Wednesday, January 31, 2007

Eu juro que só chamei a atenção para um carrot cake fora de prazo e depois começou tudo a correr mal

Não queria estar a maçar-vos com estas coisas, mas acabo de ser banido da minha mercearia local e estou muito aborrecido e não vou escrever mais nada hoje.

Pompidou


Um pedaço de Nova Iorque bem no coração de Paris. Projectado no rescaldo do Maio de 68 para ser um espaço de "hiperconsumismo cultural", o Centro Georges Pompidou foi inaugurado faz hoje 30 anos. Venham outros.

O Mapa do Aborto









(fonte: Revista Veja)

Tuesday, January 30, 2007

Reflexões sobre o Referendo II - A Concepção Nazi do “Não”


Têm alguns defensores do “não” defendido que, devido à cada vez menor taxa de natalidade, não tem sentido, neste momento, vir, segundo eles, facilitar a IVG, pois estaríamos a contribuir para a diminuição daquela taxa e em último caso a agravar o défice da Segurança Social, pois quantos menos novos trabalhadores entrarem no mercado de trabalho, menores recursos haverá para pagar aos que se irão reformar. Este argumento é mesmo apresentado até à exaustão, com outros exemplos de igual jaez.
Matilde de Sousa Franco, no debate que se realizou no dia 30 na SIC Notícias, chegou mesmo a afirmar que o aparecimento da legislação liberalizadora da IVG que foi aprovada no pós-guerra na grande maioria dos países da Europa Ocidental (empregou mesmo o termo”moda”) teve a ver com a crença dos economistas de que haveria, dado o “baby-boom” que se verificou a seguir àquele conflito, um acréscimo de população e que por isso era necessário fomentar a diminuição de partos. Hoje, como isso não se verifica, seria uma prova de grande civilização (termos da autora) fomentar novamente novos nascimentos. É evidente que esta afirmação não é verdadeira, porque a maioria das legislações europeias sobre a IVG vêm dos anos 70 e 80, quando a situação de taxa de natalidade elevada já não se verificava.
Mas, o que é mais espantoso nas afirmações dos defensores do “não”, é que sem se aperceberem estão a introduzir nas suas ditas reflexões humanistas a problemática aterradora do Estado forçar, pela penalização das mulheres que abortam, o aumento do número de nascituros. No fundo, consideram, tal como os nazis que incitavam as mulheres alemãs a terem mais filhos para lutarem pela Nação, que a função da mulher é ser poedeira para garantir aos mais velhos uma reforma tranquila.
Penso que o “sim”, ao não desmontar esta armadilha e ao não acusar de nazis os defensores de tais ideias, se tem colocado, quanto mim, numa posição defensiva.
Seria importante, com a divulgação das medidas nazis para implementar a natalidade das alemãs de raça pura, confrontar estas “senhoras”, que tão pressurosamente nos vêm recordar que as nossas reformas estão em causa se votarmos “sim”, com os ideais do nacional-socialismo.

Reflexões sobre o referendo I - A IVG e a Maternidade Consciente

Dado a derrota que tinham sofrido no último referendo sobre a IVG (interrupção voluntária da gravidez) decidiram agora os movimentos do sim concentrar todas as suas atenções em duas questões que, segundo o seu ponto de vista, são as que estão em causa neste novo referendo. A primeira é que a mulher não pode ser criminalizada por ter praticado um aborto até às 10 semanas e a segunda é que este deve ser feito em estabelecimentos legalmente autorizados e não em clínicas de vão de escada.
Estamos aqui perante o politicamente correcto, ninguém foge ao tema e todos, com pequenas variantes, defendem o mesmo ponto de vista. Nenhuma mulher, ao contrário do que afirma Henrique Monteiro (do Expresso), voltou a defender que no seu corpo manda ela e as fotografias, que tanto escandalizaram no referendo anterior, de duas ou três mulheres em que aquelas palavras apareciam escritas nas suas barrigas, só têm voltado a ser publicadas por aqueles que querem contrapor ao destempero do não o radicalismo do sim.
Ora eu penso, que sendo verdades indesmentíveis as questões levantada pelo “sim”, aquilo que verdadeiramente está em causa na discussão sobre a IVG é a liberdade de opção da mulher, não para garantir que no seu corpo manda ela, mas se deseja ou não ter o filho que trás no ventre. Ninguém pode obrigar uma mulher a ser mãe do filho que, pelos motivos mais variados, não quer ter. A maternidade, mais até do que a paternidade, deve resultar de uma opção consciente da mulher. Só os filhos desejados é que são amados. Tudo o mais é terrorismo da Igreja e das suas concepções fundamentalistas sobre o que é a vida. Hoje a Igreja Católica com as suas opções doutrinárias extremamente sectárias, que por estranho que pareçam andam sempre à volta da sexualidade, está levando os católicos para becos sem saída e forçando-os a posições cada vez mais isoladas nas sociedades contemporâneas. Hoje, ao contrário do que diz o Cardeal Patriarca de Lisboa, as opções civilizacionais centram-se na liberdade de opção por uma maternidade consciente e não na defesa dessa concepção metafísica de que a “vida humana” se estende desde a concepção (junção do espermatozóide com o óvulo) até ao nascimento do novo ser.

Prometo não refazer a lista de links desta maneira

«A similar [game] is ACRONYMS, in which players take a word or phrase, and make an appropriate sentence from words beggining with its letters. Thus shovel could be described as 'sharp hand-operated vertical earth lifter', snail could be 'slimy nocturnal animal invading lettuces', and brain could be 'box retaining assorted interesting notions'. This game is a favourite theme for competitions in the New Statesman, from which are gathered these examples using the titles of films:

Just a white shark;
Space, time and relativity, with a ridiculous script;
This has everything: syrupy outbursts, uplifting nannies, dancing over flowery mountains, unctuous songs involving children;
Clichés harvest awards. Runners in old-time shorts. Oxford flummery. Flabby idealism. Rotten ending.
»

(The Oxford Guide to Word Games, p. 131)

O melhor que consegui foi este par de ruínas gramaticais:

Gangster's only options: dying fast; end living life as schnook.
Blocked artist rationalizes, then offends nutcase. Faulkner is naturally killed.

Aceitam-se sugestões dos cinéfilos de serviço. Pontos de bónus para quem fizer um em japonês (usando o sistema de romanização Hepburn) para um filme do Beat Takeshi.

A minha posição

A minha posição é muito simples, e convém repeti-la sempre que as circunstâncias o exijam: sou peremptoriamente a favor das coisas boas, e intransigentemente contra as coisas más. Nestas coisas não pode haver compromissos.

O maior político português de sempre



...fala hoje no São Luís. Eu vou largar tudo, vou já para lá e espero ainda arranjar lugar.
Vou ao São Luís mas não tive tempo de ir ao segundo dia da defesa de tese do doutor do dia, a quem deixo aqui os parabéns. Mas sei que ele me perdoa.

Ó AAA, é preciso chegar a este ponto?

Do Público de hoje:
SMS anónimos levam a voto involuntário em Salazar
Maria Lopes

Produção do programa diz que é "uma forma de pirataria", mas o sistema só permite um voto por cada número de telefone

"Por favor ligue-me: 760102003." A mensagem, sem identificação do remetente ou qualquer outra informação além desta frase, anda a ser enviada há alguns dias para inúmeros telemóveis. Quem responde ao apelo apercebe-se, três segundos depois, que acaba de votar em António de Oliveira Salazar no âmbito do programa da RTP Os Grandes Portugueses.

Johnny Bargeld



'As we walked along the flatblock marina, I was calm on the outside, but thinking all the time. . .'


Clockwork Orange Estate To Be Demolished

(Starpulse.com)

Monday, January 29, 2007

Supermercados contra a inflação

Quando estava em França, achava politicamente muito pouco neutro o slogan do Carrefour “baixar os preços e aumentar o nível de vida em França é possível”. Parecia-me ver ali um apoio implícito ao governo. Mas, e que dizer do presente slogan em Portugal: “O Pingo Doce lidera o combate à inflação”?

Um minuto


«Contou, em muito pormenor, a história do beijo e, um minuto passado, já se calava... Num minuto pôde contar tudo, e ficou terrivelmente espantado por ter precisado de tão pouco tempo. Parecia-lhe que podia falar daquele beijo até ao amanhecer.»

(«O Beijo», na tradução de Nina e Filipe Guerra. Chekhov nasceu a 29 de Janeiro de 1860)

The Maple Leaf Conspiracy


Desde o início do ano, três pessoas diferentes, em três ocasiões diferentes, e por três motivos aparentemente diferentes, perguntaram-me se eu era canadiano.
Por uma questão de equilíbrio formal, dei três respostas diferentes.

(Em 2004, tive a oportunidade, nunca formulada em termos concretos, de me mudar para o Canadá. Uma das pessoas com quem comentei a hipótese foi um antigo professor, natural de Liverpool, que reagiu com cepticismo, e me deixou a seguinte advertência: «Have you noticed that no one ever says anything bad about Canada? No one. Ever. That surely is evidence of a conspiracy of massive proportions.»)

