Wednesday, February 28, 2007

Grandes momentos


Para o caso, improvável, de ainda haver alguém que não conheça este video AQUI está.

Também pode clicar na imagem.

A melhor hoax dos últimos tempos

Dr. Seuss interpretado por Dylan. Não sei quem é o responsável, mas merece um prémio qualquer.
(descoberto via Return of the Reluctant)
Por motivos surpreendentemente profissionais (isto soa tão falso dito por mim) o ritmo de actualização do blogue vai ser reduzido nas próximas quatro a seis semanas. Tentem ser fortes neste momento difícil.

Carnaval na Mealhada - o Rei não ia nu


O Rei do Carnaval da Mealhada (considerado o mais brasileiro de Portugal) foi, pela primeira vez, um actor português, Ricardo Pereira. Que, mesmo assim, foi apresentado como participando na telenovela brasileira "Pé Na Jaca".
Se eu quisesse ter tirado esta fotografia, provavelmente não a teria conseguido. Mas a verdade é que a tirei. E, por acaso, nessa altura o "rei" parece estar mesmo a puxar a roupa para cima. Roupa que, pelos vistos, lhe estava grande...

Carnaval na Mealhada - Tropicália


Ele organiza o movimento, ele orienta o Carnaval. Só não consta (por enquanto) que inaugure o monumento no Planalto Central. No comando da bateria da Mangueira, o Sandro.

Carnaval na Mealhada - a realeza dos bambas que quis se mostrar


Chegou a capital do samba
Dando boa noite com alegria
Viemos lhe apresentar o que a Mangueira tem
Mocidade, samba e harmonia
Nossas baianas com seus colares e guias
Até parece que eu estou na Bahia
Até parece que eu estou na Bahia

(Capital do Samba, José Ramos)

As baianas mais formosas também eram as da Mangueira.

Tuesday, February 27, 2007

Carnaval na Mealhada - o desfile


Quem nunca tinha assistido, como é o meu caso, provavelmente não estava à espera, mas esta é uma festa de todas as idades. O empenho dos menos novos é notável.

The Really Really Everlasting Man

Segundo o Chicago Sun-Times, G. K. Chesterton vai participar numa sessão de autógrafos, dia 10 de Março, na livraria Centuries & Sleuths em Forest Park, Illinois.
A não perder, obviamente.

(via Golden Rule Jones)

Not lovin' it



«The Prince of Wales threw his weight into the debate about healthy eating today and told a nutritionist that the “key” was to ban McDonald’s fast food restaurants. (...) Talking to Nadine Tayara, a nutritionist (...), he asked her: “Have you got anywhere with McDonald’s? Have you tried getting it banned? That’s the key.”»

(The Times)


Banir o McDonald's? Sempre achei que ser republicano no Reino Unido faz tanto sentido como ser monárquico em Portugal, mas o Príncipe Gaffarlos testa a minha posição de princípio com uma frequência assinalável. Está na hora de a Casa Real contratar um assistente especial, cuja única função será mostrar discretamente ao Príncipe um retrato de Cromwell, cada vez que ele abrir a boca para defender uma solução revolucionária para o que quer que seja.

(p.s.: não sei se a escolha da expressão "threw his weight" para iniciar o parágrafo revela um jornalista apressado ou espirituoso. Mas aposto cinco happy meals em como o preguiçoso trocadilho do título deste post vai aparecer num tablóide qualquer amanhã.)

Bella Italia - onde a esquerda é sinistra

A recente minicrise italana teve duas consequências (ao nível da blogosfera de esquerda portuguesa) que eu não esperava: fez-me concordar genericamente com o Daniel Oliveira (registo com agrado a sua evolução face a tomadas de posição anteriores sobre o mesmo assunto). E discordar frontalmente do Nuno Ramos de Almeida, que tão gentilmente me acolhe às sextas no Cinco Dias.
Telegraficamente, o que diz então o Nuno? Concorda: "é fundamental impedir o acesso ao governo à direita de Berlusconi, mas para isso não é necessário ir para o governo, bastava um acordo de incidência parlamentar." Tem graça que neste caso o que falhou mesmo foi o referido "acordo de incidência parlamentar". A crise foi gerada no Senado; não teve origem no governo. E "ir para o governo, ganhando alguns lugares, em troca de abdicar do programa" não é necessariamente uma afirmação de coragem, mas também não é de oportunismo. É uma afirmação de responsabilidade: de preferir trabalhar, implementar medidas concretas e fazer o melhor que se for possível, não se limitando à posição confortável (e sem responsabilidades) da crítica no café, nas colunas de jornal ou no blogue.

Monday, February 26, 2007

Sabem o que é isto ?



É um disco rigido de 5MB a ser embarcado num avião em 1956
...

Fitness


The avoidance of taxes is the only intellectual pursuit that carries any reward.

(John Maynard Keynes)


Tal como os treinadores de futebol modernos preparam fisicamente os seus jogadores para estes atingirem o pico de forma na altura dos jogos cruciais, também eu manipulo a minha dieta intelectual de forma a que o cérebro chegue a Março/Abril nas melhores condições possíveis. Estamos portanto a chegar àquela altura da época em que se arruma a televisão no sótão, e se retira da estante toda a artilharia pesada. Isto resulta, mas prometo que os leitores do blogue não darão pela diferença; o meu melhor trabalho (os dribles, os sprints, os pontapés de bicicleta) está reservado para uma audiência restrita.

Oscars™ - what could have been





Sim, sim, Ellen, Jon Stewart, Billy Crystal, uns amores de pessoas. Mas só volto a sintonizar uma cerimónia que seja apresentada por um destes dois senhores.

(O momento mais honesto da noite foi o bocejo de Seinfeld).

Parabéns, Mr. Gore!

Imagem Mónica Almeida/NYT

Conseguiu o que nenhum outro Presidente ou Vice Presidente americano (nem mesmo Ronald Reagan) alguma vez tinham conseguido.
Do discurso de aceitação:
"Esta não é uma questão política, é uma questão moral. Temos tudo para começar, exceptuando talvez a vontade de actuar. E isso é uma energia renovável."

Parabéns, Mr. Scorsese!

Imagem Mónica Almeida/NYT

Já não era sem tempo.

Sunday, February 25, 2007

Oscars™ - previsões

O Kodak Theatre vai estar a três quartos. O monólogo de abertura de Ellen vai incluir uma referência enigmática à Maçonaria. Clint Eastwood vai aparecer vestido de mulher. Bjorn Lomborg vai ser o convidado-surpresa, entregando o prémio a um animado Al Gore. Helen Mirren vai agradecer o prémio mais irritantemente inevitável dos últimos anos com uma série de flexões de braços, em homenagem a Jack Palance. Forest Whitaker vai ameaçar a orquestra com fuzilamento quando esta lhe interromper o discurso. Scorsese vai permanecer sentado depois de o seu nome ser anunciado como Melhor Realizador, gritando colericamente para as câmaras: "Fuck you, I don't want one now!".
Babel vai mostrar que a vitória de Crash não foi um caso isolado, e que o "mosaico pretensioso" é agora o modelo de sucesso a seguir.

Saturday, February 24, 2007

Espaços onde se pode espirrar


A sucessão de sintomas parecia-se cada vez mais com uma experiência dadaísta, pelo que foi quase um alívio quando desatei a espirrar. Falta de ar puro, creio; eu tenho muito pouco acesso a ar puro. O pai de um amigo meu diz "Madjifa!" sempre que espirra, e eu nunca tive coragem de perguntar porquê. Mas, inexplicavelmente, apanhei o hábito, e tenho passado o dia nisto.
Mudando de assunto, uma pessoa que me conhece bem alertou-me para um facto curioso: há um tema que acho muito interessante, e sobre o qual discorro constantemente em conversas pessoais, mas que nunca abordei aqui no blogue. Fui reler parte dos arquivos (não recomendo, já agora; é tão doloroso como ouvir a nossa própria voz reproduzida num leitor de cassetes) e não é que ela tem toda a razão? Há mesmo um tema sobre o qual discorro constantemente em conversas pessoais, mas que nunca abordei aqui no blogue. Não encontro explicação para isto, e a falta de ar puro não justifica tudo.
Mudando de assunto, abri hoje um precedente perigoso, ao apostar num cavalinho chamado 'Your Advantage', um gesto apenas ligeiramente menos idiota do que responder a um anúncio para dobrar circulares. Em minha defesa, gostaria de realçar que a aposta, por motivos de saúde, foi feita via internet, num lugar com um notório défice de ar puro.
Mudando de assunto, continuo a ler o Metamagical Themas. Ler um volume de crónicas com a data de 1985 na página do copyright é, na gloriosa expressão do sagaz tacticista Jaime Pacheco, uma faca de dois legumes. Por um lado habilitamo-nos a desfrutar de uma série de ideias e factóides interessantes, justamente repescados ao charco da amnésia cultural. Por outro arriscamo-nos a levar com dois capítulos inteiros dedicados ao cubo de Rubik, ou, como Hofstadter faz questão de lhe chamar, o cubo de Rubik/Ishige.
Terutoshi Ishige era um engenheiro autodidacta de Tóquio, que teve a ideia para o brinquedo independentemente de Erno Rubik, mas alguns meses depois de Erno Rubik. A sua patente ainda chegou a ser registada no Japão, mas, por motivos óbvios, a comercialização do produto não lhe rendeu um iene. Sinto sempre uma grande empatia com os desgraçados que chegam com atraso ao seu próprio rasgo de originalidade. Quantos de nós não tivémos, na nossa adolescência, uma ideia excelente para um conto, apenas para virmos a descobrir que o conto já tinha sido escrito por alguém (normalmente por Jorge Luís Borges)?
Não mudando exactamente de assunto, digo-vos que há por aí algures um hipotético desgraçado que teve a ideia de iniciar um blogue chamado Pastoral Portuguesa e que vai apanhar uma grande desilusão quando o Blogger rejeitar a sua tentativa de baptismo. Gostaria de informar o hipotético desgraçado que deixo a porta aberta à negociação.

