O tipo de gente que vai aprender a fechar os olhos antes de passar diante de um espelho. E depois marram com os cornos na porta. Não assumam que eu não vejo. É por causa de gente como vocês que gente como eu começa a beber. Fracasso é quando se esquece; eu lembro-me de tudo. E parem de tirar notas quando eu estou a falar!»
Tive professores que achavam que o Mundo seria um dia a nossa concha. Tive professores que viam em nós o embrião de um vasto exército de varredores de rua.

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