Google boo

Sunday, January 28, 2007

Roger e os gnomos amestrados

Rafael Nadal custou-me cinquenta libras, mas não o posso culpar. Foi uma aposta puramente sentimental - o pior tipo de aposta que se pode fazer - e uma que sabia de antemão estar condenada ao fracasso; o grunhido derrisório do corrector da William Hill assumiu a eloquência necessária. Por motivos geográficos, acompanhei a carreira de Andy Murray mais de perto do que a de qualquer outro tenista contemporâneo, e sabia que, salvo uma desastrosa sucessão de erros por parte de Nadal, a vitória seria impossível.
Os motivos geográficos são auto-explanatórios; os emocionais são estes: Murray tem a personalidade mais interessante do ténis actual. Depois da década de sublimação da mediocridade que foi o bafiento reinado de Tim Henman (esse Kevin Costner das raquetes) Murray foi a melhor coisa que poderia ter acontecido à Grã-Bretanha - uma espécie de bálsamo em reverso, fazendo o oposto de tudo o que um bálsamo deve fazer.
Por temperamento e por experiência, sou um céptico quanto à existência real de identidades nacionais, mas tenho de admitir que a feroz Scottishness de Murray é a chave desse interesse: o equilíbrio precário entre self-love e self-loathing, as puras reacções de menino mimado (a rábula da lesão dorsal no segundo set contra Nadal é uma performance que ele repete ciclicamente, sempre que está a perder), e um instinto auto-destrutivo que parece, infelizmente, estar a ser cerceado. Em 2006, duas semanas antes de Wimbledon, onde iria jogar perante uma plateia sedenta de um ídolo local sem chispes de argila, Murray informou casualmente um jornalista que ira torcer por todas as equipas que jogassem contra Inglaterra no Mundial. Três milhões de escoceses aplaudiram furiosamente, mas o rapport com as multidões de Wimbledon nunca mais foi o mesmo.
Mas agora, o manto diáfano das Relações Públicas parece ter sido estendido sobre a sua cabecinha quente; Murray comporta-se - nas conferências de imprensa, pelo menos - como alguém submetido a uma cura intensiva de chás e xaropes. Conseguiu até exibir alguma graciosidade na derrota, algo que - chamem-me sentimental - é a última coisa que eu quero ver num atleta profissional. O mínimo que se exige é que insultem genericamente a Humanidade depois do match point e se recusem a falar ou a apertar a mão ao adversário, mostrando às câmaras apenas um par de olhos vermelhos. (No melhor dos mundos possíveis, o derrotado nas finais do Grand Slam arrebataria o troféu das mãos do organizador e fugiria na direcção dos balneários gritando "You'll never catch me alive!")
Há quem diga que Murray precisa de canalizar a sua agressividade. Há quem diga que Murray precisa de um treinador diferente. Há quem diga que Murray precisa de mais chá e mais xaropes. Pessoalmente, acho que Murray precisa de menos pessoas a dizerem-lhe o que ele precisa, e de soltar o hooligan de Glasgow dentro de si. Apesar de ser tecnicamente muito bom, nunca será o nº1; mas caso não cometa o erro de se civilizar, pode ser o top-ten mais entusiasmante dos últimos anos.

No lado oposto do espectro está Federer, que parece cada vez mais jogar com o auxílio de dois gnomos invisíveis, um em cada metade do court. Aqueles forehands a pingar, que mudam de trajectória três centímetros antes da linha, são altamente perturbantes, de um ponto de vista metafísico. No séc. XXI é possível aplicar-lhes úteis e giríssimos gráficos computorizados, e explicar tudo de forma a que até os leigos consigam entender o que se passa, mas não tenho dúvidas de que há quinhentos anos atrás, o Suiço seria queimado numa gigantesca fogueira. A plateia entoraria em coro "Burn, witch, burn" enquanto a camada exterior de cera derreteria lentamente, até não restar nada sobre a pilha de carvões fumegantes a não ser um inexpugnável coraçãozinho metálico, com a inscrição SADI CARNOT, Inc.
Dois comentários espontâneos ajudaram a definir com precisão o que foi o Open. Primeiro, a eloquente sinopse teológica que Roddick fez da situação, no 3º set das meias-finais, depois de ter sido escrupulosamente demolido na meia-hora de ténis mais sobrenatural que eu vi na minha vida: «Goddamn everything, it's all God damn it».
O outro foi fornecido por um comentador da BBC durante a final, quando o ombro de um cabisbaixo González era massajado pelo seu treinador: «Oh, he looks, uh, González there, looking very uncomfortable with some sort of, uh, discomfort».
O desconfortável desconforto do resto da Espécie, perante a anomalia não-transpirante, gelidamente sentada na outra cadeira.

Depoimento de Jorge Sampaio sobre o referendo


Lido no encontro Eurodeputad@s pelo SIM, em 28/1/2007

No próximo referendo, o que está em causa é um problema de política criminal do Estado democrático. Ou seja, trata-se, em primeira linha, de um problema de Código Penal, um problema de previsão e definição de crimes e de penas.

O que sucede, é que as normas penais em vigor consideram que, salvo algumas excepções já previstas, uma mulher que interrompa voluntariamente uma gravidez até às dez semanas num estabelecimento hospitalar está a cometer um crime e, como tal, deve ser perseguida, condenada e enviada eventualmente para a prisão.

Mas há alguém que no século XXI e na Europa possa conscientemente pretender que, numa sociedade com os nossos valores, a nossa cultura, os nossos princípios e as nossas práticas sociais, uma mulher que interrompa a gravidez naquelas circunstâncias tão precisas e delimitadas é, por esse facto, uma criminosa e que o Estado a deve perseguir penalmente, a deve julgar, a deve condenar e eventualmente enviar para a prisão?

Todavia, é isto que o nosso Código penal, salvaguardadas as excepções já previstas, ainda hoje faz. Por isso é que as normas penais actualmente em vigor nos deixam, a propósito, isolados na Europa a que pertencemos e dão do Estado português, a propósito, a ideia de um Estado retrógrado, injusto, cruel e desumano.

Por demasiadas vezes esta questão tem sido distorcida, procurando-se deixar subrepticiamente a impressão de que aquilo que se coloca à apreciação e decisão dos cidadãos é algo completamente diferente.

Mas não se trata de qualquer discussão complexa e interminável sobre o sentido da vida, sobre o início da vida humana, sobre a natureza da vida intra-uterina, sobre a existência ou inexistência, a propósito, de pretensos ou reais conflitos entre direitos humanos ou direitos fundamentais.

Sobre cada uma destas questões, todas respeitáveis e dignas de discussão, cada um de nós já formou, ou virá a formar, as suas próprias dúvidas ou convicções, as suas próprias opiniões ou sentimentos pessoais de natureza moral, filosófica, religiosa ou política. Esse é um problema de cada pessoa ou de cada grupo particular, constituindo uma zona de reserva íntima ou de convicção pessoal que o Estado de Direito democrático não deve invadir.

Não cabe ao Estado democrático aderir, professar ou defender, a propósito, uma singular ou particular concepção moral, filosófica, ou religiosa. Nem, consequentemente, cabe ao Estado democrático inquirir os cidadãos sobre as concepções que cada um sustenta neste domínio.

Portanto, e definitivamente, por mais que alguns pretendam continuar a confundir, manipular e distorcer sobre o que está em causa neste referendo, que fique claro que não é nada disto que se trata.

Por isso nesta consulta popular a única questão a decidir é saber se, sim ou não, uma mulher que interrompa voluntariamente a gravidez nas primeiras dez semanas em estabelecimento autorizado deve ou não ser penalmente perseguida, julgada, condenada e eventualmente enviada para a prisão. SIM ou NÃO!

A Economia que não lhes interessa

No local onde trabalho, de segunda a sexta feira é assinada a edição em papel do Público, que é disponibilizada na sala de café para ser lida pelos investigadores.
Ao fim do dia, pelas 20:00, já não se encontra o Público na referida sala. Julgava que fosse recolhido para a reciclagem, mas isso poderia ser feito no dia seguinte. Provavelmente ao fim do dia alguém - investigador, contínuo, secretária, não sei - leva o jornal para o ler, depois de ter estado disponível durante todo o dia. Não leva, porém, todo o jornal. Às sextas feiras, o jornal traz muitos suplementos e tem muito que ler. Se se quer ler o corpo principal do jornal, o Mil Folhas ou o Y, tem de se ir durante o dia. Mas há um suplemento que é sempre sistematicamente deixado por quem leva o jornal na sexta à noite, ficando ali esquecido durante o fim de semana. Refiro-me à Dia D. Desculpem; enganei-me na hiperligação: é aqui.

Friday, January 26, 2007

Jay Leno e as "lojas de chineses"

Noutro dia preparava-me para assistir à entrevista ao Barack Obama no programa do Jay Leno, desde este ano em exibição no canal SIC Mulher. Depois do monólogo de stand-up comedy inicial, há aquela altura em que o Jay goza com erros ortográficos e gramaticais. Desta vez deu-lhe para olhar para os artigos que se compram nas lojas que, nos EUA, se chamam “de 99 cêntimos”. Está certo que o equivalente deste tipo de comércio em Portugal é frequentemente explorado por chineses. Mas não é esta etnia que detém o exclusivo deste sector do comércio. E nos EUA ainda menos – os chineses detêm um comércio muito mais diversificado, e existem muitas “99 cent stores” que não são exploradas por chineses. Ainda mais falando o Jay Leno num contexto americano, não é de todo correcto traduzir “99 cent store” por “loja de chineses”, principalmente existindo em português uma designação que, apesar da conversão ao euro, continua a ser usada desde o tempo do escudo, quando estas lojas cá apareceram: a “loja dos trezentos”. Parece-me uma designação muito mais correcta do que “loja dos chineses”. Mas a tradução que apareceu no programa foi mesmo “lojas dos chineses”. E não foi só uma vez. O Jay gozou com muitos produtos de 99 cêntimos – baixa qualidade, erros ortográficos e tal -, e cada um deles era identificado na legendagem como “mais um daqueles produtos das lojas dos chineses”. Assistimos na legendagem a um festival de achincalhamento gratuito das “lojas de chineses”, que não tinha nada a ver com o que era falado.
Um pormenor elucidativo ainda estava para vir. Houve uma altura em que o Jay Leno apontou um erro ortográfico crasso num brinquedo para miúdos de muito tenra idade. De seguida acrescentou “fortunately at this stage children can’t read”, ou seja, felizmente as crianças que supostamente utilizariam o brinquedo ainda não tinham idade para ler. Sabem qual foi a tradução na legendagem? “Felizmente os miúdos hoje em dia são uns analfabetos”!!!
Entre os responsáveis pela legendagem deve haver algum militante do PNR.