Madjifa!

Friday, February 23, 2007

O português mais português que eu conheci


(Imagem roubada daqui; foi a única que encontrei.)

No passado verão, encontrava-me eu no Público a estagiar como jornalista científico. Atrás de mim sentavam-se os designers, que se encarregavam dos suplementos semanais. Sempre que alguém desta equipa de simpáticos profissionais estava de volta da próxima edição do Inimigo Público, aparecia um indivíduo mais velho, de trajo mais formal, gel na cabeça e mãos nos bolsos.
O ambiente na redacção de um jornal não é propriamente o mais calmo: há sempre conversas entre jornalistas, de trabalho ou não, que constituem um ruído de fundo geralmente alegre e não incomodativo. Acabamos por nos habituar e conseguir trabalhar. Mas cada vez que o dito senhor aparecia, tínhamos de ouvir a sua conversa com os designers, as piadas que ele lhes contava, e que terminavam sempre com as suas gargalhadas, altíssimas e algo alarves, que se ouviam naquele andar todo. O senhor pelos vistos achava muita graça a si próprio.
Um dia eu finalmente não aguentei mais. Dirigi-me ao senhor e pedi-lhe que falasse mais baixo, pois estava a incomodar-me e não me deixava trabalhar. Embora não deva ter sido propriamente simpático, pois encontrava-me (julgo que) compreensivelmente agastado, garanto que falei sempre com bons modos. Mas tal não foi suficiente para o senhor, que (numa reacção que nunca esquecerei) me mirou de alto a baixo e perguntou: “Quem é você?” Para de seguida me acusar de o “mandar calar” (algo que nunca fiz).
Compreendo que o senhor se manifestasse surpreso por ver um estagiário dirigir-se-lhe desta forma: os estagiários estão na base da hierarquia do jornal, à procura de uma vaga no quadro. Está certo que eu não era um estagiário como os outros (nomeadamente não pensava seguir a carreira de jornalista). Mas dirigi-me a ele, sem saber quem ele era, como me teria dirigido a qualquer outra pessoa (sempre com bons modos): por estar convencido da minha razão. Nunca vislumbrei no senhor qualquer pedido de desculpas ou sinal de arrependimento. Mas pela forma como me questionou, é legítimo pensar que, se me conhecesse, nomeadamente se eu me chamasse Belmiro ou Zé Manel, a sua reacção teria sido outra. Quando alguém chama a atenção a este senhor, pelos vistos é mais importante a posição da pessoa do que a razão que eventualmente possa ter.
O episódio passou-se, e entretanto o meu estágio no Público acabou. Não fazia na altura ideia de quem era o indivíduo com quem tinha protagonizado este episódio. Vim mais tarde a descobrir tratar-se do director do suplemento Inimigo Público. E só ainda mais tarde descobri o seu nome, e que era membro permanente do painel de comentadores do programa O Eixo do Mal, estando na origem da recente iniciativa para a escolha do “pior português”. Não o vou classificar como “bom” ou “mau”, pois todos temos virtudes e defeitos. Mas pelo comportamento que evidencia no que aqui relatei sobre o barulho na redacção (sobranceiro para com os estagiários, subserviente para com os poderosos) e pela tendência para a maledicência no que diz respeito aos seus compatriotas e semelhantes, considero que, de todos os portugueses que eu conheci, Luís Pedro Nunes, ele sim, neste pequeno episódio, representou o pior de ser português.

Publicado originalmente no Cinco Dias.

Thursday, February 22, 2007

Quando as letras não pagam as expectativas

No Diário de Notícias de domingo, é-nos apresentada uma série de licenciados no desemprego ou que vivem de biscates. Entre eles inclui-se uma antiga colega de blogue minha.
Olhando para o perfil dos licenciados em questão, vê-se que todos eles têm algo em comum. O quê? Não o terem estudado numa universidade privada: a maioria dos seleccionados até estudou no sector público. (Embora o desemprego de licenciados afecte sobretudo alunos de universidades privadas que apostam em cursos baratos – para a universidade -, de “papel e lápis”, sem qualquer preparação técnica, só para “garantir o canudo” ao cliente – o aluno.) O ISCTE, por exemplo, “contribui” com dois alunos, não ficando nada bem visto (o que, comparado com outras universidades, acaba por ser injusto). Mas qual é o problema? O que têm todos em comum? Muito simples: são “de letras” no secundário. Não estudaram matemática a partir do 10º ano. E agora deu nisto que se vê. É essa a característica básica do desempregado licenciado. Anos e anos de tolerância com o desinteresse e as más notas pela matemática deram nisto.
Mais do que um “Plano Nacional de Leitura”, do que Portugal precisa urgentemente é de um “Plano Nacional de Matemática”. Que poderia começar pela obrigatoriedade da frequência desta disciplina até ao 12º ano, qualquer que fosse o “agrupamento” de opção escolhido.

The Modern Lovers


Ultimamente têm-me acontecido algumas coisas que nunca aconteceram a Pablo Picasso.

E tudo se acabou na quarta feira

De volta, depois da folia bairradina. A reportagem fotográfica segue dentro de momentos.
Aqui por estas bandas tudo começou numa Quarta Feira de Cinzas. Há quase um ano.

Wednesday, February 21, 2007

Um carnaval sem samba



Ontem passei a tarde em Lazarim, no concelho de Lamego, onde o carnaval ainda não foi "infectado" pelo samba. O pessoal mistura-se com as máscaras esculpidas em madeira







e depois acaba tudo à volta das panelas do feijão.



O prato forte durante a tarde de terça-feira são os testamentos dos compadres e das comadres que consistem, no essencial, em "rebentar as broncas" aos jovens da terra.

Aqui vão alguns exemplos das quadras lidas no largo da aldeia perante os foliões:




Quando tocares no apito
Não o mostres a ninguém
Apenas à namorada
Para ela o tocar também

Não sei que raio vos deu
Parece que é comichão
Passais a vida a coçar
O instrumento com a mão.

Sois todos uns paneleiros
Que não valem 2 vinténs
Ninguém quer de vós saber
Até vos mijam os cães.



[excerto do Testamento do Compadre de 2000]

Martin, the unfuckable

«I don't know if you've ever had one of those periods in your younger years when suddenly, not only are you not seeming to get a girlfriend, but it's as if the women all know that you can't get a girlfriend. The news has got around that you're not going to get a girlfriend. (...) I was beginning to understand what it must be like to be Philip Larkin — the women all know. I didn't actually fear it then; well, no, I did. I was just feeling sort of grubby and exasperated, it just gets worse and worse. The women all—it's as if they've all been ringing each other up and saying, "Don't go near that guy".»

- Martin Amis, casado com Isabel Fonseca, faz uma inesperada colagem ao eixo Mexia/Galvão, nesta entrevista à Radar Online (via The Elegant Variation)

E o centenário de John Wayne é logo a seguir

«In readiness for an expected flurry of visitors to York for the centenary celebrations of Auden's birth, local cab drivers have been trained to recite his poems to their unsuspecting passengers.»

-The Guardian


(Comemora-se este ano o centenário dos nascimentos de Miguel Torga e da Irmã Lúcia. Faço questão de apanhar pelo menos um táxi sempre que vou a Portugal, e ficaria muito feliz se, na minha próxima deslocação, o senhor taxista me regalasse com histórias sobre bichos e visões do apocalipse, em vez das habituais histórias sobre bichos e visões do apocalipse.)

