Terminou em bem este episódio do referendo à IVG. O Sim à mudança da actual lei venceu expressivamente. Não quero procurar justificações porque é que, mais uma vez, o referendo não foi vinculativo. Só acrescentaria que, sem ter feito quaisquer contas, é muito provável que aquele fosse vinculativo se eliminássemos a chamada abstenção técnica, a que resulta dos cadernos eleitorais não estarem devidamente actualizado e que alguns estimam em cerca de 7 %.
Mais uma vez, na noite eleitoral, se assistiu à classificação dos intervenientes de ambos os lados em moderados e radicais. Na SIC, Lobo Xavier apelava para que o Primeiro-Ministro fizesse um discurso moderado, invectivando, verdadeiramente em estado de fúria, os agradecimentos aos Católicos feitos por Louçã por estes terem votado a favor do Sim. Estes senhores, quando perdem eleições, dá-lhes para o desnorte. Assim, a despropósito, referiu a IV Internacional, insinuando que aquele pertenceria aquela organização. Mas, voltando aos moderados e aos radicais, Pacheco Pereira (PP), reincidente, distribuiu na SIC epítetos por ambos os lados, acusando os adeptos do Sim de se terem manifestado ruidosamente com a vitória do seu campo, e de terem mesmo, horror dos horrores, batido palmas e gritado vivas. Queria que ficassem todos a velar defuntos, pois o que estaria em causa era o aborto de inocentes, digo eu. Depois lá distribui umas ferroadas aos do Não. Mas esta preocupação de Pacheco Pereira, de distribuir equitativamente a radicalidade de modo a ele ficar sempre no centro sensato, não o impediu de, mais uma vez, fazer as análises mais justas da noite, tendo como contraponto os dislates de Marcelo, na RTP, para quem a vitória do Sim se devia quase exclusivamente a intervenção em força do Primeiro-Ministro, ou os dos yes men Vitorino, na RTP, e Jorge Coelho, na SIC (não vi a TVI). PP afirmava que o tinha vencido era uma alteração das mentalidades e que não se podia confundir a vitória do Sim com opções estritamente partidárias, dado que as posições relativamente à problemática da IVG eram uma questão civilizacional. PP também referiu a influência da Igreja Católica na distribuição da votação, tema que tanto Marcelo e como Vitorino fugiram, como o Diabo foge da cruz, de abordar.
É evidente, que o que estava em causa, para além dos problemas sempre reais da penalização das mulheres que abortam e das questões de saúde pública resultantes do aborto clandestino, era o combate ideológico, nos termos em que o marxismo formula este conceito, entre o reaccionarismo da Igreja, quer da hierarquia quer dos leigos, e o laicismo e o livre pensamento dos defensores do Sim. Ontem encontravam-se do mesmo lado da barricada a esquerda progressista, sempre defensora destas causas, o velho republicanismo laico e anticlerical, ou seja, a maçonaria, a social-democracia europeísta e terceira-via, a direita neoliberal, não vinculada à Igreja, e até alguns Católicos, ainda herdeiros daquela corrente minoritária que, num tempo já passado, era designada por Católicos progressistas. Do outro, a do Não, o Portugal de sempre, acolhido na Santa Madre Igreja, que foi salazarista e hoje, porque se considera desempoeirado, defende a democracia e a ciência, porque lhe dá jeito, mas continua como sempre agarrado aos mesmos preconceitos morais relativos à sexualidade humana.
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