(PS – And now, for something completely different: quem terá sido a cabecinha que teve a ideia de programar o Jay Leno e o Conan O’Brien exactamente à mesma hora, em dois canais temáticos da SIC – SIC Mulher e SIC Radical, que deveriam ser complementares e não estar em concorrência directa -, sabendo que o público alvo de ambos os programas, nos EUA e ainda mais em Portugal, é exactamente o mesmo? Vamos corrigir isso?)

Publicado originalmente no Cinco Dias.

Jay Leno e Barack Obama

Podem ver extractos da entrevista do Barack Obama ao Jay Leno aqui:

Senhora dos Prazeres



No passado sábado teve lugar em Beja mais um concerto da série TERRAS SEM SOMBRA, de que já aqui falámos.

João Paulo Janeiro interpretou músicaIbérica do Maneirismo ao Pós-Barroco, em cravo e clavicórdio.

O concerto decorreu na recém restaurada igreja da Nossa Senhora dos Prazeres cujo delicioso tecto podem ver a encimar este "post".

Thursday, January 25, 2007

Os Meus Professores

Tive muitos professores. Uns foram bons professores, outros foram maus professores, e outros ainda, em rigor, não foram bons nem maus. Tive professores que interrompiam as aulas a meio para considerar os lírios do campo. Professores que usavam óculos-de-sol no Inverno. Professores que se moviam atabalhoadamente, e em cujos ombros se notavam protuberantes ângulos rectos, como se tivessem vestido o casaco com o cabide ainda lá dentro. Tive professores que nunca marcavam trabalhos de casa. Professores que não respondiam a perguntas de jornalistas. Professores que não respondiam a perguntas de ninguém.
Tive professores que se insurgiam contra a adesão ao Euro; professores que se gabavam de ter combatido as feras em Éfeso. Professores que escovavam os dentes com energia excessiva e cujas gengivas sangravam durante as primeiras aulas da manhã. Professores que praticavam uma cordialidade neutra. Professores que abusavam da palavra 'conluio'. Professores intransigentes com o mascar de pastilhas elásticas de uma certa marca, mas que toleravam misteriosamente as de outra marca. Professores que gritavam 'Descartes!' sempre que um aluno espirrava. Professores que insultavam a memória de Camões. Professores que lideravam contagens decrescentes para o toque da campainha. Professores que gemiam baixinho quando a campainha se atrasava. Professores que fingiam não ouvir a campainha.
Tive professores que achavam que Telémaco era um débil mental. Professores que recusavam a possibilidade de um desenvolvimento sustentado. Professores que transpiravam profusamente, confessando problemas nunca especificados. Professores que enfiavam a cabeça entre os cotovelos, perguntando "Porquê eu? Porquê eu?". Tive professores que fugiam ao fisco pelos corredores do Pavilhão B. Professores que liam "A Pousada da Jamaica" durantes os testes-surpresa. Professores que roubavam um pedacinho de giz todos os dias. Professores que ridicularizavam a arbitrariedade do signo.
Tive professores que eram internados de urgência no hospital Curry Cabral, com complicações renais, e que vociferavam os alunos, nas horas de visita: «Lição? Lição?? Ainda nem a barba fazem e já vinculados ao disparate. Não procurem aquilo que os outros já acharam. A tactear, a tactear no escuro, à espera do quê? Sirenes? Profetas? Um empurrãozinho? Quem é que vocês julgam que são, para virem ao meu hospital, e roubarem a minha jeropiga? Eu não sou o feixe de sensações dispersas com uma alma a fazer de corda de que falaram os iluministas escoceses. Sou um gajo. Tenho uma personalidade. Está para aqui algures enfiada. Ano após ano, as novas gerações pavoneiam-se pelas minhas tascas como se o erro não fosse sequer uma opção. Respostas para tudo. Dedo no gatilho e sempre com dinheiro trocado. Mas lá por dentro, lá no fundo, há uma coisinha misteriosa a crescer. E vai ser um parto de sangue. Metem-me nojo. O tipo de gente que vai aprender a fechar os olhos antes de passar diante de um espelho. E depois marram com os cornos na porta. Não assumam que eu não vejo. É por causa de gente como vocês que gente como eu começa a beber. Fracasso é quando se esquece; eu lembro-me de tudo. E parem de tirar notas quando eu estou a falar!»
Tive professores que achavam que o Mundo seria um dia a nossa concha. Tive professores que viam em nós o embrião de um vasto exército de varredores de rua.

“Uma valente cacetada nas trombas”

Afasta-se um dia o supranumerário Azevedo Alves da escrita, e o resultado no Insurgente é isto – disparates, momentos de autismo e incitamentos à violência:
«quem estiver por perto deve assestar-lhe uma valente cacetada nas trombas com qualquer coisa que tenha à mão e enchê-lo de alcatrão e penas.»
Quem ler, de repente, nem acredita que é este o blogue que, há uns meses, chamava “bárbaros” aos estudantes parisienses que protestavam contra o CPE. São “coisas”... “Há dias assim...”, pois há. É o que dá quando o caricaturista de serviço tenta escrever alguma coisa - revela-se a verdadeira face da direita trauliteira.
Uma vez regressado do retiro espiritual, o supranumerário Azevedo Alves volta a pôr a ordem na casa. E logo com um texto dos mais ilustrativos da hipocrisia do moralismo beato. O Nuno Ramos de Almeida não tem nada (que eu saiba) a ver com o “Sim no referendo”, e não apela ao voto em nenhum candidato a “Grande Português” – só revelou o seu sentido de voto. O André Azevedo Alves divide a sua actividade bloguística entre fazer campanha pelo Salazar como “Grande Português” (no Insurgente) e pelo “não” à despenalização da IVG. Aplicando – com muito mais propriedade – a sua lógica, será que no Blogue do Não não se incomodam de contar com o contributo de um salazarista?

Wednesday, January 24, 2007

Hoje ouve-se


Lost in a Roman wilderness of pain
And all the children are insane
All the children are insane
Waiting for the s...
for the s...
for the s...


- The Doors, «The End», The Doors (1967)

(Quando tinha 13 anos, no auge da minha curta enfatuação com os Doors, o filme de Oliver Stone estreou na RTP. Por motivos que não recordo, e que não vêm ao caso, passei essa noite em casa dos meus avós, e consegui, graças a uma combinação de feroz diplomacia e despudorada chantagem emocional, negociar uma inédita sessão televisiva nocturna.
O que aconteceu é algo previsível (eram os dias de leite e rosas da pré-insónia): adormeci antes de o filme começar. O factor-surpresa foi a minha avó, que fez questão de o ver do princípio ao fim, provavelmente porque eu, na minha febril campanha, tinha feito Jim Morrison passar por uma espécie de Dr. Schweitzer com laivos de António Calvário, o que lhe deve ter aguçado a curiosidade. Na manhã seguinte, entre torradinhas queimadas, perguntei-lhe o que tinha achado e ela, olhando-me com incontida censura, respondeu: "Aquele moço era um grande mafarrico".
É bastante fácil fazer pouco dos Doors. Vamos, portanto, ceder à tentação, e fazer pouco dos Doors. Começando pela música, que nos piores momentos lembra a banda sonora de um soft-porn oitentista. Alguns dos arranjos são perturbantemente parecidos com as batidas pré-definidas que vinham na memória daqueles órgãos Casio que as madrinhas tinham o hábito de oferecer antes de os pares de meias e agendas terem estendido o seu inexplicável domínio satânico sobre todas as ocasiões especiais.
Mas é claro que o pior não é isso. Os Doors têm o condão de sublimar o pior da adolescência: o pretensiosismo isolado, a pose torturada, a solenidade labrega. Ninguém está imune. A primeira vez que fui a Paris, em '95, passei a obrigatória tarde no Pêre Lachaise, e pousei para a lamentável fotografia da praxe diante da campa do artista. Está lá tudo: a cabeleira farta, o rosto sisudo, as roupas pretas, colar índio comprado na feira e até (juro) o livro de Rimbaud na mão direita. Só não tenho uma tabuleta ao pescoço a dizer "Palhaço" porque esta seria, com toda a franqueza, redundante.
Dito isto, há muito para recomendar na obra dos Doors. E convém lembrar que o grupo saiu de um meio - musical, social e geográfico - invulgarmente predisposto ao ridículo. É possível descortinar algum valor retro-kitsch em muita da psicadelia hippie da segunda metade dos anos '60, mas experimentem sujeitar as vossas sensibilidades modernas a «Atlantis» de Donovan ou às piores coisinhas dos Jefferson Airplane. Em comparação com "My antediluvian baby, oh yeah", a fantasmagoria carnavalesca dos Doors - as cenas esquisitas dentro da mina de ouro - parecem não apenas originais como positivamente benéficas e conducentes à Paz Universal.
Mas se precisarem de um motivo adicional para voltar a ouvir «The End», o Pastoral Portuguesa está aqui para ajudar. Coloquem o cd na aparelhagem (não funciona com Real Audios nem I-pods) e deixem a faixa correr até ao minuto 3:31, em que Morrison inicia o verso "Waiting for the summer rain"; quando ouvirem o sibilar do primeiro 's' de 'summer', primam ao de leve o botão rewind, soltando-o logo de seguida, repetindo novamente o processo assim que voltarem a ouvir o 's'. Não é difícil apanhar o jeito, e assim que o conseguirem, terão o privilégio de ouvir, no conforto do vosso lar, o Rei Lagarto, o Batman, esse grande mafarrico, gritar um portuguesíssimo 'foda-se' num loop contínuo. God is in the details.)

PORQUE SIM !

Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo SIM

Rua Duque de Palmela, nº 2, 3º

1250-098Lisboa

Tlm. 962546007

Está tudo no nome

Não sei se alguém já reparou, mas 'Rute Monteiro' é um anagrama de 'é outro mentir'.