Tuesday, February 20, 2007

39º

A medicina - nas suas variantes mainstream e alternativa- deixou-me, mais uma vez, ficar mal. Um amigo escocês, a estudar para ser médico, disse-me gravemente que o meu sistema imunitário é uma anedota, e que eu preciso de adicionar mais zinco à minha dieta. Uma tia portuguesa aconselhou-me a pendurar o rosto por cima de uma tigela com água a ferver, até "sentir a maleita evaporar".
Amizade e família, leitor; estas são as nossas bases.
Num sentido, pelo menos, o meu amigo está errado: o meu sistema imunitário não é uma anedota. Na verdade, é capaz de ser o sistema imunitário com o pior sentido de humor do planeta. Os meus linfócitos comportam-se como descendentes de João Calvino: não há três horas de divertimento que não sejam invariavelmente punidas com três dias de inferno viral.
Com uma febre alta e constante, e duas noites seguidas sem dormir, achei que estavam reunidas as condições ideais para me sentar novamente em frente a um televisor ligado.
No Channel 5, Batman Returns. Desenvolvi nos últimos anos a seguinte teoria: Tim Burton é uma fraude e qualquer filme seu - com a excepção de Beetlejuice - tem tendência a piorar consideravelmente de cada vez que o vimos, mas neste caso senti-me tentado a dar-lhe o benefício da dúvida, e a apontar o dedo acusador ao responsável pela montagem. Burton deve ter rodado película suficiente para uma comédia genial e para um fétido e fumegante petit-guignol; o editor tramou-o e misturou tudo. Talvez a hora tenha coincidido com o período de maior febre (eventuais delírios, etc.) mas fiquei convencido de que deixas como «Perhaps when I held my Tiffany baby rattle with a shiny flipper, and not five chubby digits, they freaked», diálogos como « 'He's like a frog that became a prince.' 'No, he's more like a penguin.' », ou cenas como aquela em que Danny DeVito informa histericamente uma plateia de simpáticas aves palmípedes de que «Male and female ... hell, the sexes are equal with their erogenous zones blown sky-high» mereciam um filme melhorzinho.
Pequeno zapping para apanhar o Gladiator, que revi pela primeira vez desde que estreou nas salas de cinema. Gostei mais agora. O esqueleto da história, que é tão antigo como a Literatura (homem quer regressar a casa depois de uma guerra e não o deixam) é suficientemente forte para sustentar algum diálogo esfarrapado. Foi algo desconcertante ver o Johnny Cash, com uma coroa de louros na cabeça, a ser tão mau para as pessoas. Ele próprio termina o filme bastante mal tratado, mas já depois da queda do Império, o venerável Rickus Rubinus viria a reabilitá-lo. Final feliz também para ele.
A noitada acabou - e a febre finalmente baixou - com um documentário sobre W. H. Auden. Os documentários das televisões britânicas sobre romancistas ou poetas são invariavelmente bem pesquisados e bem escritos, mas pecam pelo uso abusivo do mais irritante recurso audiovisual que conheço: a "reconstituição". A "reconstituição" resume-se a isto: um actor baratucho e desconhecido pavoneia-se de um lado para o outro tentando parecer pensativo (olhando, para este efeito, através de uma janela, enquanto segura um lápis) ou atormentado (rasgando/queimando papéis, ou insultando Deus/os elementos através da mesma janela através da qual já olhou pensativamente segurando um lápis). Este documentário evitou a farsa, porque teve a sorte de poder recorrer a extensivas imagens de arquivo, algumas delas inéditas.
O rosto de Auden, familiar das fotografias a preto e branco, parece outra coisa, em movimento e a cores. Parece, aliás, merecer um documentário próprio; nunca tinha visto tantas rugas em coexistência pacífica num espaço tão exíguo.
Uma legenda informa o espectador de que a entrevista foi gravada em Londres, nos anos 60, mas era possível adivinhar a antiguidade do fragmento mesmo antes de ver o corte dos casacos ou o padrão da alcatifa do estúdio: entrevistador e entrevistado seguravam (entre dedos esplendidamente encardidos) dois cigarros sem filtro, que fumaram com brio ao longo da meia-hora seguinte
Espero que os futuros actores do Reino tenham estado atentos, e tirado notas: Auden não mostrou muita vontade em parecer pensativo ou atormentado. A dada altura, o entrevistador discorreu longamente sobre um dos poemas juvenis de Auden sobre a Guerra Civil de Espanha. Este esperou que ele terminasse, piscou os olhos e disse: «Well, frankly, no. Nearly everything that you have just said is rubbish.»
E depois de um ataque de tosse de quatro estrofes, explicou-lhe pacientemente porquê.

Ainda o Mapa do Referendo

Quando escrevi o post anterior, ainda a procissão ia no adro, posteriormente, tornou-se o principal motivo de análise dos resultados eleitorais.
Confirmando aquilo que tinha dito, a maioria dos comentadores da direita e, muita vezes, alguns dos adeptos do sim, tentaram retirar a Igreja Católica da lista dos derrotados do Referendo e negam que haja qualquer relação entre a sua influência e a distribuição dos não. Valha-nos o inefável César das Neves que escreve um artigo sobre A enorme derrota da Igreja (Diário de Notícias, 19/02/07).
Mas voltemos ao mapa dos resultados eleitorais. O Público (18/02/07) afirma em título que O voto católico não existiu no referendo sobre o aborto, depois, utilizando aquela sopa muito do agrado dos jornalistas, vai amontoando opiniões de estudiosos que, espremidas, levam à conclusão do título. Assim, temos algumas sentenças que são do senso comum: “a repartição faz sentido se o factor religiosos não for isolado” (Alfredo Teixeira) ou “a influência religiosa é mais determinante no sentido do voto do que (o eleitor) ser da zona rural ou urbana” (José Barreto) ou que resultam da superioridade intelectual de quem já tem outro nível de conhecimento: “teríamos ainda um certo paternalismo das elites intelectuais anticlericais” (Helena Vilaça).
Mas este é o fait divers das pequenas almas, falta-nos as opiniões dos grandes comentadores. Rui Ramos, esse pequeno provocador da direita, tem no Público (14/02/07) esta prosa bem informada: “as esquerdas em Portugal acreditaram sempre que a “modernidade” consistia numa simples versão laicista da homogeneidade católica, todos um dia seriam “homens de esquerda” (inclusive as mulheres). Foi o que aprenderam com Auguste Comte. O progresso iria consistir no triunfo total do secularismo socialista... Foi assim que Afonso Costa, em 1910, se convenceu de que poderia acabar com o catolicismo em “duas gerações”. O que aconteceu a seguir é conhecido. Mas, pelos vistos, houve quem não tivesse aprendido nada. As esquerdas portuguesas dão-nos as boas-vindas ao século XXI com as ideias do século XIX”.
Constança Cunha e Sá, sem a erudiçãozinha de Rui Ramos, pois não é Historiadora, afirma igualmente no Público (15/02/07): “Embora a esquerda, com o seu incurável optimismo, se refugie mais uma vez, no improvável progresso da história para saudar efusivamente a entrada de Portugal no século XXI, só muito dificilmente o mapa eleitoral deste fim-de-semana se presta a este tipo de simplificações. Nem o distrito de Braga, onde ganhou o “não”, se pode tomar como um exemplo de “arcaísmo” e de “ruralidade”, nem o Alentejo, pobre e desertificado, preenche os requisitos mínimos que se exigem à “modernidade”.”
Em primeiro lugar, assinalar a irritação que o cartaz do Bloco de Esquerda provocou nas hostes da direita. O Bem-vindo ao Século XXI pô-los possessos.
Em segundo, alguns comentários de fundo. Como demonstra André Freire (Público, 19/02/07) existe uma correlação claramente positiva entre as zonas onde se verifica maior prática religiosa e o voto do não. Por isso, não faz sentido negar que o não não venceu em zonas de maior influência Católica. Olhando para o mapa da votação por conselhos publicado no Público (12/02/07), verifica-se que a vitória do não ocorreu na totalidade dos distritos de Braga, Bragança, Vila Real e nas duas Regiões Autónomas. Na maioria dos concelhos de Viana do Castelo, Viseu, Aveiro e Guarda, nestes dois últimos com a excepção notória das capitais de distrito, e ainda na Zona do Pinhal, localizada no Centro do país e que abrange concelhos dos distritos de Castelo Branco (Sertã, Vila do Rei, Proença-a-Nova), Santarém (Ferreira do Zêzere) e Leiria (Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos). O concelho de Ourém (distrito de Leiria), onde se localiza Fátima, está incluído nesta mancha central. Tudo o mais são vitórias do sim. Só por grande má-fé se pode negar que esta distribuição não corresponde ao voto Católico. É evidente que, como também nota André Freire, há uma correlação positiva, em relação ao voto do não, entre as votações para o Referendo e para a Assembleia da República (2005) do PP-CDS e do PSD, mais deste último do que do primeiro. Por isso, é uma verdade de La Palisse dizer que o factor religioso não está isolado. No post anterior interrelacionei a componente religiosa e política. Lembraria igualmente que a conspiração contra as forças revolucionárias no pós 25 de Abril teve um dos seus esteios na Sé de Braga, na figura do Cónego Melo.
Há depois a questão do voto rural e urbano e aqui uma das citações a que recorri, chega à brilhante conclusão de que o sentido do voto é mais religioso do que a resultante da dicotomia urbana rural. É o que tenho vindo a dizer. Mas este tema serve a Constança Cunha e Sá para falar da moderna Braga que vota não e do Alentejo rural que vota sim, pondo assim em causa a classificação do Norte como arcaica e do Sul como moderna. No entanto, se compararmos as diferenças entre o não e o sim na cidade de Braga e em conselhos rurais desse distrito verifica-se que nestes últimos a diferença é muito maior, a favor do não. Mesmo no Norte não é indiferente estar em cidades médias ou no campo (veja-se os casos já citados de Aveiro e Guarda). A Igreja Católica tem muito mais influência neste meio do que naquele.
Por outro lado, Constança Cunha e Sá simplifica e pretende fazer graça com os alentejanos a votarem na modernidade e os trabalhadores de Braga a votarem no arcaísmo. Esquece, no entanto, que o que esteve em causa foi a oposição entre a laicidade e a liberdade individual de cada um, que são conceitos das Luzes, da Revolução Francesa, da modernidade civilizacional europeia, e a obrigatoriedade de forçar a sociedade a cumprir as leis impostas pela moral da Igreja, no fundo semelhante à imposição das regras do Corão às sociedades muçulmanas. Neste caso os pobres alentejanos estão com a modernidade e algumas das trutas da medicina estão os com os valores conservadores e retrógrados. Venceu o progresso e é isso que a direita não admite e tudo tem feito para minimizar esta sua derrota.
Deixei para o fim o Sr. Rui Ramos, Historiador, com H maiúsculo. Impressionado com os conhecimentos que tem de Auguste Comte e da política anticlerical de Afonso Costa, foi incapaz de compreender que o país há muito mudou. A questão religiosa deixou de ser uma bandeira da esquerda. Na longa noite do fascismo, que aquele senhor provavelmente nunca conheceu, os comunistas e a oposição em geral sempre estenderam a mão aos católicos. No pós 25 de Abril a moderação com que o PCP e o PS trataram o problema religioso foi exemplar. O único afloramento foi a questão do divórcio, que foi resolvida sem grandes rupturas. E que grandes culpas tinha a Igreja no apoio dado a Salazar, avalizando a tortura, as prisões, a Guerra Colonial, favorecendo a ideologia oficial e apoiando activamente a censura e a supressão de tudo aquilo que traduzisse, aos seus olhos, qualquer licenciosidade. Há muito que a esquerda se deixou do simplismo da I República, para quem a abertura de uma escola correspondia ao fecho de uma igreja. A esquerda ultrapassou, para infelicidade do comentarista, o positivismo comtiano que relacionava o acesso à educação coma diminuição da crença religiosa. Portanto, o Sr. Rui Ramos aldraba quando diz que as esquerdas portuguesas não aprenderam nada depois da I República, ele é que continua a manter o mesmo ódio a tudo o que é progresso e transformação das mentalidades.
PS.:noutro blog apareceu simultaneamente uma crítica ao texto de Rui Ramos. Sem a acrimónia que aqui lhe manifesto, parece-me ser uma análise bastante fundamentada ao referido comentário. Preocupei-me unicamente com a sua afirmação de que a esquerda não tinha aprendido nada depois da I República, António Figueira, e bem, desmonta todo o texto. Os meus parabéns.