Babelfish 0.0, to studious youth

« The most notorious phrase-book ... was published in Paris in 1855 by Pedro Carolino, with the title O Novo Guia da Conversação, en Portuguez e Inglez. The portuguese author compiled this work by translating a book of French dialogues word for word into English with the help of a dictionary.
The Preface reads:
A choice of familiar dialogues, clean of gallicisms, and despoiled frases, it was missing yet to studious portuguese and brazilian youth; and also to persons of other nations. . . We expect then, who the little book (for the care what we wrote him, and for her typographical correction) that may be worth the acceptation of the studious persons, and especially of the Youth, at which we dedicate him particularly.
The 'English' phrases recommended by the author include: 'Do you cut the hairs?'; 'It knock one's the door, go to and see who is it'; 'I have put my stockings outward'; and 'These apricots and these peaches make me and to come water in the mouth'. »

(The Oxford Guide to Word Games, p. 178)

Farrar/Cohen



Nunca mais vou ver filmes de Powell & Pressburger da mesma maneira.

As telenovelas e o aborto

Infelizmente não é só por isto que a telenovela Páginas da Vida deve ser falada. Na história o pai da criança sugere um aborto, mas a mãe quer prosseguir com a gravidez, mesmo tendo dificuldades financeiras e familiares. Ainda bem, se ela quer ter um filho. O aborto jamais deve ser feito contra a vontade da mãe. Cada capítulo da novela inclui ainda uns segmentos finais com depoimentos verídicos sobre histórias da vida real. Ora tem acontecido alguns destes depoimentos serem pequenos discursos contra o aborto. O que não é mau em si mas, neste presente contexto, é necessariamente visto como sendo contra a sua despenalização. É propaganda do “não” exibida a mais de um milhão de pessoas (neste fim de semana Maria Aurora Homem, locutora da RTP Madeira e apoiante do “sim”, queixava-se do mesmo no DN). Se a telenovela não faz esta distinção entre o aborto e a despenalização, e sendo esses segmentos suplementares totalmente desnecessários para seguir a história, talvez um segmento como o que eu destaquei não devesse ser exibido em época de campanha eleitoral. Pois é de campanha eleitoral que se trata.
Convém recordar – eu recordo-me – que, há exactamente oito anos, por altura do outro referendo, estava em exibição uma outra telenovela do mesmo autor, “Por Amor”, na qual o tema do aborto também era retratado, então de uma forma ainda mais forte. A personagem então decide fazer um aborto, e tem de ouvir a censura de todos os seus familiares, amigos e vizinhos, pois o que ela ia fazer era um “pecado”. Isto em horário nobre, exactamente no período da campanha. Convém estar atento a estes casos.

Tuesday, January 23, 2007

É um vírus!

Morte de Fidel é um vírus.

Páginas da vida emocionam Portugal

Imaginem a seguinte história. Uma bebé nasce e é rejeitada pela sua família, nomeadamente pelo seu pai biológico. É dada para adopção. Cinco anos depois a bebé vê-se envolvida no centro de uma disputa pela sua custódia, já que o pai biológico entretanto mudou de ideias e resolveu reclamar a filha, entretanto adoptada por outra família. Parece-vos que estou a falar do mediatizado caso da Sertã? Sim, mas também estou a falar de Páginas da Vida, a telenovela brasileira da SIC, de que já falei aqui.

Judas!

Se vir um espaço topológico bi-dimensional compacto, não-orientável e conexo - não beba


(O estalajadeiro do Corstorphine Inn, em Edimburgo, mantinha uma garrafa de Klein oculta atrás do balcão para afugentar fregueses que não sabiam quando parar de beber. A garrafa só era utilizada em casos extremos, depois de a campaínha ter soado. O freguês aproximava-se do balcão, cambaleante, exigindo uma última rodada, para o caminho, para os seus amigos invisíveis, em nome da pátria, em nome dos velhos tempos. O estalajadeiro pedia-lhe educadamente que saísse do estabelecimento. O freguês recusava e tornava-se truculento. A garrafa de Klein era então prestidigitadamente produzida da sua prateleira secreta e colocada em cima do balcão; o estalajadeiro dizia "todos os copos estão sujos" deixando a ameaça matemática implícita na frase a pairar, e a sua consequência lógica materializar-se no cérebro confuso do freguês que não sabia quando parar de beber.
Vi isto acontecer inúmeras vezes.)

Monday, January 22, 2007

Para memória futura

Passado um ano sobre a eleição de Cavaco Silva, que não apoiei e em quem não votei, não resisto a fazer uma breve súmula de intervenções dos quatro "candidatos da esquerda".

Para quê ?

Talvez eu ainda não me tenha conformado com a falta de seriedade nascida da falta de ideias, talvez eu ainda acredite que a esquerda devia mesmo exibir uma forma qualquer de "superioridade moral", talvez eu ainda não tenha desistido de ter esperança numa nova vaga mesmo nova ...






Mário Soares apresentou ontem o seu programa eleitoral, começando por se demarcar, contra os que, por "messianismo revanchista" da direita, "reclamam abertamente a subversão do regime constitucional". Soares defendeu que o regime semipresidencial "não está esgotado", ainda que possa ser "aperfeiçoado e aprofundado". Foi neste quadro de estabilidade de regime que Soares afirmou o que quer quanto à outra estabilidade, a política. Para, aqui, marcar uma diferença em relação àquele que pareceu eleger, ao longo da intervenção, como principal adversário: Cavaco Silva. Porque, disse Soares, quer "estabilidade política e concertação social" e uma "modernização feita sem convulsões". Ou seja, "estabilidade, mas não a qualquer preço".

Mário Soares, DN 26/10/2005

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Confrontado com declarações suas em que chamava a atenção para os riscos que uma vitória de Cavaco traria para o regime político, Alegre desdramatizou esses riscos - "Acho que ele [Cavaco] se vai portar bem" - e insurgiu-se contra o que chamou de "diabolização" do adversário social-democrata, que considerou "uma pessoa séria e íntregra, mas crispado, que tende a crispar a vida política" e que "tem uma tendência para se cingir apenas aos problemas económicos". No entanto, Alegre acabaria por reconhecer que "se ele [Cavaco] for eleito, e com certo tipo de apoiantes que tem (...), pode haver alguma tentação presidencialista".

Manuel Alegre, DN 08/11/2005

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O candidato presidencial apoiado pelo PS lembrou que já esteve no estrangeiro em contacto com comunidades portuguesas, e constatou que agora também Cavaco vai estar fora do País, "o que lhe permite continuar numa posição de não fazer pré-campanha. É uma posição que lhe agrada certamente, mas vai-se tornando uma espécie de candidato-esfinge".

Mário Soares, DN 11/11/2005

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"A democracia pode ser empobrecida e mutilada, caso se verifique uma vitória de Cavaco com estes apoios." Os apoios a que o líder comunista e candidato presidencial do PCP se referia são os "grandes grupos económicos", nomeadamente banqueiros, que apoiam o antigo governante.

"Torna-se cada vez mais claro o seu projecto de uso da Presidência da República para uma intervenção executiva ao arrepio dos limites constitucionais", disse. O líder explicou mesmo que esta candidatura foi "encenada e preparada (...) pelos sectores mais à direita da sociedade." E irónico "Creio que a decisão de se candidatar não foi tomada, na sua casa, com a família. "

Jerónimo de Sousa, DN 12/11/2005

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"Dou a voz a Cavaco Silva, que ele agora não quer falar 'Como é que nos vemos livres deles? Reformá-los não resolve o problema, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e, portanto, diminuiu também a receita do IRS. Só resta esperar que acabem por morrer.' Cavaco Silva, 2 de Março de 2002." A citação do antigo governante, numa conferência na Faculdade de Economia do Porto, foi feita com ênfase por Louçã. Que, no seu discurso, haveria de repetir até à exaustão o "deixá-los morrer" como a solução preconizada pelo "candidato da direita" para o problema da função pública. A plateia, onde se sentavam cerca de uma centena de apoiantes, reagiu ao nome do ex- -primeiro-ministro com apupos e assobios.

Francisco Louçã, DN 13/11/2005

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"Não dormirei descansado com uma vitória de Cavaco Silva", disse ontem, no Funchal, Jerónimo de Sousa horas antes de se reunir num jantar com apoiantes da sua candidatura.
...
O que preocupa o PCP "são as dinâmicas e os apoios do grande capital financeiro, especulativo e imobiliário, reunidos em torno de Cavaco Silva e que comportam objectivos que colidem com o actual projecto constitucional", designadamente, "sectores ultra neo-liberais" que poderão "condicionar e conduzir Cavaco Silva para uma intervenção que não corresponde àquilo que a nossa Constituição refere".

Jerónimo de Sousa, DN 19/11/2005

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Jerónimo de Sousa foi ontem ao Alentejo tentar convencer a população de Mora de que Cavaco Silva "não pode" chegar a Presidente da República, sob pena da sua eleição "desvalorizar, empobrecer e mutilar" a Constituição portuguesa, como alegadamente pretende "o grande capital" que apoia o candidato da direita a Belém.

Jerónimo de Sousa, DN 20/11/2005

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Jerónimo de Sousa acusou a direita de querer apropriar-se da Presidência da República através da candidatura de Cavaco Silva. Num almoço, ontem, com centenas de apoiantes no Bairro Alentejano, concelho de Palmela, o candidato do PCP afirmou que "a direita política e dos interesses económicos joga na vitória da candidatura de Cavaco Silva a possibilidade de, finalmente, fazer um ajuste de contas com o que resta de Abril, com o que resta de transformação e realização de Abril".
Jerónimo de Sousa, DN 21/11/2005

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Curiosamente, viria a congratular-se com a reacção do candidato apoiado pela CDU, sublinhando que Jerónimo de Sousa tem "toda a razão", quando diz que "ele e os trabalhadores não dormirão descansados, porque se lembravam do que aconteceu no passado. Eu também não dormirei e quero dizer aqui que estou de acordo com ele", sublinhou, ouvindo um dos aplausos mais efusivos da tarde, superado apenas pelo momento em que se mostrou convicto da vitória nas eleições.Soares começou por desvalorizar as sondagens, revelando não se preocupar "com as boas, nem com as menos boas". Disse que continua no seu caminho, alegando que quem vai elegê-lo "é o povo português e não as sondagens, nem a comunicação social". Mais à frente, Soares fez uma confidência - assim a adjectivou - aos jovens presentes, "para ficar entre nós e para dizerem aos vossos amigos. É que sem dúvida, eu não tenho dúvida nenhuma que vou ganhar esta eleição e que vou voltar a ser Presidente da República de Portugal."

Mário Soraes, DN 24/11/2005

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Soares considera que Cavaco Silva é um "homem com talento e grande conhecimento das coisas económicas", mas falta-lhe "sensibilidade social para defender os direitos, garantias e liberdades dos portugueses num momento em que isso possa estar em causa". Lembrou a propósito que, quando Presidente da República, ouviu de Cavaco queixas contra uma greve geral que então qualificava como "força de bloqueio", para frisar que, já nessa altura, teve que alertar o ex-chefe do Governo para o facto de a greve ser um direito constitucional.

Mário Soraes, DN 26/11/2005

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O candidato a Presidente da República Manuel Alegre desafiou ontem Cavaco Silva a explicar o que entende por "cooperação estratégica", acusando-o de, quando foi primeiro-ministro, ter "investido na teoria das forças do bloqueio". "Quando foi primeiro-ministro investiu na teoria das forças de bloqueio e hoje defende uma coisa estranha, a 'cooperação estratégica'", afirmou em Coimbra. Ao discursar durante um almoço com apoiantes, Manuel Alegre sublinhou que deve haver "uma cooperação institucional" entre os órgãos de soberania e que o Presidente da República "é o comandante supremo das Forças Armadas e não o comandante supremo do regime".

Manuel Alegre, DN 27/11/2005

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O candidato presidencial Jerónimo de Sousa exortou ontem os seus apoiantes a concentrarem-se na primeira volta e comparou o seu concorrente Cavaco Silva ao "macaco sábio, que não vê, não ouve e não fala" mas tira partido do silêncio.

Jerónimo de Sousa, DN 28/11/2005

Um ano pouco picante

Ao contrário de a muitos comentadores que o acusam de “provincianismo” – mas, que, curiosamente, até votaram nele... -, a mim agradou-me a entrevista de Aníbal e Maria Cavaco Silva à SIC onde o Presidente da República se queixava do “picante”. “Eu e a minha mulher não somos apreciadores de picante”, relatava Cavaco, muito rígido, muito sério, para a câmara, enquanto por trás dele a mulher ia metendo umas deixas, qual comadre coscuvilheira (para não dizer emplastra): “temos comido muito iogurte, e muitas frutas...” Achei aquele momento cândido e genuíno, achei aquele casal ternurento, um bom representante do que seria a generalidade dos casais portugueses em visita à Índia. E têm todo o direito de não apreciar picante na comida e de não o esconderem, tal como eu não aprecio especialmente comida japonesa e também não o escondo.
Significa isto que me estarei a render ao cavaquismo, exactamente um ano após a sua eleição, devido talvez a um primeiro ano de mandato que tem sido notoriamente pouco picante (deve ter sido cozinhado pela Maria)? Nem pensem nisso. Durante entrevistas na visita à Índia, Cavaco deixou bem claro que continua a pôr o crescimento económico e a criação de riqueza à frente de qualquer outra meta, pouco ou nada se importando com a justeza da distribuição dessa riqueza. Sobretudo falou na “alta produtividade” dos cidadãos indianos, e de como para isso contribuía uma lei segundo a qual os feriados eram celebrados numa data móvel, próxima do fim de semana, “tal como em Inglaterra”. E, obviamente, tal como ele tinha querido fazer durante um dos seus governos, e “não o tinham deixado”. Quinze anos passaram, e ele não se esquece. Não se iludam. O Prof. Cavaco continua a ser ele, e só ele, a saber o que é bom para o país. O Prof. Cavaco quer acabar agora tudo o que não acabou enquanto primeiro-ministro. Dias mais picantes virão.

Sunday, January 21, 2007

Guerra dos Sexos - os primos portugueses

Será que alguma vez veríamos uma versão americana disto?

Antes do arco-íris



«This then, I thought, is the representation of history. It requires a falsification of perspective. We, the survivors, see everything from above, see everything at once, and still we do not know how it was.»

(W. G. Sebald, The Rings of Saturn)


A partir de que distância é possível discernir um padrão na desordem? Que porção do caos devemos levar em conta nessa análise? E a esporádica berlaitada psicadélica, ajuda?
Estas perguntas, com uma ou outra variação, têm estado latentes em cada página Pynchoniana, desde o início. No epílogo de V. - o seu primeiro romance, publicado em 1963 - um jovem Sidney Stencil, depois de sensatamente recusar uma pitada de hashishe no seu cachimbo, coloca a seguinte hipótese: «suppose sometime between 1859 and 1919, the world contracted a disease which no one ever took the trouble to diagnose because the symptoms were too subtle - blending in with the events of history».
Quarenta anos e cinco romances depois, um padrão começa a ser identificável na sua obra, cujo impulso central parece ter sido o elaborar de uma cripto-história da humanidade desde a Revolução Industrial. Pynchon sempre dedicou uma atenção especial aos espaços em branco no espectro oficial da Verdade, aos vácuos nas cronologias, às convulsões invisíveis que sacodem as mudanças de paradigma, e onde costumam florescer os mitos urbanos e as teorias da conspiração; não há muita obsessão subterrânea que não lhe tenha merecido algum tempo de antena, desde a colónia de crocodilos nos esgotos de Nova Iorque, à supressão de uma lâmpada perpétua pela Phillips, passando por genocídios secretos e serviços postais alternativos. O novo livro leva essa cosmologia paranóica até às últimas consequências, com resultados ocasionalmente hilariantes:

«'Back before the beggining of all, when they were designing the World -'
'They?'
'They.'
»

Mas Against the Day é também uma tentativa de diagnosticar a doença de Stencil (funcionando nesse aspecto, como uma prequela de Gravity's Rainbow, que dramatiza os seus efeitos), um diagnóstico que aspira a uma obsessiva totalidade e a cujo escrutínio narrativo nada - realidade ou lenda, facto ou mito - parece escapar.
O que acontece, e vamos tentar manter as coisas simples, é isto: Webb Traverse, líder sindical dos mineiros do Colorado, anarquista e patriarca, é assassinado por dois rufiões ao serviço de Scarsdale Vibe, um plutocrata satânico e um digno representante da not quite mitológica raça dos Robber Barons que ajudaram a construir a América. A problemática filha de Webb, Lake Traverse, apaixona-se por um dos assassinos, enquanto os três filhos reagem à tragédia de maneiras diferentes: Reef jura vingança e percorre o planeta, primeiro no encalço dos dois assassinos, e depois perseguindo troféus de ordens diferentes; Frank, cujos desejos de retribuição são mais diluídos, atravessa a fronteira mexicana, onde se envolve, quase por acidente, na revolução de Madero (Pancho Villa faz uma curta aparição); Kit, um prodígio intelectual, e o mais novo dos irmãos, faz um pacto faustiano com Vibe, que se oferece para financiar a sua educação superior - primeiro em Yale e posteriormente em Göttingen, onde conhece a irresistível matemática Yashmeen Halfcourt, ex-aluna de Riemann, e que é capaz de se bifurcar e deslocar através do tempo e do espaço. Em paralelo, vamos seguindo as peripécias dos Chumps of Chance, um grupo de aventureiros saídos - literalmente - de uma colecção de livros juvenis, que se desloca numa gigantesca aeronave movida a hidrogénio (cujo tamanho vai aumentando gradualmente), recebendo instruções de um obscuro e quase-omnisciente consórtio, e interferindo aqui e ali nos assuntos terrenos, ora seguindo o rasto a uma arma ultra-poderosa que pode ou não ter sido desenhada por Nikola Tesla, ora experimentando uma máquina do tempo que pode ou não já ter sido usada, ora procurando, com a ajuda de um insólito mapa tri-dimensional, a mítica cidade de Shambhala, que pode ou não ocultar-se debaixo das areias de um deserto asiático, e que pode ou não conter reservas inesgotáveis de petróleo, ou o segredo da vida eterna.
Na segunda metade do livro, as coisas complicam-se. Grande parte dos personagens parte para uma Europa que vacila no limiar de uma catástrofe sem precedentes; as premonições vão-se acumulando:

«What was about to emerge from the night, just behind the curve of the Earth?. . . a persistent component of black in all light that swept this lowland, flowing over dead cities, mirror-still canals. . . black shadows, tempest and visitation, prophecy, madness. . .»