A música dele, sim, é de levantar poeira

Por estes dias, aqui por este rectângulo, a Capital do Samba é a Mealhada, onde me desloquei, mascarado de judeu ortodoxo, para assistir ao vivo à versão local da Mangueira, cuja bateria é comandada nem mais nem menos do que pelo Sandro. Bom Carnaval para todos.

Monday, February 19, 2007

O Ano (chinês) do Porco

Assistimos ontem, em directo, à chegada do Ano (chinês) do Porco.
Aqui fica este registo fotográfico do evento e também uma caracterização dos nascidos neste signo:

O décimo segundo ramo da astrologia chinesa é simbolizado pelo signo de Porco (Hai). A generosidade é a característica mais marcante da pessoa nascida sob este signo. Ela faz o que pode para ajudar as pessoas queridas e está sempre aberta para ouvir os problemas dos outros e oferecer conselhos. É bondosa, amorosa e nutre uma profunda necessidade de se sentir aceite. Aliás, para conquistar o afecto dos outros, ela chega a fazer sacrifícios e a passar por cima dos próprios interesses. Ao mesmo tempo, o Porco tem também um lado ávido e egoísta, que preza demais os bens materiais e os prazeres, em todas as suas formas - o sexo, o conforto, a boa mesa... Apesar do seu coração puro e quase infantil, o nativo de Porco pode revelar uma faceta negativa, caracterizada pelo espírito de vingança e pela dificuldade em aceitar as limitações impostas pela vida.

Quem queira saber mais sobre os signos chineses deve ir AQUI

Sunday, February 18, 2007

A minha música não é de levantar poeira


Uma das coisas que eu faço, quando se aproxima o Carnaval, é ouvir intensivamente o Chico Buarque. Quem me lê pode julgar que eu não ouço outra coisa, mesmo durante o resto do ano, mas tal não é verdade. Só mesmo no Carnaval.
O último CD do Chico Buarque é bastante atípico, e uma das razões é só haver uma vaga referência ao Carnaval (logo na melhor música, Dura na Queda) não incluir nenhuma canção dedicada à escola de samba Mangueira, como era tradição nos últimos discos. Paratodos incluía Piano na Mangueira; Uma Palavra, a excelente Estação Derradeira; As Cidades, Chão de Esmeraldas e Chico ao Vivo, para além desta última ainda tinha Capital do Samba. Fico pelas clássicas, que seja. À guisa de homenagem a Tom Jobim, no ano em que completaria 80 anos, deixo-vos com Piano na Mangueira.

Domingo, gordo


Auto-referencialidade (9)

Este post é tão confiante que se linka a si próprio.

Auto-referencialidade (8)

Este post está tão nervoso que a palavras trocou da ordem.

Friday, February 16, 2007

A esquerda "carnívora" e a esquerda "vegetariana"

Graças ao António Amaral cheguei a um interessante artigo de Mário Vargas Llosa que, em Portugal, só se deve ler para a semana, sobre a esquerda latino-americana. É interessante a distinção que é feita entre a esquerda "vegetariana" (Lula, Bachelet, Garcia) e a esquerda "carnívora" (Castro, Chávez, Moralez). É a primeira vez que me identifico mais com os "vegetarianos" - logo eu, que tenho a fama (e o proveito) de ser um carnívoro (e peixívoro) impenitente. Em nome da ecologia, praticamente deixei de consumir caça e só como animais que foram criados para serem consumidos pelo homem. Mas o vegetarianismo é que não é para o meu metabolismo, e não creio ser muito bom para a saúde (pelo menos mental). Curiosamente, a maioria dos vegetarianos que eu conheço identifica-se muito mais do que eu com a esquerda "carnívora".

Viva Las Vegas


«... Hadrian was famous for a love of 'curiosities' and an exploration of them. (...) With a tourist's mind, he was also a cultural magpie who stored and imitated what he saw. Back in Italy, near Tivoli, he built himself an enormous, straggling villa whose features alluded explicitly to great cultural monuments of the ancient Greek past. Hadrian's villa was a vast theme-park which included buildings evocative of Alexandria and classical Athens.»

Este parágrafo sobre Adriano, retirado do livro de Robin Lane Fox, The Classical World, sugere duas coisas espantosas: que a acumulação de simulacros kitsch não foi patenteada por Charles Foster Kane ou pelos herdeiros de Walt Disney; e que o impulso por detrás da arquitectura de Las Vegas - com a sua hotelaria piramidal e as suas réplicas de praças venezianas - não é apenas um capricho pós-moderno. O estudo dos clássicos, idealmente, deve servir também para isto: lembrar-nos que por entre a filosofia, a oratória e os aquedutos, os Antigos eram tão pirosos como nós.
O Imperador Adriano, transportado para os anos 80, talvez tivesse conseguido aumentar os índices de prosperidade e felicidade da década 'yuppie', e submeter o globo a uma anacrónica pax romana. Mas tê-lo-ia feito com togas de lycra, cabelo estillo 'mullet', e ao som dos Human League.

(Numa nota pessoal entre parênteses, sem a qual nenhum post neste blogue ficaria completo, esclareço que nunca estive em Las Vegas. Cheguei a organizar uma visita-relâmpago de 3 dias, em 2004, com os meus flatmates/casinomates da altura. À última hora, perdemos a confiança no nosso próprio bom-senso e cancelámos os planos.
É uma fantasia antiga, contudo, e estou certo de que a concretizarei na altura certa. O meu lado optimista diz-me que chegarei equipado com um eficaz bullshit-detector, transpirando sobranceria intelectual europeia, trazendo na mochila o livro do prof. Robin Lane Fox e o America do Baudrillard. O meu lado realista diz-me que andarei, três dias depois, já sem sapatos nem relógio de pulso, a tentar impingir o livro do prof. Robin Lane Fox e o America do Baudrillard numa das lojas de penhores do Strip, a troco de quatro dólares para torrar numa última fezada.

Publicidade


É a segunda vez em menos de uma semana que a distância me impede de cumprir um dever de cidadania. Para vocês, os do lado de lá, não há desculpas. Se acham que têm melhores coisas a fazer numa sexta-feira à noite, estão redondamente enganados. Eu já me informei: o Sporting só joga amanhã, o último livro do Pynchon ainda não chegou aos escaparates lusos, e a vossa vida sexual, francamente, já conheceu melhores dias. Vão ficar em casa a fazer o quê?
Vão antes a Santos ver um concerto, onde, por um preço antediluviano, terão acesso a exorbitantes recompensas sonoras.

(Full disclosure: eu não conheço esta malta de lado nenhum, nem estou a ser pago pela publicidade. O que acontece é que, aqui há uns anos, na minha idealista e empreendedora adolescência, escrevi um panfleto em dez bullet-points, subordinado ao tema «O que Portugal precisa». O ponto 7 era precisamente, e passo a citar: "Portugal precisa de mais bandas de panque medieval, formadas por gajos Protestantes da bacia do Tejo".
Seria portanto de uma oleosa hipocrisia vir agora fingir indiferença perante tamanho obséquio do Acaso.
E não se iludam: isto é apenas o começo. O país Casanova já só está a nove tópicos de distância.)

Thursday, February 15, 2007

Para acabar de vez com o tema do referendo - a blogosfera

Do lado dos vencedores esteve o blogue Sim no Referendo, um projecto plural como nunca se vira antes, tudo em nome de um objectivo comum. Conforme já foi referido encontraram-se lá protagonistas de diferendos anteriores que nunca se esperava que viessem a partilhar um blogue: Daniel Oliveira e Vasco Rato, Fernanda Câncio e Carlos Abreu Amorim, Rui Tavares e Helena Matos... Quem eu mais gostei de ver no mesmo texto – um escreveu e o outro publicou – foram Vítor Dias e Tiago Barbosa Ribeiro. Um interessante colunista e um excelente blóguer.
Eu não costumava ler o Blogue do Não, como aqui referi, mas pelo que vi quis-me parecer que nunca atingiu o mesmo patamar do Sim no Referendo. Nem mesmo com o reforço que constituia a presença do “português livre” Cláudio Téllez. Não o souberam aproveitar, é o que é. Para a posteridade fica este texto de encerramento, que eu traduzi para amigos meus de outras nacionalidades, para eles constatarem o tipo de pessoas e de argumentos com que andámos a esgrimir.

O Mapa da Distribuição dos Votos no Referendo

Parece que está a causar muita polémica o mapa da distribuição dos votos no Referendo sobre a IVG.



Os do Não, tentando desvalorizar o seu acantonamento às zonas rurais do Norte e de maior influência da Igreja Católica, arranjam todos os pretextos para justificar a sua derrota, recorrendo quer à intervenção pessoal do Secretário-Geral do PS, quer à campanha “light” do Sim ou quer à propaganda dos media em torno dos julgamento das mulheres que abortaram. O que não querem, e isso foi visível, tal como eu já tinha aqui referido, com Marcelo Rebelo de Sousa, na noite eleitoral da RTP 1, e agora com Lobo Xavier, na Quadratura do Círculo da SIC Notícias, é estabelecer qualquer ligação entre esta distribuição e o mapa da influência da Igreja. Para este último a oposição não será entre o Portugal moderno e citadino e o Portugal rural e conservador, dando como exemplo que não se pode considerar moderna certa esquerda que se opõe às delícias da flexibilidade das leis laborais, enquanto ele e os seus amigos, que votaram Não no Referendo, é que devem ser considerados modernos por proporem a alteração daquelas leis. Esquecendo deliberadamente que as propostas do Não, principalmente a última, a que foi apresentada na noite da derrota eleitoral, que atribuía a cada mulher que não queria abortar o mesmo dinheiro que se daria para uma IVG, são um exemplo acabado de transformar as putativas abortadoras em subsídio-dependentes do Estado se não o levarem à prática. Estas propostas vão pois ao arrepio do neoliberalismo anteriormente defendido.
Mas voltemos novamente ao mapa da distribuição dos votos. Alguns, com dúvidas legítimas, interrogam-se sobre esta distribuição (ver aqui). Sem precisar de recorrer à erudição, como o fez Manuel Vilaverde Cabral (RTP 1), ao remontar esta distribuição às lutas liberais, sabe-se que a Igreja tem muito mais influência no Norte do que no Sul do país. Basta recuar ao PREC para reconhecer que foi no Norte que a Igreja organizou as populações contra os subversivos do Sul. No Verão Quente de 1975, as sedes dos partidos à esquerda do PS foram queimadas no Norte por populações muitas vezes arregimentadas à saída das missas. Recordam-se aqueles que já eram nascidos que, no 25 de Novembro, Portugal estava dividido em dois, a norte de Rio Maior predominava a contra-revolução, a sul era a Comuna de Lisboa. Sabe-se que o Alentejo e o Algarve sempre foram terras de missão para a Igreja Católica e que durante o fascismo esta não conseguia controlar os trabalhadores rurais alentejanos, enquanto o Norte era o viveiro de recrutamento das forças repressivas do regime, PIDE, PSP e GNR Há pois uma história longa que divide Portugal em dois. Por isso, este Referendo reflectiu isso mesmo, mas igualmente a perda de influência da Igreja nas grandes populações urbanas (veja-se o caso do conselho de Aveiro ou do distrito do Porto, em que agora o Sim ganhou ). Pacheco Pereira, na mesma Quadratura do Círculo, considerava que estas populações consideravam-se Católicas, mas não iam regularmente à missa.
Por tudo isto é interessante reparar que alguns, para não serem chamados de rurais e anti-modernos, arranjam um conjunto de justificações que chegam mesmo, contra os seus interesses políticos, a hipervalorizar a acção do Primeiro-Ministro, outros, por ignorância política, que na sua maioria é o caso dos jornalista, ficam perplexos e não compreendem a distribuição geográfica do Sim e do Não. Por mim, que, com alguma simplificação, reduzi este confronto, entre o Portugal laico e liberal e o Portugal agarrado à Santa Madre Igreja, não me custa nada compreender esta distribuição.

You have, of course, just begun reading the sentence that you have just finished reading

A voga da frase auto-referencial foi lançada, tanto quanto sei, por Douglas Hofstadter, cujo espaço semanal na Scientific American sucedeu à histórica coluna de Martin Gardner.
Hofstadter, confesso, foi uma descoberta recente. Mas, pela amostra (ando a ler o Metamagical Themas, que recolhe os tais artigos para a Scientific American) já deu para perceber que o homem seria o tio ideal.
O título deste post é dele. O meu exemplo preferido de uma frase auto-referencial também:

If you think this sentence is confusing, then change one pig.

Auto-referencialidade (7)

Este post não devia sequer ter começado, mas já que está aqui, vai continuar estoicamente até ao ponto final.

Auto-referencialidade (6)

Este post sente que passou ao lado de uma grande carreira.

Auto-referencialidade (5)

Se este post tivesse um pingo de dignidade recusar-se-ia a terminar com a palavra dildo.

Auto-referencialidade (4)

Este post gostava de vir antes do post anterior, e depois do post seguinte, mas compreende que tal não é possível.

Auto-referencialidade (3)

Este post levanta a VOZ quando está chateado.

Auto-referencialidade (2)

Este post é obediente, limitando-se a cumprir o propósito expresso no título.

Auto-referencialidade (1)

Este post, na sua versão original, tinha apenas seis palavras; depois de revisto, passou a ter dezassete.

Wednesday, February 14, 2007

Não me entendi com Babel



As leituras tinham aguçado o meu desejo de ver este filme de Alejandro González Iñárritu mas cofesso que constituiu uma enorme desilusão.

Os cordelinhos da trama estão demasiado à vista e é tudo bastante previsível.

Ao contrário do que o nome indica o filme não é tanto sobre a dificuldade da comunicação (como fazia o portentoso "Colisão") mas sim sobre a probalilidade de as coisas na vida correrem mal, ou muito mal.

O "folclore" das histórias que se desenrolam em continentes distintos e uma banda sonora que destrói o ritmo narrativo contribuem para o desastre.

Argumento literário a favor do celibato


O maior vencedor do fim de semana

Há muitos, mas o maior é José Sócrates. Toda a gente parece concordar com isso.
À direita há outros vencedores (Rui Rio e Paula Teixeira da Cruz), que reforçaram as suas posições enquanto esperam que Marques Mendes e Carmona Rodrigues acabem de se queimar.
O PCP e o Bloco de Esquerda não são “grandes vencedores”, tal como o CDS não é um “grande perdedor”.

O maior derrotado do fim de semana

Fala-se de José Ribeiro e Castro, mas fez o que pôde. Ninguém pode dizer que foi por culpa dele que o “não” perdeu.
Fala-se de Marques Mendes. Marques Mendes é um grande derrotado: disse adeus a todas as veleidades de alguma vez poder vir a ser um político respeitado. Revelou oportunismo e falta de coerência. Mas no fundo ninguém se surpreende verdadeiramente com isso, pois ninguém espera nada dele. No fundo, confirmou a sua falta de peso político.
A quem, pelo contrário, nunca faltou peso político (talvez por não ser visto como um político profissional, apesar de nunca ter feito outra coisa na vida) é o criador político de Marques Mendes. Marcelo Rebelo de Sousa, ele sim, é o maior derrotado político desta noite. Fez campanha pelo “não” de uma forma que mais ninguém dentro do PSD fez. Utilizou os recursos que mais nenhum político tem, em nenhum país do mundo: um programa semanal, no domingo à noite, e horário nobre, na televisão pública, sem nenhum tipo de contraditório. Fez campanha com esses recursos. E perdeu em toda a linha. Uma derrota mais forte do que qualquer outra nas escassas vezes em que se lançou a uma eleição.
Ninguém mais voltará a olhar para ele como “independente” e “descomprometido” (se é que alguém alguma vez olhou). Nunca mais terá a influência que teve. O facto político mais marcante do fim de semana é o fim de um mito chamado Marcelo Rebelo de Sousa.

Tuesday, February 13, 2007

This blog ain't got no manners

(...)

the hunger of this blog is legendary
it has taken in many victims
back off from this blog
it has drawn in your feet
back off from this blog
it has drawn in your legs

back off from this blog
it is a greedy mirror
you are into this blog. from

the waist down
nobody can hear you can they?
this blog has had you up to here

belch
this blog aint got no manners
you cant call out from this blog
relax now & go with this blog
move & roll on to this blog
do not resist this blog
this blog has your eyes
this blog has his head
this blog has his arms
this blog has his fingers
this blog has his fingertips

this blog is the reader & the
reader the blog


(...)

- «Beware: Do Not Read This Blog», de Ishmael Reed (mais ou menos...)

Ask not what Wikipedia can do for you

Com o timing ideal - no dia em que soou o primeiro alarme - rendi-me ao ciber-colectivismo, e fiz a minha primeira correcção a um artigo da Wikipedia. Nada de especial; limitei-me a emendar pedantemente uma double negative que manchava um parágrafo de resto muito bom sobre um antropólogo americano. Um gesto tão irrisório como o tombar de um copo de shots num vidrão, mas quem visse o meu sorrisinho pateta no momento em que premi a tecla Enter, julgaria que tinha acabado de salvar a Amazónia.

Click here

Não, a sério, click here.

Pavloviana

Estímulo: mencionar Pixies e Arcade Fire no mesmo post.

Reflexo: link imediato, sob copiosas quantidades de saliva.

Hoje ouve-se - actualização

Escrevo-o com atraso, mas hoje tivemos mais vinte e cinco minutos de bons motivos para sintonizar a Antena 3. A música era d' As Velhas Glórias, capitaneadas pelo blogger Samuel Úria, que tem uma pouco recomendável obsessão por ex-jogadores do vigésimo clube mais rico do Mundo, mas que consegue fazer punk como poucos.
Amanhã há mais, à mesma hora; podem ler o folheto
aqui.

O sorriso de Cristas


Foi ela a escolhida para ser a representante do “Não” no debate-desforra “Prós e Contras” que a RTP decidiu fazer na semana passada.
Logo no começo do debate deu para ver qual era a sua postura, ao cumprimentar o “colega de faculdade” que via todos os dias (Rui Pereira, representante do “sim”) e todos os outros participantes no debate. Assunção Cristas estava ali para conquistar adeptos para o “não” com a sua (suposta) simpatia. O realizador do programa decidira colaborar; durante a noite, Assunção Cristas foi a interveniente mais focada, mesmo quando não estava a falar. Nos momentos mais polémicos do debate, nas picardias entre os outros participantes, a cara sorridente desta representante do “não” era sempre cirurgicamente focada e transmitia uma sensação de serenidade. Tínhamos aqui uma versão portuguesa do debate Kennedy/Nixon: quem eventualmente ouvisse o debate no rádio diria que o “sim”, apesar de tudo, ganhara; quem assistisse ao debate pela televisão teria de reconhecer a vitória do “não”, dada a focagem constante do rosto cúmplice e sorridente de Cristas.
Um participante no debate não se pode aperceber disto em directo, mas a principal missão a cumprir era interpelar Cristas. Enervá-la. Exasperá-la. Forçá-la a descer da tribuna onde se colocara, serenamente, a assistir aos outros a degladiarem-se. Sobretudo retirar-lhe, por um momento que fosse, aquele sorriso da cara. Não o conseguiram, e por isso o “não” ganhou. Aquele debate.
Eu nunca gostei de pessoas que estão sempre a sorrir. Julgo que estão a rir-se de toda a gente. E eu nunca gostei que se rissem de mim. Ninguém fica a rir-se de mim por muito tempo.
Foi pena, no domingo à noite, Assunção Cristas não ter aparecido na televisão (pelo menos que eu a tivesse visto). Gostaria de lhe ter visto a cara. Gostaria de ver se ainda tinha o seu sorriso. Mas não faz mal. O importante foi que desta vez não se ficou a rir.