Algumas páginas depois, sobrevoando os campos da Flandres, um visitante do futuro deixa o seguinte aviso:

«This world you take to be 'the' world will die, and descend into Hell, and all history after that will belong properly to the history of Hell. (. . .) Flanders will be the mass grave of History. (. . .) On a scale that has never yet been imagined. Not some religious painting in a cathedral, not Bosch, or Brueghel, but this, what you see, the great plain, turned over and harrowed, all that lies below brought to the surface - deliberately flooded, not the sea come to claim its due but the human counterpart to that same utter absence of mercy - for not a village wall will be left standing. League on league of filth, corpses by the uncounted thousands, the breath you took for granted become corrosive and death-giving

Os reencontros fortuitos vão-se multiplicando; personagens que se tinham visto pela última vez nas cavernas do México cruzam-se nas selvas de África; amantes separados em Nova Iorque reunem-se nas ruas de Trieste. A locução mais frequente nesta secção é "who should then appear but". Os desenvolvimentos teóricos da época vão sendo mencionados e trabalhados, sempre de um modo relativamente leigo-friendly: os primórdios do cinema, a teoria do Éter Luminífero, o debate matemático entre Vectoristas e Quaternionistas (a única secção onde, confesso, me perdi), pesquisas sobre o Espato da Islândia, uma variante da calcite com invulgares propriedades de refracção, e cuja capacidade para duplicar a realidade é um pouco mais do que metafórica. Abundam também longas tiradas sobre o Tempo («our fate, our lord, our destroyer») que cumpre a mesma função estruturante já familiar de livros anteriores (a entropia em V., as leis de causa e efeito em GR, a linguagem binária em Vineland e a cartografia em Mason & Dixon).
Mas é o estilo, como sempre em Pynchon, que acaba por ser a personagem principal. Tal como em V., o modo básico de narração é o pastiche, mas um pastiche modulado e filtrado pela inconfundível voz do autor, de forma que é quase impossível encontrar um parágrafo que não seja imediatamente identificável como seu. O zodíaco referencial continua imenso; num excelente ensaio, John Clute tenta ancorar o trabalho numa certa tradição da Ficção Científica, que remonta às distopias de William Morris e cujo expoente máximo é Michael Moorcock (cuja obra desconheço). De qualquer forma, a interpretação é redutora. Against the Day contém alusões literárias em número suficiente para obcecar académicos durante décadas. Uma primeira leitura permitiu identificar piscadelas de olho ao Hamlet e ao Fausto de Marlowe, a Dante e a Le Carré, B. Traven e Evelyn Waugh, Ronald Firbank e Mark Twain, Henry Adams e Júlio Verne, Raymond Chandler e Ridder Haggard, William Burroughs e Enid Blyton, Charles Dickens e Alan Moore. Há também alusões cinéfilas a John Ford, Howard Hawks e aos irmãos Marx; uma piada horrenda envolvendo o Titanic; uma série de variações já familiares sobre o Roadrunner e o Coyote (incluindo uma fantástica perseguição através de uma fábrica de maionese na Bélgica); e uma bizarra e inesperada homenagem a Dune que me pareceu dever mais ao incoerente filme de Lynch do que ao impenetrável livro de Frank Herbert.
Alguns críticos atribuíram uma relevância inquinada aos aspectos mais esotéricos deste Universo hiper-ligado, como se Pynchon, na sua velhice, se tivesse convertido ao charlatanismo New Age da malta dos cristais. Mas Pynchon, e isto não é uma opinião, mas um facto indesmentível, sabe mais sobre ciência do que qualquer outro escritor vivo, e sabe o suficiente para compreender que qualquer avanço mais brusco pode parecer momentaneamente um acto de magia. Para uma geração cuja educação foi solidamente fundada sobre a Rocha das leis Newtonianas, os primeiros passos na direcção da Teoria da Relatividade devem ter soado alguns ecos preocupantemente sobrenaturais.
O resto - fantasmas, profecias, horóscopos, e um fascínio com o Tarot que vem de longe - é puro xamanismo literário, testando a elasticidade das convenções do Realismo sem sufocar a linha narrativa, como acontece em certos descendentes menores da Escola Sul-Americana e bastardos pouco talentosos de Garcia Márquez.
É a mesma lógica que regula a criação das suas personagens, tantas vezes denegridas (stand up Kakutani) como meros cartoons. As falhas de caracterização inspiram um ressentimento crítico ainda maior porque os enredos de Pynchon, ao contrário dos jogos meta-ficcionais dos seus contemporâneos Barthelme, Coover e Gardner, por exemplo, vêm camuflados de Naturalismo. Mas a sua ficção não se esgota no aprofundamento psicológico: há outros imperativos. O tratamento que Pynchon dá aos seus protagonistas está a meio-caminho entre a rédea solta dos grandes romances Vitorianos e as grilhetas do pós-modernismo: é um despotismo iluminado, que lhes permite uma certa amplitude dentro da grelha de intenções do autor.
Intenções que, surpreendentemente, devem muito ao Puritanismo dos seus antepassados e a um posicionamento político algo ambíguo. Dados alguns elementos recorrentes na sua obra (um feroz tom anti-capitalista e uma empatia desmesurada com os desenfranchizados, etc.) tem sido tentador para alguns enquadrá-lo num enclave ideológico de esquerda. Mas Pynchon, mais do que um liberal de Long Island ou um velho hippie, é um libertário Calvinista, cuja fanática desconfiança em relação à Autoridade e descrença em qualquer forma de progresso social é contra-balançada por uma fé inabalável no Indivíduo e num estranho tipo de salvação arbitrária, uma relíquia da desesperada doutrina Calvinista da Predestinação, na qual a Salvação é uma lotaria e Deus uma gigantesca tômbola extraindo almas ao caos giratório.
Os desejos utópicos não resistem ao pessimismo de quem suspeita que a Utopia já existiu e foi irremediavelmente arruinada. Yashmeen, a dada altura, diz que viajar no tempo é uma forma falhada de utopianismo. A tendência geral desta mundivisão é para uma idealização excessiva do Passado, mas no caso de Pynchon serve para trazer à tona o seu melhor; os picos da sua escrita encontram-se naquelas prolongadas cadências, exprimindo a visão elegíaca de um ontem irrecuperável.
É uma escrita de uma intensidade quase religiosa - no melhor sentido do termo - em que todos os contratos seculares entre leitor e autor são meticulosamente rasgados. Existe, contudo, uma promessa maior: a promessa de que a Arte é a única oportunidade redentora para os que esbracejam à ilharga da História, os não-seleccionados, os Preteridos; a ideia Conradiana de que a Literatura pode e deve ser uma tentativa de distribuir a melhor justiça possível pelo Universo visível. A enorme cidade flutuante das últimas páginas, na qual «every wish, if not granted, is at least addressed», e na qual habitam os personagens arbitrariamente escolhidos pelo Autor - os Chumps of Chance, que pertencem a ficções dentro da ficção, que nunca envelhecem, e que se casam todos na mesma página, como no final de uma comédia Shakespeareana - é o símbolo visível dessa promessa, triunfantemente cumprida. Aos outros, os sobreviventes da débacle, algemados à Terra, resta-lhe a Paris do pós-guerra e uma trégua fugaz antes de Gravity's Rainbow.

(Against the Day tem 1085 páginas e a única coisa que eu queria era que não acabasse. A maior dificuldade colocada pelo livro é a de regressar: a 2007, à vida, aos livros normais.)

Saturday, January 20, 2007

Pynchon & Jazz

Seguindo o exemplo de livros anteriores, Against the Day volta a fetichizar a anarquia organizada da música e da dança como uma arma contra a Ordem conspiratória dos Eleitos, e um antídoto contra a inevitabilidade da entropia. Um fetiche de longa duração:

V. (1963)

« 'Crazy', said McClintic... But one thing that did occur to him was if a computer's brain could go flip and flop, why so could a musician's. As long as you were flop, everything was cool. But where did the trigger-pulse come from to make you flip? (...) What happened after the war? That war, the world flipped. But come '45, and they flopped. Here in the jazz bars of Harlem they flopped. Everything got cool. . .»


The Crying of Lot 49 (1967)

«Each couple on the floor danced whatever was in the fellow's head: tango, two-step, bossa nova, slop. But how long, Oedipa thought, could it go on before collisions became a serious hindrance? There would have to be collisions. The only alternative was some unthinkable order of music, many rhythms, all keys at once, a choreography in which each couple meshed easy, predestined. (...) She was danced for half an hour before, by mysterious consensus, everybody took a break, without having felt any touch but the touch of her partner . . . an anarchist miracle.»


Mason & Dixon (1997)

« "'Tis ever the sign of Revolutionary times, that Street-Airs become Hymns, and Roist'ring-Songs Anthems,-- just as Plato fear'd,-- hast heard the Negro Musick, the flatted Fifths, the vocal portamenti,-- 'tis there sings your Revolution. These late ten American years were but Slaughter of this sort and that. Now begins your true Inversion of the World."
"Don't know, Coz. Much of your Faith seems invested in the novel Musick,--"
"Where better?" »



Against the Day (2006)

«"... I’ve noticed the same thing when your band plays — the most amazing social coherence, as if you all shared the same brain."
"Sure," agreed ‘Dope’, "but you can’t call that organization."
"What do you call it?"
"Jazz."»

Exposição em Sines



A exposição fotográfica "naCHIna 2006" está em Sines, até ao dia 4 de Fevereiro, na

Friday, January 19, 2007

"Ugly Betty" ou "Betty La Fea"?

Quando eu vivia nos EUA, à noite durante a semana sintonizava o canal de televisão "Telemundo", produzido e dirigido para a crescente comunidade hispânica. Eu procurava séries e telenovelas que eram produzidas no Brasil e que em Portugal também se viam, só que lá eram dobradas em espanhol e chamavam-se "La Muralla", "Lazos de Família", "El Clon", "Esperanza" ou outros nomes semelhantes. Durante os intervalos, era impossível passar despercebida a publicidade à telenovela colombiana que dava antes da brasileira. A mais popular dessas telenovelas era a que deu a uma certa altura e que se chamava "Betty La Fea". Mesmo sem nunca a ter seguido, pude-me aperceber do verdadeiro fenómeno de que se tratava. O enredo era muito simples, um tradicional conto de fadas: uma rapariga fisicamente muito feia e de muito bom coração, a quem ninguém liga, mas que nutre uma paixão pelo seu patrão rico. Do que via, sempre de passagem, parecia-me uma história bem contada e um bom entretenimento. E pelos vistos era: a "Betty La Fea" já foi adaptada em várias línguas e países diferentes. A atenta Salma Hayek, que representa para a cultura hispânica nos EUA tudo o que Sónia Braga não soube, não conseguiu ou não procurou ser para a brasileira, envolveu-se em mais um dos seus projectos e co-produziu o ano passado uma versão em inglês de "Betty La Fea", a "Ugly Betty", destinada a todos os públicos. Não sei se a série terá sido o mesmo fenómeno de audiências do original, mas a sua qualidade foi reconhecida esta semana com a atribuição de dois globos de ouro, de melhor actriz para a protagonista e de melhor comédia televisiva. E assim temos uma telenovela colombiana (mesmo sendo uma versão) a ganhar os Globos de Ouro. Espero que se sigam muitas brasileiras. Aos nossos críticos televisivos que desdenham de tudo o que é latino e gostam de tudo o que é em inglês: não se esqueçam que a "Ugly Betty" no original era em espanhol, "Betty La Fea". Se alguma vez for transmitida em Portugal, será que vamos assistir ao original, numa língua muito mais próxima da nossa, ou a uma tradução, numa língua mais distante?
Na mesma semana em que o senador democrata afro-americano Barack Obama anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais de 2008, uma produção de origem sul-americana conquista os Globos de Ouro. Indícios de uma América mais atenta às suas minorias, que no futuro próximo não serão minoritárias. De uma América necessariamente com uma menor preponderância branca, anglo-saxónica e protestante. De uma América melhor.

Publicado originalmente no Cinco Dias.

Thursday, January 18, 2007

Terceira Epístola aos Coríntios

Dear Corinthians,

I've written to you twice now. No reply. I don't know what it's like in Corinth, but where I come from, that's just rude.

Sincerely,

Paul



(Graçola improvisada por Frankie Boyle, um génio cómico escocês)

La Jetée

«The only convincing act of time-travel in the whole of science-fiction.»

(J. G. Ballard, A User's Guide to the Millennium)


Parte 1

Parte 2

Parte 3.

Comentários versão beta - aviso importante

Com a migração deste blogue para a versão beta do Blogger, alguns leitores queixaram-se que não conseguiam deixar comentários. Esclareço que, com esta versão, a identificação do utilizador deixou de ser feita com a conta do blogger, passando a ser pela conta do Google (que, na versão beta, passou a confundir-se com a conta do blogger, deixando esta última de existir). A vantagem é que basta ter um endereço de email no gmail (algo hoje em dia bastante vulgarizado) para deixar comentários. Entretanto creio que neste momento voltou a ser possível comentar em blogues beta com a conta antiga do blogger, para quem a usar. Comentadores antigos podem voltar a comentar. Recomendo de qualquer maneira aos leitores que queiram dar-me o prazer de deixar comentários que obtenham uma conta gmail e a utilizem para se identificarem.
As utilidades da migração para a versão beta deste blogue vão ficando disponíveis. É o caso da lista de marcadores, na coluna da esquerda, para melhor identificar as entradas, que tem sido aplicada às entradas recentes e foi entretanto sendo aplicada às entradas mais antigas.

O acto sexual é para ter filhos


Agora que temos novo referendo sobre a IVG aí vai o poema de Natália Correia para recordarmos...
«O acto sexual é para ter filhos» - disse na Assembleia da República, no dia 3 de Abril de 1982, o então deputado do CDS João Morgado num debate sobre a legalização do aborto.
A resposta de Natália Correia, em poema - publicado depois pelo Diário de Lisboa em 5 de Abril desse ano - fez rir todas as bancadas parlamentares, sem excepção, tendo os trabalhos parlamentares sido interrompidos por isso:


Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.


( Natália Correia - 3 de Abril de 1982 )

Wednesday, January 17, 2007

Problemas resultantes de uma educação defeituosa, cruelmente exposta pela releitura de algumas secções de Against the Day

Graças a esta espectacular sucessão de reguadas do professor Fernando J. A. S. Barriga (um perfeito nome Pynchoniano) e também a este divertido boneco, consegui esclarecer as dúvidas que tinha sobre o Espato da Islândia (existe mesmo).
Mas com a experiência de Michelson-Morley, isto está mais complicado. Comprometo-me a colocar 10 libras num cavalo à escolha da pessoa que me conseguir explicar isso - por mail, e em menos de 250 palavras. Tenham em conta que ainda nem sequer consegui perceber o que é um interferômetro, apesar de gostar muito da palavra.

Problemas resultantes de uma chegada tardia à blogosfera (e de muito tempo perdido a ler os arquivos dos outros)

- Concordar enfaticamente com alguém que entretanto mudou de opinião;

- irritar-me com polémicas das quais já ninguém se lembra;

- não saber quem era, afinal, o Pipi.

Realidade plagia Dickens

« The novellist Ian McEwan has discovered that a bricklayer is the older brother he never knew he had (...) The revelation emerged that Rose McEwan, the novelist's mother, had given away Ian's older brother, Dave, at a railway station. (...) The lives of the two men have taken very different paths. Mr Sharp, 64, worked in the building industry in south-east England during the post-war years. His undiscovered brother went from private school to university before finding international acclaim with such novels as Atonement, and Enduring Love. For 20 years the brothers lived just 15 miles apart, Mr McEwan in Oxford's exclusive Park Town, and Mr Sharp in the Wallingford (...) »

- The Guardian

Os dez maiores portugueses – a minha escolha pessoal (II)

Reitero que a minha selecção baseou-se no critério de que o que era importante era escolher portugueses que ou tivessem influenciado a história da Humanidade, ou cuja obra ou simplesmente cuja história de vida fosse um exemplo para todo o mundo, e não somente para Portugal. Desta forma excluí deliberadamente “heróis nacionais” portugueses. É um critério meu, e é claro que é discutível. Mas quando se compararem as escolhas de diferentes pessoas, deve-se comparar ao mesmo tempo os diferentes critérios. Pelas escolhas dos dez finalistas de outros países, é claro que foram usados critérios bem diferentes dos meus, muito mais nacionalistas. Se eu fosse escolher pelo mesmo critério com que os britânicos escolheram o Lorde Nelson, certamente teria escolhido D. Nuno Álvares Pereira. Se fosse pelo mesmo critério com que os alemães escolheram Adenauer ou Bismarck, eu teria escolhido D. Afonso Henriques. Se fosse pelo critério com que os americanos escolheram vários dos seus presidentes (com Ronald Reagan à cabeça…) ou os alemães escolheram Willy Brandt, certamente Mário Soares não faltaria na minha lista. Mas não; escolhi de acordo com os meus critérios. Uma escolha destas também é uma escolha de critérios.

Tuesday, January 16, 2007

Os dez maiores portugueses: a minha escolha pessoal

Faço primeiro uns esclarecimentos. Só incluí nesta lista cidadãos portugueses que se distinguiram pelo contributo que deram para o mundo. Quem eu aqui incluo, creio merecer ser conhecido por qualquer cidadão pela sua história pessoal, pela sua obra, pelo seu exemplo. Estou mais preocupado com esta visão mais universalista do que com escolher pessoas que influenciaram o Portugal que somos, mas só o nosso país. Isso explica a ausência desta lista de pessoas como D. Afonso Henriques, o Marquês de Pombal, Fontes Pereira de Melo e (sobretudo) Mário Soares, uma personalidade que, como é sabido, eu muito admiro.
A ordem por que os indico é cronológica. Mas, curiosamente, é mais ou menos a ordem de importância relativa que eu lhes atribuo. Uma ordenação por importância não seria muito diferente desta, exceptuando talvez pequenos ajustamentos, como uma "despromoção" do Eça. O que se conclui daqui? Que fomos muito mais relevantes no passado do que somos agora. Esperemos que esta tendência se inverta. Afinal, indico quatro portugueses do século XX e um do século XXI.
Não poderia deixar de incluir algo relacionado com o Brasil (a nossa maior realização). Não poderia ignorar o fado. Não poderia ignorar algumas (efémeras) glórias desportivas; neste campo escolhi quem eu acho mais exemplar, pois distinguiu-se à custa do seu trabalho e não, como muitos outros, à custa de um talento inato e muitas vezes desperdiçado.
Finalmente, muitas referências à literatura (onde creio sermos mesmo bons), nenhuma à ciência. Afinal, isto é suposto ser um retrato do país!
Aqui vai a minha lista:

  • Infante D. Henrique
  • Vasco da Gama
  • Pedro Álvares Cabral
  • Luís Vaz de Camões
  • Eça de Queirós
  • Fernando Pessoa
  • Amália Rodrigues
  • Álvaro Cunhal
  • José Saramago
  • José Mourinho

Sporting jogou com 10

Capa do jornal Record do passado sábado, antes do jogo com o Belenenses

I'll be your Sousa Tavares if you'll be my 24 horas

Numa sessão de perguntas e respostas organizada pelo Independent, alguém aproximou um frasco de mostarda do nariz de Martin Amis:

Q: The phrase "horrorism", which you invented to describe 9/11, is unintentionally hilarious. Have you got any more?

AMIS: Yes, I have. Here's a good one (though I can hardly claim it as my own): the phrase is "fuck off".

Monday, January 15, 2007

p. 1084



«The book by now has grown as large as a small city. There are neighborhoods, there are parks. There are slum conditions. It is so big that when people on the ground see it in the sky, they are struck with selective hysterical blindness and end up not seeing it at all.»

Viagens

Um marco pessoal do ano que findou: foi o ano em que bati o meu próprio record de países visitados. Estadias em Portugal, na França e na Holanda. Visitas à Alemanha (duas vezes), à Suíça e à Bélgica. Quase sempre por razões científicas de trabalho (embora em todas tenha aproveitado para fazer algum turismo e conhecer locais que não conhecia, como é evidente). Somente uma das visitas à Alemanha e a estadia na Bélgica foram apenas por turismo.
Gosto muito de viajar, mas um dos meus desejos para 2007 é que faça menos viagens e, em contrapartida, encontre maior estabilidade profissional.