Monday, February 12, 2007

O momento mais espectacular do fim de semana


Mudando um pouco de assunto. De seguida voltamos ao referendo.

Os grandes derrotados do fim de semana (II)

O parcialismo e tendenciosismo na informação televisiva. Para além do que relatei aqui - e que gostaria que não passasse sem um esclarecimento -, a RTP durante a tarde de domingo anunciava a cobertura do referendo nas televisões estrangeiras. Como fundo, a CNN, que tinha aberto um fórum de discussão. O que dava na RTP era isto e não mais do que isto: um depoimento de uma espectadora da CNN, segundo a qual o "sim" não poderia ganhar, pois tal significava a "liberalização total do aborto" e era "contra a vida". Escolhido a dedo, hã? Em pleno dia da eleição.
Das televisões, salvou-se a TVI. Falem-me na influência da esquerda na comunicação social, que eu digo-vos.

Reflexões sobre o referendo - Final

Terminou em bem este episódio do referendo à IVG. O Sim à mudança da actual lei venceu expressivamente. Não quero procurar justificações porque é que, mais uma vez, o referendo não foi vinculativo. Só acrescentaria que, sem ter feito quaisquer contas, é muito provável que aquele fosse vinculativo se eliminássemos a chamada abstenção técnica, a que resulta dos cadernos eleitorais não estarem devidamente actualizado e que alguns estimam em cerca de 7 %.
Mais uma vez, na noite eleitoral, se assistiu à classificação dos intervenientes de ambos os lados em moderados e radicais. Na SIC, Lobo Xavier apelava para que o Primeiro-Ministro fizesse um discurso moderado, invectivando, verdadeiramente em estado de fúria, os agradecimentos aos Católicos feitos por Louçã por estes terem votado a favor do Sim. Estes senhores, quando perdem eleições, dá-lhes para o desnorte. Assim, a despropósito, referiu a IV Internacional, insinuando que aquele pertenceria aquela organização. Mas, voltando aos moderados e aos radicais, Pacheco Pereira (PP), reincidente, distribuiu na SIC epítetos por ambos os lados, acusando os adeptos do Sim de se terem manifestado ruidosamente com a vitória do seu campo, e de terem mesmo, horror dos horrores, batido palmas e gritado vivas. Queria que ficassem todos a velar defuntos, pois o que estaria em causa era o aborto de inocentes, digo eu. Depois lá distribui umas ferroadas aos do Não. Mas esta preocupação de Pacheco Pereira, de distribuir equitativamente a radicalidade de modo a ele ficar sempre no centro sensato, não o impediu de, mais uma vez, fazer as análises mais justas da noite, tendo como contraponto os dislates de Marcelo, na RTP, para quem a vitória do Sim se devia quase exclusivamente a intervenção em força do Primeiro-Ministro, ou os dos yes men Vitorino, na RTP, e Jorge Coelho, na SIC (não vi a TVI). PP afirmava que o tinha vencido era uma alteração das mentalidades e que não se podia confundir a vitória do Sim com opções estritamente partidárias, dado que as posições relativamente à problemática da IVG eram uma questão civilizacional. PP também referiu a influência da Igreja Católica na distribuição da votação, tema que tanto Marcelo e como Vitorino fugiram, como o Diabo foge da cruz, de abordar.
É evidente, que o que estava em causa, para além dos problemas sempre reais da penalização das mulheres que abortam e das questões de saúde pública resultantes do aborto clandestino, era o combate ideológico, nos termos em que o marxismo formula este conceito, entre o reaccionarismo da Igreja, quer da hierarquia quer dos leigos, e o laicismo e o livre pensamento dos defensores do Sim. Ontem encontravam-se do mesmo lado da barricada a esquerda progressista, sempre defensora destas causas, o velho republicanismo laico e anticlerical, ou seja, a maçonaria, a social-democracia europeísta e terceira-via, a direita neoliberal, não vinculada à Igreja, e até alguns Católicos, ainda herdeiros daquela corrente minoritária que, num tempo já passado, era designada por Católicos progressistas. Do outro, a do Não, o Portugal de sempre, acolhido na Santa Madre Igreja, que foi salazarista e hoje, porque se considera desempoeirado, defende a democracia e a ciência, porque lhe dá jeito, mas continua como sempre agarrado aos mesmos preconceitos morais relativos à sexualidade humana.

Os números da vitória

Os números que interessa analisar estão no Esquerda Republicana.

O terramoto não foi só político

...também foi real, aqui em Lisboa. Grau 6 na escala de Ritcher.

Os grandes derrotados do fim de semana (I)


Para este, começou logo no sábado. Tudo lhe correu mal.

Coroa L

Há livros nas minhas estantes (ou neste momento, para ser rigoroso, nos meus caixotes) cujo cosmopolitismo me embaraça. Nutro especial admiração pelos que transpiram indícios de longas e árduas peregrinações, antes de terem encontrado - nas minhas lusitanas manápulas - o conforto relativo de um regresso a casa.
Dois exemplos: um livro de Joyce adquirido numa espécie de leilão em Hay-on-Wye escondia entre as suas páginas um calendário do Snoopy com os meses em português. E num alfarrabista de Inverness descobri uma edição de 1923 dos Elementos de Psychiatria, de Júlio de Mattos, assinada por um tal Abílio Fernandes, Setúbal.
(Alguém me sabe dizer quem é o Abílio Fernandes, de Setúbal? Se é feliz, se a vida lhe correu bem, se quer o livro de volta? Se ainda se lembra que o «Delirio Chronico» é uma doença que «germinando sempre n'um terreno hypocondriaco, se denuncía nos seus casos typicos e eschematicos pela successão regular de tres periodos»?)
A situação mais insólita, contudo, envolve um livro que nunca me pertenceu: no Verão de 2001, na Biblioteca municipal de Bielsko-Biała, manuseei uma tradução polaca de Cortázar. Entre a última folha e a contracapa, estava um título de transporte não-utilizado dos autocarros da Carris. Como é evidente, deixei-o lá ficar.

Quédate conmigo hasta el final


Borges é Borges e Maradona é Maradona, mas o meu argentino acromegálico preferido é o senhor do olho. Morreu em Paris, há vinte e três anos, e o seu melhor conto é este.

Hoje ouve-se

Rádio, para variar. Nomeadamente, a Antena 3, às 21:00, altura em que se vai tentar alimentar o amor, sem descurar as proteínas.
Os responsáveis serão, segundo as minhas fontes, cento e vinte mil homens que não conhecem a mão direita da esquerda. E se a possibilidade de uma confusa multidão ambidextra nos estúdios da Marechal Gomes da Costa não vos enche de júbilo, vocês não merecem ser salvos.

Sunday, February 11, 2007

Fá-lo por gosto

Saturday, February 10, 2007

CUBA 2007


O Mário Redondo visitou Cuba em Janeiro 2007. Veja AQUI as fotografias que ele fez.

Tenho mesmo de arranjar um emprego

«... the pursuit of the perfect Pangram has obsessed many people. It is an attractive problem because it has a simple, set goal: to compose a sentence that includes every letter of the alphabet, preferably including each letter only once.»

(The Oxford Guide to Word Games)

Encubramos a nossa nudez com bandeiras

A melhor resposta até agora às entrevistas do Luis Carmelo:

« - O que lhe diz a palavra "blogosfera"?

- ... um local onde homens e mulheres socializam vestidos de forma imprópria ...»

Friday, February 9, 2007

Calúnias

Vamos lá pôr ordem nisto:

O Jimmy Page (que, não posso frisar isto o suficiente, é meu amigo, no sentido em que um dia lhe fui apresentado num pub em Barnt Green pelo meu instrutor de condução, e se é verdade que não o voltei a ver, sou da opinião que a verdadeira amizade não encalha em pormenores) o Jimmy Page, dizia, tem mais fama que proveito na procissão negra dos plagiadores. Houve, de facto, no princípio, um ou outro acorde, mais espiritual que outra coisa, telepatizado directamente da guitarra do Jeff Beck para o primeiro álbum dos Zep. E o arranjo do «Black Mountain Side» foi palmado ao Jansch, não há volta a dar-lhe.
Mas a história do «Dazed and Confused» - e de outros supostos roubos a bluesmen americanos - sempre me complicou o sistema. Em rigor, é quase impossível "roubar" uma malha de blues; os próprios músicos admitiam que aquilo funcionava quase num regime de kibbutz: trabalho comum, mais cortesia aqui, mais trafulhice ali, mas não andava ninguém a registar patentes, nem a mostrar interesse em fazê-lo. Até o Dylan se fartou de reciclar ideias da folk americana , às vezes melodias, versos e tudo (o "Don't think twice, it's alright", por exemplo, é de um tipo chamado Paul Clayton), e ninguém lhe chama os nomes feios que chamam ao, volto a frisá-lo, meu amigo Page. Tudo bem - o Page meteu o nome nos créditos e, que se saiba, nunca devolveu um cheque. Mas fazer dele um Alves dos Rocks, e trazer à conversa os seus papos godzillicos, acho que é um bocadinho abusivo.
Além disso, há um Mal muito maior, e muito mais perto da nossa aldeia. Se querem ficar mesmo escandalizados, ouçam o «Chuva, chuvinha» da Linda de Suza, e depois o «Oh My God» dos Kaizer Chiefs.
Isso sim, é sério: a mala de cartão ter ido parar a Leeds.

The Incalling

Descobri esta semana que M. John Harrison e Jeff VanderMeer, dois dos meus escritores de culto, tinham blogs, e fui logo a correr acrescentá-los à coluna dos sites anglófonos.
Harrison, que iniciou o blog há pouco tempo, e ainda deve estar na fase em que vai espreitar todos os links que lhe fazem, veio passear pelo Pastoral Portuguesa. (Tenho provas, está tudo aqui).
Vou assumir que um blog escrito numa língua para todos os efeitos incompreensível não o seduziu o suficiente para voltar, mas ainda assim peço-vos paciência enquanto prolongo este joguinho pueril de enfiar aqui mais uns quantos enlaces à laia de anzóis para o M. John Harrison, divertindo-me a imaginar a reacção dele - ao ler repetidamente o seu nome (que, recordemos, é M. John Harrison) sequestrado entre hieróglifos.

Coisas que se aprendem no pub

Consigo dizer "She sells seashells by the sea shore; the shells she sells are seashells for sure" melhor do que um inglês.
Um eslovaco consegue dizer "Um tigre, dois tigres, três tigres" melhor do que eu.

Um grande peruano

Um portentoso artigo de Mário Vargas Llosa publicado em Dezembro de 2002 em diversos jornais mundiais, incluindo o Diário de Notícias, na coluna Pedra de Toque. Original em castelhano. Embora num contexto muito peruano, reúne o essencial do que há a dizer sobre a questão do aborto.

Cobardía e Hipocresía

EL cardenal Juan Luis Cipriani, arzobispo de Lima, habla a veces con una claridad tremante. En su homilía del 24 de noviembre, en la catedral de Lima, por ejemplo, llamó `cobardes e hipócritas' a los legisladores peruanos que, dos meses antes, habían considerado, en la revisión de la Constitución que se halla en marcha, exceptuar, dentro de la prohibición del aborto que consigna la carta constitucional, los casos en que el parto pondría en peligro la vida de la madre.

El Presidente de la Conferencia Episcopal del Perú, monseñor Luis Bambarén -quien, a diferencia de Cipriani, tiene unas sólidas credenciales de lucha en favor de los derechos humanos en la historia reciente del Perú- se apresuró a pedir excusas a los congresistas peruanos por el insulto, y, reiterando la oposición de la Iglesia católica al aborto, explicó que aquel exabrupto no comprometía a la Institución, sólo a su exaltado autor.

Juan Luis Cipriani no pasará a la historia por su vuelo intelectual, del que, a juzgar por sus sermones, está un tanto desprovisto, ni por su tacto, del que adolece por completo, sino por haber sido el primer religioso del Opus Dei en obtener el capelo cardenalicio, y por su complicidad con la dictadura de Montesinos y Fujimori, a la que apoyó de una manera que sonroja a buen número de católicos peruanos, que fueron sus víctimas y la combatieron. La frase que lo ha hecho famoso es haber proclamado, en aquellos tiempos siniestros en que la dictadura asesinaba, torturaba, hacía desaparecer a opositores y robaba como no se ha robado nunca en la historia del Perú, que `los derechos humanos son una cojudez' (palabrota peruana equivalente a la española `gilipollez'). Porque el cardenal Cipriani es un hombre que, cuando se exalta -lo que le ocurre con cierta frecuencia- no vacila en decir unas palabrotas que, curiosamente, en su boca tienen un retintín mucho más cómico que vulgar.

Nadie puede regatearle al arzobispo de Lima su derecho a condenar el aborto, desde luego. Éste es un tema delicado, que enciende los ánimos y provoca la beligerancia verbal -y a veces física- en los países donde se suscita, pero sería de desear que los prelados de la Iglesia que tienen posiciones tan rectilíneas y feroces sobre el tema del aborto, y no vacilan en llamar `asesinos', como él lo ha hecho, a quienes estamos en favor de su despenalización, mostraran una cierta coherencia ética en sus pronunciamientos sobre este asunto.

A quienes estamos a favor de la despenalización jamás se nos ocurriría proponer que el aborto fuera impuesto ni obligatorio, como lo fue en China Popular hasta hace algunos años, o en la India, por un breve período, cuando era Primera Ministra la señora Indira Gandhi. Por el contrario; exigimos que, como ocurre en Inglaterra, España, Francia, Suiza, Suecia y demás democracias avanzadas de Europa occidental, donde la interrupción de la maternidad está autorizada bajo ciertas condiciones, ésta sólo se pueda llevar a la práctica después de comprobar que la decisión de la madre al respecto es inequívoca, sólidamente fundada, y encuadrada dentro de los casos autorizados por la ley. A diferencia de esos fanáticos que en nombre de `la vida' incendian las clínicas donde se practican abortos, acosan y a veces asesinan a sus médicos y enfermeras, y quisieran movilizar a la fuerza pública para obligar a las madres a tener los hijos que no quieren o no pueden tener (aunque sean producto de una violación o en ello les vaya la vida), quienes defendemos la despenalización no queremos obligar a nadie a abortar: sólo pedimos que no se añada la persecución criminal a la tragedia que es siempre para una mujer verse obligada a dar ese paso tremendo y traumático que es interrumpir la gestación.

Desde luego que sería preferible que ninguna mujer tuviera que verse impelida a abortar. Para ello, por lo pronto es indispensable que haya una política avanzada de educación sexual entre los jóvenes y que el Estado y las instituciones de la sociedad civil suministren información y ayuda práctica para la planificación familiar, algo a lo que la Iglesia católica también se opone. Desde luego, la planificación familiar sólo puede consistir en facilitar una información sexual lo más amplia y objetiva posible, y una ayuda a quien la solicita, pero de ninguna manera en inducir, y mucho menos en imponer por la fuerza a las mujeres una determinada norma de conducta en torno a la gestación y el alumbramiento.

La dictadura de Fujimori y de Montesinos no lo entendió así. Estaba a favor de la `planificación familiar' y la puso en práctica, con una crueldad y salvajismo sólo comparables a las castraciones y esterilizaciones forzosas que llevaron a cabo los nazis contra los judíos, negros y gitanos en los campos de concentración. Los agentes de salud -enfermeras y médicos entre ellos- de la dictadura que asoló el Perú entre 1990 y 2000, se valían de estratagemas farsescas, en las campañas que llevaban a cabo en comunidades y aldeas campesinas, principalmente andinas, aunque también selváticas y costeñas, como convocar a las mujeres a vacunarse o a ser examinadas gratuitamente. En verdad, y sin que nunca se enteraran de ello, eran castradas. De este modo fueron esterilizadas más de 300 mil mujeres, según ha revelado una investigación parlamentaria. Fujimori seguía de cerca esta operación -en la que perecieron desangradas o por infecciones millares de campesinas- de la que le informaba semanalmente el Ministerio de Salud.

¿Dónde estaba el furibundo arzobispo de Lima mientras la dictadura de sus simpatías perpetraba, con alevosía y descaro, este crimen de lesa humanidad contra cientos de miles de mujeres humildes? ¿Por qué no salió entonces a defender `la vida' con las destempladas matonerías con que sale ahora a pedir a Dios `que no bendiga' a quienes perpetran abortos? ¿Por qué no ha dicho nada todavía contra esos cobardes e hipócritas funcionarios del fujimorato que perpetraron aquellos crímenes colectivos valiéndose del engaño más innoble para cometerlos?

Las organizaciones feministas le han recordado al arzobispo Cipriani que unos 350 mil abortos `clandestinos' se llevan a cabo anualmente en el Perú. Y pongo clandestinos entre comillas pues, en realidad, no lo son. La periodista Cecilia Valenzuela mostró, en su programa `Entre líneas', la misma noche de la homilía del cardenal, un espeluznante reportaje sobre el `aborto clandestino' en el que aparecían dantescas imágenes de fetos arrojados en las playas de Lima, y avisos publicitarios, en muchos periódicos locales, de comadronas y aborteros que ofrecían al público servicios de `raspados' y `amarre de trompas', sin el menor disimulo. Ésta es una realidad que el Estado no puede soslayar: cientos de miles de mujeres se ven obligadas a abortar y lo hacen en condiciones que reflejan la abismal disparidad social y económica de la sociedad peruana. En el Perú, como en la mayor parte de los países que penalizan el aborto, las mujeres de la clase media y alta abortan en clínicas y hospitales garantizados, y por mano de médicos diplomados. Las pobres -la inmensa mayoría-, en cambio, lo hacen en condiciones misérrimas en las que a menudo la madre se desangra y muere a causa de la falta de higiene y de infecciones. La despenalización del aborto no persigue estimular su práctica; sólo paliar y dar un mínimo de seguridad y cuidado a un quehacer desgraciadamente generalizado y cuyas víctimas principales son las mujeres de escasos recursos. No es inhumanidad y crueldad lo que lleva a innumerables madres a interrumpir el embarazo: es el espanto de traer al mundo niños que llevarán una vida de infierno debido a la miseria y la
marginación.