Músicos de rua em Union Square, NYC

Black Wave/Bad Vibrations

Singing Hallelujah with the fear in your heart

Um ano passa num instante



Um Ano de fotografias de Sérgio Redondo, em exposição na "Trem Azul Jazz Store", até ao fim de Janeiro. Vale bem a pena ir à Rua do Alecrim 21A, em Lisboa.

Sunday, January 14, 2007

Vida, louca vida

...vida breve. Assim cantava o Cazuza. Mas, ao contrário do que infelizmente sucedeu com o Cazuza, uma longa vida cheia de histórias para nos contar (loucas ou não) é o que eu desejo ao Luís M. Jorge e ao seu novo blogue.

A extrema direita e o "direito social ao aborto"

Imagem via Cinco Dias


Certos sectores salazaristas gostam de falar em "iliteracia" e "ignorância" mas, afinal, são eles mesmos que não sabem ler. Eu nem me vou dar ao trabalho de o desmentir, tão evidente é a contradição entre o que escrevi e o que é sugerido que eu escrevi. Ao contrário do André Azevedo Alves (que deve achar que os seus leitores são estúpidos ou analfabetos), eu confio na inteligência dos leitores do Cinco Dias e do Avesso do Avesso.

Apocalisto



Em má hora resolvi ver o filme de Mel Gibson.

Cedi à tentação porque acabara de regressar da América do Sul e também por curiosidade.

Apocalypto é obra de um mentecapto que nos quer pregar moral defendendo, sem nunca demonstrar, que a destruição da civilização Maia e a colonização que se seguiu foram a consequência da sua própria decadência. Esta "ideia" não é de forma alguma explorada no filme limitando-se a constar de uma legenda introdutória.

Trata-se de uma tese reaccionária que culpabiliza os colonizados por o serem e que ignora todas as outras facetas, tecnológicas e outras, que explicam a supremacia militar.

Como se tal não bastasse o homem parece ter querido fazer um mostruário de lugares comuns: lá está o oportuno eclipse e também a fuga através da cascata que enxameiam todos os "filmes de acção" passados naquelas paragens.

A violência constante é tão excessiva quanto ridícula. E, segundo dizem, o ridículo mata mais do que qualquer outra coisa...

Anarchist's Golf


«The next day Reef, Cyprian and Ratty were out in the Anarchist's golf course, during a round of Anarchist's Golf, a craze currently sweeping the civilized world, in which there was no fixed sequence - in fact, no fixed number - of holes, with distance flexible as well, some holes being only putter-distance apart, others uncounted hundreds of yards and requiring a map and compass to locate. Many players had been known to come there at night and dig new ones. Parties were likely to ask, "Do you mind if we don't play through?" then just go and whack balls at any time and in any direction they liked. Folks were constantly being beaned by approach shots barreling in from unexpected quarters. "This is kind of fun," Reef said, as an ancient brambled guttie went whizzing by, centimeters from his ear.»

(Thomas Pynchon, Against the Day)

'Alexandre o Ghandi e as Chamuças da Morte'?

"YouTube: vídeo de Gandhi escandaliza a Índia"

- Diário Digital

O dia em que o historiador atravessou fora da passadeira



«(...) Apparently, however, as I was later told, "jaywalking" is a criminal offence in the State of Georgia. But I had no idea I had done anything wrong. A young man in a bomber jacket accosted me, claiming to be a policeman, but with no visible evidence of his status. We got locked in mutual misunderstanding, demanding each other's ID. I mistook the normal attitude of an Atlanta cop for arrogance, aggression and menace. He, I suppose, mistook the normal demeanour of an ageing and old-fashioned European intellectual for prevarication or provocation. His behaviour baffled me even before he lost patience with me, kicked my legs from under me, knocked my glasses from my nose, wrestled me to the ground, and with the help of four or five other burly policemen who suddenly appeared on the scene, ripped my coat, scattered my books in the gutter, handcuffed me, and pinioned me painfully to the concrete. (...) First, I learnt that the Atlanta police are barbaric, brutal, and out of control. The violence I experienced was the worst of my sheltered life. Muggers who attacked me once near my home in Oxford were considerably more gentle with me than the Atlanta cops. (...) Once in gaol I discovered another, better side of Atlanta. (...) In gaol, I saw none of the violence that typifies the streets. On the contrary, the staff treat everyone - including some of the most difficult, desperate, drunk, or drugged-out denizens of Atlanta's demi-monde - with impressive courtesy and professionalism. I began to suspect that some of the down-and-outs I shared space with had deliberately contrived to get arrested in order to escape from the streets into this peaceable world - swapping the arbitrary, dangerous jurisdiction of the cops for the humane and helpful supervision of the centre. (...) I then met the best of America when I appeared in court. (...) I watched Judge Jackson at work. He had 117 cases to try that day. He handled them with unfailing compassion, common sense and good humour. (...) It only took him a few minutes to realise that I was the victim, not the culprit. The prosecutors withdrew the charges. The judge then proclaimed my freedom with kindly enthusiasm and detained me for nothing more grievous than a few minutes' chat about his reminiscences of the Old Bailey. (...) But, at the risk of projecting my own limited experience on to a screen so vast that the effect seems blurred, I see bigger issues at stake: issues for America; issues for the world. I found that in Atlanta the civilisation of the gaol and the courts contrasted with the savagery of the police and the streets. This is a typical American contrast. The executive arm of government tends to be dumb, insensitive, violent and dangerous. The judiciary is the citizen's vital guarantee of peace and liberty. (...)

(The Independent)

Friday, January 12, 2007

O que fazer com €15M



Para começar: peguem no cheque e dirijam-se ao balcão do BPI mais próximo. Enquanto esperam, dancem a Lambada, pintem os formulários com lápis de cera, chorem como bebés, peçam a um funcionário para vos atar os sapatos, resmunguem sobre a falta de gosto de certas taxas de juro; enfiem o dinheiro em sacos de plástico, varram o piso com olhares devastadores e despeçam-se com uma gargalhada.
Voltem no dia seguinte com uma pistola na mão, uma meia de nylon na cabeça e sete bandidos contratados, gritem 'Mãos ao ar, escumalha!', ameacem o gerente com um dedo ríspido e gritos sincopados, arrombem o cofre, coloquem lá dentro palha, nozes, coisinhas brilhantes, e anunciem solenemente: "Isto é o meu ninho".
Sejam presos. Toquem músicas de Natal nas grades da cela, subornem guardas para vos trazerem gelados, paguem a fiança e deixem gorjeta, cocem as axilas no meio do tribunal, digam ao juiz que a Primavera é a melhor das estações, soprem-lhe beijos amorosos.
Construam uma casa no topo de um monte, um Xanadão com três pisos, oito garagens, court de ténis, cinema, piscina com trampolins de veludo endurecido, discoteca, sala de conferências, coreto, solário, jardim zoológico com golfinhos deprimidos e pandas confusos.
Convoquem a imprensa e denunciem o estado de coisas. Digam 'O estado das coisas é lamentável', e respondam a todas as perguntas com esta frase. Anunciem um projecto megalómano para fomentar a discórdia entre os espanhóis; ruminem horas a fio sobre o Destino Lusitano e depois digam: "um bulaquinho na palede". Façam-se convidados para um jantar oficial e abusem do ponche; agridam vereadores como uma balalaica prateada, interrompam anedotas a meio, empinem garfos na ponta do nariz, comentem um quadro de Paula Rego dizendo "Há ácidos próprios para este tipo de problema"; dedilhem as meias de renda da Primeira-Dama, ofereçam-lhe oitenta mil euros por um chocho.
Comprem um fato Armani e sapatos de pele de crocodilo, pavoneiem-se em frente dos mendigos gangrenados do Martim Moniz. Destroquem mil euros em moedas de cinco cêntimos e torturem até ao reumático o homem-estátua da Rua Augusta. Entrem numa carruagem do Metro na hora de ponta e gritem a plenos pulmões: "Eu é que tenho a bondade de vos auxiliar!", acenando notas estaladiças e perfumadas e depois fujam antes de as portas se fecharem. Vão a uma galeria de arte parisiense com um carrinho de supermercado, empilhem obras-primas como se fossem grades de Super-Bock, paguem o dobro do que é pedido, cliquem os tacões de felicidade, cantem. Repitam o processo cinco vezes.
Arvorem-se em mecenas renascentistas, contratem os pintores esfomeados de Florença para vos imortalizarem as feições, prometam horríveis torturas caso a verruga não seja aumentada, as sobrancelhas unidas. Marquem uma consulta com o melhor cirurgião plástico do planeta e exijam mais gordura nas coxas.
Trepem a encosta mais íngreme da Torre Vasco da Gama, atirem aviões de papel ao Tejo, façam chover cheques sobre Lisboa como um profeta Bíblico e depois gritem, "Esse dinheiro é meu!" Comprem um iate de luxo. Ou comprem dois e afundem um antes de ser usado. Baptizem o outro com um cálice de leite condensado. Chamem-lhe Afrodite, chamem-lhe Bananarama. Partam rumo ao alto mar.
Aluguem uma ilha remota no Pacífico ao governo das Filipinas, povoem-na com mercenários, hooligans, amoladores, cães salivantes, positivistas lógicos desempregados e coelhinhas da Playboy; alcem uma bandeira cor de mel, declarem uma cisão ideológica imaginária, formulem uma Constituição só de vogais, armem um exército de babuínos e declarem guerra à Lua. No solstício de Inverno, liderem uma procissão de escravos até ao ponto mais alto da ilha, e desvelem uma estátua oca - uma réplica perfeita da vossa divina figura. Revelem-se como a última descendência da linhagem dos Habsburgos e fuzilem quem tiver uma ideia melhor. Distribuam barras de ouro como tremoços. Sorriam para as câmaras e para o Céu.
Quando o dinheiro acabar, escondam-se dentro da vossa estátua e transformem-se em pedra para sempre.

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