La Iglesia católica tiene todo el derecho de defender su rechazo del aborto y de pedir a los creyentes que no lo practiquen. Pero no tienen derecho alguno de prohibir a quienes no son católicos actuar de acuerdo a sus propios criterios y a su propia conciencia, en una sociedad donde, afortunadamente, el Estado es laico, y -por el momento, al menos-, democrático. La discusión sobre dónde y cuándo comienza la vida no es ni puede ser `científica'. Decidir si el embrión de pocas semanas es ya la vida, o si el nasciturus es sólo un proyecto de vida, no es algo que los médicos o los biólogos decidan en función de la ciencia. Eso es algo que deciden en función de su fe y sus convicciones, como nosotros, los legos. Con el mismo argumento que los partidarios de la penalización proclaman que el embrión es ya `la vida' podría sostenerse que ella existe todavía antes, en el espermatozoide y que, por lo tanto, el orgasmo de cualquier índole constituye un verdadero genocidio. Por eso, en las democracias, es decir en los países más civilizados del mundo, donde impera la ley y la libertad existe, y los derechos humanos se respetan y la violencia social se ha reducido más que en el resto del mundo, esa discusión ha cedido el paso a una tolerancia recíproca donde cada cual actúa en este campo de acuerdo a sus propias convicciones, sin imponérselas a los que no piensan igual, mediante la amenaza, la fuerza o el chantaje. Y en ellos se reconoce que la decisión de tener o no tener un hijo es un derecho soberano de la madre sobre la que nadie debe interferir, siempre y cuando aquella decisión la madre la adopte con plena conciencia y dentro de los plazos y condiciones que fija la ley. Si alguna vez el país en el que nací alcanza los niveles de civilización y democracia de Inglaterra, Suecia, Suiza y (ahora) España, para citar sólo los que conozco más de cerca, ésta será también la política que terminará por imponerse en el Perú. (Ya sé que falta mucho para eso y que yo no lo veré).

Una última apostilla. Cada vez que se le afea su conducta ciudadana y sus úcases políticos, el arzobispo de Lima blande la cruz y, envuelto en la púrpura, clama, epónimo: `¡No ataquen a la Iglesia de Cristo!' Nadie ataca a la Iglesia de Cristo. Yo, por lo menos, no lo hago. Aunque no soy católico, ni creyente, tengo buenos amigos católicos, y entre ellos, incluso, hasta algunos del Opus Dei. Tuve un gran respeto y admiración por el antiguo arzobispo de Lima, el cardenal Vargas Alzamora, que defendió los derechos humanos con gran coraje y serenidad en los tiempos de la dictadura, y que fue una verdadera guía espiritual para todos los peruanos, creyentes o no. Y lo tengo por monseñor Luis Bambarén, o por el padre Juan Julio Wicht, el jesuita que se negó a salir de la embajada del Japón y prefirió compartir la suerte de los secuestrados del Movimiento Revolucionario Túpac Amaru, y por el padre Gustavo Gutiérrez, de cuyo talento intelectual disfruto cada vez que lo leo, pese a mi agnosticismo. Ellos, y muchos otros como ellos entre los fieles peruanos, me parecen representar una corriente moderna y tolerante que cada vez toma más distancia con la tradición sectaria e intransigente de la Iglesia -la de Torquemada y las parrillas de la Inquisición- que el vetusto cardenal Juan Luis Cipriani se empeña en mantener viva contra viento y marea.

Outro grande português


Artigo de Miguel Sousa Tavares no Expresso de hoje.

Aborto, mentiras e vídeo

Domingo, vou responder à única coisa que me é perguntada: se acho que a justiça deva continuar a perseguir criminalmente quem faz aborto até às dez semanas de gravidez. Já me perguntaram isto em 98, já vi a mesma pergunta feita muito antes e em muitos outros lugares e a minha resposta continua igual à que dei a mim mesmo, a primeira vez que pensei no assunto: não, não acho que essas pessoas devam ser tratadas como criminosas. Verifico que há quem, entretanto, tenha mudado de opinião, num sentido ou no outro. Respeito essa mudança, só me custa a compreender é que se possa passar directamente de militante de um dos lados para militante do outro, como fez Zita Seabra. Há uma diferença entre virada e cambalhota.

Na mesma Faculdade onde ensina Marcelo Rebelo de Sousa, ensinaram-me dois princípios fundamentais em matéria criminal: um, que só pode ser considerado crime aquilo que a consciência social colectiva reconhece como tal; e, dois, que não há crime sem pena. Do primeiro princípio, resulta que um Código Penal não pode ser cativado por uma maioria, circunstancial ou não, que, sem um largo e pacífico consenso, define em cada momento o que é e não é crime. Conheço algumas mulheres e homens que, em dado momento das suas vidas, recorreram ao aborto. Foi uma decisão pessoal e íntima deles, que não me ocorreria julgar a não ser para dizer convictamente que não reconheço nenhum deles como criminoso. Não reconheço eu nem reconhece seguramente a maior parte das pessoas, incluindo muitos que vão votar ‘não’ à despenalização. Se assim é, porque insistem então em que a lei continue a tratar tais pessoas como criminosas?

Obviamente que a despenalização significa descriminalização. Os apoiantes do ‘sim’ têm medo da palavra e têm ainda mais medo da expressão que Aguiar Branco insiste em utilizar: aborto livre. Mas é exactamente disso que se trata: despenalizar significa descriminalizar e descriminalizar significa que o aborto passa a ser livre nas condições previstas na lei. Não percebo esta hipocrisia do campo do ‘sim’: o que se discute é precisamente isso, se há crime ou não há crime.

Mas, se há crime, há pena - como qualquer jurista não-malabarista sabe. Por isso é que se chama a este ramo do direito Direito Penal. A hipocrisia dos defensores do ‘não’ consiste na versão piedosa e absurda de que se poderia inventar para este ‘crime’ um tratamento especial: continuaria a ser crime, mas sem pena. Ou então, e ainda mais absurdo, haveria crime, processo, inquirições, mas o julgamento, esse, ficaria suspenso. Como se não percebessem o essencial: que o essencial é a humilhação. Marcelo Rebelo de Sousa produziu, a propósito, um fantástico número de contorcionismo jurídico para tentar justificar o injustificável. Teve azar: o ‘Gato Fedorento’ pegou nos seus argumentos e no seu tão publicitado vídeo no ‘You Tube’ e desfê-los à gargalhada, num dos mais inesquecíveis momentos de humor e sátira política de que me lembro.

Era preciso mudar de argumentação e, a meio caminho, os do ‘não’ passaram a defender que houvesse pena, mas não de prisão, para não impressionar as pessoas. Que pena, então? A melhor sugestão veio de Bagão Félix: trabalho comunitário, ou seja, trabalho forçado. Estão a imaginar uma mulher condenada por aborto a ter de se apresentar no trabalho que lhe tivesse sido destinado e a ter de explicar porque estava ali? Porque não antes a pena de exibição em local público?

Em 1998, a profunda estupidez e arrogância intelectual da campanha do ‘sim’ levou-me a votar em branco. Porque não voto apenas em ideias e projectos políticos, mas também nos métodos e protagonistas. Felizmente, desta vez, o ‘sim’ não repetiu nem as asneiras nem os piores protagonistas. Desapareceram as celebridades a gabarem-se de serem sim ou de já terem abortado, desapareceram as “especialistas de género” e as feministas a gritarem pelo “direito da mulher ao próprio corpo”. O ‘sim’, desta vez, deixou a presunção e o mau gosto para o campo do ‘não’ e isso foi um inestimável gesto de despoluição cívica.

Do lado oposto, como era de temer, saiu todo o arsenal de demagogia, mentiras e contradições disponíveis. Começou com o argumento financeiro, esgrimido por António Borges, verdadeiramente chocante do ponto de vista político, humano e até cristão. Continuou com a hipocrisia de defender a actual lei, depois de tudo terem feito para que ela não fosse aplicada, e acabou, claro, com o argumento da vida humana do feto, que se estaria a matar.

A questão da vida ou não vida do feto até às dez semanas, como se percebeu escutando os argumentos de ambos os lados, é muito mais filosófica e religiosa do que científica. Mas há duas questões conexas que eu gostaria de ter visto discutidas e não foram. A primeira é que com tanta veemência no “direito à vida” de um feto que se transformará num filho não desejado, não ocorra pensar no direito oposto: o direito de uma criança não vir ao mundo quando aquilo que a espera é uma vida indigna e miserável. 2006 foi, entre nós, um elucidativo exemplo de casos desses: filhos abusados sexualmente pelos pais ou padrastos à vista das mães, assassinados e escondidos em parte incerta ou mortos à pancada, sem que as instituições do Estado, a sociedade civil e os piedosos militantes do ‘não’ absoluto tenham demonstrado ter a solução que nos convença que não teria sido melhor nem sequer terem chegado a nascer. Não tenho dúvidas de que existem anualmente uns milhares de abortos que não deveriam ter sido feitos. Mas existem também, infelizmente, muito mais pais que nunca o deveriam ter sido.

A outra questão conexa que eu gostaria de ter visto explicada pelos defensores do ‘não’ é a da sua atitude perante o suposto crime, que a mim me parece totalmente hipócrita. Se eles acreditam verdadeiramente que um feto até às dez semanas é um ser humano que, pelo aborto, estará a ser morto, por que é que, em lugar de proporem penas suavíssimas ou até a isenção de pena para este ‘crime’, não propõem antes, e com toda a lógica, o seu agravamento? Como se chama o crime que consiste em tirar voluntariamente a vida a um ser humano? Homicídio, não é?

Sem dúvida que Portugal precisa de muito mais crianças, de maior taxa de natalidade. Mas isso não se consegue forçando o nascimento de crianças não desejadas, mas sim com crianças desejadas e condições para as desejar. Entretanto, temos outro problema para resolver que é o de saber como deveremos tratar as cerca de 40.000 mulheres que se estima que fazem abortos todos os anos. Temos a alternativa de continuar a deixá-las entregues a si próprias e, conforme o dinheiro que têm, optarem entre Badajoz ou a abortadeira de bairro. E temos a alternativa do Serviço Nacional de Saúde, com vigilância médica e acompanhamento psicológico. Eu defendo a segunda, da mesma forma que há muitos anos defendo que o Estado devia vender droga nos centros de saúde, sob vigilância médica e acompanhamento terapêutico e psicológico. Porque me impressiona uma sociedade que satisfaz a sua consciência chutando simplesmente os problemas para a clandestinidade e o Código Penal.

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